Uma das “críticas” mais recorrentes, e que volta e meia sai na imprensa sobre a participação do Brasil em 1994, é a de que a presença brasileira foi marcada por mulatas e caipirinha. Há um ano, exatamente, em matéria n’O Estado de S, Paulo, Ubiratan Brasil dizia que os organizadores da presença brasileira em 2013 (não identificados) tinham a “intenção de evitar o vexame brasileiro de 1994 quando, também na condição de convidado oficial, constrangeu os próprios editores nacionais por espalhar mulatas que serviam caipirinha no estande oficial”.
Na mesma data mandei um e-mail contestando o suposto “vexame”, mas não foi publicado.
Já chegarei aos fatos de 1994. Sei que há quem não goste de caipirinha e de passistas, e tem todo direito de ser assim. Logo se aduz que “mulatas e caipirinha” são estereótipos sobre o Brasil. Ergo, dizem os filósofos politicamente corretos da estereotipia, devem ser evitadas a ferro e fogo em qualquer situação em que o país se apresente.
Dito seja que caipirinha, no caso, é de imediato associada a uma bebida vagabunda que os bons brasileiros, educados europeiamente, devem abjurar e só consumir uísque (também gosto) e vinho (de preferência francês, mas com concessões para os argentinos e chilenos). Mulatas, por sua vez, são as passistas de escola de samba e a insinuação é que fazem parte do bando de prostitutas e travestis que “mancha” o nome do país no exterior. Pessoalmente não tenho paciência para assistir aqueles longos desfiles de escola de samba, mas algo me diz que a Elza Soares não gosta de ver a mulatice tratada dessa maneira. E agora que está na moda o consumo da cachaça “premium”, capaz que passem a exigir que só se sirva dessas em 2013.
A questão é que estereótipos, isolados, são realmente simplificadores. Mas nem sempre falsos. Fazem parte de uma percepção social sobre o fenômeno estereotipado, e dessa maneira acabam provocando empatia ou rejeição. São simplificadores, quase sempre. Dizer, por exemplo, que não existe problema racial no Brasil é uma simplificação que beira à falsidade. Mas combater isso dizendo que somos simplesmente um país racista é igualmente falso e também muito perigoso. Rejeitar simplesmente os estereótipos é tão desagregador quando viver imerso nos conceitos estereotipados.
Dito isso – e correndo o risco de incorrer em mais um estereótipo – acho que quem faz essas acusações está usando expressões preconceituosas e bobas. Certamente essas pessoas vão achar o máximo, ou pelo menos simpático, ver as garçonetes fantasiadas de “vikings” este ano, quando a Islândia é o país convidado. A menos que os islandeses tenham inventado uma fantasia de Kreppa, a palavra em islandês para a crise de crédito, que atingiu o país de forma particularmente forte em 2008. Quem sabe são alguns dos que condenam a CEF por divulgar uma propaganda em que Machado de Assis aparece embranquecido, mas ao mesmo tempo acham ruim que a imagem do país esteja vinculada, também, à miscigenação.
Só pode falar em “vexame” em relação a 1994 quem não esteve lá, ou não viu o que se fez, ou está definitivamente infectado por aquele famoso vírus de vira-lata que afeta tantos brasileiros, segundo Nelson Rodrigues. Acredito que as informações já publicadas aqui nos últimos dias permitem que se tenha uma ideia da seriedade do esforço de se mostrar uma imagem da nossa diversidade cultural, da nossa riqueza cultural, e do modo particular de ser dos brasileiros.
Mas, voltemos às “garçonetes vestidas de baiana”.
Disse no e-mail ao jornalista, há um ano: “Os serviços de restaurante da Feira não são de responsabilidade nem da Frankfurter Buchmesse nem do país convidado: são uma CONCESSÃO da proprietária dos pavilhões. Não me lembro exatamente do nome da empresa, mas tinha “Gastronomie” no meio. Se você der uma de repórter e achar alguém da empresa para perguntar quais os planos dela para 2013, aposto que ele vai dizer que já tem cadastrado um monte de mulatas latino-americanas – para os alemães pouco se lhes dá que sejam brasileiras ou não – para trabalhar nos restaurantes. E que nos serviços de restaurante da feira ninguém dá palpite além dele, que paga caro aos proprietários pela concessão. E pode ter certeza que em 2013 vai mostrar novamente as mulatas – falsas e verdadeiras – servindo caipirinha por toda Frankfurt. Os que não gostam de caipirinha ou de mulatas, por uma ou outra razão, podem já começar a eriçar os pelos.”
Ficou claro? TODOS os serviços de bar e restaurante da Feira são concessão de uma empresa que contrata quem quer. E que fantasia garçons e garçonetes do modo que lhe dá na veneta, geralmente aproveitando os estereótipos pelos quais o país convidado é facilmente reconhecível. No ano da Espanha estava cheio de toureiros e dançarinas de flamenco, no da Argentina, de “gardelons” e bailarinas de tango, e assim por diante.
Acontece que a Feira de livros é a que mais atrai pessoas para Frankfurt. No Salão de Automóveis, por exemplo, uma montadora ocupa um andar inteiro com seu estande e põe lá vinte, trinta pessoas. Na Feira do Livro mesmo os estandes pequenos, cubículos, têm uma ou duas pessoas. É muito estrangeiro que vai profissionalmente a Frankfurt durante a feira do livro. O resultado é que os alemães, que não tem o menor pudor em aproveitar as circunstâncias para aumentar o faturamento, aumentam violentamente o preço dos hotéis e de vários serviços dedicados aos “feirantes”. E fantasiam garçons e garçonetes.
Essa atitude é tão generalizada e grave que já motivou até ameaças de transferir a feira para outra cidade para ver se diminuía a ganância dos comerciantes de Frankfurt.
Mas, afinal, o que a organização brasileira da participação na Feira de Frankfurt em 1994 levou para a cidade em matéria de entretenimento?
Coisas que me lembro (houve mais, que divulgarei quando conseguir ter acesso aos arquivos da CBL):
– Espetáculo da Elba Ramalho na festa de abertura;
– Presença do conjunto Época de Ouro, com Turíbio Santos, em eventos no Romer;
– A organista Elisa Freixo que fez um concerto na igreja de Santa Catarina;
– O Quarteto de Cordas da Cidade de S. Paulo que abriu a temporada de música de câmara da Alte Oper.
– O Balé da Cidade de Frankfurt montou um espetáculo com a participação da Márcia Haydée e outro grupo de balé contemporâneo brasileiro cujo nome me foge, no Mousomturm.
Só espero que em 2013 tenhamos espetáculo desse nível ou melhores para oferecer aos anfitriões alemães. E mais samba, também. Mas podem contar também com a multidão de conjuntinhos contratados pelos restaurantes alemães, com garçonetes vestidas de baiana, para alegria dos fregueses.
Segunda-feira volto para falar dos autores na Feira.
COMPLEMENTANDO:
o orçamento da EMBRATUR não permitiu uma participação maior da EMBRATUR. Todavia, os técnicos que foram só trouxeram elogios à organização e ao sucesso do evento.
Agora, parece que é parte da nossa cultura ter inveja do sucesso dos outros. Tom Jobim dizia que fazer sucesso no Brasil é pecado.