Rodrigo Montoya é um dos mais importantes antropólogos peruanos. Mais que isso, é um pensados, à esquerda, que procura unir a tradições indígenas andinas e da Amazônia à luta pela democracia e pelo socialismo.
Tivemos, eu e a Maria José Slveira, a grande oportunidade de estudar Antropologia na Universidad Nacional Mayor de San Marcos – a mais antiga das Américas – entre 1976 e 1979. E mais, a pesquisa que fizemos sob orientação do Rodrigo Montoya em Puquio, no Departamento de Andahuaylas, se transformou e um livro publicado pela editora Mosca Azul, em Lima, assinado pelos três.
Desde o momento do golpe boliviano entrei em contato com Rodrigo Montoya para saber da sua interpretação dos fatos e as perspectivas que se abriam (ou fechavam), para o povo boliviano.
Logo depois do golpe boliviano publiquei também um post no FB, reproduzindo um pequeno trecho do romance “Com esse Ódio e com Esse Amor”, da maria José Silveira, que transcrevo aqui novamente:
LOS AYMARA No romance “Com esse ódio e esse amor”, Maria José Silveira conta uma história dupla. Uma engenheira brasileira viaja para a Colômbia para trabalhar na construção de uma ponte e acaba prisioneira das FARC. A história paralela é o roteiro de um filme que conta a rebelião de Túpac Amaru, a grande revolta dos povos andinos contra a dominação espanhola, ainda no Século XVIII. Na região que hoje está na Bolívia, a rebelião é liderada por Tupac Catari, que tem uma irmã, Gregória, conhecida como La Carnicera. Um trecho do romance: “Naquele momento único em que se dão conta que venceram, que os inimigos fugiram ou tombaram, o momento esfuziante em que a euforia da adrenalina dá lugar à sensação e um alívio extraordinário e ao cansaço extenuante da luta vencida contra a morte. Andrés, em seu cavalo, passa lento entre os mortos. É então que vê Gregória caminhando por cima dos corpos estendidos no chão, pisando-os, uma figura como que possessa, chicoteando de um lado para o outro. O ziiip de seu chicote andino fustiga o ar e os corpos tombados entre a lama, os restos, o sangue. Andrés pula de seu cavalo e segura seu pulso no alto: – Basta! Eles estão mortos. Gregória se vira para avançar sobre quem teve a ousadia de deter sua mão. Ao ver quem é, vacila. A força de Andrés controle seu pulso; com um arranco, ela o solta e se afasta. – Agora entendo por que os espanhóis te chamam de Carniceira – ele diz. Ela vira para ele os olhos incendiados, para e cospe no corpo morto do realista a seu lado.” São os Aymara. Para vocês sentirem como pode ser a reação dos que descem do El Alto para La Paz, onde a usurpadora disse que eles não cabem.
Espero que lhes seja útil como informação e reflexão sobre os acontecimentos na Bolívia.
Nos dias 4 e 5 de junho passados aconteceu, na UnB, a III Jornada de Crítica Literária, cujo tema era precisamente esse – Literatura e Ditaduras -, com o objetivo de provocar o debate sobre as relações estre estética e política, pondo em evidência situações históricas do passado para reflexão da cultura contemporânea, lembrando que o processo democrático tem sido alvo de constantes golpes ao longo da história política do continente latino-americano.
Coordenado pelos professores Paulo C. Thomas (UnB), Regina Delcastagne (UnB) e Rejane Pivetta (UPF), a jornada mostrou em onze mesas com escritores e professores, (duas das quais de estudantes da UnB que apresentaram trabalhos em desenvolvimento), como se desenvolve essa difícil relação. Relação que, em diversos momentos, tem sido muito marcada pela negação, disfarçada na afirmação de que as duas coisas não podem (ou não devem) se misturar.
Como disse a escritora Maria José Silveira em sua intervenção, “O ‘não’ é um dos problemas de quem se aventura a escrever sobre política. No momento da ditadura pura-e-nua, era o ‘não’ da censura. Depois e sempre, é a crítica pseudo-não-ideológica que propugna uma literatura sem política, como se isso pudesse existir, ou a adesão até inconsciente à política do esquecimento: ‘Por que falar dessa época?’ ou ‘Todo mundo é contra a ditadura, que bom que ela passou, agora vamos falar de outro assunto?’”
No debate, um dos professores presentes reconheceu que haviam até discutido o romance “O Fantasma de Luís Buñuel”, da mesma Maria José, que tem Brasília, a própria UnB (e a ditadura civil-militar de 1964-1988) como pano de fundo, mas que o desenvolvimento do assunto não aconteceu. De certa forma, foi também um exemplo do “Para que falar dessa época? Todo mundo é contra a ditadura, que bom que ela passou, agora vamos falar de outro assunto?”
Até que o golpe em decurso (sabemos como um golpe começa, mas não como se desenvolve ou termina, assim vale lembrar: cave, canem) recolocou o assunto brutalmente em pauta. Mais uma vez. De onde não deveria ter saído.
Na verdade, esses “nãos” também escondem algumas armadilhas, nas quais muitas vezes caem escritores que se atrevem a tratar desses assuntos. Uma delas é a confusão, muitas vezes deliberada, da crítica e dos bem-pensantes, que trata a abordagem literária como um simples documentário da “verdade”. Ora, a “verdade” que não é transfigurada pelo trabalho literário não chega nem a ser documentário: é uma chatice. Mas a solução para esse problema não é simplesmente olhar para o próprio umbigo e elevar isso à suprema categoria literária.
Como diz também a Maria José Silveira: “É arriscado escrever sobre o que nos atinge tão de perto. O tempo da ditadura é um passado que não passou. Embora por alguns curtos anos tenhamos vivido no wishful thinking de acreditar que estávamos em uma democracia, hoje vemos como a ditadura e seus restolhos estão se fazendo presente, emergindo sem pejo dos subterrâneos, loucos para respirar ar fresco. Ao escrever sobe tantos horrores ainda tão presentes, é preciso uma atenção enorme para não cair no perigo fatal de ser panfletário. Se isso acontece, a literatura morre. De morte matada por nossas boas intenções”.
A editora Marcela Neublum, convidada pelo Publish News, fez sua primeira incursão à Feira de Frankfurt, com o compromisso de relatar suas impressões de neo-marinheira no maior evento editorial do mundo. Foram seis posts bem escritos e divertidos, nos quais ela conseguiu retratar bem tanto o gigantismo como a diversidade e os desafios de estar ali.
Em sua última coluna, publicada na segunda-feira 24, Marcela Neublum termina com algumas reflexões. Apesar da coluna estar no ar no site, transcrevo o que comentarei em seguida:
“E se, em 2017, você enviasse à Feira aquele seu editor que há anos faz os livros da sua editora acontecerem? E se, em 2017, você incluísse em sua agenda reuniões com editoras menores, não tão conhecidas pelo mercado? E se, em 2017, de cinco projetos com possibilidade de lucro, você aprovasse um pensando apenas em divulgar um ótimo novo escritor ou imaginando as consequências reais que aquele conteúdo poderá gerar no seu leitor?”
Marcela, essa foi uma observação bem pertinente.
Como ex-sócio de uma editora que sobreviveu dezoito anos até ser engolida no turbilhão, estive – juntamente com a Maria José Silveira e o Márcio Souza – várias vezes na Feira. Depois do falecimento da Marco Zero, ainda voltei muitas outras, como diretor da CBL, como curador do Conexões Itaú Cultural – Mapeamento Internacional da Literatura Brasileira e como editor da Machado de Assis Magazine – Literatura Brasileira em Tradução.
Sua última observação – “questionamento” – você diz que seria importante aprovar pelo menos um projeto “pensando apenas em divulgar um ótimo novo escritor, ou imaginando as consequências reais que aquele conteúdo poderá gerar no seu leitor”.
Pois bem, Marcela, quero dizer – e transmito também a experiência da Maria José e do Márcio -, que garimpar pelos corredores da Feira olhando com atenção os estandes menores pode render não apenas a “descoberta de novos autores”, como oportunidades de ótimos negócios.
As condições em que viajávamos para Frankfurt eram bem precárias. Geralmente ficávamos na casa de amigos, na maioria das vezes arranjados pelo Teo Mesquita, proprietário da única livraria que vendia livros brasileiros, portugueses e da África lusófona em Frankfurt. E nossa “verba” para aquisições era reduzidíssima.
Por isso mesmo, nada de entrar em leilões ou tentar comprar bestsellers. Íamos atrás precisamente do novo, do inusitado. Não apenas na Feira, é claro.
Nosso amigo Domingos Demasi apareceu um dia na editora com um paperback de “Lady Oracle”. Márcio Souza havia conhecido a Margaret Atwood em um festival literário em Toronto. Como resultado desse contato, Karin Schindler – sua agente, um ouro de pessoa – nos vendeu os direitos de “Madame Oráculo”, que é primeiro livro traduzido da autora que escreve em inglês e já tinha muito prestígio no Canadá, nos EUA e no Reino Unido. Desde então, até a morte da Marco Zero, Margaret Atwood ficou conosco. Ainda que Karin Schindler recebesse ofertas de outras editoras, ela preferia manter seus livros na Marco Zero, onde Maria José traduziu alguns de seus romances. Depois, foi para a Rocco.
Anne Rice ainda era uma recém-lançada romancista de temas góticos quando publicamos “O Vampiro Lestat” – que também depois foi parar na Rocco.
“A Cor Púrpura”, lançado em 1982, em 1984 ainda não tinha o reconhecimento que teve depois. Maria José o localizou e comprou por uma bagatela que estava dentro do nosso orçamento. Nem sabíamos que o livro havia sido comprado pelo Spielberg para se transformar no famoso filme.
Outro caso emblemático foi o do “Dicionário Kazar”, de Milorad Pavic. Escritor da então Iugoslávia, não havia sido traduzido para nenhum idioma. Passando pelo estande, a Maria José conversou com o pessoal, achou a ideia do romance fantástica – inclusive o fato de ter duas versões, a “masculina” e a “feminina” – e fez uma oferta dentro das nossas possibilidades. O agente do Pavic vendeu os direitos para o idioma português dentro do nosso orçamento. Foi uma dureza para traduzir. Quando o livro foi lançado pela Knopf (que adquiriu os direitos mundiais – menos para o português), a editora portuguesa teve que comprar nossa tradução. E foi um dos romances de maior sucesso da Marco Zero.
Esses foram casos de sucesso. Poderia citar muitos outros casos em que as aquisições foram prestigiosas, mas não venderam tanto. Aliás, essa história das razões pelas quais bons livros não vendem tanto quanto o merecido foi o que levou a me empenhar no conhecimento do mercado editorial.
Essa situação que você reflete, da busca pelos livros em função do desempenho de vendas, etc., há anos vêm distorcendo o papel das editoras e do mercado editorial. Os departamentos de marketing cada vez mais assumem um papel preponderante na definição das linhas editorais, e a missão das editoras, de promover esse diálogo de vozes do mundo inteiro com os leitores, fica relegada a um segundo plano, obscurecida.
André Schiffrin, que foi editor da Pantheon (fundada por seu pai), mais tarde comprada – e vendida – pela Random House, mostra a regressão, diríamos assim, do modelo em que as editoras procuravam manter um equilíbrio com o conjunto dos lançamentos, procurando mesclar livros com maior possibilidade de sucesso com títulos considerados culturalmente importantes, de modo que havia uma espécie de “subsídio interno” para novos autores, etc. Esse modelo foi substituído por uma mentalidade corporativista na qual cada livro deveria sempre alcançar objetivos de vendas cada vez maiores. Isso levou, é claro, à diminuição da busca por novos autores, autores arriscados, novas propostas. Hoje, apenas editoras menores realmente ousam. O livro de Schiffrin ao qual me refiro, “The Business of Book”, foi traduzido. Vale a pena ler. É ilustrativo.
É claro que existem exceções. No Brasil, essa mentalidade ainda não está totalmente consolidada, e vemos até mesmo grandes editores publicando alguns – poucos – autores nacionais, mas raramente com os investimentos necessários para de marketing, promoção e comercialização para que alcancem o merecido sucesso. Mas a verdade é que os investimentos vão muito mais para eventuais autores, jovens ou não, publicados pelas editoras estrangeiras, que avaliam as condições de fazer ações de marketing significativas, e recuperam parte dos advances precisamente na venda dos direitos internacionais. E as nacionais aproveitam dessa repercussão global.
O resto são os blogueiros, vlogueiros e o escambau.
É muito importante que jovens editores percebam essa situação e os perigos decorrentes. Por isso, gostei muito do seu post.
A coluna de hoje vai escrita pela Maria José Silveira, com quem vivo a quase cinquenta anos. Vidas ricas, militantes, com as alegrias e tropeços da vida de todo mundo. A nossa, então, que atravessa militância, a minha prisão política e a clandestinidade dela, exílio, a antropologia e o mercado editorial! Por iniciativa dela fomos recrutados, eu e o Márcio Souza, para a maravilhosa aventura da Editora Marco Zero, frustrada depois de dezoito anos de vida.
Maria José tem seu espaço, como escritora, cronista e como pessoa que reflete sobre o ofício de escrever nesse nosso Brasil. Nem precisaria de ocupar esse pedaço em que trato das questões do mercado editorial. O convite foi feito para que os leitores conheçam uma reflexão que eu não posso fazer, embora a conheça muito bem. A voz de uma editora e escritora, simplesmente.
Mulheres no mercado editorial
Maria José Silveira
Estava eu aqui, sentada no meu canto de escritora, quando comecei a ver nas redes sociais um tsunami de posts das hashtags #meuprimeiroassédio e #AgoraÉQueSãoelas, ao mesmo tempo em que via também as fotos e vídeos das marchas das mulheres com o #ForaCunha e #Abaixo o PL5069.
Achei extremamente animador ver esse movimento pelos direitos e liberdade de escolha das mulheres avançar nas ruas e nas redes com tanta força e emoção. Quem tem a minha idade viveu, nos anos 60, movimentos muito fortes em torno dos direitos das mulheres, que deixaram conquistas importantíssimas – as principais, talvez, a chegada da pílula, e a conquista de espaços de trabalho e da democratização do país – mas o nauseabundo preconceito contra nós e o direito de usarmos nossos corpos como queremos jamais foi de fato derrotado. E é terrível ver, de um momento para o outro, como a regressão tomou conta de vários segmentos que antes pareciam pelo menos neutralizados; é como se agora tivessem readquirido coragem para aparecer outra vez. Nós que pensávamos que certas questões já deveriam estar há muito ultrapassadas, com espanto nos vemos regredindo aos estágios iniciais da luta das mulheres.
Por isso foi muito bom ver essa reação quase instantânea das mulheres, esse novo movimento acontecendo. E acatando a campanha #AgoraÉQueSãoElas que convida os colunistas homens a chamarem uma mulher para escrever em seu lugar, Felipe me convidou para escrever sua coluna esta semana: aceitei. É uma campanha importante, e quero fazer parte dela falando do mercado editorial, onde esse preconceito é camuflado e negado, mas existe.
Mário de Andrade, cuja morte há setenta anos está sendo lembrada, criou o projeto do Ônibus Biblioteca em 1935, quando diretor do então Departamento de Cultura do Município de S. Paulo, embrião da atual Secretaria Municipal de Cultura. A preocupação de Mário com o acesso da população à cultura é ainda mais antiga, com o estímulo da criação da biblioteca municipal que hoje leva seu nome, ainda na década de 1920, e da Discoteca Municipal, que hoje homenageia Oneida Alvarenga, musicóloga que trabalhou com o autor de “Pauliceia Desvairada”.
O ônibus biblioteca partia de uma premissa simples: “Em vez de esperar em casa pelo seu público, vai em busca do seu público onde ele estiver”. A frase é uma declaração de princípio de uma política cultural voltada para abertura ao público, de proporcionar a todos os cidadãos a oportunidade de ter acesso à leitura, o que muitas vezes lhe é negado por condições econômicas, e também pela situação de intimidação social que as pessoas muitas vezes sentem diante dos grandes prédios de bibliotecas e museus, e também das livrarias.
Como toda iniciativa de política pública, passou por muitos vaivéns nesses oitenta anos. Interrompida em 1942 pela restrição ao combustível na II Guerra Mundial, volta e desaparece mais algumas vezes nesses oitenta anos. Mas, enquadrada dentro do sistema de extensão das bibliotecas, nunca desaparece e renasce de suas cinzas cada vez mais forte.
Ano passado, os doze ônibus biblioteca, que cumprem 72 roteiros mensais, tiveram mais de 600.000 acessos, entre consultas e empréstimos, e matricularam mais de 21.000 novos usuários no sistema municipal de bibliotecas públicas, que agora podem acessar qualquer uma das unidades do sistema. Este ano, até abril, os dados compilados mostram já quase duzentos mil acessos, entre consultas e empréstimos, com quase noventa mil frequentadores.
Os dados foram compilados pelo bibliotecário João Batista de Assis Neto, coordenador do serviço de extensão do SMBP, que inclui o Ônibus Biblioteca e que funciona junto à biblioteca Affonso Taunay, na Mooca (Rua Taquari, 549).
Em vários posts venho criticando os problemas de distribuição no país, e as bibliotecas – públicas e escolares – são uma preocupação constante.
Há alguns dias estive em Jaraguá, cidade do interior de Goiás. Maria José Silveira nasceu lá e o município a homenageou dentro da programação de um mês dedicado à literatura. Várias atividades programadas em torno do livro, da poesia e da leitura. Bela iniciativa.
As questões começaram antes da viagem. O funcionário da Secretaria de Cultura queria comprar pelo menos uma coleção dos livros da autora, tanto os romances quanto os livros para jovens. Tentou na Saraiva, filial de Goiânia. Não havia nada. Nem uma coleção editada pela Formato, que é um selo da Saraiva. Entrega? Pior que a Amazon com a Hachette.
Resultado: tivemos que achar por aqui os exemplares que conseguimos para levar alguns.
A programação teve suas cerimônias homenageando a filha da terra na sede da Casa da Cultura, construção do século XIX restaurada com muito cuidado. Foi programada também visitas a duas escolas de ensino fundamental da cidade. Escolas arrumadas, com professoras motivadas. As duas tinham pequenos acervos de livros, que fui ver. Achei poucos exemplares de livros dos programas de Biblioteca na Escola, do MEC. A Secretária de Educação do município me disse que o MEC, quando enviava, o fazia diretamente para as escolas. Só comunicava para a Secretaria os acervos e quantidades do PNLD, até porque eventualmente o primeiro nível de trocas ou complementações (naturais diante da variação de matriculados declarados no Censo Escolar do ano anterior e os efetivamente matriculados no ano) eram feitos diretamente pela Secretaria Municipal. Só no caso em que esses ajustes não fossem possíveis era que se apelava para a Secretaria de Educação do Estado. Continue lendo Experiências no interior do país→
Essa coisa dos anos “redondos” às vezes é muito chata. Mas há momentos em que se torna importantíssimo lembrar de coisas, principalmente por aqui na Pindorama, com essa história de que se esquece tudo.
Outro dia, na academia, meu instrutor, que é um jovem aí dos trinta e poucos anos, acabou puxando pelo assunto da Ditadura. Acontece que eu tenho a coluna detonada, já operei uma hérnia de disco e agora apareceu outra. Uma nutricionista iridóloga, Célia Mara Melo Garcia, depois de me examinar, perguntou se, aí pelos meus vinte anos, eu havia sofrido uma queda, um “trauma forte”. Respondi que sim, mas que não havia sido queda. Foi tortura, por eu ter sido preso político precisamente entre os 21 e os 23 anos. Isso aparece na minha íris, segundo ela, como um achatamento.
Bom, contei essa história para o instrutor, e comentei que achava que pelo menos uma parte dos problemas da minha postura e de má articulação corporal vinham dessa época. Para que ele entendesse o que, talvez, fosse parte do meu problema e das dores que eventualmente aparecem. Bom, a aula inteira seguiu nessa toada, ele querendo saber detalhes não sobre minha vida, mas sobre a Ditadura. Claro que falei o que pude naquele tempo, e tenho certeza de que o assunto vai voltar.
É um exemplo da importância da Comissão da Verdade e, a propósito, do tanto que o assunto apareceu na imprensa nesses dias. A maior parte da população do país não viveu aqueles anos, ou era criança na época. Ótimo para eles não terem passado pelo que minha geração sofreu.
Foi bom não terem passado pelos sofrimentos, pelo medo, pela alienação brutal do “milagre econômico” e as ilusões do Brasil Grande. Mas pena que também não tenham vivido a efervescência cultural, principalmente de 1968. Isso também merece ser lembrado, até para se entender o nojo que provocaram as atitudes de algumas pessoas que foram fantásticas naquela época, e ano passado se uniram ao obscurantismo lavignesco. Mas isso, deixa pra lá. Continue lendo Um abril para não esquecer→
Na Internet de vez em quando começam umas brincadeiras de listas. Uma das últimas que apareceu foi de “lista relâmpago” de livros preferidos. Já havia feito até algumas anotações, pois quem pediu foi a Maria José, que pode pedir mandando.
Mas depois fiquei pensando – o que é sempre coisa perigosa – que era melhor fazer uma lista “pensada”. Afinal, já tenho certa quilometragem de leituras. E mais, pensei. Se eu fizesse essa lista vinte anos atrás, o que eu incluiria? E o que ainda posso incluir daqui pra frente? Ainda não entrei nessa de reler o que gosto (embora de vez em quando faça isso).
Assim, cada lista é um exercício de lembranças de diferentes momentos da vida, e às vezes é bom lembrar. Além do mais, lista pensada (e comentada) permite o truquesinho de acrescentar mais alguns títulos.
Então, vamos lá.
1 – Monteiro Lobato. Claro. Acho que não há leitor da minha geração que não tenha Lobato entre os autores preferidos da infância e início da adolescência. Mas, qual Lobato? É claro que gosto das Reinações de Narizinho. Mas a verdade é que eu curtia mesmo eram os livros “paradidáticos” do Lobato. Todos: Aritmética da Emília, Emília no País da Gramática, Geografia de Dona Benta (lembro de uma impagável conversa de D. Benta e sua turma com o então presidente Roosevelt, no qual este menciona as “34 universidades americanas” e D. Benta lamenta não haver nenhuma no Brasil; queria ver como ficou a visita às colônias portuguesas na China e na Índia, e pensar como os politicamente corretos ainda não caíram de pau nisso). O Poço do Visconde é uma misturada danada: o Pó de Pirlimpimpim faz os dólares caírem na cabeça do fornecedor gringo para pagar os equipamentos, o Visconde dá um quinau no geólogo gringo… Há também a Reforma da Natureza e A Chave do Tamanho. Taí, Lobato inventou a literatura fantástica brasileira com aquelas maluquices. Do que me lembro mais são Os Doze trabalhos de Hércules. Como gostei daquele livro. Então, pronto, o primeiro título é Os Doze Trabalhos de Hércules. Os demais ficam de apêndice, e podem por O Minotauro de contrapeso. Continue lendo LISTAS RELÂMPAGOS E LISTAS PENSADAS→
Mas hoje, no primeiro post do ano, trago a notícia de que minha neta, Laura Fraiz-Grijalba Lindoso, passou no vestibular para a Faculdade de Artes da UnB. Universidade que faz parte também da minha história.
Eu e Maria José estudamos lá e lá nos conhecemos. Ainda estudantes, já trabalhávamos como jornalistas, ela na sucursal do JB, sob a batuta do Castellinho, e eu na sucursal do Estadão, dirigida então pelo Evandro Carlos de Andrade. Ela se formou em comunicação e eu tive a honra de estar na primeira leva de alunos expulsos das universidades federais pelo famigerado decreto 477 – outro que vai na conta dos “escrúpulos ao lixo” do Jarbas Passarinho.
Estávamos na UnB em um período em que, embora já abalada pelas intervenções da ditadura, a universidade ainda refletia muito do espírito do Darcy Ribeiro. Em 68 estávamos lá, nesse que foi o período mais criativo e ativo da história moderna brasileira. Participamos da efervescência do movimento estudantil – a porrada do cassetete da PM na invasão do campus em 68 ainda dói até hoje. E nos divertimos, namoramos, cantamos e vivemos com muita intensidade.
O ambiente daquela Brasília e daquela UnB estão retratados de forma emocionante no primeiro capítulo de “O Fantasma de Luís Buñuel”, da Maria José.
Da nova geração, a Galiana foi a primeira a passar por lá, fazendo o mestrado em ecologia (e como ficamos orgulhosos com sua aprovação com louvor). Depois meus sobrinhos Alex(que estudou filosofia, mas eu nem sei que filosofia ensinam hoje na UnB) e Maria Cris, que agita o Centro Acadêmico de Direito, aporrinhando os sabichões que ostentam o títulos de professores da UnB e não aparecem para dar aulas ou chegam sistematicamente atrasados. Na boa tradição dos tios. Outros sobrinhos também passaram por lá: Ana Amélia na psicologia, e Serginho experimentou fazer economia (como o pai) e desistiu. Acabou fazendo direito.
Agora a Laura. Quarenta e tantos anos depois daquela época maravilhosa, depois da nossa militância, da prisão, do exílio e da volta e da vida.
Espero que ela encontre a participe da retomada da UnB como um foco de diálogo, de pensamento crítico e criativo.
E viva seu período na UnB tão bem quanto nós vivemos.
O Festival Pauliceia Literária, promovido pela Associação de Advogados do Estado de S. Paulo entre os dias 19 e 22 passados, não foi o primeiro do gênero na cidade, ao contrário do que informou a matéria equivocada d’O Estado de S. Paulo. A Balada Literária, iniciativa do escritor Marcelino Freire, já com vários anos de vida, e que terá sua edição deste ano em novembro, é pioneira nesse tipo de iniciativa. Mas a Pauliceia Literária é o primeiro evento promovido por uma associação profissional que não tem nenhuma ligação direta com os livros. No caso, os advogados, e isso de grande importância.
Temos também, aqui em S. Paulo, alguns outros eventos literários com leituras e conversas com e entre autores. A Casa das Rosas faz encontros de poesia, o SESC tem um menu de atividades do tipo, promovidos por várias entidades e que se abrigam em suas unidades. E os saraus de poesia das periferias de S. Paulo são um fenômeno fantástico de incentivo à leitura e à produção literária.
A Pauliceia Literária é declaradamente inspirada no modelo da FLIP, mas Cristina Baum, sua curadora, afirma que não pretender “fazer uma FLISP”. Pretende, sim, dialogar com os outros festivais literários do país e do exterior. Cristina tem experiência para isso, pois foi a primeira curadora da FLIP e em eventos com a PalFest, um festival literário na Palestina ocupada, entre 2008 e 2010. Tem tudo, portanto, para fortalecer e transformar a Pauliceia em um evento importante e significativo na programação cultural da capital.
Até junho passado o portal da FBN que registra feiras e eventos literários já registrava mais de cento e cinquenta eventos desse tipo este ano. E o número cresce sempre. Já escrevi sobre o assunto aqui.
A Associação de Advogados de São Paulo promoveu o evento como parte das comemorações de seu 70º. Aniversário. Sérgio Rosenthal, advogado criminalista e seu presidente, e Luís Carlos Moro, advogado trabalhista e diretor cultural da AASP foram os impulsionadores da realização do evento. Continue lendo PAULICEIA LITERÁRIA – AUMENTA A OFERTA DE FESTIVAIS EM SP.→
Políticas públicas para o livro e o mercado editorial