OS TEMAS DE 2013 CONTINUAM EM 2014

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“Com mais de trinta anos de vivência no mercado editorial, busco mais aprender a fazer as perguntas certas do que qualquer outra coisa. Fazer as perguntas certas para as várias personas sociais, e procurar verificar se os paradigmas (no conceito de Thomas Kuhn) se sustentam ou não. Até porque, ao contrário das ciências físicas, a sociedade muda ao mesmo tempo em que são feitas as perguntas e se elaboram os discursos. E, nessa situação de mudanças e incertezas, sobra pouco espaço para afirmações taxativas, e necessidade de muito empenho para começar a vislumbrar o que se deseja compreender.”

14 de maio – Um mercado opaco

Entre esta coluna no PublishNews e as que saíram no blog O Xis do Problema publiquei ano passado cerca de setenta posts sobre questões do mercado editorial.

Os temas foram bem variados. Os livros têm essa característica de servir de “meio” para se falar de qualquer coisa. São, de certa maneira, um reflexo do mundo real. E as complexidades do mercado editorial acompanham essa variedade: autores, editores, distribuidores, livreiros, leitores. Para se realizar, o livro precisa ser lido, chegar a seu destinatário final, o leitor. Sem isso, perde sentido. O esforço de todos os envolvidos, portanto, se unifica nesse objetivo comum: chegar ao leitor.

E como o livro é, ao mesmo tempo, produto, objeto de consumo e um bem cultural ou educacional, a mescla dessas características torna as atividades de todos dessa cadeia sujeitas a inúmeros condicionantes.

Nesta primeira coluna de 2014 quero fazer um apanhado de alguns temas que foram relevantes em 2013 e que continuarão, certamente, na pauta deste ano. Sem ordem de importância.

FRANKFURT E A DIVULGAÇÃO DA LITERATURA BRASILEIRA NO MUNDO

O evento mais importante do ano foi a participação do Brasil como convidado do ano da Feira de Livros de Frankfurt.

A festa foi bonita e teve seus momentos de polêmica.

O que salientar nisso?

Em primeiro lugar, a característica de EVENTO da Feira de Frankfurt. Um evento de enorme repercussão no mundo do livro, e certamente uma oportunidade para que a cultura do país convidado se apresente diante de um público altamente qualificado.

Mas é um evento. Coisa transitória. Em 2014, o convidado já será outro país, e assim sucessivamente.

Por isso é que sempre insisti em continuidade de ações. A primeira experiência do gênero, quando o Brasil foi o convidado em 1994, representou também um enorme esforço que se esvaiu rapidamente pela ausência de continuidade. Os ministérios da Cultura e de Relações Exteriores não tinham políticas permanentes e continuadas para aproveitar o impulso dado. O programa de apoio às traduções se tornou irregular e não houve nenhum esforço para se dar continuidade às medidas de promoção da literaturas brasileira no exterior. Recolhemo-nos na conhecida síndrome de vira-latas e deixamos o cenário.

Este ano será diferente?

Pode ser que não. Mas tenho minhas dúvidas.

O Programa de Apoio à Tradução continua. Nas palavras do professor Renato Lessa, continuará pelo menos enquanto ele estiver na Biblioteca Nacional. E aí está o perigo. O programa está longe de se institucionalizar. Depende da vontade dos eventuais ocupantes dos cargos públicos. Outras iniciativas já feneceram, descontinuadas, ou estão no limbo: as viagens de escritores, a vinda de tradutores para estágios no Brasil tiveram presença meteórica ano passado. Ninguém sabe se continuam ou não.

A Machado de Assis Magazine, que publica excertos de traduções de autores brasileiros, continuará. O Itaú Cultural comprometeu-se a manter o investimento. Mas já temos um intervalo de descontinuidade que certamente não contribui para sua consolidação.

As responsabilidades de editores e agentes públicos nesse processo de divulgação da nossa literatura foi objeto de polêmica em vários momentos. A Fundação Biblioteca Nacional cobrou uma maior participação financeira dos editores no processo. O artigo no qual analiso a questão foi, surpreendentemente, o que atraiu o maior número de leitores para minha coluna. Meus poucos leitores habituais se transformaram em mais de sete mil naquele post. O que isso quer dizer, não sei.

O assunto Frankfurt não pode deixar de tocar na cerimônia de abertura e seus discursos. Gostaria de salientar algumas coisas.

A primeira, sobre o polêmico discurso do Ruffato. Já escrevi que o ponto central do discurso era uma visão de redenção através da literatura. Como comentou uma amiga, depois, só faltou o autor nos convocar para criar a Igreja da Redenção pela Literatura. E o alinhavar dos males do país só se entende pelo que também foi dito: agora, depois de quinhentos anos, se começa a mudar as coisas. Esse trecho é o discurso do Lula, sem tirar nem por. Acho curioso que não se haja compreendido isso, e que eventualmente ele fosse criticado. Em uma feira de livros, a literatura foi apresentada como a solução.

Entretanto, o discurso do autor pecou por um detalhe muito significativo: restringiu essa experiência do escritor falar sobre seu país, olhar para fora do umbigo, a algo estritamente pessoal. Faltou a primeira pessoal do plural, em vez da primeira pessoa do singular, para que o discurso pudesse se transformar em um ponto de agregação para tantos outros escritores que, como ele, mergulham na nossa realidade para dar-lhe um sentido artístico e literário. Ao não fazer isso, o discurso apareceu como algo não literário e fora do lugar.

O discurso da Ana Maria Machado foi, como previsto, um discurso institucional, de presidente da ABL. Correto, chamou atenção para a diversidade de abordagens que se apresentava aos visitantes da Feira através dos livros de nossos escritores.

Já o do senhor Vice-Presidente Michel Temer, não vale a pena nem comentar.

OUTROS TEMAS, DE PASSAGEM

Outros temas estiveram bem presentes em 2013, e continuarão a estar neste ano.

Metadados, distribuição, impressão sob demanda, a sombra da Amazon no mercado internacional e aqui, e a questão onipresente do acesso aos livros.

Outro tema fortemente presente é o das políticas públicas para o livro e a leitura.

Ano passado, com a saída de Galeno Amorim da FBN, iniciou-se uma nova transformação na estrutura institucional das políticas para o livro no Ministério da Cultura. Pelo que sei, até o momento, esse processo está lento e com muitas indefinições. Reservo-me a possibilidade de opinar sobre esse conjunto de problemas mais adiante.

O que vale dizer, aqui, é que essa história de políticas públicas e institucionalizadas está cada vez mais longe de ser verdade. Já mencionei o caso do programa de apoio às traduções. Continuará “enquanto eu permanecer na FBN”, disse o prof. Lessa. Ora, esse tipo de afirmação só revela uma coisa, essencial: não é política pública. Continua sendo – ou não – praticada ao alvedrio de quem ocasionalmente ocupe os postos de direção. O mesmo vale para o vai-vem institucional dos órgãos encarregados – em tese – de desenvolver os programas. Criam-se e se cancelam programas também de acordo com o gosto do dirigente da ocasião. Pretextos nunca faltam, é claro. Afinal, papel aguenta tudo. Mas isso revela a fragilidade e o descaso com que é tratada a questão do livro no Brasil. Muda o(a) ministro(a) e muda não apenas a senhora que serve o cafezinho, como também programas, metas e objetivos, e toda a cadeia de responsáveis(?) pelos programas.

O que está na raiz dessa situação é a ausência e fragilidade de pressão pública para a continuidade e institucionalização dos programas. As ditas entidades de classe de editores e livreiros se revelam também frágeis e oscilantes. Dos escritores, nem falar. De fato, não existe nenhuma instância representativa dos criadores, que, quando assim o desejam, se manifestam individualmente ou em grupos de pressão ocasionais, como foi o caso da polêmica sobre as biografias.

E, para iniciar o ano de forma desalentadora, tivemos um editorial assinado pelo vice-presidente da CBL, Hubert Alquéres no qual, com retórica mal disfarçada, leva a entidade a um posicionamento eleitoral, falando dos “desacertos” do governo Dilma no mesmo tom dos grandes jornais, e afirmando que tudo isso “tem que mudar”.

Isso vindo de uma entidade que tem ou teve vários convênios com o MinC e uma atuação no mínimo discretíssima nos grandes debates dos últimos anos relacionados com o livro e a leitura: modificações na Lei de Direitos Autorais, mudanças nas leis de incentivos fiscais e, mais recentemente, na implantação do Vale Cultura, deixado inteiramente nas mãos das empresas. Sem falar na farsa de manipulação na tentativa de achar “preço médio” dos livros na pesquisa de produção, junto com o SNEL, e lançando uma enorme sombra na respeitabilidade da FIPE. Algo que nenhum estatístico de respeito pode avalizar.

Depois de um 2013 movimentado, acho que começamos mal 2014. Espero que melhore.

7 comentários em “OS TEMAS DE 2013 CONTINUAM EM 2014”

  1. Sobre o editorial escrito pelo vice-presidente da CBL, a quem prezo muito mas acho que pisou na bola, enviei uma mensagem à presidente da entidade que transcrevo aqui:

    Prezada Sra. Presidente da CBL
    Na condição de ex-presidente da CBL onde militei entre comissões e diretorias por quase 30 anos, sinto-me na obrigação de deixar minha veemente crítica ao uso da entidade para fins políticos e/ou pessoais.
    Todos que me conhecem sabem que não sou petista e a que partido político me alinho.
    Mas em todas as décadas de existência da entidade, nas mais diversas diretorias, criticou-se e elogiou-se os governos e autoridades naquilo que fizeram de bom ou não ao mercado do livro. Nunca saindo da defesa do livro para críticas genéricas.
    Posso até concordar com algumas ideias contidas no artigo do Sr. Hubert mas veementemente afirmo que a tribuna não é essa e a CBL não se presta a promoções pessoais como tem acontecido.
    Atenciosamente
    Raul Wassermann

  2. Felipe, todos os que me conhecem sabem a que partido me alinho, e não é com o do Raul, mas esse texto dele me deixou ainda mais orgulhosa de ser funcionária da Summus já há dez anos. Abraços.

  3. Caro Felipe Lindoso:

    Gostaria de fazer algumas observações com relação às citações sobre a CBL feitas por você aqui em seu blog “O Xis do Problema”, começando pelo comentário de que a “presidente é muda”. Respeitando a sua liberdade de expressão, que muito prezamos como representantes do livro, gostaria de colocar à sua disposição todo oclipping de imprensa da entidade. Ao consultá-lo, perceberá o quanto esta presidente tem se manifestado, na mídia de todo o País, defendendo com vigor as bandeiras do mercado editorial.
    No tocante à pesquisa anual sobre o mercado realizada pela FIPE, a questão dos preços médios é um parâmetro. Porém, na apresentação à imprensa, sempre explicamos com clareza tratar-se dos valores referentes às vendas das editoras e não necessariamente ao público final. Publicamos em 2013 dois artigos elucidativos sobre o tema na seção “Tendências & Debates” da Folha de S. Paulo. A FIPE é uma instituição séria, de elevada capacidade acadêmica e que merece a confiança de todos nós.
    Quanto à carta do ex-presidente Raul Wasserman, também não fiquei calada. Respondi-lhe, com o devido respeito que ele merece, assim como fazemos com todos os associados da CBL. Permito-me, aqui, reproduzir a resposta, considerando este mesmo blog tornou pública a mensagem a mim endereçada:

    “Prezado Sr. Raul Wassermann,

    Agradeço muito a sua mensagem, afirmando que qualquer sugestão, crítica e observações vindas de você serão sempre bem-vindas, pois sua participação na direção da CBL, em especial na presidência de nossa entidade, foi um marco e uma referência.

    O artigo em questão, por você mencionado, foi publicado na Folha de S. Paulo. O “Panorama Editorial” o reproduziu como forma de valorizar a presença dos dirigentes de nossa entidade na grande mídia nacional. Isso sempre agrega valor às nossas causas.

    Por outro lado, fica claro, no texto, a despeito da assinatura de Hubert como vice-presidente da CBL, que se trata de uma opinião pessoal dele, não necessariamente compartilhada pelos demais diretores e o pensamento institucional da entidade.

    Nosso espírito na presidência da CBL, em sintonia com a vocação de liberdade e pluralismo que inspira o mundo dos livros, é de respeito à opinião, à expressão e ao debate das ideias. Acredito serem esses os caminhos para o avanço do mercado editorial em sua contribuição para o Brasil.

    Os artigos que tenho publicado nos grandes jornais brasileiros, como na própria Folha de S. Paulo, O Globo, Correio Braziliense e Brasil Econômico, dentre outros veículos, sempre reproduzidos no “Panorama Editorial/CBL Informa”, exemplificam essa postura, contendo ora críticas, ora elogios às ações governamentais, com análises voltadas à defesa de nosso setor.

    Aproveito a oportunidade para, como cidadã e presidente da CBL, reafirmar o meu compromisso com o livre circular das ideias e seu debate civilizado, características fundamentais da democracia que, duramente, os brasileiros, como você, reconstruíram após o período de censura e cerceamento da liberdade de expressão durante os anos de chumbo do regime militar.

    Estou sempre a seu dispor para ouvi-lo e dialogar. Muito obrigada por sua mensagem e contribuição.”

    Caro Lindoso, essas palavras também valem para você, seu blog e todos os que prezam o exercício do livre pensamento e o debate democrático das ideias.
    Cordialmente, Karine Pansa – Presidente da Câmara Brasileira do Livrok

    1. Prezada Karine
      Quando comentei a carta do Raul Wassermann, você ainda não havia respondido a ele. Retifico aqui o comentário específico sobre isso.
      Quanto ao editorial do Hubert Alquéres, desculpe, mas a resposta não é convincente. Em primeiro lugar, não se diz que o artigo já havia sido publicado. Por isso mesmo, no órgão oficial da CBL, está implícito que o que ali se publica é responsabilidade da entidade, e não simplesmente de quem o assina, que ademais é seu Vice-Presidente da área de comunicação. O conteúdo, repito, é lamentável. Que ele o tenha feito na FSP é todo seu direito. Agora pergunto: se um diretor ou associado da CBL que seja favorável ao governo e suas políticas escrever sobre isso (e vários já escreveram) e mandar para que seja publicado no Panorama Editorial, isso seria feito? Evidentemente que não. O Panorama Editorial certamente não é fórum de debates sobre a política geral do governo.
      O que está em questão, no caso, não é o pluralismo político em geral, mas o papel da entidade e de seus órgãos de comunicação.
      Não sou mais sócio da CBL. Quando era editor, o fui, mas não sou mais nenhuma das duas coisas. Trabalhei mais de dez anos na CBL, precisamente na área de relações institucionais e relacionamento com o governo. Pois bem, sou petista. Duvido, entretanto, que alguém de qualquer governo tenha em algum momento sequer suspeitado disso nos relacionamentos com ministérios, secretarias, organismos internacionais ou outros agentes com os quais tenha tido contado em nome da CBL. E não apenas por ter consciência plena de que não cabia de maneira nenhuma que eu expressasse isso, mas porque também sempre foi orientação implícita e explícita das diretorias e dos presidentes sob os quais servi à instituição. Trabalhei nas diretorias do Ary Benclowicz, Altair Brasil, Armando Antongini e Raul Wassermann. Com exceção do Altair, todos serão testemunhas de que sempre agi preocupado com as questões do livro e leitura. E no que diz respeito ao livro, continuo agindo da mesma maneira. Recentemente escrevi um post elogioso sobre os programas de leitura de Barueri, cidade administrada pelo DEM. Aliás, há pouco, um leitor do blog comentou comigo que, pelo que escrevo ali, ele jamais pensaria que eu houvesse votado em um candidato do PT. Pelo contrário, disse ele, pelas críticas que já fiz a medidas a respeito do livro e da leitura tomadas por autoridades do atual governo. Lembrei a ele que também havia elogiado outras. E o blog é particular, não obedece a injunções ou contingências institucionais. Mas nele eu me imponho a tarefa de falar sobre livro, leitura e mercado editorial. Minhas opiniões políticas gerais se manifestam por outros meios e em outros locais.
      Quanto a essa questão do “preço médio”, repito: é um erro. Esse cálculo não vale nem para essa situação que você menciona, dos preços dos livros vendidos pelos editores. A mudança no número de páginas dos best-sellers (e seu preço, com ou sem desconto), as variações de descontos dados pelas editoras e a posição de cada livro no ranking de vendas invalidam totalmente esse pseudo cálculo de preço médio. Remeto ao post sobre o assunto, no qual até organizei tabelas (com base nas listas de best-sellers) sobre o assunto, que está aqui: http://oxisdoproblema.com.br/?p=672. Nenhum estatístico de respeito endossaria esse tal do “preço médio”.
      No que diz respeito à atuação da CBL diante dos problemas do mercado editorial, seus sócios evidentemente é quem têm a ultima palavra e devem estar satisfeitos, pois a reelegeram. Da minha parte, como observador externo, o que notei foi a ausência da entidade em discussões importantes, algumas das quais ainda pendentes, como as mudanças na lei de direitos autorais e na legislação de incentivos fiscais. Se houve ação, foi mal comunicada (problemas de comunicação?).
      Quanto ao blog, estará sempre à sua disposição e de quem mais deseje comentar ou retificar as minhas observações.
      Cordialmente

      Felipe Lindoso

  4. Já que ela divulgou a resposta enviada a mim, transcrevo abaixo a resposta da resposta:

    Prezada Karine,
    Agradeço sua resposta.
    Chamo porém sua atenção para o fato de que nada no “Panorama Editorial” indica que o artigo foi transcrito da Folha.
    De qualquer maneira, trata-se de um artigo que nada tem a ver com o mercado do livro e com as funções da CBL.
    Atenciosamente
    Raul

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