Prólogo.
Esse é um assunto que me interessa muito. Participei da organização da primeira vez em que o Brasil foi país convidado da Feira de Livros de Frankfurt, em 1994. Depois, participei também da organização da presença brasileira em outras feiras: Bogotá (1995), Guadalajara (2001). Em 2011 publiquei uma série de posts no blog sobre a participação em 1994 (veja aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, e aqui) e também já me manifestei sobre a importância e as condições de participação em feiras internacionais aqui.
Em relação à próxima presença do Brasil em Frankfurt, em outubro, minha contribuição se resumiu em um paper com considerações sobre as possíveis linhas mestras do pavilhão principal. Não fiz e não faço parte da organização da feira, nem da programação dos autores. Além disso, estou como editor da Machado de Assis Magazine, coedição entre a FBN e o Instituto Itaú Cultural (trabalho que não onera o orçamento da FBN). A revista publica excertos de traduções de autores brasileiros, selecionados por uma Comissão Editorial a partir de chamamento público.
O que eu gostaria aqui seria contribuir com a discussão, procurando analisar o que está em jogo, e as condições em que esse jogo é jogado no mundo editorial. É o que posso fazer, como cidadão envolvido com as questões de políticas públicas para o livro e a leitura.
PRIMEIRO ATO – CENTRALIDADE DOS AUTORES
Existe um campo farto de discussões sobre a existência de uma literatura mundial, a chamada “República Mundial das Letras”. Na formulação original, que veio do Iluminismo, o diálogo entre escritores, através de suas obras, comporia esse mundo da inteligência, no qual a filosofia e a literatura teriam papel primordial.
Sabemos hoje que, se existe, a “República Mundial das Letras” é um campo de disputas. Pascale Casanova, discípula de Pierre Bourdieu, há alguns anos publicou um livro com esse título (traduzido aqui pela Estação Liberdade). Nessa obra, Mme. Casanova discorre, mais especificamente, sobre a disputa pelo “capital literário”. Esse capital literário é específico de cada autor: “Quando um escritor se torna uma ‘referência’, quando seu nome se torna um valor no mercado literário, ou seja, quando é consagrado escritor, então ‘dão-lhe crédito’ [que] é o poder e o valor outorgados a um escritor, a uma instância, a um lugar ou a um ‘nome’, em virtude da crença que lhe concedem: é o que ele julga ter, o que se acredita que tenha e o poder que, acreditando nisso, se lhe credita” (p. 32).
Essa posição do escritor no mercado literário, entretanto, sofre outras mediações importantes. “A língua é um dos principais componentes do capital literário […]. Em virtude do prestígio dos textos escritos em certas línguas, existem no universo literário línguas consideradas mais literárias que outras e que pretensamente encarnam a própria literatura” (p.33).
Ora, língua é expressão também de poder econômico e político. Embora essa correlação não seja automática, ela é forte (Casanova, boa francesa, lembra que no Século XIX, ainda que o poder econômico e político hegemônico estivesse com a Inglaterra, a “língua literária” referencial era o francês).
Antonio Cândido sabia disso quando formulou suas ideias sobre o sistema literário brasileiro: tínhamos autores que se afirmavam como tal (buscavam ser reconhecidos como autores de literatura); um grupo já significativo de leitores (apesar do grande número de analfabetos); um sistema transmissor, a língua, e meios para fazer a ponte entre autores e seus leitores: os livros editados. A literatura brasileira, assim, seria uma parte da literatura em português (pequena, pobre), marcada pela formação do estado nacional. Mas “é a nossa” literatura.
E vou parar por aqui com essa digressão de teoria literária, com uma premissa estabelecida: os escritores brasileiros disputam um espaço no mercado mundial das letras a partir de uma posição extremamente frágil diante da avassaladora presença do inglês (principalmente), mas também do francês, do espanhol e do alemão. Mesmo esses três últimos idiomas (francês, espanhol e alemão) se enfrentam com a hegemonia do inglês, a partir condições sociais e culturais (maior número de alfabetizados, sistemas escolares e de bibliotecas muito mais avançados) e econômicas (renda per capita) melhores que os dois polos da literatura em português, o Brasil e Portugal.
Fica evidente que a posição de um país nessa República das Letras acontece através do prestígio, do “crédito” acumulado por escritores específicos. Ninguém pensa no país como sendo a sede das “Editoras X, Y ou Z”, e sim do número de traduções de autores desse país, e do prestígio que alcançam na crítica internacional e no reconhecimento de seus pares.
Isso não é tão simples quanto parece.
Um dos meios de medir essa presença é a análise dos dados do Index Translationum, um portal que registra as traduções país por país. Esse banco de dados tem falhas, pois é abastecido pelo que é enviado pelas Bibliotecas Nacionais dos países membros da UNESCO (registros e informações do ISBN, particularmente) e sofre com dois problemas: a) atraso no envio das informações; b) inconsistências nos registros e deficiência dos dados.
(Para que se tenha uma ideia das dificuldades, vejam aqui a tabela das últimas atualizações, por países. Nossa querida BN não envia nada desde 2007).
Ainda assim, o Index é onde é possível garimpar informações muito importantes sobre a dispersão das traduções no mundo inteiro. Existe uma tabela que mostra o número total de traduções registradas por idioma de origem, e ano a ano, de 1979 a 2012, de centenas idiomas originais (entram todos os dialetos, formas arcaicas, línguas mortas, etc. Basta ter registrada uma tradução a partir desse idioma).
Elaborei uma tabelinha com os dados de idioma de origem das traduções. Peguei 14 países. Até chegar ao coreano, eu estava buscando a quantidade de traduções. Coloquei o farsi (persa), por mera curiosidade.
Vejam só:
Que possíveis correlações podemos fazer a partir desses dados? É difícil fazer isso, mas pelo menos uma coisa fica absolutamente evidente: a total supremacia do inglês. Tem outra informação que me é dada pela experiência: TODOS esses países (o Irã, realmente não sei…) tem extensos programas de apoio à difusão de seus autores.
(Não se iludam, a quantidade de traduções do sueco não é decorrente apenas dos livros do Stieg Larsson e do Mankell. Todos esses países tem um trabalho sistemático e continuado de promoção de seus autores).
Mas o Index tem mais dados interessantes.
Vimos antes o idioma de origem. Mas existe um quadro que mostra os países que mais publicam traduções. Vejamos:
Estados Unidos e Reino Unido, os dois maiores fornecedores de traduções, somados (84.835), publicam juntos menos traduções que a Holanda. Mas é importante notar que, se há uma concentração na origem, há uma grande dispersão no destino. Isso confirma a hipótese do predomínio da produção em inglês no mercado internacional.
Mas é bom lembrar também que a tabela inclui todos os tipos de traduções. Não apenas as de literatura. A circulação da literatura técnico-científica é importantíssima. E se é verdade que a maioria dos cientistas pelo menos lê em inglês, não se pode dizer que os dos EUA leem em outros idiomas. Por isso, o conhecimento produzido no resto do mundo tem que ser traduzido para ser acessado pelos monolíngues de lá.
Para que idiomas a maioria dos livros são traduzidos. Existe a tabela dos cinquenta idiomas, mas reduzi para os “dez mais”. Note-se, idiomas, e não países. Assim, o inglês inclui traduções, além dos EUA e Reino Unido, do Canadá, Austrália, Índia, Paquistão e outros países que inclusive exportam livros em inglês (como a Holanda) para o resto do mundo, além da literatura técnico-científica.
Os cinquenta autores mais traduzidos no mundo podem ser consultados aqui. Nenhum escreveu originalmente em português. E escrevendo originalmente em espanhol só o Garcia Marquez, que aparece em 48º. lugar.
Para terminar nossa sopinha de números, os dez autores de língua portuguesa mais traduzidos no mundo, segundo a Unesco:
(Só para referência. Enquanto nosso Mago tem 1.077 traduções registradas, a autora mais traduzida, de língua inglesa (Agatha Christie) marcou 7.216 traduções).
Dizer, portanto, que nossos escritores partem para a luta a partir de uma posição extremamente frágil é até um eufemismo. E cada país consegue resultados diferentes para conseguir os “créditos” para seus autores. Enquanto o português exibe o Paulo Coelho, a Suécia aparece com a Astrid Lindgren, a do Pipi Meias Longas, seguida pelo Mankell, que também é conhecido por aqui. Agora, alguém que não seja aluno de sueco, conhece Margit Sandemo e Tove Jansson, que estão em terceiro e quarto lugares? A Selma Lagerlöf, que está em quinto, está traduzida aqui, assim como Strindberg, que está em oitavo. Mas Per Wahlöö, Maj Sjöwall, Jan Guillou e Maria Gripe (não é brincadeira), nunca apareceram por estas plagas.
E assim por diante.
A importância dos autores, seus “créditos” no mercado internacional de traduções é extremamente desigual, no que diz respeito ao prestígio crítico que usufruem em seus países de origem. Como sabemos, há muita gente escandalizada com a posição do Paulo Coelho e do José Mauro Vasconcelos, por exemplo, e injuriada pela ausência de outros.
A presença dos autores no mercado internacional, portanto, não é uma função exclusiva da crítica. Certamente podemos ficar felizes pelos grandes clássicos do idioma português que estão na lista, e por Jorge Amado e pela Clarice Lispector. A presença de Leonardo Boff abre outra pista para que se entenda essa distribuição de “créditos”, ou seja, a valorização de escritores: depende também do segmento para o qual escrevem. Astrid Lindgren é autora de livros para jovens, assim como Enyd Blyton, (conhecida como Mary Pollock – não localizei traduções aqui) que é a quarta mais traduzida no mundo. E quem for examinar a lista dos 50 Mais encontrará autores como Barbara Cartland e Danielle Steel, mas também Lênin, Marx, Tolstoi, Dostoievski. Enfim, para todos os gostos, e prato cheio para qualquer tipo de análise.
Assim, se determinados autores são centrais nessa desigualíssima distribuição de créditos da República Mundial das Letras, é sempre bom lembrar que as forças que condicionam essa presença não são facilmente domáveis, ou detectáveis.
Temos, aqui no Brasil, um esforço sistemático para conhecer o alcance e a dispersão do conhecimento da nossa literatura no exterior. É o Conexões Itaú Cultural – Mapeamento Internacional da Literatura Brasileira, projeto do qual sou um dos curadores, juntamente com o professor João Cezar de Castro Rocha.
O Conexões constrói um banco de dados de professores, pesquisadores e tradutores de literatura brasileira que trabalham no exterior. Surgiu da conjunção de vários fatores. Claudiney Ferreira, Gerente da área no Itaú Cultural, acompanhou como jornalista a presença do Brasil em Frankfurt em 1994, e notou o aumento do número de traduções em função do evento, e a diminuição desse ritmo nos anos seguintes. O professor João Cezar, então professor visitante em Manchester, chamou atenção para um fenômeno por ele observado, o aumento dos estudos de literatura brasileira no exterior. Claudiney Ferreira então montou o projeto, convidando a mim e ao João Cezar como curadores.
Saber quem são, o que estudam, que autores estão “no radar” desses professores/pesquisadores e tradutores, e procurar respostas sobre a posição da literatura brasileira no exterior, portanto, é o objetivo do Conexões, que já tem 244 participantes cadastrados, de todos os continentes. Algumas das estatísticas resultantes disso, assim como gravações dos vários encontros internacionais do Conexões estão disponíveis no site mencionado.
Vale a pena, entretanto, alinhar alguns desses dados.
São 759 autores brasileiros mencionados pelos mapeados, como os denominamos. Mencionados porque são estudados ou fazem parte do universo de referências desses profissionais.
Os participantes estão vinculados a 139 instituições de ensino ou pesquisa espalhadas por quase vinte países. Desses 244 mapeados, 65 são brasileiros, que trabalham em instituições no exterior. O país que tem maior número de mapeados são os EUA, seguidos pela França, México, Itália, Alemanha e Inglaterra.
Uma das perguntas do questionário que abastece o banco de dados é a respeito de sugestões para o incremento da presença da literatura brasileira no exterior. A resposta mais frequente é o programa de bolsas de tradução (126), seguida por programas de cátedras de literatura brasileira no exterior (76); intercâmbio entre universidades brasileiras e estrangeiras (71); criação do “Instituto Machado de Assis” para promoção da cultura brasileira no exterior (66); presença de escritores brasileiros no exterior (56); festivais de literatura brasileira no exterior (41), além de respostas discursivas (57) e outras com menor frequência, que podem ser vistas no site mencionado.
O Conexões Itaú Cultural – Mapeamento Internacional da Literatura Brasileira revela um crescente interesse pelo estudo da nossa literatura no exterior. Esse grupo de mapeados é de grande importância: são tradutores, divulgadores, eventualmente pareceristas de editoras internacionais. Essas pessoas trabalham no exterior por iniciativa das universidades e instituições de pesquisa de fora. Não contam com apoio sistemático do MEC, da CAPES, do CNPq e muito menos da BN. E contrastam essa atitude do governo brasileiro com o governo português, que bem ou mal mantem o Instituto Camões com leitores, um programa de apoio à tradução mais antigo que o nosso, cátedras e um esforço no ensino do português. E não vou mencionar aqui a história triste dos CEBs – Centros de Estudos Brasileiros, mantidos por nossas embaixadas, muitos fechados e vários à míngua.
A nossa estimativa é de que conseguimos mapear cerca de um quarto, apenas, dos profissionais – professores, pesquisadores e tradutores – que trabalham no exterior com a nossa literatura. O Conexões pretende ampliar o banco de dados para incluir as editoras que publicam autores brasileiros, os jornalistas que divulgam a literatura brasileira, e aumentar o volume de informações sobre os centros de pesquisa. É um trabalho lento, conseguir as informações não é fácil, mas já estamos no quinto ano de existência do projeto, cujo conteúdo está à disposição dos órgãos governamentais e de pesquisadores, com senhas especiais de acesso ao conteúdo completo.
SEGUNDO ATO – ONDE FICAM OS EDITORES?
E os editores, como ficam nesse furdunço? Que papel podem ter, têm ou deixam de ter, na maior ou menor presença da literatura brasileira nesse mercado mundial?
Em primeiro lugar, eles publicam aqui os autores brasileiros, é claro. Sem ter seu lugar no sistema literário brasileiro, os escritores não existem. Pode ser que, no futuro, a auto publicação substitua essas pontes entre as obras e seus leitores, mas como minha bola de cristal anda esfumaçada, não sei se isso acontecerá, nem quando.
Esse papel das editoras brasileiras (ou das editoras que publicam no Brasil, pois uma parte já é de capital estrangeiro) é razoavelmente bem cumprido.
Razoavelmente?
Sim. É positivo o fato de publicarem, pois o sistema literário brasileiro efetivamente existe, e as editoras ganham dinheiro fazendo parte dele. Mas o esforço de promoção e os recursos de marketing usados para os escritores brasileiros são pálidos, se comparados com os usados na promoção de autores estrangeiros, particularmente os chamados best-sellers.
Gosto de lembrar que passei a me interessar nas questões de política do livro e leitura quando me fiz a pergunta, quando era sócio da Marco Zero: por que razão nossos bons livros não vendem? Na raiz da pergunta, uma obviedade: sem vender a editora fecha; portanto, a busca de meios de vender seus livros é uma necessidade vital para a existência de qualquer uma delas. Por mais que os editores queiram editar – e editem – bons livros (de autores nacionais e estrangeiros), no fim das contas é preciso pagar os custos e ter do que viver.
Ou seja, as editoras brasileiras estão também envolvidas nessa disputa interna e internacional pelos autores referenciais do mercado: os que vendem. Existem estratégias diferenciadas para conseguir isso, inclusive na combinação de autores nacionais e estrangeiros, mas a questão de fundo é sempre a mesma: se não faturar, fecha.
Ora, o polo dominante dessa disputa internacional, como sabemos, é a língua inglesa, e o português é absolutamente secundário nesse panorama. E essa história de que temos duzentos e tantos milhões de falantes do português pelo mundo só esconde o simples fato de que oitenta por cento deles estão aqui, e somos nós, os brasileiros. Mais uma vez, nosso sistema literário e nosso mercado está aqui dentro.
Mas, se editamos aqui, nossos editores estão profundamente condicionados por essas condições de “descentralidade” do português e a enorme predominância dos autores de língua inglesa. Nada é sem consequências.
E não é o que acontece com os editores de língua inglesa, que estão em posição simetricamente inversa.
Além de dispor de um mercado enorme, maduro, com bons índices de alfabetização, sistema de distribuição eficiente, rede de bibliotecas, que proporcionam uma base sólida, os negócios do livro envolvem, particularmente nesses casos, o licenciamento das traduções. Isso acontece porque, no cálculo das editoras – e dos agentes e dos autores – o mercado internacional é uma fonte importante de renda e componente da recuperação dos adiantamentos pagos. A predominância do sistema literário em língua inglesa (autores e suas obras em inglês, agentes literários e editores) supõe e inclui, além de seu público interno – que já é internacional – também a conquista de mercados no exterior.
Por isso mesmo, seja através das editoras – ou, principalmente, dos agentes literários – as negociações internacionais usam, no maior limite do possível, a predominância do inglês nessa etapa atual da República Mundial das Letras precisamente para valorizar seus autores.
As editoras brasileiras são, como as de outros países, os alvos disso. Por essa razão e pelo fato do português ser uma língua de menor expressão nessa constelação, os editores brasileiros participam do mercado literário internacional principalmente como compradores, não como vendedores.
Nesse contexto, querer que sejam os editores os que façam a promoção da literatura brasileira no exterior é tão somente uma manifestação de wishful thinking. Não funciona.
Certamente existem algumas editoras (inclusive já integradas no mercado internacional, como subsidiárias ou afiliadas aos grandes grupos internacionais), que se esforçam por levar alguns nomes para participar desse circuito. Menos por serem brasileiros, e mais por considerarem que esses autores podem participar desse concerto, independentemente de escreverem em português. E algumas já aprenderam a usar a sua importância no mercado interno – inclusive como grandes compradoras de direitos de tradução – e selecionam alguns autores com esse fim. Afinal, ninguém despreza prestígio.
Repito: prestígio. O retorno financeiro da venda de direitos de um autor brasileiro no exterior é ínfimo, pois os valores são pequenos (salvo para nosso Mago, é claro) e o máximo que se ganha é uma comissão. Que não paga uma passagem para Frankfurt, com certeza.
Existem também aquelas que acreditam que alguns de seus autores podem ser vozes de respeito nesse concerto internacional, precisamente por serem brasileiros. Conheço pequenas e médias editoras que tentam levar autores para publicação no exterior em busca também de prestígio, qualidade intangível, que possa alavancar sua posição no mercado interno. Existem as que fazem prospecção de mercados específicos para venda de seus autores, como os programas do governo mexicano de compra de livros, ou as escolas para decasséguis no Japão que precisam de livros em também português.
Desse modo, existem interstícios por onde algumas editoras levam, ou tentam levar, autores para o mercado internacional. Mas são poucas. E muitas não têm a tenacidade e perseverança e a capacidade de superar os problemas de colocar autores no mercado internacional.
Aqui, mais uma vez, encontramos os problemas decorrentes de publicarmos em português. São raríssimos os editores e agentes literários do exterior que podem ler na nossa inculta e bela flor do Lácio. Apresentar autores a eles, portanto, exige o investimento prévio na tradução para o inglês de excertos do livro, a elaboração de catálogos em inglês, e o esforço de encontrar tanto os argumentos para “vender” os autores quanto achar quem possa eventualmente se interessar pela escrita deles.
Essas deficiências decorrem, evidentemente, da posição estruturalmente “compradora” do mercado brasileiro vis-à-vis os participantes de polo dominante (os de língua inglesa), e mesmo dos que vêm logo depois (alemão, francês, espanhol, italiano, etc.). A Machado de Assis Magazine supre, pelo menos em parte, esse problema da apresentação de textos em inglês (ou espanhol). Mas não supera as dificuldades de achar os alvos suscetíveis de comprar autores brasileiros e aceitar colocá-los na roda da valorização internacional.
Existe também um fator decorrente da falta de investimentos em marketing e promoção dos autores no nosso próprio mercado interno. As editoras internacionais apresentam seus autores com uma história de vendas e de traduções. Querem vender o autor “x” porque em seu país de origem ele vende uma média de cinquenta ou cem mil exemplares por título. Diante da pergunta de quantos exemplares seu autor vendeu aqui, o editor brasileiro fica encolhido e intimidado ao revelar que os livros de obras gerais têm a média de venda a que estamos acostumados. E o estrangeiro retruca: se não vendeu no seu país, como vai vender em outro?
Aí se revela um problema central para o aumento do “crédito” dos autores brasileiros. São, na maior parte das vezes, apresentados ao exterior com base nas suas qualidades literárias (e os mapeados do Conexões têm seu papel nisso). Certamente isso é importante, mas restringe dramaticamente o universo de interessados, pois esses autores só atraem a atenção de pequenas e médias editoras literárias, de qualidade. Evidentemente, isso é muito importante. Mas nem sempre é suficiente.
Essa tensão entre “qualidade” e “quantidade” (do ponto de vista das vendas e da caracterização dos autores e suas obras) gera uma enorme ansiedade. Os autores querem ser reconhecidos pela qualidade em um mercado onde essa característica é muito relativizada. Ou, melhor dito, é muitas vezes entendida pura e simplesmente como quantidade.
Isso não é novidade e nem é particularidade do mercado internacional. O conhecido livro de André Schiffrin, The Business of Books (tem tradução brasileira) é na verdade uma grande discussão sobre esse assunto, focada nas modificações no mercado editorial americano desde a década de 1990, e que se aceleraram dramaticamente nos últimos anos, com mais fusões e concentração de empresas. Veja aqui o tamanho da pinimba em uma entrevista com Alberto Vitale, que defenestrou Schiffrin.
Seja por planejamento ou por mero acaso (o que existe muito no mundo editorial), subitamente aparecem algumas tendências de temas (como o recente pornô-soft, por exemplo), mas também em uma combinação às vezes inusitada de gênero/país. É o caso dos “policiais nórdicos”, moda que não chega a ter o furor do pornô-soft, mas lançou uma quantidade apreciável de autores suecos, islandeses, etc. Os islandeses, aliás, aproveitaram muito bem seu turno de ser o País Convidado da Feira de Frankfurt, ano retrasado, para promover isso.
Quando examinamos o papel das editoras nesse processo de inserção dos autores na República Mundial das Letras, ressalte-se, portanto, o seguinte:
a) O primeiro e mais primordial papel das editoras brasileiras é de publicar bem os autores brasileiros aqui no país. Cumprem essa tarefa, sim. Mas com algumas deficiências decorrentes da situação interna e outras decorrentes da própria inserção no mercado internacional. As deficiências internas podem se resumir em: 1) dificuldades de distribuição e logística; 2) ausência de um sistema de bibliotecas públicas decente; 3) deficiências no sistema educacional; 4) baixo nível de investimento na formação e crescimento do mercado interno, já que as editoras se conformam com as dificuldades e não exploram de modo suficiente estratégias de preço, formato e criação de novos públicos com o dinamismo que seria necessário (as condições para isso, entretanto, exigem outro conjunto de observações, que não cabem aqui).
b) A dominância internacional dos autores de língua inglesa permite que eles cheguem no mercado brasileiro já com um potencial de marketing muito grande. São autores de renome internacional, ou autores de gêneros que tem uma sólida presença no imaginário e nos hábitos de consumo também dos leitores brasileiros. E, em alguns casos, as ações de marketing são apoiadas por um conjunto paralelo de outros produtos: filmes, jogos eletrônicos, comics, programas de televisão e séries etc. A disputa entre as editoras é para conseguir esses produtos “premium”, o que desvia, obviamente, recursos que eventualmente poderiam ser aplicados na promoção de autores nacionais.
c) Esse processo de domínio dos autores traduzidos é facilitado pela atitude da imprensa. Quando se vê que um autor inglês de romances policiais consegue páginas inteiras nos jornais, espaço dificílimo de ser conseguido por autores nacionais em uma situação de crescente escassez de suplementos literários, isso não deixa de ter consequências (nada contra autores de romances policiais, sou fã e leitor dedicado do gênero). Quem quiser que especule sobre as razões disso. Eu me abstenho.
O panorama pode parecer sombrio. E, de certa forma, é mesmo. Mas não estou aqui para iluminar o lado positivo, pois o objetivo deste texto é tentar entender a razão pela qual as editoras são incapazes de exercer um grande papel na divulgação de nossos autores no exterior. Não porque sejam gananciosas, malvadas, etc, etc. Mas porque atuam em um cenário que as condiciona profundamente a agir de determinada maneira.
Espero que tenha ficado claro que falo a partir de uma posição de mercado. Por isso falo em produtos e valor de mercado. O valor literário está fora destas considerações. Seu lugar é outro, simplesmente.
TERCEIRO ATO: É POSSÍVEL DAR A VOLTA POR CIMA?
Duas grandes questões emergem desse cenário: 1) Podem (ou devem) os escritores brasileiros – que escrevem em português – participar dessa “República”, suas vozes merecem ser ouvidas e participar desse diálogo mundial? 2) Se podem – e devem – como enfrentar essas imensas dificuldades?
Acredito que podem e devem participar desse diálogo literário. Temos o que dizer nessa República Mundial das Letras, e a literatura mundial fica mais pobre sem as vozes brasileiras. Haverá quem discorde disso, como volta e meia se lê nos jornais, articulistas e editorialistas lamentando qualquer esforço feito nesse sentido, afirmando que isso vem em detrimento do mais importante, que são nossos próprios leitores. Eu, particularmente, penso que essa posição ainda reflete aquela “mentalidade de vira-lata”, para usar a imagem de Nelson Rodrigues, que acomete a alguns brasileiros.
O que as editoras não podem – lamentavelmente – é se responsabilizar pela superação desses obstáculos. Não por serem más, gananciosas, ou qualquer outro adjetivo que se lhes pespegue, repito. Mas por isso não fazer parte, efetivamente, da dinâmica de sua existência e sobrevivência.
A questão principal, no entanto, – e aqui chego ao que este artigo pretendia chegar – é que, em praticamente todos os países que não os Estados Unidos, a promoção da literatura e da difusão dos livros e dos escritores no exterior faz parte de uma política de Estado.
Essas políticas incluem, evidentemente, as bolsas de tradução. E também os meios para que os autores circulem por outros países. No fundo, esses incentivos são para que os autores – geralmente através de seus agentes – aumentem seu “crédito” no mercado internacional. É através deles que os países – o locus dos idiomas nacionais – procuram aumentar sua participação nesse coral de vozes literárias que se espalha pelo mundo. Procuram contrapor a avassaladora predominância da literatura em inglês com políticas próprias de promoção.
A imensa discussão que precedeu a aprovação da Convenção Internacional da Proteção e Promoção Diversidade Cultural, em 2005, se deu com esse pano de fundo, a partir da consciência crescente de que os EUA usavam seu poderio econômico e as negociações comerciais para impor, também, mecanismos de dominação cultural. Ou seja, a política cultural é instrumento de defesa comercial também, e de afirmação política e econômica dos países.
O natural, portanto, das políticas de promoção da literatura no exterior, é a promoção das traduções e também da circulação dos autores (e dos agentes, que são os que diretamente trabalham esse assunto).
Durante décadas os editores brasileiros participaram nas feiras internacionais que lhes interessavam – particularmente Frankfurt – ocupando o lugar que lhes toca nesse mercado internacional, na função que até agora lhes coube, que é a de compradores de direitos.
Foi só depois da década de 70, quando a Feira de Frankfurt, sob a direção de Peter Weidhaas, assumiu também essa faceta de evento cultural, que aumentou o interesse de diferentes países em estar ali presentes, para aproveitá-la como vitrine de suas literaturas e de suas políticas de apoio a seus escritores.
A partir de então as feiras de livros – praticamente todas – tem se transformado cada vez mais em eventos culturais importantes, com a presença de autores, discussões literárias e outras atividades do mesmo gênero. Dessa maneira, deixaram de ser simplesmente eventos editoriais: são eventos culturais onde se promovem os autores e se negociam direitos autorais, ao mesmo tempo.
Hoje, a simbiose entre o conteúdo – a obra literária produzida pelos autores – e seus continentes – o livro, seja em que formato for – é tamanha, que não acredito ser possível a separação das ações em muitos desses eventos. Separar “eventos editoriais” – aí entendidos como de interesse comercial – de “eventos literários”, no caso das feiras de livros, é meio assim como separar corpo e intelecto. Quem descobrir essa fórmula, resolve o problema.
CODA: FRANKFURT VEM AÍ
Conheço vários editores que ficaram muito ressabiados quando se anunciou que o Brasil mais uma vez seria o país convidado de honra da Feira de Frankfurt. Não era para menos. Muitos se lembraram de que uma conta pesada sobrou para a CBL (ou seja, para seus sócios), que levou mais de quatro anos para quitar o que ficou devendo na Alemanha. Dívidas que foram assumidas porque, na ocasião, promessas foram feitas de que os recursos viriam. E viriam porque se tratava exatamente de uma promoção do Brasil, e não simplesmente do mercado editorial.
Além disso, em um evento desse porte, sobram, sempre, críticas para todos os lados. O desfile de egos é monumental, e administrá-los uma tarefa quase insana. Tome-se, por exemplo, a questão dos autores. Não importa quais sejam os critérios para a escolha dos que irão “representar” o país. Chovem as críticas, por ausências e presenças. O mesmo acontece com os outros eventos: por que esse e não aquele? Por que fulaninha vai dançar e beltraninha não conseguiu um palco? E as caipirinhas, o samba, as passagens de classe executiva e os hotéis melhores ou piores…
Um inferno, sinceramente.
Sabendo de tudo isso, entretanto, achei fantástico o novo convite e sua aceitação pelo então Ministro Juca Ferreira, com a anuência do Embaixador Celso Amorim. E mais satisfeito ainda ao saber que sua organização caberia a um Comitê no qual as entidades do livro teriam participação, mas cuja condução e responsabilidade seria do Governo Federal.
A retomada do programa de apoio às traduções, pela FBN, e a percepção que deveria haver continuidade nas políticas relacionadas à difusão da literatura brasileira no exterior também reduziram meu temor quanto a um problema claramente detectado depois de Frankfurt 1994. O enorme esforço feito naquele momento se diluiu na descontinuidade do programa de bolsas e no abandono quase total, que durou anos, de políticas públicas relacionadas ao tema.
Fiquei satisfeito também porque tenho a mania meio besta de achar que o Brasil tem que mostrar a cara e lutar para que seus autores tenham maior presença na República Mundial das Letras. Definitivamente acho não sofro da síndrome de vira-lata: penso que o Brasil tem muito a dizer.
Por isso, acho muito curioso o tipo de reação que a destinação de recursos orçamentários para a Feira de Frankfurt tem provocado. Nem imagino o quanto de dinheiro público vem sendo gasto, ano após ano, na famosa retomada do cinema brasileiro. Dinheiro dos incentivos fiscais e de empresas estatais para fazer os filmes e dinheiro da Ancine e da Secretaria do Audiovisual também, para participar de festivais, escolher um filme para concorrer ao Oscar, mandar nutridas delegações para Cannes, Berlim, Veneza e outros que tais. Por favor, não me venham dizer que os cineastas e as produtoras pagam tudo.
Entretanto, acho importante que isso seja feito. Precisamos do cinema.
É importante também participar da Documenta de Kassel, da Bienal de Artes de Veneza e outras bienais, frequentadas por galeristas que ali vão não apenas para desfrutar de deleite estético, com certeza.
Também acho fantástico que o Ano do Brasil na França, o Ano do Brasil na Alemanha, o Ano do Brasil em Portugal, a Europalia e eventos semelhantes contem com espetáculos de nossos músicos, que se divulgue o choro, nossos bailados, nossos bons músicos, e nossos escritores, também, nesses eventos. Todos devidamente remunerados por seu trabalho.
O Brasil não pode deixar de participar de Exposições Mundiais, como foi o caso de Lisboa, Hannover e Shangai, para citar apenas algumas.
Mas, quando se fala de Feiras de Livros, vozes não faltam para protestar pelo suposto desperdício de recursos, que “certamente” poderiam ser mais bem aproveitados em outras coisas, e para cobrar a contribuição dessa indústria “fenomenalmente lucrativa” que seria a edição de livros no Brasil.
Bom, parabéns para o lobby dos cineastas, dos artistas plásticos e dos músicos. Enquanto nossos autores se empenham na guerra de egos e nossos pujantes editores se acovardam e ficam na defensiva.
C’est la vie.
Para finalizar, reiterando: a Feira de Livros de Frankfurt é, realmente, uma feira de negócios, tal como festivais de cinema, exposições universais e bienais de arte. Mas reduzir todos esses eventos a isso não é justo, nem correto. Quem acha que devemos nos enclausurar – e quem quiser nos conhecer que venha até aqui, a porta está aberta, somos cordiais e amáveis – deve pelo menos ser coerente e pedir que isso valha para todos.
muito bom
Caro amigo Felipe, sou editor da Thesaurus Editora uma pequena editora de Brasília. Nos consideramos uma editora Cult que trabalha na “guerrilha” da cultura e espaço dos autores Brasileiros. Acabamos de emplacar, nos Estados Unidos, na Feira de Nova Iorque no International Latin Book Award. Lá fomos a primeira editora que participou da feira e que abriu espaço para autores brasileiros. Isso tudo só foi possível porque autores e editores se juntaram. Não é uma questão de covardia e sim de iniciativa. Hoje o mundo mudou. O autor tem que trabalhar juntamente com a editora e essa parceira é fundamental. Grande abraço e parabéns pela matéria que divulgaremos em nosso blog de cultura http://www.nosrevista.com.br
Uau. Super interessante.
realmente muito bom!
Obrigado pela matéria. Pretendo ler, reler e pensar no assunto, já que é das informações que se deve partir para a solução dos problemas. Depois de problematizar, espero chegar a alguma sugestão de ação que de alguma forma (mesmo que insignificante num primeiro momento), interfira positivamente para autores, tradutores e editores brasileiros e de demais países de língua portuguesa. (nesta ordem, de preferência.). Parafraseando alguém, “esta história só vamos saber se a inventarmos”. Se você puder encaminhar para meu e-mail alguma forma de contato além do blog, eu agradeceria.
É a mais democrática das aartes, hoje todo mundo escrevre e corre atrás e as feiras de livros da cidade estão encentivando os novos o mundo mudou e é bom mudar e são as aflições carências, desesperos e tragédias avassaladoras e sentimentos religiosos crenças ou superstições uns caindo outros surgindo que fazem as histórias. Se existem grampos ou algemas vamos desatá-las, soltá-los. Cada canto que existe no mundo é importante … pelos seus aspectos e muito mais que PIB, bolsa de valores, países que se sobrepujam econômicamente. As não estão mais aceitando regras superficialidades materialismos racionalidades mecanicicismos, estão se tornando mais ecléticos espiritualizados, estão fugindo de tudo que é baixesae há muitos autores céticos e banalizadores dos valores morais e éticos. Não queremos mais poluição!!!
Mas a questão de se arriscar pouquíssimo no mercado editorial de Língua Portuguesa com novos autores(e não necessariamente jovens autores) ainda é o grande problema interno e externo do mercado e para a difusão de uma literatura de LP (brasileira) no mundo. Infelizmente,as editoras passam por cima disto.
Texto bastante lúcido e implacável, parabéns
Excelente seu artigo, você citou os inúmeros fatores pelos quais a literatura de lingua Portuguesa e especificamente a de autores brasileiros não se desenvolve no mundo, com uma rara, exceção O que leva essa exceção a vender mudo afora? Não é o texto com certeza. Quando se fala em 200 milhoes de falantes de Portugês no mundo e mesmo que maioria esteja ai, esses dados contam os que falam Portugûes mesmo não sendo nativos lusófonos? Eu moro num país de poliglotas a Bélgica e apesar de pequena, pelo menos 3 línguas existem, me surpreendo sempre que muitos deles falam tb o português, gostam de literatura brasileira mas não a encontram em nenhum lugar com exceção do Coelho que prolifera como os próprios para todo lado..Isso nao iria logicamente mudar o mercado mundial , o país é pequeno apesar de leitor.Mas a curiosidade quanto a nossa literatura ,despertada em eventos como a citada europalia não foi devidamente aproveitada , pois dois anos quase se passaram e os livros não chegam , seja em que língua for.É realmente horrível viajar Europa a fora e não achar quase nada ,em lugar nenhum,em nenhuma língua pois em Portugûes nem em Potugal se encontra, Mesmo nas grandes redes como Fnac e a Bertrand de Portugal ,onde miseravelmente se acham dois ou três autores O Jorge Amado a Clarice Lispector que virou moda aqui agora,e mais um ou dois pobres gatos pingados .Editar é difícil, sim deve ser, pois comprar é impossível, viva o e book que mesmo com toda dificuldade, esta ligeiramente melhorando esse deserto do Saara editorial brasileiro, Os autores precisam ser mais conhecidos seja em que língua for: ingles, frances alemao ou mesmo chines Mas que divulguem o produto melhor, como a FLIP que vc nao citou faz com os estrangeiros e alguns brasileiros no Brasil .Isso vende , isso mostra, isso desperta curiosidade, Mas por favor não adianta editor se bater ou fazer questao para trazer aqui um ou outro gato pingado e depois não termos Livros pois ninguém se interessa em editar. Nós brasileiros no exterior fazemos o que podemos emprestamos , pois temos uma biblioteca, divulgamos dentro do pouco possivel. Mas isso não é suficiente. Ninguem compra suco de laranja ,se a coca-cola entra na casa da gente o dia inteiro , o tempo todo,e tem em qquer esquina, mas todos gostam quando bebem, e hoje com certeza já compram cada dia mais. Estamos chegando perto da coca cola, pena que a laranja seja apenas uma e a mesma, e estejamos vendendo ” lebres por gatos. Divulguem, muito e percam o medo, editem por favor
Sem dúvida alguma, um texto lúcido que deve ser lido e relido. Parabéns!!
Felipe, o que reparo é que as editoras brasileiras não tem um profissional dedicado a isso, um Foreign Rights Manager que constrói uma rede de contato estrategicamente com essa finalidade. O editor brasileiro vai pra comprar e não tem como cuidar disso tb.
Após a leitura de um post tão qualificado quanto este, sinto que como escritora brasileira, embora bastante premiada em concursos nacionais, jamais poderei aspirar entrar no mercado internacional, pois os editores preferem apostar em nomes já consagrados. Publicar traduções e autores consagrados ou, ainda, autores cujos direitos já caducaram em função do tempo é bem mais lucrativo do que apostar em alguém novo no mercado.
Parabéns pelo excelente artigo, muito bem fundamentado, praticamente uma “consultoria gratuita” para os responsáveis pelo setor do Livro e da Leitura no MinC. Os dados falam por si: o Português continua uma Ilha, a Literatura lusófona permanece praticamente desconhecida do resto do mundo. Autores Suecos e Noruegueses – com todo o respeito pela Suécia e pela Noruega – são mais traduzidos do que os autores portugueses e brasileiros juntos ! Temos muito a aprender, se não quisermos continuar a ser conhecidos apenas pela nossa Música, pelo nosso Carnaval e agora também pelo Cinema.
Acho que a questão crucial, já apontada no texto de Lindoso, consiste na inexistência de uma Política de Estado para a Promoção e Difusão de nossa Língua e nossa Literatura.
Enquanto a Grâ-Bretanha, a França, a Alemanha, a Espanha e a Itália (para citar só os mais conhecidos) possuem cada um seu órgão específico destinado a promover o estudo e difusão das respectivas línguas – Cultura Inglesa, Alliance Française, Instituto Goethe, Instituto Cervantes e Istituto Italiano de Cultura – o Brasil não participa nem do Instituto Camões, nem implementa o Instituto Machado de Assis. Deveríamos nos mirar no exemplo do Instituto Cervantes, responsável pelo ensino da língua castelhana em todo o mundo, que acolhe em suas bibliotecas autores de todos os países de fala espanhola, em especial os latino-americanos. O mesmo acontece com as Alianças Francesas e com as Mediatecas dos Consulados Franceses, que se preocupam permanentemente em divulgar não só os autores “100% franceses”, mas também toda a literatura francófona, de diversas origens e procedências: argelinos, libaneses, antilheses, canadenses e até de origem chinesa ou afegâ, que escrevem em francês. O Acordo Ortográfico (com todas as restrições que a ele se pode objetar) representa apenas um primeiro porém necessário passo para incrementar o estudo da Língua Portuguesa internacionalmente.
Quanto à promoção dos autores lusófonos, também deveríamos nos espelhar nos exemplos bem sucedidos de outros países, que logram resistir de modo ativo ao domínio avassalador do Inglês. A França, cujo modelo conheço bastante bem, poderia novamente nos inspirar. O Centre National du Livre – CNL – sucessor do Centre National des Lettres, fundado após1945, é sustentado por verbas públicas e privadas (taxas e contribuições vindas dos editores, e também cobradas sobre a venda de máquinas de reprografia). Possui uma estrutura enxuta e permanente, que independe dos governantes de plantão, e funciona através de comitês temáticos formados por especialistas vindos do setor público e privado.
O CNL atua em todas as etapas da cadeia produtiva do Livro, apoiando Autores, Tradutores, Ilustradores, Editores e Livreiros, através de diversos mecanismos que vão de bolsas e residências a co-edições, dentre outras formas de apoio que não cabe esmiuçar aqui, mas que é possível conhecer e reproduzir.
A Língua e a Literatura francófonas são consideradas Assunto de Estado, e envolvem não apenas o Ministério da Cultura mas o próprio Ministério das Relações Exteriores. Viagens dos autores, vistos como efetivos Embaixadores da Cultura Francesa, são em geral custeadas pelos Consulados, com verbas do MRE.
Estamos muito longe de algo parecido, e há de se ponderar de onde viriam fundos para custear este tipo de órgão.
Cabe então lembrar a proposta de criação do Fundo Setorial do Livro, a ser financiado com um percentual (1%) do faturamento bruto dos editores (acima de um nível determinado de faturamento), como contrapartida pela desoneração do PIS-Cofins (de 3,65%), concedida em dezembro 2004, durante o primeiro mandato do Presidente Lula. O compromisso pela a criação deste Fundo foi firmado na ocasião por TODOS os Presidentes das maiores entidades representativas da Cadeia do Livro: SNEL- Sindicato Nacional dos Editores de Livros; CBL – Câmara Brasileira do Livro; Abrelivros – Associação que reúne os editores fornecedores de livros escolares ao Governo, através do Plano Nacional do Livro Didático; Associação Nacional de Livrarias- ANL, LIBRE – Liga Brasileira de Editores, para citar só as mais importantes signatárias do “acordo de cavalheiros”. Passados oito anos, tal projeto ainda não se concretizou. Reuniões entre as entidades, a própria Receita Federal e o MInC ficaram apenas na fase de debates.
Enquanto isso, continuamos na penúria.
Apenas um pequeno exemplo: em 2012, o Departamento de Letras da Universidade de Ljubljana, na capital da Eslovênia, publicou, por sua conta e risco, uma Antologia de Poesia Brasileira Contemporânea. O poeta Antonio Cícero foi convidado para participar do lançamento, previsto durante uma Semana dedicada ao Brasil. Bastava pagar-lhe a passagem, uma vez que a estadia seria bancada pelos eslovenos.
Antonio Cicero não conseguiu viajar…
Interessante, bom texto.
Acham chifre em cabeça de cavalo, em primeiro lugar o brasileiro tem que ler mais e isto não quer dizer necessariamente comprar mais livros, existem bibliotecas públicas muito bem aparelhadas, em segundo lugar isto pode ser mais bem desenvolvido perante quem quiser manter o diálogo comigo: desprestigiar o tanto quanto possível a Rede Globo.
Existem bibliotecas boas, é verdade. A famosa exceção que confirma a regra do péssimo estado do conjunto.