Conheci Antonio Carlos Scartezini em 1968. Ele, repórter político no JORNAL DO BRASIL, trabalhando na lendária sucursal do jornal em Brasília, chefiada pelo lendário Carlos Castello Branco, o Castelinho (quando alguém fará uma biografia dele?). A Maria José Silveira, com quem viria me casar, trabalhava lá como estagiária. Era um dos grandes momentos do jornalismo brasiliense.
Eu trabalhava na sucursal do Estadão, chefiada pelo Evandro Carlos de Andrade, onde tinha como colegas, entre outros, o Ronan Soares, Ricardo Setti, Ary Ribeiro, além do meu amigo de toda vida, Haroldo Sabóia. Maria José, no JB, tinha vários colegas que se tornaram referência nos jornais. Além do chefe, Castelinho, A.C. Scartezini (o Scarta, como todos o chamavam), D’Alembert Jaccoud, José Leão Filho, cuja reportagem sobre a invasão da UnB, em 1968, é transcrita pela Maria José no romance “O Fantasma de Luis Buñuel”, ainda no primeiro capítulo do livro.
Como jornalistas, obviamente, nos encontrávamos muitas vezes pelos bares da capital.
Mas minha primeira interação séria com o Scarta foi uma viagem que fizemos juntos. Na época, as CPIs podiam se deslocar. Havia uma CPI sobre grilagem de terras, em particular por estrangeiros, no norte de Goiás e no Pará. O presidente da CPI era o deputado e ex-brigadeiro Veloso, o notório golpista que tentou derrubar o governo JK. Pois bem, o Veloso simplesmente requereu um DC-4 da FAB para visitar in loco essas regiões. No DC-4 estavam três jornalistas: dois nomes reconhecidos no jornalismo político de Brasília, o Scartezini pelo JB, Rubem de Azevedo Lima, da Folha e este foca pelo Estadão. Além do Veloso, mais uns dois ou três deputados, dos quais não lembro o nome, e um delegado e um escrivão da PF, que também conduzia um inquérito sobre o assunto.
E lá fomos, nós em um pinga-pinga pelo norte de Goiás até chegar a Belém. Vimos de tudo, de roubo de livros de igrejas, onde se registravam, além dos nascimentos, as transações imobiliárias das paróquias e outras trapalhadas de grileiros nacionais e estrangeiros. Todos nós publicamos matérias na volta, e a minha extensa matéria saiu em (se não me engano) três edições do Estadão, assinadas, como as dos dois colegas nos respectivos jornais.
Mas o episódio mais hilário, de certa forma, foi em Porto Nacional, onde pernoitamos, os três no mesmo quarto. O problema é que morríamos de medo de sermos picados por barbeiros, um inseto que infestava a região e provocava uma doença cardíaca séria. Resultado, nos revezamos, cada um ficando algumas horas acordados, de luz acesa, procurando ver se aparecia algum barbeiro. Não apareceu.
Passamos vários anos sem nos ver. Militância clandestina, prisão, torturas, Presídio Tiradentes (eu) e trabalho político clandestino no ABC (Maria José) e depois exílio no Peru.
De volta ao Brasil, em 1980, Maria José, eu e depois o Márcio Souza, fundamos a editora Marco Zero.
Dezoito anos de aventura editorial, período no qual publicamos dois livros do Scartezini.
O primeiro, “Segredos de Médici”, foi o resultado de uma difícil entrevista do Scarta com o ex-Ditador, publicado em 1983. Para contrabalançar problemas, Scarta pediu duas introduções: Jarbas Passarinho (ex-ministro do Médici) e Paulo Brossard, senador, um dos próceres do então MDB “autêntico”. O Médici não queria falar de modo algum, mas a persistência do Scarta rendeu uma das raríssimas entrevistas do ditador. Em um momento, ele diz que não falava “porque era o passado, o arbítrio” e que não queria ter sido presidente, “ao contrário dos Geisel, que se prepararam a vida inteira para isso”. O livro, um documento significativo de uma das épocas mais sombrias da ditadura, só pode ser encontrado em sebos.
Mais trade, já em 1993, publicamos “Dr. Ulysses – uma biografia”, no qual Scarta trabalhou o material que recolhia há anos, além de entrevistas com o biografado. Também só nos sebos.
Da última vez que estivemos em Brasília, quando Maria José lançou seu romance mais recente, “Aqui. Neste Lugar”, Scartezini, que havia sido convidado, mandou e-mail para a autora lamentando não poder ir “porque não estava bem”. Mas que compraria o livro e comentaria, como fez com todos os seus livros.
Scartezini esteve mais de cinquenta anos casado com Virgínia, mãe de seu único filho, Bernardo, também jornalista.
Antonio Carlos Scartezini morreu no último dia 4.
Um grande e estimado amigo nosso.