ISBN, BIBLIOTECA NACIONAL E METADADOS – PROBLEMAS CONJUGADOS

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Nos últimos dias surgiram na imprensa e na Internet várias matérias sobre o ISBN – International Standard Book Number, envolvendo editoras, como a Record (em seus vários selos), a Biblioteca Nacional, custos e usos do ISBN.

Vou tentar traçar um panorama geral do assunto e das questões envolvidas.

O ISBN foi o resultado de uma constatação que se fazia evidente pelos meados da década de 1960. O número de editoras e de livros publicados tornava cada vez mais complicada a identificação de cada título, particularmente para manuseio das informações de venda. Essas informações têm impacto no relacionamento entre editoras e livrarias (e distribuidores) e também com os autores, no levantamento dos direitos autorais devidos.

Até então, cada editora desenvolvia seu próprio sistema de identificação dos livros que publicava, e os usava em seus controles internos. Esses sistemas de identificação variavam muito. Por exemplo, códigos para coleções, numeração seriada para obras diversas, etc. Enfim, uma verdadeira babel.

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A situação se tornava complicada particularmente do ponto de vista de livrarias e distribuidores. Como harmonizar as informações de centenas de editoras, sobre milhares (hoje milhões) de títulos?

Antes do advento dos sistemas informatizados, isso era feito através de fichários que, de alguma maneira, mimetizavam sistemas contábeis. E, como sabe qualquer contador, existe diferenças enormes na construção e denominação de “contas”. No caso, por exemplo, estas seriam feitas por cada livro, por cada editora, por cada autor? Cada qual achava a maneira que mais lhe convinha e, obviamente, era impossível uma uniformização disso tudo.

O resultado era uma crescente dificuldade – e consequente aumento de custos – na administração de estoques, vendas, controle de direitos autorais, devoluções, etc. etc.

O advento dos primeiros sistemas informatizados abriu espaço para o desenvolvimento de uma solução.
Duas empresas privadas, a R.R. Bowker dos EUA e a J. Whitaker & Sons, no Reino Unido, se uniram para propor a criação de um sistema uniforme de identificação de livros.

Em 1967 a Whitaker criou o primeiro sistema, baseado em um trabalho feito em 1965 por Gordon Foster, Professor Emérito de Estatística no Trinity College, em Dublin, Irlanda. O sistema, denominado SBN – Standard Book Number tinha nove dígitos e foi adotado inicialmente pela rede de livrarias e papelarias W.H. Smith em 1967, e logo em seguida pela Whitaker para organização de seus serviços de distribuição. Em 1968, foi adotado pela R. R. Bowker, também grande fornecedora de serviços para a indústria editorial dos EUA (até hoje a Bowker é a responsável direta pela edição da Publisher’s Weekly, o mais importante trade journal do setor).

Depois de alguns anos de negociações internacionais, em 1972 o padrão ISBN foi adotado pela ISO – International Standard Organization, com um sistema de dez dígitos, que permitia a inclusão de dígitos identificadores do país de emissão do registro. Hoje, o ISBN tem treze dígitos, para completa compatibilização com o sistema de código de barras, o que levou ao acréscimo do código 978 ao ISBN de dez dígitos, compatibilizando os sistemas.

Cada ISBN é composto de quatro segmentos, além do 978 de compatibilização. O primeiro é o código de grupo (ou país). Esse código é composto de um a cinco dígitos. Estados Unidos é 1, a França, 2, e Qatar, por exemplo, é 99921. O do Brasil é 85. Essa identificação é outorgada pela Agência Internacional do ISBN, com sede em Berlim. O segundo segmento é outorgado por cada agência nacional para as editoras. Também pode conter vários dígitos, outorgados segundo o volume de títulos que se espera que cada editora publique: quantos mais títulos, menor o dígito identificador. No Brasil, por exemplo, a Record possui o identificador “0”, outorgado por ser a primeira editora a aderir ao sistema. O terceiro segmento é um número de série e o último, um dígito verificador (há um cálculo matemático para determinar a validade do ISBN).

No seu início, a adoção do ISBN se deu principalmente nos EUA, Canadá, Reino Unido, França, Alemanha e demais países da Europa ocidental. Note-se, mais uma vez, que as duas primeiras “agências nacionais” do ISBN eram empresas privadas, mas a ISO é uma organização internacional, composta por países. A Agência Internacional do ISBN iniciou, logo em seus primeiros anos, um trabalho de estabelecimento de agências nacionais pelo mundo afora. E, na maioria dos casos, foram as bibliotecas nacionais que aceitaram a tarefa, como é o caso do Brasil, onde a BN é a agência nacional do ISBN desde 1978.

Resumindo, em grandes traços.

a) O ISBN é um sistema de identificação de livros criado para atender, primariamente, as necessidades do comércio de livros. A atribuição de um número identificador único permite, em tese, o reconhecimento da “identidade” do livro em qualquer lugar do mundo, por qualquer livraria, biblioteca ou distribuidor que tenha acesso ao banco de dados que guarda as informações. Informatização é um componente essencial do sistema;

b) O ISBN teve sua origem em empresas comerciais, e só posteriormente foi adotado, em alguns países, pelas bibliotecas nacionais, transformadas em “agências nacionais” do ISBN.

As regras de atribuição do ISBN são complexas, e muitas vezes não são atendidas integralmente. Por exemplo, em tese, cada edição de um livro deveria receber um ISBN distinto. Mas, o que é uma “nova edição”? Aqui no Brasil, por exemplo, a confusão entre “nova edição” e reimpressão é comum e corrente. Da mesma maneira, diferentes formatos de publicação devem receber ISBN diferentes – afinal, o identificador é do produto e não do conteúdo. Assim, edições em capa dura, brochura, edições especiais (para venda ao governo, por exemplo), livros eletrônicos, etc., cada qual deve receber um ISBN distinto.

Mas, o que o ISBN não é?

O ISBN não deve ser considerado como “o” instrumento de classificação bibliográfica. As informações sobre o conteúdo do livro, mesmo que se tornem cada vez mais complexas, podem ser modificadas entre o momento em que o editor solicita o ISBN – obviamente antes da publicação, e a publicação propriamente dita. Dois exemplos banais. O título pode mudar, a existência de índices (de vários tipos) pode ou não ser incluídas, assim como prefácios, introduções, etc. Essas são informações pertinentes para a catalogação do livro nas bibliotecas, mas não para a comercialização do mesmo. O título final é o que vale para a identificação do ISBN, e é usado pela editora.

O ISBN também não é um instrumento muito confiável para a construção de informações estatísticas sobre o mercado editorial. Em primeiro lugar, porque pode acontecer de a editora solicitar um registro de ISBN e, posteriormente, desistir de publicá-lo. Em tese isso deveria ser informado à agência, mas não é feito (nem aqui nem no exterior). O número fica “vazio”. Por outro lado, mesmo quem edita não comercialmente pode – e deve, pela legislação brasileira – solicitar um ISBN. Daí que a “Pastelaria Xangai” que publica um livro de receitas para distribuição entre seus clientes não deve ser confundida com uma editora que publique regularmente. O mesmo vale para autores individuais, etc.

O período que transcorre entre a solicitação de um registro de ISBN e a efetiva publicação do livro também distorce. Em processos editoriais longos, podem transcorrer meses, ou até anos, entre a solicitação do ISBN e a efetiva publicação do livro.

O ISBN pode – e deveria – ser útil para que a BN cobre a efetivação do Depósito Legal, a obrigação de envio de um exemplar de cada título publicado. Para isso, deveria haver uma integração de sistemas – o que outorga ISBN e o que recebe os depósitos legais – para cobrança (e eventual imposição de penalidades) junto a quem não cumpre a obrigação do depósito legal. Isso não existe aqui.

Finalmente, a existência do ISBN não significa que o livro esteja disponível no catálogo das editoras. A atribuição de um ISBN é unívoca. Se o livro sai do catálogo, o ISBN não se perde, mas o livro pode “deixar de existir” comercialmente.
Por esse conjunto de razões, empresas como a Bowker, a Whitaker e outras, desenvolveram outros produtos igualmente úteis para o mercado editorial, como é o caso dos sistemas de “Books in Print”, hoje eletrônicos, comercializados por essas empresas.
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O ISBN é considerado como um dos metadados de identificação do livro. Comprova sua unicidade. Mas não informa necessariamente o conteúdo e os demais segmentos de informação que se tornam cada vez importantes para que os livros sejam localizados pelos que os desejem ler. Mas, de maneira alguma, é o elemento principal, nem da catalogação, nem da construção de um sistema de metadados, embora seja componente obrigatório, inclusive por imposição legal. Um livro, no Brasil, só é considerado como tal se estiver registrado no ISBN, segundo a lei do livro.

Mas, não esqueçamos sempre: o ISBN é fundamental para o comércio de livros. Sem ele, é o caos no tráfego de informações entre os vários atores envolvidos.

Cada agência nacional do ISBN estabelece seus padrões de cobrança de registro. O sistema ISBN por si, não pode estabelecer penalidades – a punição máxima é a “não existência” do livro para o comércio -, mas isso pode ser feito por legislação local.
A implantação do ISBN no Brasil foi um processo lento, e continua complicado.

Nos primeiros momentos, a BN, como agência nacional, permitiu que editoras importantes atribuíssem seus próprios códigos, e de forma gratuita. De fato, conhecendo-se o código do país e o código da própria editora, o grupo de dígitos seguintes é a sequência de publicações e o dígito de verificação. A Internet está cheia de programinhas que fazem essa conta e geram o código de barras respectivo.

A questão é que o ISBN, para funcionar em sua plenitude, deve estar integrado a sistemas mais complexos. Como já disse, a Bowker e a Whitaker desenvolvem uma série de produtos adicionais comercializados: Books in Print (que exige o contato sistemático com as editoras para saber o que efetivamente entrou e saiu dos respectivos catálogos), sistemas de avaliação estatísticos, e muitos outros.

Os sistemas da Biblioteca Nacional, e particularmente o do ISBN, são notoriamente deficientes. Não há um efetivo controle dos processos, e muito menos integração entre os diferentes sistemas da BN.

Com base no exemplo da Bowker e da Whitaker, sempre fui defensor de que a Agência Nacional do ISBN deixasse de ser a BN e fosse transferida para uma entidade ou empresa privada. Repito, ISBN diz respeito a comércio. Mas, reconheço que a questão central é que o sistema funcione.

E, para que funcione, a questão do financiamento é essencial. Algumas das matérias recém publicadas assinalam a burocracia e as dificuldades para obtenção do ISBN, inclusive o fato do banco que administra a conta da Fundação Miguel de Cervantes ser o Santander. Ao contrário do especulado, pelo que eu saiba, os espanhóis não têm nada a ver com o financiamento da FMC.

A Biblioteca Nacional cobra atualmente R$ 12,00 por registro de ISBN. Não há preço para compra de lotes e o processo tem lá suas dificuldades burocráticas.

Na França (e países francófonos) a atribuição do ISBN é grátis. Ou seja, o governo paga tudo, inclusive para os editores de outros países da francofonia.

Na Espanha, a agência é administrada pela Federación de Grémios de Editores (equivalente à CBL), que cobra € 45 pela emissão normal (aproximadamente uma semana) e € 95 pela emissão urgente.

Nos EUA, o custo de emissão de um único ISBN é de US$ 125. Lotes de 10 custam US$ 250; de 100, US$ 575; e de mil, US $ 1.000. Na compra, o solicitante preenche os dados da publicação online e recebe de imediato o registro e o código de barras.

A realidade dos fatos é que a construção de dados custa caro. E os editores brasileiros têm uma verdadeira ojeriza a pagar. Primeiro, não gostam de pagar serviços; segundo, consideram que a compra de informações não lhes é útil; e terceiro não sabem usar as informações disponíveis.

Os exemplos recentes da perda de credibilidade da pesquisa de produção editorial CBL/SNEL/FIPE, pela ruptura sem explicações da série histórica, as dificuldades da implantação do CANAL – a versão brasileira da construção de um cadastro dos livros nos catálogos ativos das editoras, com metadados, e a péssima situação dos sites das livrarias no que diz respeito às buscas, mostram o quanto ainda é necessário avançar por aqui para se ter informações decentes e meios informatizados de gerenciamento do mercado editorial brasileiro.

16 comentários em “ISBN, BIBLIOTECA NACIONAL E METADADOS – PROBLEMAS CONJUGADOS”

  1. O que assusta é que em pleno século 21 onde o ISBN não tem mais essa necessidade e de existir pois todas as informações de livros são encontradas onlines, a Agência Nacional de ISBN é uma empresa caça níquel atrasada, e gerida em completa má vontade pela Sra Andrea Coelho. O ISBN não é mais uma necessidade nos dias atuais.

    1. Jurandir

      Discordo. O ISBN tem suas funções bem específicas e continua necessário. Não serve para identificar genericamente um título, mas sim uma edição específica. Por isso é que digo que o ISBN não é uma fonte de informações bibliográficas genéricas. Já o funcionamento da agência brasileira…

  2. Enviei através da Gráfica a solicitação para o ISBN em 01 de novembro, já se passou 1 mês e agora dia 03 de dezembro nada ainda. O ISBN deveria ser repassado para outras empresas, pois do jeito que está não dá para continuar.

    1. A Amazon gera um código próprio. Não sei como eles tratam o ISBN. Talvez tenham comprado um lote grande e usam isso para beneficiar quem publica com eles.

    1. Não há lugares muito organizados onde se possa fazer isso. O ISBN seria um desses lugares. Dependendo do que você quiser, pode usar os sites da Livraraa Cultura ou da Saraiva. Se quiser pagar, e depende para o que quiser, os bancos de dados da GfK ou da Nielsen. Mas sua pergunta é muito genérica. Pelo post você já sabe que o assunto é muito confuso por aqui.

    1. O único que existe a partir do ISBN é o da BN. É muito ruim. Os bancos das livrarias também informam o ISBN, mas é preciso saber que ISBN procurar para acessar a informação correspondente.

    1. O ISBN, por si só, não responde a essa questão. Mas está na base dos sistemas de informática que podem proporcionar às editoras essa informação. Saber quantos livros a editora vendeu depende dos controles de cada um. Não é uma informação pública, e jamais o será. É uma informação comercial, e que interessa apenas os autores em sua relação com as casas publicadoras.

  3. Felipe Lindoso, muito obrigado pela suas informações. tentei procurar um outro contato seu mais sem sucesso. Assim como outros colegas aqui estõu tendo um dificuldade grande em relação a conseguir informações dentro da Biblioteca Nacional referente a ISBN. Estou fazer um trabalho de pesquisa onde preciso ter acesso a base de dados do ISBN. Será que vale a pena insisti com a BN em relação ao banco de dados ou existe locais onde tenho acesso as mesmas informações de maneira tão confiável como e sem tantas dificuldades. No meu é postbook.startup@gmail.com. Obrigado. Alesandro Junio.

    1. Alessandro,

      Infelizmente, quanto ao ISBN, a única fonte é a BN. Aliás, como as livrarias e as editoras não dão a devida atenção à questão dos metadados, é difícil encontrar informações confiáveis sobre qualquer coisa relacionada aos livros.

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