Aqui está a coluna publicada no Publish News de hoje.
Em 1994 fui um dos organizadores da participação do Brasil como “País Tema” da Feira de Livros de Frankfurt, assunto sobre o qual ainda voltarei a falar. Mas hoje quero compartilhar com os leitores algumas reflexões decorrentes da minha participação atual no projeto Conexões – mapeamento Internacional da Literatura Brasileira, do Itaú Cultural, do qual sou consultor.
A menção à Feira de Frankfurt não foi casual. O fato é que, depois dela, o número de traduções e o reconhecimento da literatura em português produzida no Brasil aumentou substancialmente. As estatísticas internacionais são tão ou mais precárias que as brasileiras, mas os dados do mercado editorial alemão mostram que os livros dos nossos autores eram os mais traduzidos entre os provenientes do chamado “Terceiro Mundo”, na Alemanha.
Esse enorme esforço não teve a continuidade merecida, em termos de políticas públicas de promoção da literatura. Os programas de apoio à tradução foram interrompidos várias vezes, e as ações se resumiram quase que à presença das editoras brasileiras nas feiras internacionais.
Continuou-se a traduzir literatura brasileira, certamente, mas o ritmo de sua presença no exterior diminuiu consideravelmente já no final dos anos 90 e na primeira década deste século.
Uma das pessoas que acompanhou esse esforço de difusão da nossa literatura em Frankfurt foi o Claudiney Ferreira, o qual, com o Jorge Vasconcellos, eram então os responsáveis pelo programa radiofônico “Certas Palavras”, que por mais de uma década reuniu um enorme acervo de entrevistas com autores de todos os gêneros publicados no Brasil.
Anos depois, Claudiney Ferreira já trabalhava no Itaú Cultural quando, em conversa com o prof. João Cezar de Castro Rocha, este apontou que estava notando um aumento significativo dos estudiosos, professores e pesquisadores, da literatura brasileira no exterior. Claudiney, que conhecia a história de Frankfurt, fez a pergunta singela: “Quem são e onde estão essas pessoas”?
Tal como as informações sobre a produção editorial, as relativas ao número, local de trabalho e linhas de pesquisa eram também fragmentárias e dispersas.
Claudiney Ferreira propôs à direção do Itaú Cultural estabelecer o projeto, para o qual me convidou a participar. Nascia então o “Conexões Itaú Cultural – Mapeamento Internacional da Literatura Brasileira”.
O projeto consiste basicamente na construção de um banco de dados com informações sobre esse universo largamente desconhecido dos professores e pesquisadores da literatura brasileira no exterior.
Nas conversas para o desenho do projeto foram se esclarecendo algumas de suas linhas fundamentais.
Em primeiro lugar, considerava-se importante conhecer o assunto. Pois bem, o que havia de sólido, quantificável e demonstrável na “sensação” de que estava aumentando o número de traduções de autores brasileiros e o número de professores, pesquisadores e instituições acadêmicas que estudavam literatura brasileira? Em que se fundamentava efetivamente essa nossa “percepção”? Seria apenas uma ilusão ufanista ou existia mesmo?
Em segundo lugar, para nós era evidente que a descontinuidade das políticas públicas de apoio e estímulo à difusão internacional da literatura brasileira prejudicavam esse desempenho. Os exemplos palpáveis do Instituto Camões, de Portugal, e o Instituto Cervantes, da Espanha, mostravam a importância da continuidade e da consistência de políticas de Estado para a difusão da literatura nacional. Os portugueses afirmavam sua presença na expansão do português com o estabelecimento de programas de tradução e edição (inclusive dos autores lusos no Brasil), nas universidades e centros de estudo da literatura e ensino do português, com cátedras em dezenas de universidades. Os espanhóis tinham no Instituto Cervantes um meio eficaz de ajudar a indústria editorial espanhola a ocupar espaços na América Latina, e uma instituição vibrante na difusão e ensino do castelhano.
Nós só tínhamos iniciativas esparsas e descontinuadas. E, no entanto, achávamos que a presença da nossa literatura aumentava. Seria verdade?
Na construção do banco de dados e dos rumos do projeto discutimos também os problemas relacionados ao conteúdo, ou à qualidade da literatura que queríamos “mapear”. Ficaríamos restritos ao cânon reconhecido pela academia? Ou incluiríamos, nesse mapeamento todas as manifestações literárias que se apresentassem como tais, sem impor distinções de caráter normativo.
Algumas consultas a bancos de dados existentes, como o Index Translationum, da UNESCO, nos deram indicações preciosas. Além do Paulo Coelho, o fenômeno mais recente de presença de autor brasileiro no âmbito internacional, descobrimos, por exemplo, que José Mauro Vasconcelos, o autor do “Meu Pé de Laranja Lima”, obra virulentamente rejeitada pela crítica e de enorme sucesso público, era um dos autores que mais traduções registravam naquele banco de dados da UNESCO.
Decidimos, então, que o banco de dados não teria nenhum viés normativo. Queríamos informação sobre qualquer tipo de literatura publicada no exterior, independente da sua posição na avaliação da crítica, acadêmica ou não.
A construção do banco de dados proporcionaria também outros resultados, forçosamente. Faria que os pesquisadores espalhados pelo mundo soubessem quem estava estudando ou trabalhando quais autores, independentemente das conexões ou ligações que tivessem no âmbito da academia. A constituição dessa rede – totalmente através da Internet – deveria propiciar articulações nascidas da dinâmica de sua própria existência. Não interessaria ao projeto do Itaú Cultural controlar o desenvolvimento dessas articulações: basta com ser o nexo onde elas se constituem.
Finalmente o banco de dados propiciaria elementos para o desenvolvimento de novas pesquisas, novos temas de trabalho e de produção intelectual. O conjunto de informações ali reunidos se tornaria também um objeto de pesquisa e estímulo para o desenvolvimento de conexões entre pesquisas existentes.
Pois bem, o Conexões Itaú Cultural – Mapeamento Internacional da Literatura Brasileira – está saudável e crescendo. Já fez vários encontros, no Brasil e no exterior, entre pesquisadores, autores, tradutores e editores, sempre com o intuito de ajudar na maior e melhor divulgação internacional da nossa literatura.
O Conexões Itaú Cultural – Mapeamento Internacional da Literatura Brasileira mantêm um site/blog com notícias sobre os “mapeados” e onde pode também ser consultado parte do banco de dados, com tabelas construídas a partir do que é quantificável.
Já são 192 “mapeados”, vinculados a mais de cem instituições do exterior, que citam como objeto de interesse centenas de autores brasileiros de todos os gêneros e de todas as épocas, desde os clássicos até poetas da periferia.
Tudo isso aberto ao público através da Internet. Quer saber mais sobre a presença internacional da nossa literatura, vá ao blog do projeto: www.conexoesitaucultural.org.br. Além das informações, pode ver dezenas de vídeos com autores brasileiros, acessar uma biblioteca de textos raros e exclusivos sobre a presença de nossa literatura no exterior.
Participar desse projeto me dá um grande orgulho.
Caro Filipe, parabens pelo blog. Precisamos demais destes “pensares” e “saberes” …
A respeito do programa de tradução da literatura brasileira, gostaria de lembrar e homenagear a extraordinária e saudosa figura do Embaixador Murtinho, então presidente da extinta Fundação Pró Leitura. Ele juntamente com a Vitae iniciou tal programa em 1994, lançado no pavilhão do Brasil, país homenageado na Feira de Frankfurt. A Biblioteca Nacional ficaria responsável pela continuidade do programa. Sabemos que estes programas não são entendidos como políticas públicas, e na falta de um sistema que garanta sua execução, os gestores seguintes simplesmente “esquecem”.
Mas naquele ano e nos dois anos seguintes fizemos reuniões memoráveis com os tradutores de nossa literatura…