Além das divergências das duas “versões” de dados de 2009, os últimos relatórios da pesquisa “Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro”, encomendada pela CBL e pelo SNEL e executada pela FIPE, apresentam uma novidade: tabelas de “preços médios” dos livros no Brasil.
A aparência é sofisticada: as tabelas estão divididas entre vários tipos de “preço médio”: por subsetor editorial (no “preço médio” de mercado) e pelos diferentes programas governamentais, nas vendas para o governo.
Em 2005, quando da desoneração do setor editorial, quando o Presidente Lula assinou lei isentando as editoras do pagamento do PIS/PASEP-COFINS, as entidades do setor haviam assumido um compromisso: em troca da isenção, que significava um alívio de mais de 4% sobre o faturamento das empresas, assumiam o compromisso de contribuir para um fundo de promoção do livro e da leitura, no valor de 1% do faturamento.
Quando a proposta foi feita, o entusiasmo foi grande. Acompanhei esse processo de perto, mas não vou entrar em detalhes agora. Só lembro que, nessa ocasião, manifestei aos funcionários do Governo Federal que tratavam do assunto que seria importante fazer as duas coisas ao mesmo tempo: a desoneração e a instituição do fundo, destinado aos programas de aquisição de livros para bibliotecas, implantação de programas de estímulo à leitura, capacitação de bibliotecários, etc. Ou seja, coisas que voltavam em benefício do próprio setor editorial.
Por várias razões isso não foi possível.
O resultado é que o “venha nós” para as editoras veio. A isenção está em vigor.
Mas a contribuição, o “vosso reino”…
Alguns anos depois, capitaneadas pela ABRELIVRO, as entidades do setor fundaram o Instituto Pró-Livro, que seria a resposta do setor privado a essa demanda. A contribuição para o IPL financiou a segunda pesquisa “Retratos da leitura no Brasil” e a terceira, que está em etapa de finalização, além de algumas outras atividades. Tudo muito meritório e digno dos maiores elogios. Mas muito longe do que seria o 1% do faturamento para um fundo que, na proposta original, teria gestão compartilhada entre governo, sociedade civil e os representantes da indústria editorial e livreira.
Há dois anos, a questão do fundo ressurgiu no Ministério da Cultura. Aí o discurso dos editores mudou. Além da contribuição para o Instituto Pró-Livro, a argumentação das editoras era a de que o preço do livro estava baixando. Portanto, os editores estavam “fazendo sua parte” para cumprir os objetivos da desoneração.
Sinceramente não sei se o preço dos livros está baixando em termos reais.
Entretanto, aparece a pesquisa da FIPE dizendo que sim, o “preço médio” dos livros está baixando.
O Relatório de 2009 fala em “substantiva queda de preços”, e a coleção de slides apresentada na Bienal do Rio de Janeiro, à guisa de Relatório de 2010, afirma que “o preço médio do livro manteve a tendência de queda, que apresenta desde 2004. Em 2010 o preço médio do livro declinou 4,42%. Considerada apenas as vendas ao mercado, declinou 4,91%” (destaque no slide).
Como é feita essa conta? Considera-se o faturamento total das editoras, por subsetor, e divide-se pelo número de exemplares vendidos. Esse é o “preço médio”.
Será?
Existe uma série de variáveis na definição do preço de um livro. Custos editoriais (adiantamentos ao autor, tradução, preparação de textos, revisão, diagramação, capa, etc. etc.) e custos industriais, entre os quais os componentes mais importantes são papel e impressão. A quantidade de papel é determinada por quatro variáveis simples: formato do livro, número de páginas, qualidade do papel (gramatura, tipo – cuchê ou offset) e tipo de acabamento. O custo de impressão tem uma tendência decrescente até um determinado nível. Ou seja, imprimir mil exemplares sai mais caro por unidade que imprimir cinco mil. Isso por causa dos ajustes, do tipo de máquina e outros detalhes técnicos. Mas, a partir de uma determinada quantidade, o custo por exemplar impresso não diminui mais: uma vez ajustada a máquina, esse fator se torna irrelevante. Uma eventual negociação entre editora e gráfica em função de quantidades maiores pode diminuir um pouco mais o custo por exemplar por razões financeiras, mas isso tem um limite.
Em resumo, um livro com quinhentas páginas obviamente custa mais que um livro de cento e cinquenta páginas, e isso independente da tiragem. Se somarmos o preço de um livro de 500 páginas e o preço de um de 150 páginas e dividirmos por dois estaremos fazendo uma ficção aritmética, mas não um cálculo. Algo parecido com o que minha professora de primário dizia: Não se pode fazer as quatro operações com coisas diferentes, não se pode somar laranja com cavalo e assim por diante.
O editor calcula seu “preço de capa” a partir dessas variáveis, considerando seu retorno e a taxa de lucro esperada, além de outro componente: os custos de comercialização. Ou seja, o desconto dado às livrarias e distribuidoras para que estas possam vender os livros.
Quem acompanha o mercado editorial sabe que as grandes cadeias de livrarias e distribuidoras têm exigido descontos cada vez maiores dos editores para colocar os livros em destaque. Principalmente aqueles títulos que os editores trabalham para que se transformem em best-sellers. Mas deixemos esses detalhes de lado para simplificar, e vamos considerar que o desconto de comercialização fica em 50% do preço de capa.
Ou seja, se um livro custa R$ 30,00 como preço de capa, o editor recebe R$ 15,00. O livreiro pode vender a R$ 30,00 ou oferecer algum tipo de desconto para seus clientes (o que será uma função do desconto que as editoras lhe deram), mas vamos deixar também isso de lado. Assim, para o preço de capa de R$ 30,00, repito, a editora recebe R$ 15,00. Multiplicado pelo número de exemplares vendidos, esse é o seu faturamento bruto, que é o declarado na pesquisa CBL/SNEL-FIPE.
Preparei uma tabela hipotética considerando uma lista de best-sellers, o desconto de 50% sobre o preço de capa, um número de exemplares vendidos e o faturamento das editoras por título.
Ficou assim:
Na segunda coluna, depois do “nome do livro”, temos o preço de capa; na terceira, a quantidade de páginas; na quarta, o faturamento bruto da editora por exemplar; na quinta, uma projeção de quantos exemplares se venderam em um ano; e, na sexta, o faturamento bruto total da editora por cada livro.
Ou seja: para um milhão de exemplares vendidos, teríamos um “preço médio” para as editoras, de R$ 18,20. Reitero: preço médio para as editoras porque é disso que trata o cálculo da pesquisa. Os preços reais praticados nas livrarias podem variar muito mais, dependendo dos descontos que cada rede consiga, etc, etc.
Vejam bem, nessa tabela só considero duas variáveis: o número de páginas por livro e o preço de capa. Não considerei o formato nem o tipo de papel usado.
Vamos imaginar que, no ano seguinte, livros com as mesmas características (número de páginas e preço de capa) entrassem na lista de best-sellers. Não os mesmos livros, mas outros, repito, com as mesmas características. Só que em posições diferentes na lista, quer dizer, no número hipotético de exemplares vendidos.
Ficaria assim:
Vejam bem. São livros com exatamente a mesmas características. Só mudou sua “posição” na nossa lista de best-seller e, por conseguinte, a quantidade de livros vendidos. E só aí teríamos um “preço médio” quase 5% mais baixo.
Pensem agora em quase cinquenta mil títulos por ano (na verdade a quantidade de títulos disponíveis a cada momento é muito maior), com características diferentes, preços diferentes, descontos para livrarias diferenciados, quantidade vendidas diferentes de cada título e fica evidente apenas uma coisa: “preço médio” baseado na divisão do faturamento por unidades vendidas é apenas e tão somente conversa para boi dormir.
Não quer dizer absolutamente nada.
Muito esclarecedor. Obrigado