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AS DIFICULDADES PARA A INTERNACIONALIZAÇÃO DA LITERATURA BASILEIRA

A internacionalização da literatura brasileira enfrenta uma série de dificuldades. Algumas dessas são estruturais, outras derivadas de problemas de políticas públicas (ou ausência delas) para que esse processo ocorra de modo mais eficaz.

Vejamos algumas dessas dificuldades.

IDIOMA DA ESCRITA E CENTRALIDADE DOS AUTORES

Existe um campo farto de discussões sobre a existência de uma literatura mundial, a chamada “República Mundial das Letras”. Na formulação original, que veio do Iluminismo, o diálogo entre escritores, através de suas obras, comporia esse mundo da inteligência, no qual a filosofia e a literatura teriam papel primordial. Hoje, essa “República Mundial das Letras” é um campo de disputas em torno do que se pode chamar de “capital literário”. O que se supunha ser uma circulação livre, internacional, das ideias, na verdade é uma disputa que parte de “posições de força”, que incluem o idioma original do trabalho de cada escritor.

Por isso mesmo, analisar a posição do idioma português nesse contexto é uma das condicionantes para que se compreenda como a literatura produzidas nesse idioma – principalmente de Portugal e do Brasil, e a partir dos anos 1970, das ex-colônias lusitanas em África, tem uma posição fraca no contexto da República Mundial das Letras.

Thomas Jefferson, um dos que acreditava que a circulação de ideias era essencial para a “República Mundial das Letras”.
Didretor, o da Enciclopédie, era outro que acreditava no diálogo internacional.
René Descartes, outro ilumininista.

Um dos poucos indicadores para verificar essa questão é o Index Translationum. Este é um banco de dados que compila informações sobre traduções de todos os países membros da UNESCO. Melhor, dizendo, compilava. O Index foi criado em 1932, ainda pela Liga das Nações. Herdado pela UNESCO, a compilação foi interrompida em 2012, a pretexto de dificuldades econômicas da organização internacional. O banco de dados era composto por informações enviadas pelas Bibliotecas Nacionais dos países membros, encarregados da compilação das respectivas bibliografias nacionais. Não era completíssimo, pois muitas vezes as respectivas bibliotecas deixavam de informar. A própria Biblioteca Nacional do Brasil atrasava sistematicamente o envio. Era, no entanto, a fonte de informações mais abrangente disponível. A partir de 1979 os dados foram computadorizados, e podem ser vistos aqui, compilados até 2012:

Um primeiro quadro extraído do Index mostra o idioma de origem das traduções compiladas:

Idiomas de Origem
1 Inglês 1.265.835
2 Francês 225.996
3 Alemão 208.178
4 Russo 103.618
5 Italiano 69.549
6 Espanhol 54.576
7 Sueco 39.980
8 Japonês 29.246
9 Dinamarquês 21.251
10 Latim 19.967
11 Holandês 19.667
12 Grego antigo (até 1453) 18.073
13 Tcheco 17.159
14 Polonês 14.661
15 Norueguês 14.276
16 Chinês 14.070
17 Árabe 12.410
18 Português 11.581
19 Húngaro 11.297
20 Hebreu 10.279

Pelo quadro já constatamos algumas evidências: a) Predominância esmagadora do inglês, seguido de longe pelo francês, alemão e russo, como o idioma de origem das traduções; 2) O português está na 18ª. Posição, logo abaixo do chinês e do árabe; 3) Idiomas com populações muito menores, como os nórdicos (sueco, dinamarquês e norueguês), os da Europa Oriental (húngaro, tcheco), etc., são idiomas originais de mais traduções que o português. Até línguas mortas (latim e grego antigo) são mais traduzidos que a última flor do Lácio.

E aqui estão os idiomas “alvo” (aqueles que recebem mais traduções). Coloco apenas os TOP 10, que inclui o português:


“TOP 50” Idiomas alvo
1 Alemão 301.934
2 Francês 240.044
3 Espanhol 228.558
4 Inglês 164.505
5 Japonês 130.649
6 Holandês 111.270
7 Russo 100.806
8 Português 78.905
9 Polonês 76.706
10 Sueco 7.120

Essa tabela revela, de certo modo, o nível de “internacionalização” na absorção da cultura mundial pelos falantes dos diferentes idiomas. Note-se, no caso, que o inglês vale para inúmeros países (EUA, GB, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul), além de ser, como atual “língua franca”, habitualmente lido pelas elites cultas de dezenas de outros países, principalmente as publicações técnico-científicas.
Mais interessante ainda é a tabela que mostra o número de traduções por países, onde fica ainda mais claro esse nível de internacionalização cultural:


“TOP 19” Países
1 Alemanha 269.724
2 Espanha 232.853
3 França 198.574
4 Japão 130.496
5 URSS (até 1991) 92.734
6 Holanda 90.560
7 Polônia 77.716
8 Suécia 73.230
9 Dinamarca 70.607
10 China, República popular 67.304
11 República Tcheca 62.480
12 Federação Russa 58.491
13 Hungria 56.868
14 Itália 54,072
15 EUA 52.515
16 Finlândia 51.710
17 Brasil 50.183
18 Noruega 46.314
19 Reino Unido 42.647

Estados Unidos e Reino Unido, os dois maiores fornecedores de traduções, somados (95.162), publicam juntos apenas pouco mais de traduções que a Holanda. Mas é importante notar que, se há uma concentração na origem, há uma grande dispersão no destino. Isso confirma a hipótese do predomínio da produção em inglês no mercado internacional.
A tabela inclui todos os tipos de traduções. Não apenas as de literatura. A circulação da literatura técnico-científica é importantíssima. E se é verdade que a maioria dos cientistas pelo menos lê em inglês, não se pode dizer que os dos EUA leem em outros idiomas. Por isso, o conhecimento produzido no resto do mundo tem que ser traduzido para ser acessado pelos monolíngues de lá.

Um último quadro para podermos chegar a conclusões, é o que mostra os dez autores que escrevem em português e o número de traduções dos mesmos:

Os autores brasileiros mais lidos

Os cinquenta autores mais traduzidos no mundo podem ser consultados no Index. Nenhum escreveu originalmente em português. Escrevendo originalmente em espanhol só o Garcia Marquez, que aparece em 48º. lugar.

Enquanto nosso Mago tem 1.077 traduções registradas, a autora mais traduzida de língua inglesa (Agatha Christie) marcou 7.216 traduções. Note-se que Paulo Coelho só começou a ser traduzido em meados da década de 1980

Machado tem poucas traduções.
Comparado com Agatha Christie, por exemplo, Paulo Coelho fica bem atrás.

Machado de Assis registra apenas 99 traduções de 1979 a 2012.

Dizer, portanto, que nossos escritores partem para a luta a partir de uma posição extremamente frágil é eufemismo. E cada país consegue resultados diferentes para conseguir os “créditos” para seus autores.

A importância dos autores, seu “crédito” no mercado internacional de traduções é extremamente desigual, no que diz respeito ao prestígio crítico que usufruem em seus países de origem. Como sabemos, há muita gente escandalizada com a posição do Paulo Coelho e do José Mauro Vasconcelos, e injuriada pela ausência de outros.

Certamente podemos ficar felizes pelos grandes clássicos do idioma português que estão na lista, e por Jorge Amado e pela Clarice Lispector. A presença de Leonardo Boff abre outra pista para que se entenda essa distribuição de “créditos”, ou seja, a valorização de escritores: depende também do segmento para o qual escrevem. Astrid Lindgren é autora de livros para jovens, assim como Enyd Blyton, (conhecida como Mary Pollock – não localizei traduções aqui) que é a quarta mais traduzida no mundo. E quem for examinar a lista dos 50 Mais encontrará autores como Barbara Cartland e Danielle Steel, mas também Lênin, Marx, Tolstoi, Dostoievski. Enfim, para todos os gostos, e prato cheio para qualquer tipo de análise.

Assim, se determinados autores são centrais nessa desigualíssima distribuição de créditos da República Mundial das Letras, é sempre bom lembrar que as forças que condicionam essa presença não são facilmente domáveis, ou detectáveis.

OS FATORES DA PRESENÇA DE AUTORES QUE ESCREVEM EM PORTUGUÊS NO MERCADO INTERNACIONAL

Um dos fatores que contribuem de modo decisivo para que autores que escrevem em idiomas que disputam com o inglês a presença na República Mundial das Letras é, sem dúvida, a existência de políticas públicas consistentes de apoio à tradução e difusão desses autores.

Como melhorar a presença da literatura brasileira no exterior?

O questionário do Mapeamento Internacional da Literatura Brasileira fornece algumas indicações.

A primeira pergunta sobre o assunto questiona se escrever em português é, ou não, um obstáculo para a difusão da literatura brasileira no exterior.

As respostas são, definitivamente, inconclusivas:

As MESMAS justificativas foram usadas por quem, na pergunta anterior, havia respondido sim, não ou em termos.
Ou seja, havia uma grande coincidência nas justificativas, por exemplo:

– as traduções eram a solução;

– outros idiomas, particularmente o espanhol, eram mais divulgados.

Os mapeados, portanto, entendiam que o idioma português sofria de um certo tipo de “subalternidade”, ou “falta de reconhecimento” vis-à-vis outros idiomas.

Ou, como poderia dizer Pascale Casanova, o português tinha “menos valor” no capital literário internacional. Esse “valor menor” do idioma é certamente um dos fatores que dificultam a difusão internacional da literatura brasileira.

Entretanto, a principal razão apresentada, sobre a importância da tradução, é amplamente reiterada nas respostas a outra questão, que pergunta “Como difundir a literatura brasileira no exterior?

As duas principais respostas são bem diretas:

  • Apoio para a tradução (178 respostas);
  • Criação de um Instituto para difusão da literatura e da língua portuguesa (O modelo do Camões e dos demais é evidente): 108 respostas.

 

De fato, quando se observa o que outros países fazem para oferecer às respectivas literaturas uma oportunidade de entrar no mercado internacional, os programas de tradução assumem sempre um papel de importância. Os programas de apoio às traduções desenvolvidas por instituições como o Institut de France, o Goethe Institut, a Fundación Cervantes e outras têm suas ações focadas tanto no ensino do idioma como no apoio às traduções. Portugal, cujo tamanho e importância econômica no cenário internacional é menor que a do Brasil, mantém de forma globalizada o Instituto Camões, com programas de apoio à tradução, além de doutorados e cursos de português em todos os continentes, Portugal chega à sofisticação de apoiar a publicação de autores portugueses no Brasil, além de manter extensos programas de publicações nos países africanos.

Os países escandinavos, e mesmo a Grã-Bretanha e vários outros, possuem tais programas de apoio à tradução.

Recentemente os países escandinavos tomaram a resolução de incentivar explicitamente um nicho onde seus autores começaram a ter maior destaque, o da literatura policial. Não tiveram pudor de incentivar esse tipo de tradução, que foge de outras mais antigas, como os romances de Lars Gustaffson ou Selma Lagerlöff (esta ganhou o Nobel).

A grande exceção são os EUA, que agem integralmente a partir da enorme força comercial da sua indústria editorial, ainda que esta seja hoje, em grande medida, controlada por capitais alemães.

O Brasil tem, desde 1993, um Programa de Apoio à Tradução, dentro da Biblioteca Nacional. No decorrer desse período, já ajudou na tradução de cerca de 900 títulos, em diferentes países. Em 2013 a sistemática de análise e liberação dos apoios foi simplificada e agilizada, mas o programa sempre sofre com as variações orçamentárias.

O programa é bem conhecido por agentes literários, mas a sua percepção entre os mapeados é muito baixa, como mostram os gráficos a seguir:

Solicitou apoio para os programas de apoio à tradução da FBN?
Se não solicitou, por que razão?
Se solicitou, recebeu o apoio solicitado?

O segundo ponto destacado pelos mapeados é o da criação de uma instituição similar ao Instituto Camões, ou Instituto Cervantes.

Nesse caso, a situação é bem pior. O Departamento Cultural do Itamaraty não tem uma política proativa de promoção da cultura brasileira. O número de CEBs foi muito reduzido no governo FHC. Voltou a crescer nos mandatos do Lula, principalmente na África. Entretanto, o Itamaraty responde principalmente às demandas dos chefes de missão. Se o embaixador gosta de música, pede concertos; se gosta de artes plásticas, pede exposições; se gosta de literatura, empreende ações na área.

Há alguns anos, a APEX- Agência Brasileira de Exportação, estabeleceu um convênio com a CBL para um programa, “Brazilian Publishers”, com o objetivo de estimular a exportação de livros e direitos autorais de autores brasileiros. O programa tem tido sucesso no aumento da participação em feiras internacionais, e também tem convidado agentes literários para visitar alguns dos festivais e Bienais brasileiros (FLIP e Bienais de São Paulo e do Rio). É um esforço continuado que já obteve algum sucesso, e é importante a manutenção da presença em feiras e festivais internacionais, o que aliás é outra das demandas dos mapeados.

O que se constata, entretanto, são iniciativas descontinuadas e sem a necessária profundidade e ação sistemática.

Ao constatar o ponto de partida extremamente difícil para promover a divulgação de nossos autores no exterior, parece claro que seria necessário ter uma ação internacional de promoção cultural integrada, consistente e continuada. E isso não apenas em relação à literatura, claro.

O diagnóstico existe, os problemas são conhecidos. Tudo depende, portanto, da decisão de efetivamente desenvolver uma política cultural consistente e continuada de promoção da cultura e, em especial, da literatura brasileira no exterior. Os esforços que são feitos têm produzido resultados, mas são muito pequenos diante da magnitude do problema – e de suas consequências, inclusive para o reconhecimento internacional do país.

Dito seja, como ponto final, que o Departamento Cultural do Itamaraty nem respondeu ao convite feito para participar do X Encontro Internacional do Conexões Itaú Cultural.
São lacunas que, como vimos, se expressam em todos os níveis.


Este post foi produzido para o X Encontro do Conexões Itaú Cultural, que aconteceu nos dias 8 a 10 de novembro em S. Paulo, com modificações.

GALIZA ENTRA NA CPLP COMO OBSERVADOR CONSULTIVO

Na noite do dia 1 de dezembro fui ao lançamento do livro “História da Galiza – Uma Memória dos Avôs Europeus” do prof. Ramón Villares, presidente do Consello da Cultura Galega. Conversando brevemente na hora do autógrafo, perguntei como estava caminhando a situação da solicitação da Galiza de fazer parte, como membro consultivo, da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP. Radiante, ele me informou que o pedido havia sido aprovado em novembro.

Conheci o prof. Villares quando o Conexões Itaú Cultural – Mapeamento Internacional da Literatura Brasileira fez um de seus encontros em Santiago de Compostela, em 2011. Como presidente do Consello, ele participou das mesas e hospedou o evento com grande categoria, juntamente com a Universidade de Compostela, sob iniciativa da Carmen Villarino, que é uma das pontes da cultura galega no Brasil.

Um ano depois o prof. Villares esteve no Brasil e, lá no Itaú Cultural, fez uma palestra sobre as políticas de difusão da cultura galega, sobre o que escrevi um post aqui, sentindo-me humilhado pela pobreza da política cultural do Itamaraty diante do que faz pela difusão de sua cultura no mundo uma comunidade autônoma espanhola com apenas três milhões de habitantes.

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Nessa ocasião ele mencionou a solicitação do Consello da Cultura Galega para ingresso na CPLP.

Devo dizer que me senti muito mais em casa em Santiago de Compostela, falando galego, que em Lisboa, onde os lusos engolem sílabas, falam para dentro e perco a metade do que dizem. O galego é muitíssimo parecido com a entonação do brasileiro. Andei pelo mercado e conversei com vendedores, que nem estranharam meu sotaque (e lembro a observação do Walter Benjamin de que é nos mercados e feiras que se escuta a voz popular).

Como muitas formas românicas das comunidades autônomas espanholas, o galego se desenvolveu como língua do povo, e o movimento dos intelectuais para seu reconhecimento como idioma de cultura só se firmou no século XIX, com Rosalía de Castro. Outros grande nomes da literatura galega incluem Ramón Del Valle-Inclán, Álvaro Cunqeiro e, mais recentemente, Manoel Rivas, que já tem um de seus livros publicados por aqui (“O Lápis do Carpinteiro”).

Meu único problema é com a ortografia oficial, que emprestou muitos fonemas do castelhano, tornando a leitura meio confusa. Mas há resistência ao uso dessa ortografia, e espero que a entrada na CPLP ajude a encaminhar melhor o problema. É bom lembrar, entretanto, que nosso idioma é simplesmente a evolução do galaico medieval, que se separa do castelhano aí entre os séculos XII e XV.

No entanto, transcrevo abaixo, em galego, o comunicado do Consello de Cultura Galego sobre o ingresso na CPLP. O link para a publicação original está aqui.

O Consello da Cultura Galega foi admitido esta mañá do 1 de novembro na Comunidade dos Países en Lingua Portuguesa (CPLP), durante a XI Conferencia de Xefes de Estado e de Goberno da entidade, en calidade de Observador Consultivo. Culmina así un dilatado proceso de tramitación iniciado en 2010 para “facer máis visible a lingua e cultura galegas no exterior”, en palabras de Ramón Villares, presidente do Consello da Cultura Galega. O CCG é a primeira institución galega en formar parte da CPLP. 

O estatus de Observador Consultivo supón que Galicia poderá estar presente nas xuntanzas temáticas da CPLP, trocar información dentro desa rede de Estados e entidades internacionais e servir de ligazón permanente entre a CPLP e a cultura e lingua galegas. O beneficio para o país, segundo Villares, é “facer visible que Galicia é a fonte da que nace a lingua portuguesa e é un xeito de ser recoñecidos polo mundo lusófono”.

O Consello da Cultura Galega foi a primeira institución galega en solicitar a inclusión na CPLP, xa en 2010. A iniciativa foi potenciada coa aprobación por unanimidade no Parlamento Galego, en 2014, da Lei Valentín Paz Andrade para o aproveitamento da lingua portuguesa e vínculos coa lusofonía, en cuxo artigo número 3 sinálase que “se fomentará a participación das institucións en foros lusófonos de todo tipo”.

A Comunidade dos Países en Lingua Portuguesa é un “foro multilateral orientado á cooperación entre os seus membros”, e foi creado en 1996. Nel participan todos os Estados que teñen a lingua portuguesa como oficial e moitas outras entidades vinculadas ao ámbito da lusofonía e intereses estratéxicos, económicos, sociais ou culturais compartidos.”

Parabéns, Galiza

 

TRADUZIR É PERIGOSO

Traduzir é perigoso”, diria, parodiando Guimarães Rosa,  sobre o tema que será objeto da primeira mesa do Conexões Itaú Cultural – Mapeamento Internacional da Literatura Brasileira – que começa hoje, dia 9 e segue até a próxima sexta-feira. A mesa sobre Grande Sertão:Veredas conta com a presença de Alison Entrekin, Berthold Zilly e da professora Sandra Vasconcelos, da USP e do Fundo Guimarães Rosa do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade. Eu terei a tarefa – difícil, mas honrosa e agradável – de mediar essa mesa.

O currículo dos tradutores é admirável. Alison Entrekin já enfrentou a tradução de “Cidade de Deus”, do Paulo Lins, dos romances do Chico Buarque e de muitos outros autores brasileiros. Berthold Zilly tem no currículo traduções de Euclides da Cunha e Raduan Nassar, entre outros. E a professora Sandra Vasconcelos é especialista em Guimarães Rosa, autor em torno do qual se organiza a mesa.

Ora, se traduzir é perigoso, retraduzir, então…

É o caso dos dois tradutores participantes da mesa. A primeira tradução de GS:V para o inglês, feita por Harriet de Onís e James Taylor é amplamente criticada. Guimarães Rosa, ainda que reconhecesse as deficiências da primeira tradução, admitiu ter ficado satisfeito pela possibilidade de ter leitores de língua inglesa com acesso ao seu livro mais importante. Particularmente, visto da perspectiva de hoje, acredito que a tradução, que apresenta GS:V quase como uma aventura de faroeste, fez mais mal que bem para a recepção da obra roseana em inglês. Riobaldo como caubói não ilustra… Desse modo, a tradução a ser empreendida por Alison Entrekin seguramente representará um novo ponto de partida para a recepção da obra em inglês.

A primeira tradução para o alemão, feita por Curt Meier-Clason, também foi sujeita a críticas, embora em muito menor grau que as feitas à tradução dos EUA. Registre-se também duas traduções para o espanhol, a mais recente feita por Florencia Garramuño e Gonzalo Aguilar, além de traduções para o italiano, francês e vários outros idiomas. A mais recente, pelo que sei, foi para o hebraico, pelo professor Erez Volk.

O que desejo destacar, no entanto, é o seguinte:

Em primeiro lugar, que as traduções de um grande escritor como Guimarães Rosa passam a constituir parte do corpus crítico do autor. Cada uma delas é, de certa forma, uma análise crítica do romance. Gregory Rabassa, o grande tradutor do português e do espanhol nos EUA, disse em algum momento que o tradutor é o leitor mais atento e crítico da obra de um autor. De fato, uma tradução de qualidade representa, sempre, uma abordagem crítica e criadora a partir do original. Não estou querendo entrar na polêmica tradicional que se perde discutindo se tradução é transposição – a mais fiel possível, é claro – ou uma “recriação” da obra em outro idioma. Acho essa discussão meio ociosa. O que gosto de destacar é que, de fato, cada tradutor lê criticamente o livro para torná-lo acessível ao leitor de outro idioma. Essa tarefa é um componente fundamental da construção de uma verdadeira República Mundial das Letras.

O segundo ponto é que cada tradução responde não apenas a avanços e desenvolvimentos das técnicas tradutórias e das investigações linguísticas, como também responde a circunstâncias históricas e sociais específicas da sociedade do idioma de chegada. Desse modo, cada tradução reflete – em maior medida, se melhor feita – as condições de recepção social existentes naquele momento, naquela sociedade (ou nas que compõem um grupo linguístico). Alison Entrekin também, em outro encontro do Conexões, e em escritos seus, mencionou as dificuldades de adaptar as gírias e expressões do “Cidade de Deus” para que fossem compreendidas tanto pelos leitores dos EUA como os da Inglaterra, da Austrália e de outros países anglófonos. Dentro de mais anos, nova tradução do mesmo romance do Paulo Lins exigirá, eventualmente, outras soluções.

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OITAVO ENCONTRO DO CONEXÕES ITAÚ CULTURAL EM SÃO PAULO

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Nos dias 19 e 20 – quinta e sexta-feira próximos – acontecerá em S. Paulo o 8º encontro do Conexões Itaú Cultural – Mapeamento Internacional da Literatura Brasileira. O tema do evento é O olhar do outro: a recepção da literatura brasileira, que reúne alguns dos nossos escritores contemporâneos – Milton Hatoum, Daniel Galera, Ana Paula Maia e Ricardo Lísias – para conversar com tradutores e pesquisadores brasileiros e do exterior, sobre como suas obras são recebidas pelo público estrangeiro.

Entre os convidados para essas conversas estão Consuelo Rodríguez Muñoz, Anélia Montechiari Pietrani, Gonzalo Aguilar, José Luiz Passos, Petra Bös e Karl Erik Schøllhammer, além da Alison Entrekin, uma das mais requisitadas tradutoras de nossa literatura para o inglês. O professor João Cézar de Castro Rocha e eu, como curadores, participaremos, assim como as pesquisadoras Rita Palmeira e Fernanda Guimarães. Além dos autores, são convidados também outros pesquisadores que trabalham no Brasil.

Como o nome indica, o Conexões Itaú Cultural tem como objetivo constituir um banco de dados com informações sobre professores, pesquisadores e tradutores de literatura brasileira que trabalham no exterior. Esses pesquisadores, levantados pela Internet, nos congressos e encontros internacionais de literatura brasileira e por indicações dos já mapeados, preenchem um questionário no qual detalham seus interesses de pesquisa, os autores que estudam e que influenciaram sua formação.

Todas as informações quantificáveis são colocadas em um banco de dados, de acesso público e gratuito.  A íntegra dos questionários, que inclui observações não quantificáveis, é acessível apenas para pesquisadores autorizados pela coordenação do projeto, e já rendeu vários estudos. Alguns desses foram publicados no número 17 da Revista do Observatório também com acesso gratuito em PDF e em outros formatos eletrônicos.

Ainda nesse encontro, na mesa final do dia 20, serão anunciados os nomes dos autores que participam do número 7 da Machado de Assis Magazine – Revista Brasileira de Tradução, que será lançada oficialmente durante a Feira de Guadalajara, no final do mês.

A Machado de Assis Magazine, uma publicação conjunta da Fundação Biblioteca Nacional e do Itaú Cultural, completará com esse número a publicação de 143 excertos de livros de autores brasileiros, traduzidos para o inglês, espanhol, francês e alemão.

O site da Machado de Assis Magazine já recebeu mais de 840.000 visitas desde que está no ar, e já foram feitos cerca de 53.000 downloads de trechos traduzidos ou do conteúdo total da revista.

Esses trechos de romances, contos, livros para crianças e jovens, e poesias vão se constituindo em um repertório que pode ser consultado por editores e agentes literários de todo o mundo. Dessa maneira, é também um importante meio de apoio para o Programa de Bolsas de Tradução da FBN, que já concedeu 601 bolsas de tradução de autores brasileiros, em trinta e sete idiomas, desde 2012.

Um dos traços mais relevantes do Conexões Itaú Cultural é sua continuidade. Sabemos o quanto é difícil manter em execução por longo prazo os programas culturais. O oitavo Encontro do Conexões Itaú Cultural mostra que já se constroem programas com perspectiva de longa duração, acesso gratuito e com informações relevantes para a construção de políticas públicas para a cultura em nosso país.

O 8º Encontro do Conexões Itaú Cultural acontecerá na sede da instituição, na Av. Paulista 149, das 15 às 21:00 na quinta, e das 15 às 19 horas na sexta-feira. A entrada é gratuita.

VIVENDO E APRENDENDO –LIÇÕES NA FLIP

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Participei de duas mesas na recente Flip (quer dizer, nada na Tenda dos Autores, é claro). A primeira foi a apresentação dos programas do Itaú Cultural, onde sou consultor do Conexões – Mapeamento Internacional da Literatura Brasileira  que  mapeia a presença internacional da literatura brasileira, com um banco de dados de professores, pesquisadores e tradutores da nossa literatura que trabalham no exterior.

A segunda mesa foi sobre a sustentabilidade de programas de leitura, promovido pelo Instituto C&A.

Nessa mesa, composta por Christine Fonteles, do Instituto Ecofuturo, Pilar Lacerda, da Fundação SM, Patrícia Lacerda, do Instituto C&A e por mim, mediados por Cláudia Santa Rosa, do Instituto de Desenvolvimento da Educação de Natal, se mencionou algo sobre estarmos falando para conversos, já que todos os presentes evidentemente eram interessados no assunto.

Quando chegou minha vez, fiz uma brincadeira, dizendo que, apesar de falarmos para conversos, essa nossa igreja admitia muitas discussões internas, e que sempre estávamos aprendendo algo. Mencionei que, na mesa anterior, um assunto havia despertado minha atenção: será que as várias pesquisas sobre hábitos de leitura estavam dando conta da diversidade de leituras e manifestações literárias, ou captavam apenas as “leituras canônicas”, as que eram feitas nos livros convencionais?

O comentário provocou uma risada do Volnei Canônica, diretor do Instituto C&A, e que foi nomeado como novo diretor da DLLLB, do MinC.

Na verdade, eu me referia ao que havia chamado minha atenção na mesa do Itaú Cultural, na qual havia participado na véspera.

Explico.

A mesa tinha a presença, além de mim, do Marcelino Freire, em função do programa “Quebras” que ele desenvolve, com Jorge Filholini, como selecionado no Programa Rumos, do IC, e da Tania Rösing, das Jornadas de Passo Fundo. Minha presença na mesa se devia particularmente a uma pesquisa sobre feiras, festivais e outros eventos em torno da literatura que vêm aumentando exponencialmente nos últimos anos. Quando preparava minha intervenção, dei-me conta que um fenômeno mais recente crescia diante de nossos olhos sem ser muito bem entendido: os saraus literários.

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AmazonCrossing descobre o Brasil pela Machado de Assis Magazine

Capturar
AmazonCrossing, o braço editorial do poderoso sistema global de venda de livros pela internet, anunciou um programa de publicação de autores brasileiros em inglês que promete ser ambicioso. Alguns títulos terão apenas uma versão digital – principalmente os contos – mas os romances terão versão impressa e em áudio-books. A Amazon teve seu interesse pelos autores brasileiros despertado pela homenagem na Feira de Frankfurt, e a Machado de Assis Magazine – a revista de literatura brasileira em tradução, co-editada pela Biblioteca Nacional e o Itaú Cultural – foi o principal instrumento para a descoberta dos autores que participam do programa.

A história é a seguinte:

Os primeiros livros a serem publicados pela AmazonCrossing, ainda em 2013 são de contos, em versão para Kindle. Beatriz, livros de contos de Critóvão Tezza; uma seleção dos contos de Falo de Mulher, de Ivana Arruda Leite; dois contos de Ana Paula Maia (“Desmedido Roger” e “Esporo”); uma seleção de contos de Paloma Vidal, “Fantasmas”, extraído de sua coletânea Mais ao Sul. Além desses, ainda este ano serão lançados uma seleção de contos de Tércia Montenegro, extraídos do livro O Tempo em Estado Sólido, e o conto “A Pequena Morte”, de Cláudia Lage.

A partir de 2014 a AmazonCrossing passa a lançar também romances, e os primeiros quatro selecionados são Breve Espaço Entre Cor e Sombra, de Cristóvão Tezza, que venceu o Prêmio Machado de Assis da FBN em 1998; Eles Eram Muitos Cavalos, de Luiz Ruffato, que também recebeu o prêmio da FBN; o romance de estreia da jornalista Eliane Brum, Uma, Duas; o romance histórico do jornalista Sérgio Rodrigues, Elza, a Garota; e um dos títulos da saga Qua4tro Elementos, Marcada a Fogo, da escritora independente Josy Stoque.
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Conexões Itaú Cultural – Cinco anos de garimpo da nossa literatura no exterior

Começa hoje na sede do Itaú Cultural (Av. Paulista, 149), o V Encontro Conexões Itaú Cultural – Mapeamento Internacional da Literatura Brasileira. Veja aqui a programação completa.

O Conexões Itaú Cultural nasceu de uma pergunta simples: quem são as pessoas envolvidas com a literatura brasileira no exterior? Onde estão, o que fazem, onde trabalham? A pergunta foi feita por Claudiney Ferreira, responsável pela área de literatura – e muito mais – do Itaú Cultural, ao prof. João Cezar de Castro Rocha, que havia comentado o aumento do número de professores e pesquisadores de literatura brasileira no exterior.

Mas a pergunta do Claudiney não nasceu de uma curiosidade súbita. Há anos ele trabalhava sobre o assunto, ainda que de forma indireta. Um dos marcos da difusão da nossa literatura foi o programa de rádio “Certas Palavras”, que ele e Jorge Vasconcellos produziram por muitos anos em várias emissoras de rádio. Claudiney e Jorge entrevistaram centenas de escritores, de todos os gêneros. Algumas dessas entrevistas foram furos sobre atividades e novidades de autores que foram se firmando no cenário do livro e da leitura em nosso país. Uma parte dessas entrevistas é reproduzida no livro Certas Palavras, organizado pelos dois e editado pela Estação Liberdade em 1990, hoje só disponível em sebos.

Em 1994 o programa foi transmitido direto de Frankfurt, do estande das editoras brasileiras, quando o Brasil participava como País Tema daquela feira pela primeira vez (haverá algum programa transmitido com entrevistas ano que vem?).
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Literatura Brasileira em Tradução – a Revista

A Fundação Biblioteca Nacional anunciou os nomes dos autores que terão excertos de traduções publicados no primeiro número da Revista que será editada em parceria com o Instituto Itaú Cultural. Sou o editor da revista e quero comentar alguns aspectos dessa iniciativa.

A Literatura Brasileira em Tradução se destina a mostrar excertos de livros de autores brasileiros, já publicados, com vistas à negociação de direitos autorais no mercado internacional. Os textos foram enviados à FBN, que recebeu 102 propostas, das quais foram selecionadas vinte, quinze em inglês e cinco em espanhol, para o primeiro número. Esse número terá edição online e uma edição impressa pela Imprensa Oficial do Estado de S. Paulo, também parceira do projeto, assim como o Itamaraty.

A escolha final dos textos foi feita por um Conselho Editorial composto pelos professores Italo Moriconi, Charles Perrone, Berthold Zilly, Laura Hosiasson, e por Aníbal Bragança (BN), Joaquim Pedro Penna (MRE), Carlos Sodré (IMESP), Claudiney Ferreira (Itaú Cultural). Rachel Bertol, do Centro Internacional do Livro da BN é a coordenadora, e eu, editor, e os dois fazemos também parte do Conselho.

Diante da grande quantidade de envios, optamos por estabelecer alguns critérios que ajudassem na escolha dos vinte autores que entrariam no primeiro número. Procuramos dar preferência à produção atual dos escritores, levando em conta diversidade de idades, estilos e temáticas. Também foi dada preferência às traduções ainda não publicadas em livro. Ou seja, no caso de autores que enviaram trechos em inglês, deu-se preferência a obras ainda inéditas em países de língua inglesa; o mesmo valeu para o espanhol.
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A Literatura Brasileira no Mundo – Quem é quem?

Na semana passada dediquei todos os posts deste blog à Feira de Frankfurt – edição 1994 -, recuperando essa experiência, na qual tive o privilégio de trabalhar como um dos organizadores. Eventualmente voltarei a tratar da presença do Brasil em 1994, e certamente das preparações que estão sendo feitas para 2013.
Desde ontem, entretanto, estou em Santigo de Compostela, na Galiza, Espanha, participando do IV Encontro Internacional do Conexões Itaú Cultural – Mapeamento Internacional da Literatura Brasileira, do qual sou um dos curadores. Claudiney Ferreira, que conheço desde quando produzia o programa de rádio Certas Palavras, é o Gerente do Núcleo Diálogos do Itaú Cultural, onde está o Conexões, cuja curadoria compartilho com o professor João Cezar de Castro Rocha.
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Conexões em destaque no Prosa & Verso

O Conexões – Mapeamento Internacional da Literatura Brasileira é um dos projetos de que participo e mais me orgulho. Hoje o Prosa e Verso d’O Globo abriu duas páginas para o Conexões.
Quem quiser saber mais sobre a matéria pode visitar o Conexões para constatar sua importância, examinar as tabelas construídas com os questionários de mais de duzentos pesquisadores, professores e tradutores de literatura brasileira espalhados pelo mundo, assistir vídeos e conhecer alguns textos recuperados da história de nossa literatura ou produzidos especialmente para o Conexões.