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OS TEMAS DE 2013 CONTINUAM EM 2014

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“Com mais de trinta anos de vivência no mercado editorial, busco mais aprender a fazer as perguntas certas do que qualquer outra coisa. Fazer as perguntas certas para as várias personas sociais, e procurar verificar se os paradigmas (no conceito de Thomas Kuhn) se sustentam ou não. Até porque, ao contrário das ciências físicas, a sociedade muda ao mesmo tempo em que são feitas as perguntas e se elaboram os discursos. E, nessa situação de mudanças e incertezas, sobra pouco espaço para afirmações taxativas, e necessidade de muito empenho para começar a vislumbrar o que se deseja compreender.”

14 de maio – Um mercado opaco

Entre esta coluna no PublishNews e as que saíram no blog O Xis do Problema publiquei ano passado cerca de setenta posts sobre questões do mercado editorial.

Os temas foram bem variados. Os livros têm essa característica de servir de “meio” para se falar de qualquer coisa. São, de certa maneira, um reflexo do mundo real. E as complexidades do mercado editorial acompanham essa variedade: autores, editores, distribuidores, livreiros, leitores. Para se realizar, o livro precisa ser lido, chegar a seu destinatário final, o leitor. Sem isso, perde sentido. O esforço de todos os envolvidos, portanto, se unifica nesse objetivo comum: chegar ao leitor.

E como o livro é, ao mesmo tempo, produto, objeto de consumo e um bem cultural ou educacional, a mescla dessas características torna as atividades de todos dessa cadeia sujeitas a inúmeros condicionantes.
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A abertura da feira – discursos

Em 1994, quando o Brasil foi pela primeira vez convidado de honra da Feira de Frankfurt, uma das críticas feitas foi a de que o orador oficial teve um péssimo desempenho. Foi Josué Montello, então presidente da ABL. Escolhido exatamente por ser uma alternativa institucional, para evitar polêmicas sobre que nome representaria melhor nosso país na ocasião.

Na verdade, foi uma escolha infeliz da Comissão Organizadora de então. Montello passou o tempo falando de suas leituras de Goethe e de como amava a cultura alemã.

Peter Weidhaas, que inventou esse formato atual da Feira de Frankfurt, no qual, a cada ano, um país ou um tema servia de pretexto para centralizar discussões, debater problemas, apontar rumos para a cultura, deixou claro em seu livro sobre a história da feira, “See you in Frankfurt”, que a escolha não fora adequada.

Este ano tivemos dois discursos excelentes de autores e uma palhaçada do Vice-Presidente Michel Temer.

Devo dizer aqui que sempre me sinto insultado quando brasileiros se apresentam com o discurso do país vira-lata, como dizia Nelson Rodrigues. Essa síndrome acomete personagens de todas as estirpes: políticos, jornalistas e também escritores, é claro. Mas me sinto igualmente ofendido e irritado com o discurso ufanista. Vade retro, Afonso Celso e epígonos.

Escrevo isso porque ecoam, na Internet e nos corredores da feira, até por quem não é ufanista, críticas ao discurso do Rufatto na abertura. Enquanto o escritor era ovacionado depois do discurso, já o Ziraldo se levantava gritando que não era para aplaudir, e que se ele, Rufatto, não gostasse do Brasil, que se mudasse.

Foi um discurso tão forte que o Michel Temer tentou responder no ato, deixando transparecer uma ameaça velada, ao comentar sobre a liberdade de expressão garantida em nosso país desde a redemocratização em um tom que queria assinalar que havia limites para isso.

Mas, o que disse o romancista?

Fundamental é lembrar a pergunta retórica inicial da fala: “o que significa ser escritor num país situado na periferia do mundo, um lugar onde o termo capitalismo selvagem não é uma metáfora?”

Essa a questão fundamental levantada pelo escritor e cidadão Luis Rufatto. Diz respeito a todos nós. O que significa ser cidadão em um país tão selvagem?

Em várias matérias publicadas por ocasião das comemorações dos 25 anos da Constituição de 1988 transpareceu, de modo evidente, que a cidadania não é usufruída plenamente por todos os brasileiros. Que direitos são negados. Que injustiças são cometidas cotidianamente. Que temos, em uma palavra, muito pela frente até podermos nos considerar um país minimamente justo. Rufatto nada mais fez que reafirmar isso. E foi importante que o fizesse. Não para desmerecer ou definir o Brasil. Muito pelo contrário. No caso, não fez mais que se integrar a uma honrosa tradição da nossa literatura, que é a de pensar o Brasil enquanto se está olhando de longe.

A história de 500 anos de iniquidade começa a se modificar, com todas as dores do parto. “A maior vitória da minha geração – diz ele no discurso – foi o estabelecimento da democracia. – são 28 anos ininterruptos, pouco, é verdade, mas trata-se do período mais extenso de vigência do estado de direito em toda a história do Brasil. Com a estabilidade política e econômica, vimos acumulando conquistas sociais desde o fim da ditadura militar, sendo a mais significativa, sem dúvida alguma, a expressiva diminuição da miséria: um número impressionante de 42 milhões de pessoas ascenderam socialmente na ultima década. Inegável, ainda, a importância da implementação de mecanismos de transferência de renda, como as bolsas-família, ou de inclusão, como as cotas raciais para o ingresso nas universidades públicas.”

Rufatto tem uma história pessoal admirável. Nascido em família pobre, foi de pipoqueiro a operário antes de virar jornalista e escritor. E sua obra procura desvendar nosso país e o mundo ao seu redor a partir dessa inserção. Não está, ao contrário de tantos, à procura de seu próprio umbigo.

Diz ele: “Acredito, talvez até ingenuamente, no papel transformador da literatura. […] Tive meu destino modificado pelo contato, embora fortuito, com os livros. E se a leitura de um livro pode alterar o rumo da vida de uma pessoa, e sendo a sociedade feita de pessoas, então a literatura pode mudar a sociedade. Em nossos tempos de exacerbado apego ao narcisismo e extremado culto ao individualismo, aquele que nos é estranho, e que por isso nos deveria despertar o fascínio pelo reconhecimento mútuo, mais que nunca tem sido visto como o que nos ameaça. Voltamos as costas ao outro – seja ele o imigrante, o pobre, o negro, o indígena, a mulher, o homossexual – como tentativa de nos preservar, esquecendo que assim implodimos a nossa própria condição de existir. Sucumbimos à sólidas e ao egoísmo e nos negamos a nós mesmos. Para me contrapor a isso, escrevo: quero afetar o leitor, modificá-lo, para transformar o mundo. Trata-se de una utopia, eu sei, más me alimento de utopias. Porque penso que o destino último de todo ser humano deveria ser unicamente esse, o de alcançar a felicidade na Terra. Aqui e agora.”

Considerar esse discurso como sendo “contra o Brasil”, me desculpem, é não saber ler. Ou preferir ser do tipo de escritor que se alimenta do próprio umbigo.

Sou mais Rufatto.

O discurso da Ana Maria Machado, em tom muito diferente, condicionado também por sua posição oficial, não deixou de apontar as questões que deveriam afligir todos os escritores e todos os brasileiros. Diz ela aos ouvintes: “estejam certos que vão encontrar o reverberar dos problemas brasileiros nas obras de vários autores de percepção aguda. A sociedade e a política brasileira estão sempre nos rondando, por perto, por baixo do que se publica entre nós. Esse substrato político na escrita é uma dês nossas marcas. Em seu conjunto, nossos livros levantam indagações, reflexões, diálogos críticos com o real, hipóteses do imaginário, a partir de fatos do nosso cotidiano e de sabores por eles despertados em cada um de nós.”

Infelizmente, há também os que pretendem, ou fingem, escrever em um mundo imaginário que tem como única referência o próprio umbigo. Boa companhia lhes fará Paulo Coelho e outros do imaginado Parnaso da autoindulgencia.

A nota de rodapé patética foi o discurso do Temer. Coitado. Não merece mais que isso.

Felizmente para honra de nossa participação como Convidados de Honra da Feira de Livros de Frankfurt, os dois escritores fizeram uma bela homenagem à literatura e seu poder transformador.

Literatura brasileira no exterior: problema dos editores?

Prólogo.
Esse é um assunto que me interessa muito. Participei da organização da primeira vez em que o Brasil foi país convidado da Feira de Livros de Frankfurt, em 1994. Depois, participei também da organização da presença brasileira em outras feiras: Bogotá (1995), Guadalajara (2001). Em 2011 publiquei uma série de posts no blog sobre a participação em 1994 (veja aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, e aqui) e também já me manifestei sobre a importância e as condições de participação em feiras internacionais aqui.

Em relação à próxima presença do Brasil em Frankfurt, em outubro, minha contribuição se resumiu em um paper com considerações sobre as possíveis linhas mestras do pavilhão principal. Não fiz e não faço parte da organização da feira, nem da programação dos autores. Além disso, estou como editor da Machado de Assis Magazine, coedição entre a FBN e o Instituto Itaú Cultural (trabalho que não onera o orçamento da FBN). A revista publica excertos de traduções de autores brasileiros, selecionados por uma Comissão Editorial a partir de chamamento público.

O que eu gostaria aqui seria contribuir com a discussão, procurando analisar o que está em jogo, e as condições em que esse jogo é jogado no mundo editorial. É o que posso fazer, como cidadão envolvido com as questões de políticas públicas para o livro e a leitura.
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CALLIS – UMA EDITORA QUE ABRE CAMINHOS NO MERCADO INTERNACIONAL


A Callis Editora, de São Paulo, que já tem vinte e cinco anos de vida, abre caminhos para venda de livros e direitos autorais no mercado internacional desde 2001, quando, pela primeira vez, vendeu livros para o programa da SEP – Secretaría de Educación Pública do México. Desde então já fez negócios com a Itália, os EUA, Coreia, Japão, Chile, Itália, China, Argentina, Taiwan, França, Reino Unido e Canadá.

Encontrei Míriam Gabbai, sua fundadora e diretora, em Frankfurt, no lançamento da Machado de Assis Magazine. Para minha surpresa, Míriam me convidou para visitar seu estande no Pavilhão 8. É lá que se abrigam as editoras de língua inglesa. Surpreso, perguntei a Míriam o que significava aquilo.

– Vá lá nos visitar que eu explico.

Fui, claro. Era um estande pequeno – não dos minúsculos, porém mais ou menos do tamanho de um estande padrão das bienais do Rio ou de S. Paulo – e a plaquinha indicava “Callis – N.Y.”.
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Revista Machado de Assis convoca participantes para seus números dois e três

O lançamento dia 10 do primeiro número da “Machado de Assis Magazine”, com textos traduzidos de autores brasileiros para que sejam apresentados a editores e agentes internacionais, foi acompanhado pelo anúncio do chamamento público de autores intessados em participar dos próximos dois números.

As inscrições para essas duas edições poderão ser feitas até o dia 10 de novembro. A segunda edição será dedicada a trechos de obras de ficção brasileira (como a primeira) e a terceira será inteiramente voltada para a literatura infantil e juvenil. O Brasil já começa a se preparar para a homenagem que receberá em 2014 na Feira de Livros para Crianças e Jovens em Bolonha. Para a segunda edição, além de textos em inglês e espanhol, serão analisadas propostas para textos apresentados em alemão de dez obras de ficção brasileira, desde que já tenham sido publicadas em livro no Brasil.

Os interessados devem se dirigir ao Centro Internacional do Livro – CIL, da Biblioteca Nacional, para conhecer os detalhes do chamamento e apresentar suas propostas, pelo email cil@bn.br.

Frankfurt – dia 1

Depois de mais de dez anos de ausência, este ano voltei à Feira do Livro de Frankfurt. Ontem, terça feira, foi a abertura oficial, com a apresentação da Nova Zelandia como convidado de honra deste ano.

Na análise que fez da presença do Brasil em 1994, Peter Weidhaas, então diretor da feira, mencionou como um dos problemas dessa apresentação do Brasil foi o discurso de abertura, feiro na época por Josué Montello, que era presidente da ABL. Montello divagou sobre seu amor pela Alemanha e por Goethe, citando uma senhora que, emocionada, havia lhe dado uma estatueta do poeta alemão que herdara de seu marido, colecionador das obras de Goethe. E foi por aí.

Weidhaas dizia que, para os alemães, isso nao interessava nada. Eles esperavam um autor que falasse sobre os problemas universais, a perspectiva do país e de como promover a literatura,etc. A falta de impacto do discurso do Montello prejudicou em muito a presença do Brasil.

Eis que os neozelandeses fazem discursos centrados em duas coisas: como gostavam de Goethe e como a Nova Zelandia é pequena, etc. etc. Parecia coisa se menino que fez alguma travessura e já vai pedindo desculpas.

Decepcionante.

O pavilhão com a exposição central da Nova Zelandia partiu de uma coisa parecida: olhem, estamos do outro lado do mundo, enquanto vocês dormem nós estamos acordados… Um pavilhão escuro, com água em redor de uma ilha obvia, iluminada de longe, com belas fotografias de paisagens (foi outro ponto assinalado nos discursos, o de quão bonito o pais é).

Enfim, considero que essa cerimonia de abertura foi exemplo de como o Brasil nao deve fazer ano que vem.

Feiras Internacionais – vale a pena ser país-tema?

Sabendo do meu envolvimento com a presença internacional da literatura brasileira, amigos meus já perguntaram para que serve essa história de ser “país convidado” ou “tema central” de feiras internacionais. Com a próxima reapresentação do Brasil como tema em Frankfurt, em 2013, vale a pena pensar um pouco a respeito.
Como já escrevi neste blog, o inventor desses “temas centrais” em feiras do livro foi Peter Weidhaas que, durante vinte e cinco anos, foi o diretor da Feira do Livro de Frankfurt, como resposta a uma demanda de que aquele evento não se restringisse a ser um amplificador do negócio de best-sellers e abordasse também temas relevantes no âmbito da discussão intelectual.
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“See you in Frankfurt!”

Era assim que amigos, conhecidos ou quem estivesse envolvido com a presença de sua editora (ou do país) na maior feira de livros de mundo se despediam de Peter Weidhaas que, por 25 anos, foi o diretor da Austellungs und Messe, a empresa de propriedade dos editores e livreiros alemães. É também o título do livro em que ele relembra essa experiência.
Quando conheci Weidhaas, no processo de preparação para a participação do Brasil como tema da Feira de Frankfurt de 1994 (em 1992), ele era, para mim, uma espécie de “todo-poderoso” do evento. O que Peter decidisse, estava decidido. Já fora à Feira antes, mas não o conhecia pessoalmente.
O livro lança luz sobre a trajetória que o levou a essa posição e o que estava subjacente à sua concepção das feiras de livro e de sua importância para a difusão do livro e da leitura.

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A Literatura Brasileira no Exterior

Aqui está a coluna publicada no Publish News de hoje.

Em 1994 fui um dos organizadores da participação do Brasil como “País Tema” da Feira de Livros de Frankfurt, assunto sobre o qual ainda voltarei a falar. Mas hoje quero compartilhar com os leitores algumas reflexões decorrentes da minha participação atual no projeto Conexões – mapeamento Internacional da Literatura Brasileira, do Itaú Cultural, do qual sou consultor.
A menção à Feira de Frankfurt não foi casual. O fato é que, depois dela, o número de traduções e o reconhecimento da literatura em português produzida no Brasil aumentou substancialmente. As estatísticas internacionais são tão ou mais precárias que as brasileiras, mas os dados do mercado editorial alemão mostram que os livros dos nossos autores eram os mais traduzidos entre os provenientes do chamado “Terceiro Mundo”, na Alemanha.
Esse enorme esforço não teve a continuidade merecida, em termos de políticas públicas de promoção da literatura. Os programas de apoio à tradução foram interrompidos várias vezes, e as ações se resumiram quase que à presença das editoras brasileiras nas feiras internacionais.
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