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CRISES

Acompanho há tempos a crise que foi crescendo e amadurecendo nas relações entre as editoras e as redes da Cultura e da Saraiva. Os atrasos, tergiversações – diria eu, pura e simplesmente má fé em vários momentos – levaram várias editoras de pequeno e médio porte à beira da falência, e também as grandes casas a dificuldades em seu fluxo de caixa. Finalmente, há alguns dias, Marcos Pereira, afirmando sua condição de liderança, declarou que as editoras – através do SNEL – não aceitariam a “proposta” sem-vergonha da Saraiva e esperavam o pedido de recuperação judicial da sociedade anônima. “Queremos saber da situação real da empresa e de como efetivamente pretende (ou pode, diria eu) pagar as dívidas”.

Parabéns, Marcos Pereira.

Mas é o caso de perguntar: essa crise era previsível e inesperada?

Era previsível, por vir se arrastando há muito tempo, e muito menos inesperada.

Uma análise fria e desapaixonada sobre o mercado editorial brasileiro mostra, facilmente, que as editoras, em especial os grandes grupos editoriais, foram criando e cultivando as raízes dessa crise, e que deveriam há tempo ter provocado medidas mais assertivas no que diz respeito à relação editoras/distribuidoras/livrarias.

Já em 1995, logo depois do Plano Real, a então rede Siciliano, na pessoa do seu então controlador e futuro presidente da CBL, lançou um verdadeiro ultimato às editoras: precisava de mais descontos e mais prazo para o pagamento, porque a estabilidade da moeda prejudicava a rentabilidade da empresa. Na verdade, essa “rentabilidade” se devia à especulação inflacionária que destruía a economia do país (hoje temos outras ameaças, até muito mais sérias, mas não é o caso aqui). As redes compravam com 50% de desconto e prazo de 90 dias. A duplicata emitida pela venda, com preço determinado, valia uma fração dos custos e da rentabilidade das editoras quando eram pagas.

A chantagem funcionou. Apesar da resistência temporária de algumas editoras grandes, o dito mercado cedeu e aumentou os descontos para as grandes redes. E daí em diante as diferenças de descontos e prazos entre as redes e as livrarias independentes só fez crescer, com as independentes comendo o pão que o diabo amassou (ou as famílias Hertz e Siciliano/Saraiva).

 

Para a rede Siciliano, um final melancólico. A má gestão e as brigas familiares (que chegaram até a justiça) liquidaram a rede, que finalmente foi vendida na bacia das almas para a Saraiva. Que agora enfrenta o mesmo tipo de problemas.

O sistema de distribuição – que nunca foi grande coisa, mas era bem mais estruturado que hoje – também foi para o buraco.

Acho que foi o marco zero da crise que supurou agora.

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SARAIVA, CULTURA, AMAZON E AS LIVRARIAS INDEPENDENTES

Um dos temas mais permanentes nas discussões do mercado editorial e livreiro – aqui e alhures – é o papel e destino das livrarias independentes e das grandes cadeias. Essa discussão se intensificou com o surgimento da Amazon (e olhem que a varejista foi fundada em 1994, com início das atividades de comércio eletrônico em 1995 – já são 22 anos).

Naquele momento era observado o auge do crescimento das grandes cadeias de livrarias nos EUA. As livrarias independentes as tinham como inimigo principal, e as notícias contabilizavam o fechamento de inúmeras lojas nas grandes e médias cidades.

É bom lembrar que, por aqui, a cadeia dominante era a Siciliano (que provocou polêmicas, discussões e gritos ao exigir maiores descontos, na voz de seu controlador, exatamente depois do Plano Real, com a sincera alegação de que ganhava dinheiro com a inflação e que agora as editoras tinham que ajuda-los a recuperar suas margens…). Hoje, comprada a preço de xepa de feira pela Saraiva, o nome da rede é história.

História como nos EUA é o nome da Borders e outras cadeias menores, que não conseguiram concorrer com a Amazon. A própria Barnes&Noble anda mal das pernas há anos, embora seu controlador jure que resistirá. E as livrarias independentes voltaram a florescer na gringolândia, graças a estratégias empresariais e institucionais, através da ABA – American Booksellers Association, como já mencionei várias vezes por aqui.

Na Europa, por sua vez, a Amazon enfrenta problemas, com um severo escrutínio das autoridades reguladoras do continente. E, surpreendentemente, a W. H. Smith, uma cadeia de livros que andou tropeçando, mostrou lucros no ano passado.

Na França e outros países do continente, a lei do preço fixo demonstra sua força e mantém vivas as livrarias independentes. Mas, também como já mostrei aqui, por trás da lei existe um sólido aparato que reúne editores, livreiros, e as “grandes superfícies”, em um comitê que supervisiona a aplicação da lei. Um dos aspectos importantes dessa legislação é que parte dos descontos concedidos pelas editoras às livrarias está condicionado a ações de promoção da leitura.

No entanto, a Amazon continua lépida e fagueira em seu crescimento. Já abriu algumas lojas físicas (modo de dizer, já que as lojas aplicam uma tecnologia muito mais avançada que a disponível em outros varejistas). Além da loja inicial em Seattle, a varejista tem outras em Boston, San Diego, Portland e New York – onde já são várias. E essas são livrarias – a Amazon já experimenta com verduras e alimentos, e agora saiu a notícia que fará o mesmo com eletrodomésticos e roupas. Mike Shatzkin, aqui  levanta a possibilidade de que a Amazon se torne a maior varejista – de tudo – nos EUA, e a prazo relativamente curto. Veremos.

Uma das características das lojas da Amazon é a seleção de livros em exibição. De onde veio essa seleção? Bidu: do histórico de compras acumulados pelo site naquela região. Nada de livreiros que “conhecem” seus clientes e mantêm uma seleção de acordo com os gostos dos seus frequentadores. Bezos não se dá a esse luxo, e tudo é definido por algoritmos. Para ele, os dados são mais preciosos que qualquer subjetividade, e definem cada passo a ser dado.

Dito seja de passagem e fora do tema imediato: Amazon já é a maior editora de livros traduzidos dos EUA, e há muito o KDP é o dominante na autopublicação, embora aí ainda tenha concorrentes sérios, tanto de propriedade de outras editoras como independentes.

Voltando à nossa questão inicial.

Todo essa aparente cabeça de cera para voltar à questão inicial. O que acontece por aqui e será que se abre uma janela de oportunidade para as livrarias independentes do Bananão?

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Preços de e-books no Brasil. Conquista de mercado e indiferença

Capturar

Há alguns dias fiz uma pesquisa de preços para comprar um livro que me interessava. Queria ler The Financial Lives of the Poets, de Jess Walter. Sabia que havia uma tradução e resolvi verificar se leria o livro em inglês ou na tradução, e se havia disponibilidade dessa tradução em e-book, fosse no formato ePub ou Kindle.

Havia. A Benvirá, editora no Brasil, vendia (exclusivamente) na loja da sua matriz, a Saraiva o livro em formato ePub. O preço de capa do livro impresso era R$ 39,90, adquirido na Saraiva saía por R$ 33,90 e o e-book… custava R$ 35,90! (Isso até o dia 22. No dia 23, o site apresentou uma mudança significativa: passou a vender os dois formatos pelo mesmo preço de R$ 35,90.

Ou seja, a Benvirá dava 15% de desconto para quem comprasse o livro na Saraiva, mas quem o adquirisse para ler no app da cadeia de livrarias ou em algum Kobo ou tablete, ganhava só míseros 10%. A Saraiva, como se sabe, não vende nenhum e-reader próprio. Apenas disponibiliza app para quem quiser ler nos desktops ou em tablets.

À surpresa seguiu-se a perplexidade. Quem seria idiota o suficiente para comprar um e-book, depois de ter gasto no mínimo mais R$ 259,00 (Kobo mini) ou R$ 299,00 (o Kindle mais barato), para pagar mais caro que o livro impresso? Afinal, quem tem ou pensa em comprar um e-reader (ou um tablete, que é mais caro, mas é multiuso) sabe perfeitamente que a grande vantagem dos e-books está no preço, e que um leitor assíduo amortiza rapidamente o investimento com o que economiza no preço dos livros.
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“Mamãe Saraiva” não gosta de livros

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Na sexta-feira, dia 26 de abril, a Saraiva publicou um caderno separata de anúncios no Estadão, com ofertas para o “Dia das Mães”. “Mamãe Saraiva”- uma modelo com cara da Neide Aparecida (essa é só para quem tem mais de 60 anos) está com um smartphone na mão.
Nas seis páginas da separata estão anunciados:

– 6 celulares;
– 4 acessórios para celulares;
– 3 notebooks;
– 2 acessórios para notebooks;
– 3 aparelhos de TV digital (grande formato);
– 3 caixas de coleções de filmes;
– 2 cafeteiras de expresso;
– 2 utensílios de cozinha;
– 3 livros – DE CULINÁRIA.

“Mamãe Saraiva”, pelo visto, gosta de fofocar no intervalo dos programas de televisão, quando não está cozinhando. A “literatura” mais profunda que ela se permite é o de “Culinária para Bem Estar – Receitas antiTPM”, da filósofa do forno-e-fogão Rita Lobo. Aliás, “Mamãe Saraiva” pode ler a obra e “ser moderna até cozinhando” em um e-reader.

“Mamãe Saraiva” é uma idiota. Ou seus filhinhos pensam que ela é.
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Como editoras e livrarias andam [mal]tratando seus [meta]dados por aqui

Na apresentação que Richard Stark fez em Bogotá sobre a questão dos metadados, há uma lista de elementos mínimos que deveriam ser disponibilizados pelos editores para os elos seguintes da cadeia do livro. Para distribuidores e livreiros terem conhecimento de algumas das condições de comercialização do produto. Para o público leitor – e isso é ainda mais importante – de modo a que o livro possa ser facilmente encontrado pelos mecanismos de busca eletrônicos e para que o eventual comprador saiba qual é seu conteúdo.

Alguns desses componentes são ocultos, pois dizem respeito somente à relação editor/distribuidor-livreiro. Outros devem ser necessariamente complementados com informações próprias do distribuidor/livreiro. Na lista apresentada no post anterior, seriam esses: preço (o livreiro tem que especificar seu(s) preços e condições, que são eventualmente diferentes dos do editor); código de desconto proprietário do editor, que tem que ser complementado pelos eventuais descontos dados pelo livreiro; código de disponibilidade do produto, que deve ser complementado pelos códigos do livreiro (disponibilidade de entrega, prazos, etc.); código de devolução (ou das condições de consignação, que são elementos da relação comercial editor/livreiro). Ou seja, de uma lista de trinta, podemos considerar que quatro dizem respeito à relação entre editor-livreiro e que devem ser acrescidos pelas informações das próprias das relações livreiro-comprador final.
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Ano Novo: Vida Nova?

Ano novo, vida nova, diz o senso comum. Na verdade, essa marca canônica do tempo serve mesmo como marco arbitrário para marcar processos continuados e que às vezes têm ritmos bem diferenciados. Um exemplo bem claro disso, desconhecido para o público geral mas seguido atentamente pelas editoras, é o dos calendários para pré-inscrição, seleção, contratação e entrega dos livros dos diferentes programas de livros para as escolas, gerenciados pelo FNDE, órgão do Ministério da Educação. Nestes dias está terminando a entrega, pelos correios, dos livros didáticos que serão usados em 2012 e, ao mesmo tempo, a pré-inscrição para o PNLD para 2014.

O Edital para o PNLD 2014 vinha sendo discutido entre o FNDE e as editoras, principalmente através da Abrelivro, desde meados do ano passado, por incluir uma inovação importante: serão consideradas coleções com materiais multimídia, que deverão estar em CD-ROMs e, ao mesmo tempo, abrigados em portais das editoras acessados através do portal do livro didático do MEC. Até maio essas coleções deverão ser entregues para avaliação, com conteúdo e formatação física tal como serão eventualmente adquiridas pelo MEC mais adiante. Ou seja, as editoras didáticas têm que fazer edições completas do material que será vendido em 2013 e usado pelos alunos em 2014, e esse processo já vem sendo executado há pelo menos um ano.
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Como os dados modelam o mercado editorial

A informática permite hoje a coleta de dados importantes sobre o desempenho dos livros. É claro, desde que os metadados estejam corretamente assinalados e sejam “coletáveis”.
Os instrumentos para tanto são vários. Alguns podem estar dentro da própria editora, ou da livraria, consolidando dados sobre os clientes e vendas, devoluções, pagamento de direitos autorais, amortização do investimento, etc.
Um dos mais interessantes é o BookScan, da Nielsen International. Esse instrumento recolhe informações de vendas no varejo, a partir do ponto de venda, em mais de 31.500 livrarias nos cinco continentes. Apenas livros em inglês, na Inglaterra, Estados Unidos, Irlanda, Austrália, África do Sul, Itália, Nova Zelândia, Dinamarca, Espanha e Índia.
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Editoras e Universidades ampliam uso do livro eletrônico

Como já havia mencionado em post anterior, a popularização do livro eletrônico, seja sob a forma dos e-readers ou via laptops, tablets e netbooks – esta estreitamente ligado ao uso educacional.
A base de usuários crescerá muito a partir desse mercado.
Depois dos acordos da Xerif com a Universidade Estácio de Sá e algumas outras, uma nova iniciativa vem se somar a essa. Saraiva, o Grupo A, GEN e Atlas se unem em uma nova empresa, a Minha Biblioteca para fornecer livros para universidades.
A iniciativa traz outra novidade, que é a chegada ao Brasil da Vital Source, uma empresa da Ingram, dos Estados Unidos. Essa subsidiária da Ingram nos EUA desenvolveu exatamente a plataforma My Library para oferecer esse serviço às editoras e universidades americanas. A Ingram não apenas é a maior distribuidora de livros físicos daquele país, como tem também o sistema Lighning Source, de printing on demand que é fundamental para o funcionamento do comércio de livros.
Veja matéria completa publicada hoje pelo Publish News, texto de Maria Fernanda Rodrigues.