RAUL WASSERMANN

Fiz amigos nestas décadas que levo nas costas de envolvimento com o mercado editorial. Muitos conhecidos, colegas de trabalho, e alguns amigos. Categoria na qual não classifico alguém à ligeira. Pessoas com as quais se pode contar e que se respeita.

Hoje perdi um deles. Depois de quinze anos batalhando contra um câncer, uma leucemia galopante levou Raul Wassermann.

Raul foi um grande editor. Quando fundou a Summus, abriu uma editora eclética com publicações em várias áreas. Ainda tenho hoje um exemplar do “Alice no País das Maravilhas” editada por ele. Tive também uma coletânea de cinco contos que retrabalhavam “A Missa do Galo”, do Machado de Assis. Um dos contos foi escrito pela Lygia Fagundes Telles. Esse se perdeu em alguma mudança (ou empréstimo, quem sabe…).   Mais tarde a Summus focou muito em publicações nas áreas de psicologia, embora o desejo do Raul de explorar outras áreas nunca tenha cedido. Criou selos temáticos, como o Selo Negro e Edições GLS, foi dos primeiros a se propor editar de forma extensa e aprofundada livros sobre as questões de raça e gênero. Outros selos publicavam mais extensamente sobre áreas específicas do fazer terapêutico. Publicou também livros sobre cinema (foi um cinéfilo militante e algumas das primeiras publicações sobre formatos hoje em desuso, como Super 8, foram editadas pela Summus), gastronomia (quatro livros escritos por José Albano Amarante – “Segredos do Vinho para Iniciantes e Iniciados”, “Segredos do Gim”, “Queijos do Brasil e do Mundo para Iniciantes e Apreciadores” e “Vinhos do Brasil e do Mundo para Conhecer e Beber”) estão entre os melhores escritos por autores brasileiros sobre o tema. A “Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana” do Nei Lopes é um trabalho pioneiro e extenso sobre a presença africana no Brasil, e “A África na Sala de Aula”, da Leila Hernández, é uma resposta integrada à iniciativa de ensino da História da África no currículo das escolas brasileiras.

A lista é extensa, e os livros estão aí como testemunho de uma visão editorial ampla, diversificada e respeitosa da intelectualidade brasileira e internacional.

Uma das áreas mais notáveis de atuação do Raul foi como dirigente da Câmara Brasileira do Livro, quando demonstrou uma visão moderna e abrangente dos problemas e questões do mercado editorial brasileiro, da defesa do direito autoral e da busca de soluções para que fosse ampliado o acesso ao livro em nosso país. Raul Wassermann compreendia – e agia de acordo – que a questão da leitura não se resumia às questões do preço dos livros e dos problemas de distribuição, gravíssimos por si só. Tinha uma visão clara de que o acesso aos livros por parte da população era fundamental. Para isso as bibliotecas públicas eram fundamentais, já que acesso não é sinônimo de compra. Tinha uma visão clara de que as feiras regionais, menores e mais dinâmicas que as Bienais, poderiam e teriam que ter um papel de destaque. O apoio da CBL à Feira de Ribeirão Preto e, depois, a iniciativa do Circuito Paulista do Livro (com o apoio da Imprensa Oficial, na época presidida pelo Sérgio Kobayashi) deram dinamismo ao uso de “cheques-livros” para estudantes e professores, abriram espaço para editoras locais e autores.

Outra área de atuação do Raul Wassermann que foi, e é, de imensa importância na defesa dos direitos autorais no Brasil foi a primeira iniciativa de organizar sistemas de licenciamento de trechos de obras. Hoje é coisa do passado, mas a praga do xerox nas “pastas dos professores” nas universidades era algo terrível. As péssimas bibliotecas universitárias, defasadas e com acervo reduzido, não tinham os livros necessários para os estudantes. Os professores então emprestavam seus livros para que fossem feitas cópias reprográficas de capítulos. E cada faculdade e universidade tinha sua biboca xeroqueira (a Xerox odiava a apropriação da marca para isso), um dreno de recursos dos livreiros e editores. E quantos alunos se graduavam sem nunca haver lido um livro completo? Só os pedaços das tais pastas.

Um comentário em “RAUL WASSERMANN”

  1. Felipe,
    Como sempre você é extremamente claro.
    O Raul foi e será sempre o grande Presidente da CBL, com todo o seu mau humor, que como diz o Scortecci, o que mais nos cativava.
    O grupo da “tripa” continuou por quase vinte anos, sempre pensando e analisando o mercado editorial.
    Sempre pensando na frente, foi um líder fantástico…
    Vai fazer muita falta ao mercado.

    Grande abraço,

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