Sabendo do meu envolvimento com a presença internacional da literatura brasileira, amigos meus já perguntaram para que serve essa história de ser “país convidado” ou “tema central” de feiras internacionais. Com a próxima reapresentação do Brasil como tema em Frankfurt, em 2013, vale a pena pensar um pouco a respeito.
Como já escrevi neste blog, o inventor desses “temas centrais” em feiras do livro foi Peter Weidhaas que, durante vinte e cinco anos, foi o diretor da Feira do Livro de Frankfurt, como resposta a uma demanda de que aquele evento não se restringisse a ser um amplificador do negócio de best-sellers e abordasse também temas relevantes no âmbito da discussão intelectual.
Temas como ‘Ano das Mulheres”, “Literatura latino-americana”, “África” e outros foram se desenvolvendo em Frankfurt e, a partir de um certo momento, cada feira passou a ter um país como “Tema Focal” a cada ano. O Brasil ocupou esse lugar em 1994 e o ocupará novamente em 2013.
Além de Frankfurt, o Brasil já foi “tema central” das feiras de Livros de Bogotá, Paris e Guadalajara.
Ser o país convidado para um evento desses implica em investimento por parte do homenageado. É necessário ter um estande especial, geralmente muito maior que o normalmente ocupado pelas editoras; organizar a presença de um número significativo de escritores, e também organizar eventos culturais relevantes, seja na área da própria feira, na cidade e no país onde se é homenageado.
O que justifica aceitar essa homenagem, para ir além do ufanismo?
Dois fatores, na minha opinião, podem justificar isso. Os dois não são excludentes, e sim complementares. O primeiro é a ampliação da presença dos autores brasileiros no exterior, com a venda de direitos autorais. O segundo é inserir essas homenagens dentro do contexto da diplomacia cultural, o que remete o evento à consideração da importância do país que homenageia para os objetivos da política exterior do Brasil.
A cultura – e o livro em particular – é um instrumento valiosíssimo de política cultural. A produção intelectual do país, a projeção dos seus autores e os demais eventos culturais, abrem portas para outras dimensões da política externa: investimentos, comércio internacional, interesses geopolíticos e econômicos do país homenageado. Para citar um exemplo não brasileiro e bem extremo disso: a presença do Chile como país homenageado em Guadalajara se deu fortemente em torno dos vinhos e das frutas, itens fortes da pauta de exportação daquele país e de consumo direto pela população (o cobre, outro ponto forte das exportações chilenas, é matéria prima e sua importância é conhecida apenas pelas indústrias; o grande público não tem nada a ver com isso). Assim, a junção de livros com vinhos e frutas criou um ambiente favorável para uma presença maior dos produtos chilenos na mesa dos mexicanos. Como o Chile já tem dois ganhadores do Prêmio Nobel de Literatura, brindes a Pablo Neruda e Gabriela Mistral foram muito bem vindos na ocasião.
Dessa maneira, se bem organizados e estruturados, a presença como “país homenageado” rende efeitos culturais imediatos, mostrando os mais variados aspectos da nossa cultura no país da feira, e cria um ambiente propício para o desenvolvimento de outras ações de política externa, tanto na área cultural como das relações políticas e econômicas.
No âmbito da política cultural, entretanto, existe uma condição para que essa ação possa ter um efeito duradouro. É que o país tenha uma política cultural consistente, tanto para ações internas quanto internacionais. Caso contrário, os efeitos dessas ações se desfazem muito rapidamente, sem que haja um “retorno” continuado que aproveite sistematicamente o esforço concentrado que foi feito.
Infelizmente, foi o que aconteceu nos exemplos mencionados das homenagens ao Brasil.
Foi feito um extraordinário esforço de difundir a melhor imagem possível do Brasil. Sem exageros – e falo particularmente de Frankfurt 1994 – foi mostrada aos alemães a imagem da diversidade cultural do país, com a presença de muitas dezenas de autores, antes e durante a feira, e importantes exposições de artes plásticas que, em vários casos, circularam por outras cidades da Alemanha e mesmo na França. (Sobre a próxima apresentação do Brasil como país tema em Frankfurt, aliás, farei uma série de posts a partir da próxima semana, procurando tirar as lições do que foi feito para contribuir na definição do que pode ser feito em 2013).
O esforço rendeu traduções de livros, tanto de autores já traduzidos como de novos representantes da literatura brasileira, centenas de centímetros/colunas de notícias nos principais jornais europeus, não apenas nos alemães, e a criação de um extraordinário ambiente de admiração e boa vontade para com o Brasil.
Mas esse esforço não teve continuidade.
O programa de apoio às traduções, como já disse em outro momento, viveu anos em “soluço”: um ano tinha, outro não, outro talvez. O Itamaraty reduziu drasticamente o número e as ações dos CEBs – os Centros de Estudos Brasileiros – que eram o principal instrumento da ação cultural brasileira no exterior. E o Ministério da Cultura fez pouquíssimas ações no período 1996/2002. Depois de 1994, o MinC não retomou o programa de cátedras de ensino de literatura que existia anteriormente, e só este ano deu impulso decisivo ao programa de apoio às traduções. O Itamaraty, por sua vez, continua sem dar o devido impulso aos CEBs que sobreviveram, depois de ter fechado vários deles.
É claro que sempre sobram resquícios positivos desses grandes eventos, aos que se somam, hoje, os efeitos da maior projeção do país no âmbito internacional. Mas é necessário, definitivamente, ultrapassar a síndrome do grande evento e ter políticas públicas permanentes para a projeção da cultura brasileira no exterior. Vide a importância que tem o Instituto Goethe, a Alliance Française, o Instituto Cervantes, o Instituto Camões e o Instituto Italiano de Cultura na política exterior dos respectivos países.
Em resumo, ser “país tema” de grandes eventos é algo excelente – se tivermos políticas públicas consistentes e com continuidade para dar seguimento às ações e a coisa não se reduzir à festa, sempre boa, mas efêmera.
Um evento não é política pública, mas aproveitar de um grande evento para desenvolvê-las é saber aproveitar as oportunidades, o que vale para feiras de livro, copas de futebol e olimpíadas.