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O “censo” do Livro Digital

Cortesia da Simplíssimo

A divulgação do “Censo do Livro Digital”, pesquisa feita pela FIPE, sob encomenda da CBL e do SNEL, suscitou muitas reações, como previsível. Algumas bastante irritadas pela ausência do que, evidentemente, são dois componentes importantíssimos desse mercado: os dados da Amazon e os dos chamados autores auto publicados. Estes, por sua vez, em parte abrigados na própria Amazon, através do programa KDP; outros, por conta própria ou através de agregadoras, que publicam tanto livros impressos quanto e-books, seja por encomenda, seja com a contribuição de autores.
Os dados da Amazon relativos às editoras tradicionais não são tão importantes, já que, em princípio, estas informaram o quanto venderam por este canal, assim como pelas outras empresas que vendem livros eletrônicos – Kobo, Google, Apple iTunes, Saraiva, Cultura, etc.

Essa pesquisa, tal como a de produção e vendas do mercado editorial, não se propõe a verificar o total das vendas no varejo.

Explico. Na produção e vendas de livros impressos, as editoras informam o quando produziram e venderam naquele ano determinado. Ora, o varejo trabalha também com estoques de livros produzidos em outros anos e já comprados (supõe-se que as vendas de reposições no ano sejam informadas pelas editoras). Nesse sentido, o livro digital leva uma vantagem de precisão, já que não existe estoque. Os varejistas faturam e pagam apenas os livros vendidos. O problema óbvio é que a Amazon, dominante nesse mercado, não fornece nenhum dado.

Isso mostra um problema constante a quem analisa dados de pesquisa. É preciso ter clareza sobre o que está sendo perguntado e respondido. Se a pesquisa for tecnicamente bem-feita, ela responderá (por amostragem) aquilo que foi perguntado. NUNCA é um retrato total do objeto pesquisado.

Analogamente, as pesquisas do tipo das feitas pela Nielsen e pela GfK, que detalham a movimentação dos pontos de venda, revelam um determinado tipo de realidade do varejo, e não outras. Não respondem, por exemplo, pelas vendas feitas diretamente pelas editoras aos governos e outras instituições do gênero (por exemplo, as compras de livros infantis eventualmente feitas pelo Itaú e por outros programas similares, ou pelas escolas, etc.). E estão restritas aos varejistas que aceitaram pagar pela implantação do software da Nielsen ou da GfK em seus pontos de venda.

Desse modo, temos que considerar, em primeiro lugar, o que foi perguntado e a quem.

O tal censo (que não é censo, exatamente porque não abarca todo o universo, e a palavra só é usada, pela FIPE e por seus financiadores, como um instrumento de mercado, para sugerir uma abrangência e precisão que simplesmente não existe), perguntou, a uma amostra, selecionada com critérios especificados (mas não divulgados na apresentação), quantos e-books foram vendidos e qual o faturamento obtido por isso.

A GfK, empresa alemã que faz um trabalho de pesquisa no varejo basicamente semelhante ao da Nielsen, inclusive o Nielsen BookScan (tanto uma como outra pesquisam vários tipos de produtos), publicou em março passado um survey, feito online, em dezessete países, sobre a frequência de leitura online de livros. Na descrição (em inglês), dos objetivos do levantamento, a GfK declara: “A GfK entrevistou, no verão de 2016 [no hemisfério norte, suponho], mais de 22.000 consumidores com idade igual ou superior a 15 anos, online, em 17 países. Os dados foram ponderados para refletir a composição demográfica da população online em cada mercado”.

Ou seja, a descrição expõe as condicionantes: idade igual ou superior a 15 anos dos pesquisados, ponderados para refletir a população online de cada mercado. Vejam bem, não se tratava da população total de cada país, e sim da chamada “população online”, o que supõe outra pesquisa (não divulgada no mesmo local), que mostraria o percentual da população total que a GfK considera como online.

E a pesquisa (que não vou comentar aqui em detalhes) mostra exatamente isso. Quem quiser vê-la pode acessar aqui .

Só para informação, a pesquisa mostra que 26% da população online brasileira lê e-books todos os dias. Mais 27% lê pelo menos uma vez por semana e apenas 6% nunca lê.

Evidentemente, esses dados, que parecem muito promissores, dependem de que se conheça qual é essa população online e mostram tão somente a frequência de leitura. Não indicam quantos títulos são lidos e muito menos a origem do que é lido (comprados, emprestados, pirateados, clubes de assinatura, etc.), o valor de mercado que isso representa, nem que tipos de livros são lidos.

Vejamos como foi feita a pesquisa FIPE-CBL/SNEL.

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Carta aberta da ANL sobre o comércio de livros digitais – e comentários.

A ASSOCIÇÃO NACIONAL DE LIVRARIAS – ANL, enviou à imprensa uma carta aberta sobre o livro digital, aqui transcrita, com comentários meus no final.

CARTA ABERTA DA ANL SOBRE O LIVRO DIGITAL NO BRASIL

Diante de novos desafios, assim como diante da chegada iminente do maior varejista mundial do comércio eletrônico, bem como da paulatina porém inexorável difusão da leitura sobre suportes digitais, a ANL – Associação Nacional de Livrarias apresenta sua posição, acompanhada de sugestões para todos os integrantes da cadeia produtiva do livro.

Diferentemente do que ocorre no campo dos meios de comunicação, em que existem leis que disciplinam o mercado, regulando e limitando a participação de empresas multinacionais, no mercado livreiro e editorial brasileiro predomina quase que exclusivamente a livre iniciativa, com um claro déficit de proteção para a produção nacional. Quem tem poder maior de compra dita as regras, sem levar em conta a necessidade de preservação da bibliodiversidade, nem a importância de manter o vigor dos distintos canais de comercialização. Enquanto se mantém há várias décadas a praxe de se cobrar o mesmo preço para jornais e revistas numa mesma região geográfica, independente do tipo de ponto de venda, o que torna viável a existência de uma vasta rede de distribuição para estes produtos, até hoje não se chegou a um acordo semelhante para a comercialização de livros.

Sofremos hoje com baixíssimos índices de leitura e pequena presença de livrarias espalhadas pelo país. Segundo dados do IBGE, menos de um terço dos municípios brasileiros possui ao menos uma livraria. Este número, que por si é preocupante, vem diminuindo ao longo dos anos, tendo havido aumento da concentração nas regiões Sul e Sudeste e maior peso de grandes empresas varejistas.

Preocupada com essas questões, e mirando-se na experiência acumulada pela indústria cinematográfica que soube preservar, apesar de todas as turbulências e transformações recentes, sua cadeia de distribuição, a ANL, principal entidade em defesa dos livreiros brasileiros, através de sua diretoria, se manifesta e compartilha as seguintes orientações:

Recomendamos estabelecer um intervalo de 120 dias entre

o lançamento dos livros impressos no formato de papel no mercado brasileiro e sua liberação nas plataformas digitais.

 Solicitamos que o desconto para revenda do livro digital para todas as livrarias e para as demais plataformas seja uniforme, possibilitando igualdade de condições para todos os canais de comercialização nesse novo suporte de leitura.

 Sugerimos que a diferença de preço a menor do livro digital para o formato impresso seja no máximo igual a 30%.

 Na hipótese de a editora ou distribuidora vender diretamente ao consumidor final, o desconto nos livros digitais não poderá exceder 5%.

Ednilson Xavier

Presidente da Associação Nacional de Livrarias

Comentários:

A ANL procura reagir bravamente à situação provocada pela concentração que acontece também na rede de livrarias, e pela chegada da Amazon no Brasil.

Vejpo na iniciativa o mérito de fazer propostas. Mas aís e encerra o caso: são propostas que, para quem conhece o mercado editorial brasileiro, tem chances remotíssimas de prosperar.

As maiores editoras brasileiras do segmento obras gerais, reunidas em uma ditribuidora para produtos digitais, a DLD, se esforçam para tentar colocar limites no apetite monopolista da Amazon. Como não conheço os termos da negociação aparentemente terminada, só poderei opinar sobre isso depois que o assunto vier a público.

Os rumores de negociações entre a Amazon e a proprietária da Submarino/Americanas persistem e ressurgem volta e meia. A Saraiva voltou à baila também, com a possibilidade de venda somente do segmento de vendas digitais. Como tanto eu como o Carlo Carrenho já comentamos, não interessa à Amazon adquirrie e administrar uma rede de livrarias físicas. Aparentemente não interessava à Saraiva a venda da operação online, mas, ao que se diz, essa situação mudou.

O Kobo, que é a alternativa ao leitor Kindle da Amazon, fechou acordo com a Livraria Cultura para que esta seja o canal de venda dos e-readers. Não sabemos que movimentações possam estar acontecendo em relação a cadeias de livrarias regionais, menores que a Saraiva e sem tanta visibilidade mediática quanto a Cultura, mas que são importantes em regiões específicas, como é o caso das Livrarias Curitiba e da Leitura. Note-se que a Kobo fechou um agordo com a ABA – American Booksellers Association, para que o sistema Kobo seja adotado pelas livrarias independentes como seu canal para venda de produtos digitais.

Mas a grande questão é que, para as autoridades brasileiras de regulamentação da concorrência, amparadas pela legislação brasileira, que é muito calcada na dos Estados Unidos nesse aspecto, as possibilidades de regulamentação de descontos e da instituição do preço fixo são muito remotas aqui. A argumentação sobre o preço fixo dos jornais é absolutamente correta. Mas o PIG, como sabemos, manda muito no país, e mexer com seus interesses é muito difícil. Penso que, na perpectiva dos jornalões, eles não vão querer estender esse guarda-chuva do preço fixo para mais ninguém. É deles e pronto.

Amanhã viajo ao México, convidado pela Feira de Guadalajara para participar de uma mesa redonda que se propõe a discutir precisamente o tema de se as livrarias independentes podem resistir e sobreviver à pressão das grandes cadeias e dos mega-varejistas online.

Até acho que podem, sim. Mas, para isso, as livrarias independentes brasileiras têm que ir muito mais adiante, em termos de organização, modernização administrativa e tecnológica e estratégias bem definidas para uma resistência que vá mais além da “recomendação”, da “solicitação” e da “sugestão”.

É significativo que a Kobo tenha buscado um acordo com a ABA nos EUA. A ABA tem capacidade de organização e aglutinação que vêm se fortalecendo há anos, com a organização de canais cooperativos de vendas online entre seus associados. Situação muito diferente da nossa ANL.

Depois da mesa em Guadalajara conto para vocês o que apareceu lá e quais as análises feitas.

Qual a vantagem de ir para um Congresso do livro digital?

Nos dias 26 e 27 de julho passado aconteceu o 2º. Congresso Internacional CBL do Livro Digital. Foram doze eventos, entre palestras e mesas-redondas, além da apresentação de trabalhos científicos em uma sala anexa. Boa frequência, apesar do preço salgado. Poucas perguntas e ainda menos discussões. A plateia permaneceu passiva depois da maior parte das palestras/mesas redondas, e mesmo as perguntas feitas não provocaram grandes discussões.
Não pretendo comentar todas as palestras ou discussões. Quero apenas chamar atenção para alguns tópicos que me pareceram os mais interessantes.

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D’O CAPITAL AO LIVRO DIGITAL (PASSANDO PELO CINEMA)

Dias atrás enfrentei uma maratona de 492 minutos para assistir as três partes do filme “Notícias da Antiguidade Ideológica: Marx, Eisenstein, O Capital”, do cineasta alemão Alexander Kluge. Sem querer entrar na seara do colega colunista aqui do Publish News, Pedro Almeida, e sua coluna “Veja antes de ler”, quero aproveitar o filme para fazer algumas considerações sobre livro e cinema. Não entro na seara dele porque não se trata de “ver antes de ler”. Muito pelo contrário. O que eu quero falar é sobre a especificidade do ler e, portanto, da irredutibilidade do livro.
As notícias sobre o filme vendiam uma coisa e, na verdade, o esforço do cineasta era outro. As matérias falavam de “um filme sobre O Capital” e até insinuavam que se tratava de uma tentativa de filmar a obra fundamental de Marx.

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