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“DISCOVERABILITY”, “EMPOWERMENT” E OS PROBLEMAS DE TRADUZIR NEOLOGISMOS.

“Discoverability” tem a ver com achar agulha no palheiro.

Há alguns dias, a autora Rosa Amanda Strauz postou no FB uma nota acerca de matéria publicada no PublishNews, assim:

“Matéria do PublishNews de 18/04 tem o seguinte subtítulo:
“Kobo adquire tecnologia que utiliza uma foto para ajudar na ‘descobertabilidade’ de e-books”.
Cuma???? DESCOBERTABILIDADE??? Onde foram parar os dicionários de sinônimos???” Veja aqui.

Os comentários que seguiram foram de vários tipos. Desde os que desprezavam o problema tradutório/sociológico levantado pela questão, até os que conversavam e davam sugestões sobre como resolver essa questão.

“Danielle Sales Tudo porque querem usar o “discoverability” do inglês… Tsc, tsc, tsc
Olivio Petit imagina Cabral justificando a calmaria.
Renato Kress Em breve seus netos entrarão na dirigibilidade-escola para improvar sua guiabilidade. Aguarde e confie
Maria Valéria Rezende Isso agora é “linguagem acadêmica” rsrs”

A matéria do PN é esta.

Como o uso de “descoverability” é muito comum no tratamento das questões relacionadas com metadados, meti minha colher de pau torta no assunto: “A questão é que os dois termos em inglês cobrem um conceito mais amplo que descoberta, por exemplo (trata-se de “tornar possível de ser descoberto”, ou “forçar ser descoberto”. O mesmo acontece com “empowerment”. Tenho absoluta certeza que podemos achar termos corretos em português, mas até hoje não consegui”.

Como a lista de palpites e comentários é grande, quem quiser acompanhar tudo vá no FB e procure os posts da Rosa Amanda. Que, aliás, sugeriu “Como minhas sugestões ficaram escondidas no meio da discussão, repito aqui: Kobo adquire tecnologia que facilita a descoberta de e-books por meio de fotos.”

Certo, traduzir uma palavra em um conceito pode resolver, em muitos casos.

Mas para entender a compreensão e as dificuldades do problema, particularmente na questão do “discoverability”, é preciso saber o que gerou o uso desse neologismo em inglês.

Note-se que não sou contra a incorporação de neologismos ao nosso português. Para além da moda atual dos anglicismos, já tivemos a época dos galicismos e outras. Em alguns casos, considero ótimos achados, até porque remetem também a raízes latinas: deletar, por exemplo, que não vejo nenhum problema em usar como sinônimo de apagar ou obliterar, para ficarmos em um exemplo.

Voltando às origens do problema.

Classificar coleções é algo bastante antigo na humanidade. E muito especialmente no que diz respeito a livros. Matthew Battles, autor do divertido e altamente informativo “Library, an Unquiet History” (há uma tradução aqui, da Planeta, infelizmente fora do catálogo) chama atenção que já a Biblioteca de Nínive, sob o reino de Asurbanípal II, os 25.000 tabletes de argila colecionados por ordem do Rei, estavam unidos por tema, cada grupo com marcação específica. As bibliotecas gregas e latinas, inclusive a famosa de Alexandria, tinham marcações coladas no umbilicus (o pedaço de madeira em torno do qual eram enrolados ao papiros), com o título e o nome do autor.

A saga prossegue, e a classificação começa a envolver censura, a definição dos livros “bons” e aqueles cuja leitura não era condizente com o saber instituído (a ideia por trás da seção “inferno” da Biblioteca Vaticana e de várias outras). A própria instauração de um método de classificação que apelava para o alfabeto (ordenamento por título ou autor pela ordem das letras) foi objeto de intensa discussão. Para a mentalidade escolástica do medievo, a classificação era “racional”, segundo as áreas de conhecimento que se ligavam harmonicamente. E la nave va

Achar livros, mesmo em uma biblioteca menor, já é um problema. Nas gigantescas, então…

Já no início da idade moderna, as grandes bibliotecas (como a Vaticana e a British), batalhavam com o estabelecimento de sistemas de classificação. De vez em quando brinco com bibliotecários dizendo que alguns são capazes de assassinar por conta de como classificar um livro, como mostra a trama do divertido romance do Umberto Eco, “O Nome da Rosa”.

A primeira grande virada começa a ser desenhada por Antonio Panizzi, revolucionário italiano condenado à morte em Módena e que acaba como bibliotecário do British Museum. Panizzi foi o primeiro a estabelecer que “o primeiro e principal objetivo do Catálogo”, diz Battles descrevendo seu trabalho, citando o relatório que ele preparou, “é o acesso fácil às obras que fazem parte da coleção”. E esse não era simplesmente uma ferramenta para os bibliotecários, mas um instrumento “que o público tem o direito de esperar em tal instituição”. (Battles, pg, 130). Os livros deixavam de ser o domínio dos eruditos e seu acesso passava a ser um “direito do público”. Era uma tarefa monumental, ainda baseada na ordem alfabética, com as relações temáticas dos livros especificadas. Só a catalogação da letra “A” demorou onze anos. E despertou polêmicas.

Para encurtar a história, o sistema de indexação adquiriu sua forma final nas mãos de Melville Dewey, e a invenção do Sistema Decimal de Classificação. Não vou me estender aqui sobre o assunto, de amplo conhecimento geral, e constante desenvolvimento por parte das associações de bibliotecários. De qualquer modo, o eixo da catalogação era a indexação dos títulos. Que permitia aos bibliotecários localizar os livros por temas específicos ou relacionados. Era uma ferramenta eficiente, mas muito dependente do trabalho especializado dos bibliotecários (ou conhecimento dos interessados), mesmo quando os cartões de catalogação foram colocados online.

O problema se complicou geometricamente com duas questões: a) o aumento também exponencial dos livros publicados e colocados à venda; b) além do aumento ainda mais vertiginoso dos títulos disponíveis, com a digitalização e os livros eletrônicos, apareceu também a questão dos “livros órfãos”. A própria digitalização das bibliotecas, processo iniciado pelo Google, deixou acessíveis milhões de títulos previamente confinados em coleções impressas em bibliotecas já de por si gigantescas, espalhados pelo mundo inteiro.

Pelo lado da indústria editorial, alguns problemas já eram sentidos há muito. Uma primeira questão enfrentada foi a da identificação de cada edição. Na distribuição, a identificação correta de um título é crucial para os mais diversos controles. Diferentes livros, de autores distintos, com o mesmo título; edições diferentes do mesmo título; identificação de cada tradução ou formato de um título, e por aí vai. Daí nasceu o ISBN, lá pelos anos sessenta. ISBN, para os que ainda não sabem, é o acrônimo de International Standard Book Number. É um código que usa uma identificação para cada país, para cada editora e para cada título publicado, diferenciando de forma unívoca um livro de outro, seja lá por qual fator seja (nova edição – modificações da primeira; formatos diferentes; traduções, etc. etc.).

O aumento do número de edições, formato, meios de acesso, etc. é que complicou mais e mais o problema. Imaginemos que desde a biblioteca de Nínive e seus 25.000 tabletes, até a nossa Biblioteca Nacional (com seus cerca de oito milhões de títulos), e outras bem maiores, como a questão se complicou. A nossa Biblioteca Nacional, ainda tem gargalos de catalogação, incorporação do depósito legal e outros probleminhas, mas avançou na digitalização do acervo, particularmente de obras raras, dentro de um programa da UNESCO. No que diz respeito ao mercado editorial, o número de títulos disponíveis no catálogo, aqui no Brasil, chega a várias centenas de milhares de títulos. No mundo inteiro… São vários bilhões de títulos, entre os disponíveis no mercado e os disponíveis nas bibliotecas virtuais.

Os livros estão lá. Como descobrir o texto que desejo, seja para leitura ou para pesquisa? Se fosse ler todas as fichas catalográficas para achar tudo que se refira, por exemplo, a “sistema político brasileiro”, a correlação de temas seria gigantesca, mesmo com sistemas eletrônicos, porque cada “tema” não estaria vinculado aos demais como tags de metadados.

Uma parte do problema foi solucionado com os sistemas booleanos de busca, que usa operadores lógicos para organizar as pesquisas (veja aqui uma descrição simples do uso ). Mas esses sistemas de busca ainda exigem um certo preparo técnico para serem produtivos.

É preciso um mapa de navegação pelo labirinto

Foi então que começou a preocupação com o conceito de metadados. Já escrevi vários posts sobre o assunto, que podem ser consultados no meu blog , aqui. Nem vou lista-los aqui. Basta olhar na coluna da esquerda, na seção “tags”, e poderão achar “metadados” e muitos outros “tags” semelhantes. O que é isso? É a forma pelo qual indico aos eventuais leitores quais os temas (ou o tema) que está tratado em cada post. E posso colocar quantos “tags” queira em um post, já que cada um deles pode eventualmente se referir também outros assuntos relacionados.

Pois bem, os metadados é que abriram caminho para a criação do conceito de “discoverability”. Parece que a palavra foi importada das teorias de marketing para indicar o “tempo de exposição” de um determinado produto nas prateleiras. Os marquetólogos que confirmem ou não isso.

O fato é que, aplicado ao mercado editorial, esse conceito de “tempo de exposição” torna-se extremamente elástico. Mesmo quando um determinado título saiu do catálogo, ainda pode ser localizado por um dos “tags/metadados” que estejam embutidos lá dentro. Daí que, para identificar a disponibilidade do título, existem “tags” específicos para informar isso em relação a cada título.

A questão da “discoverability” aparece, portanto, da necessidade de “deixar um título com a possibilidade de ser descoberto” com certa facilidade. Um dos meus posts que estão sob a “tag” de metadados oferece um exemplo prático de como isso poderia funcionar (o condicional é por conta do desprezo com que os metadados são ainda tratados por editoras e livrarias por aqui, comparados com os de alhures (veja aqui esse post, e repita a experiência se quiser). Evidentemente, ainda que não seja um trabalho especificamente “técnico”, a qualidade dos tags e metadados pode melhorar significativamente a “discoverability” de um determinado título.

Particularmente, considero isso fundamental para as pequenas e médias editoras. É um modo de permitir que os livros que editem tenham a possibilidade de ser descobertos por leitores interessados, para além da máquina de marketing das grandes editoras e do espaço cada vez menos nos jornais.

Essa história começou mesmo a tomar corpo com a entrada da Amazon no mercado livreiro. O Bezos descobriu (porque foi fazer o curso de livreiro da ABA – American Booksellers Association) que os livros podem ser disponibilizados através das editoras e das distribuidoras, e que a livraria não precisa tê-los em estoque para vende-los (e ainda tem mais prazo para pagar). O que fez? Contatou a Ingram e a Baker & Taylor, as duas maiores distribuidoras, incorporou o catálogo delas no seu projeto de site e investiu o que podia em tecnologia de “discoverability”, primeiro colocando os metadados disponíveis, depois aperfeiçoando isso, e praticamente fazendo as editoras desenvolveram padrões mais consistentes de metadados. É o que faz até hoje: mantém estoques mínimos, medidos pela demanda registrada no sistema e pareadas com os prazos de entrega de distribuidores e editoras, e apresenta seu imenso catálogo ao público. Isso foi o que tornou possível seu slogan inicial “A livraria com mais de um milhão de títulos disponíveis”.

Não foi ele quem descobriu essa possibilidade, mas certamente foi dos que levou essa questão à perfeição, refinando cada vez mais os metadados e manipulando-os na construção de listas de “mais vendidos”, atuando proativamente junto aos clientes/leitores (e depois aos que compram qualquer coisa na loja da Amazon), como bem sabe quem já fez uma compra nessa varejista.

Os metadados são o farol que permite a descobertabilidade dos livros

Por essas e algumas outras razões fundamentais que o conceito de “discoverability” passou a circular e a ser cada vez mais importante. Não por um modismo acadêmico, mas como fruto do desenvolvimento da indústria editorial. E que tem repercussões TAMBÉM para as bibliotecas e aumento da leitura em geral: melhores mecanismos de busca geram demandas e ampliação de leitores… e pressão sobre as bibliotecas que têm verba para compras. O que não acontece por aqui, tanto pela falta de verbas como pela mania de encomendar a “especialistas” as listas de aquisições de acervo. Mas isso já é outro papo.

Por tudo isso é que a possível tradução do termo inglês fica longe de ser preciosismo ou subserviência. É uma questão de terminologia (técnica, que seja) que, tenho certeza, irá adquirir cada vez mais relevância.

Estou usando, por enquanto, descobertabilidade. Acho a palavra feia, não gosto, mas é a disponível no momento. Por isso mesmo, aceito sugestões.

Aliás, só para brincar. Outro dia sonhei (juro!) com uma tradução melhor para esse outro horror que é o “empowerment”. Quando acordei, lembrei do que tinha sonhado, mas não da palavra. E fico pensando se Hipnos, Morfeu, e os Oneiroi (os benignos) voltarão a me ajudar. Espero que o ôneiro do pesadelo não se faça presente.

NORMAS E METADADOS – PANORAMA

No dia 16 passado, aqui no PublishNews, Eduardo Cunha (o da BookPartners, não o outro), publicou um excelente post, Mudar as atitudes, estabelecer padrões: um bem para toda a cadeia livreira no qual abordava, com a perspectiva de distribuidor, alguns temas que venho tratando em várias ocasiões por aqui.

O ponto mais importante para mim, é que foi a primeira vez, em minha memória, que alguém diretamente envolvido na cadeia produtiva do livro trata do assunto, mostrando a urgência do estabelecimento de padrões e o aperfeiçoamento dos metadados usados pela indústria editorial e livreira do nosso país.

O post do Eduardo motivou algumas reflexões que gostaria de compartilhar com vocês.

O que primeiro chamou minha atenção foi a constatação de que “infelizmente não vejo nenhum esforço das nossas entidades de classes em criar padrões melhores para indústria”.

De fato, para criar padrões, é preciso haver alguma instituição normativa para isso, que consolide exigências de vários tipos, de modo a que sistematicamente possam ser aplicados em toda a cadeia de produção e venda de livros. As entidades do livro passam ao largo disso.

Exigem exigências de ordem fiscal – e ele chama atenção para vários problemas decorrentes da nossa estrutura tributária – de produção e de comercialização a serem obedecidas.

Muitas dessas normas (que são metadados), já estão codificados e existentes. As regras fiscais, por exemplo, são estabelecidas pela legislação e pelas normas da Receita Federal. Infelizmente, porém, nem todas as editoras seguem as normas. E ficam vulneráveis à eventual fiscalização. O Eduardo Cunha dá o exemplo do manejo das consignações.

E cita várias questões de produção e de identificação dos livros. Um exemplo hilário é o da “liberdade” que capistas tomam (com a conivência, e aplauso, dos editores), de colocar fundos por baixo da identificação do ISBN, dificultando a leitura do código de barras. E outros exemplos que tais.

Bom, a questão começa pelo seguinte: muitos dos padrões existem. Só que são completamente ignorados pelos editores e pelos capistas, diagramadores e outros envolvidos na produção desse objeto físico ou virtual que é o livro.

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DISTRIBUIÇÃO E “DESCOBERTABILIDADE”* DE LIVROS – A TRAGÉDIA VIROU FARSA

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A Professora Rita Olivieri-Godet ensina na Université de Rennes 2, na França. É mapeada no projeto Conexões Itaú Cultural – Mapeamento Internacional da Literatura Brasileira,  e a conheci pessoalmente no Fórum das Letras, em Ouro Preto. Ela esteve há poucas semanas no Brasil, lançando seu livro “Viva o Povo Brasileiro: a ficção de uma nação plural”.

Pois bem, no último dia 8 de março, recebi o seguinte e-mail da professora Rita Olivieri-Godet:

“Estou lhe escrevendo porque fiquei sabendo que você virá para o Salon du livre agora em março.
Quando estive no Brasil recentemente, eu procurei mas não consegui comprar o romance de Maria José Silveira, “Guerra no coração do cerrado”. Como venho trabalhando sobre a representação dos índios na literatura contemporânea este romance me interessa muito. Encomendei na Livraria Cultura de Salvador e até agora nada, embora eles tenham garantido que vão me enviar e eu já tenha pago a encomenda e o envio inclusive.

Então, se houver alguma possibilidade de você me trazer um exemplar eu o comprarei e quando o meu chegar colocarei na biblioteca da Université Rennes 2. Se não for possível, continuo aguardando (im)pacientemente o exemplar que encomendei na Cultura, não tem problema, não se sinta obrigado, estou apenas tentando ver se recebo o livro o mais cedo possível”.

O livro, lançado pela Record em 2006, recebeu excelentes resenhas, e seguiu seu destino.

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AS LIVRARIAS QUEREM SE ATUALIZAR?

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Matéria publicada nesta segunda-feira no Estado de S. Paulo relata que as grandes livrarias (no caso, as paulistanas Cultura, Saraiva e Livraria da Vila) estão desenvolvendo um esforço especial para a melhoria de suas operações na internet, em detrimento da expansão da rede física.

Vamos tentar ver isso mais de perto.

Quando a Amazon foi lançada, anunciava-se como a maior livraria do mundo, disponibilizando mais de um milhão de títulos. Certamente não tinha nada disso em seu estoque. Jeff Bezos constatou o óbvio: as livrarias podem trabalhar com o estoque das editoras, que lhes dão prazo e o desconto que proporciona a margem.

Só que, no caso das livrarias físicas, o livreiro deve sempre fazer o balanço entre os títulos que vendem com mais rapidez, os best-sellers, e uma seleção, dentro do milhão de títulos disponíveis nos catálogos das editoras, daqueles que acham que pode dar a “cara” da loja. E aí, sim, montar o sortimento da livraria, seu estoque.

A Amazon não precisava disso. O investimento foi dirigido basicamente para permitir que os clientes achassem os livros que desejavam no meio da cornucópia de títulos oferecidos. O resto é história. Até hoje a Amazon só mantem em seus centros de distribuição a quantidade de títulos que seus cálculos determinam que podem ser vendidos no período que vai entre o pedido do comprador e a entrega do exemplar pela distribuidora ou pela editora.

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FUNDO DE CATÁLOGO: A MINA A SER EXPLORADA

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O chamado “fundo de catálogo” – os livros que vão sendo editados no decorrer dos anos e continuam com contratos válidos – pode ser uma benção ou uma maldição para as editoras. Para certo tipo de editoras que desenvolvem seu catálogo pensando em títulos de vida longa, são muitas vezes a principal fonte de rendimentos. As bíblias, por exemplo, fazem esse papel nas editoras religiosas cristãs. Certo tipo de manuais e publicações técnicas de caráter universitário constituem a espinha dorsal de muitas editoras.

Para outras, entretanto, o fundo de catálogo pode se transformar em uma verdadeira ameaça à sua sobrevivência. Quando a editora erra o cálculo e imprime uma quantidade muito grande de exemplares, o que poderia ser a bonança de um best-seller se transforma em encalhes e o bicho realmente pega.

Mesmo sem caracterizar como encalhe, o fundo de catálogo é sempre um fator a ser administrado com muito cuidado pelas editoras. Isso porque os processos de impressão tradicionais – ainda muito usados no Brasil, seja com máquinas planas ou com rotativas – acabam sempre por resultar em uma sobra depois que a “vida de prateleira” do título se esgota. Essa vida de prateleira é o período logo após os lançamentos, quando os títulos (principalmente das editoras de obras gerais) ainda encontram espaço nas livrarias. Se calham de se transformar em best-seller, o problema se resume em administrar corretamente as reimpressões. Inclusive a decisão de reimprimir ou não, caso a tiragem se esgote.
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“THEMA” A Nova Ferramenta de Metadados

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Os leitores de “O Nome da Rosa”, do Umberto Eco, podem lembrar que os crimes no mosteiro acontecem, no final das contas, em torno de um assunto aparentemente prosaico: a classificação a ser dada ao suposto manuscrito de Aristóteles achado na biblioteca do convento. O suposto tratado sobre o riso seria obra filosófica (no sentido dado à palavra pela escolástica), ou um texto demoníaco que negava o cristianismo? Dessa classificação dependeria o acesso ao manuscrito ou sua condenação ao “inferno” dos livros proibidos. Da disputa, surge a razão dos assassinatos.

Por isso é que às vezes eu brinco, conversando com bibliotecários, que eles são capazes de assassinar em disputas sobre a classificação. O estruturado sistema decimal usado nas bibliotecas abre espaços para esse tipo de disputas (felizmente, rara vez resultando em assassinatos, mas muitas vezes em disputas acerbas entre os bibliotecários).

O sistema decima serve muito bem aos sistemas de bibliotecas. Mas, para a indústria editorial e para o comércio de livros resulta demasiadamente complicado. O assunto foi progressivamente sendo enfrentado pela indústria. Primeiro veio o ISBN, um identificador unívoco de cada título e edição, Mas, se não se sabe qual o ISBN, as buscas devem utilizar algum outro metadado. Os mais comuns, certamente, são o título e o nome do autor. Durante várias décadas isso funcionou bem para o mercado e foi incorporado nos sistemas de bibliotecas. Mecanismos com o protocolo Z.39.5 permitem que os computadores de diferentes bibliotecas “conversem” entre si a partir de fragmentos como esses, e importem/exportem dados de classificação cooperativa (nossa BN, infelizmente, não abre esse mecanismo. O sistema de bibliotecas das universidades paulistas abre, em parte).
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Para deixar de tomar decisões “pelo cheiro”

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Vagarosamente, muito vagarosamente, a prática de acompanhar os dados de vendas online começa a ser implantada na indústria editorial brasileira. Já atuam no Brasil as duas principais empresas de acompanhamento da movimentação no varejo que possuem sistemas de registro e acompanhamento das vendas online: a GfK, alemã, e a Nielsen BookScan, anglo-americana.

A GfK está no Brasil desde aproximadamente um ano, e sua implementação parece andar a passos lentos. Não consegui marcar um encontro com a empresa, mas no próximo dia 7 estarei na apresentação que farão de um panorama do varejo no Brasil na qual devem falar também sobre o mercado editorial.

A BookScan é sem dúvida a mais conhecida, até porque atua no maior mercado editorial no mundo, o dos EUA, e em mais nove países (Reino Unido, Irlanda, Austrália, Nova Zelândia, Índia, África do Sul, Itália, Espanha e agora no Brasil, desde julho).

Os sistemas de acompanhamento de vendas no varejo não são novidades em vários segmentos, e são intensamente usados na chamada “linha branca” e em eletro-eletrônicos. Registram a venda no fechamento do caixa nas lojas conveniadas (inclusive eventuais devoluções ou trocas) e geram relatórios com uma impressionante quantidade de informações.

O busílis está em interpretar e usar essas informações. E essa é uma prática completamente alheia ao mercado editorial brasileiro. Aqui, no máximo, se dispõe dos dados da pesquisa de produção e vendas de livros, iniciada pela CBL e pelo SNEL em 1990, e hoje operada pela FIPE. Essa pesquisa foi iniciada em um momento em que não havia outros meios de levantar esse tipo de informação a não ser que fossem fornecidas diretamente pelas editoras. Acompanhei o processo desde o início, sei das dificuldades de coleta e compilação, e o quanto a análise de dados ainda é pouco usada pelas editoras e livrarias. Recentemente passei a desacreditar da seriedade do levantamento, por razões que explicitei em um post, e voltei várias vezes a esse tipo de assunto, salientando a incompreensão acerca dos metadados e de como poderiam ser úteis para aperfeiçoar o movimento das editoras.
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ISBN, BIBLIOTECA NACIONAL E METADADOS – PROBLEMAS CONJUGADOS

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Nos últimos dias surgiram na imprensa e na Internet várias matérias sobre o ISBN – International Standard Book Number, envolvendo editoras, como a Record (em seus vários selos), a Biblioteca Nacional, custos e usos do ISBN.

Vou tentar traçar um panorama geral do assunto e das questões envolvidas.

O ISBN foi o resultado de uma constatação que se fazia evidente pelos meados da década de 1960. O número de editoras e de livros publicados tornava cada vez mais complicada a identificação de cada título, particularmente para manuseio das informações de venda. Essas informações têm impacto no relacionamento entre editoras e livrarias (e distribuidores) e também com os autores, no levantamento dos direitos autorais devidos.

Até então, cada editora desenvolvia seu próprio sistema de identificação dos livros que publicava, e os usava em seus controles internos. Esses sistemas de identificação variavam muito. Por exemplo, códigos para coleções, numeração seriada para obras diversas, etc. Enfim, uma verdadeira babel.
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Brasil e Índia no caminho da rápida adoção dos livros eletrônicos

O 3º. Congresso do Livro Digital, organizado pela CBL, revelou-se melhor que os dois primeiros em um ponto fundamental: um número menor de vendedores de apps e programinhas, que compareciam menos para demonstrar tendências e mais para propor a venda de serviços para os tupiniquins embasbacados pelas novidades, o que geralmente não conseguiam, porque o pessoal daqui é desconfiado e muquirana.

Ainda assim, a mesa “Inovando suas publicações com aplicativos” foi um exemplo lamentável desse tipo de coisa. O único interessante, que apresentou a “Nuvem de Livros”, poderia ter servido de pano de fundo para um debate importante: o interesse por “conteúdo grátis”, que é turbinado pelas telefônicas e pelos provedores de serviços da Internet, para os quais quanto mais tráfego provocado pelo “grátis” ou pelo menos “baratinho” é importantíssimo. Eles cobram pelo tráfego de informação através de seus sistemas, e quanto mais nós contribuirmos com conteúdo grátis, melhor para eles. Isso merecia uma discussão. Mas os outros dois “palestrantes” dessa mesa, que foi o ponto mais baixo do evento, eram apenas patéticos vendedores que pareciam nem saber que tipo de pessoas compunha a plateia.
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