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CACHAÇA E LITERATURA BRASILEIRA

A literatura é uma cachaça, alguns podem até dizer que. É um dos tantos sinônimos da branquinha: algo que não se pode largar. A literatura brasileira é uma cachaça para muita gente.

Mas, além de “ser uma cachaça” para leitores, a branquinha aparece nas obras de muitos autores, e essa presença reflete e retrata muitas coisas.,

Não é de se admirar. A cachaça é a bebida mais popular do país. Estranho seria se não estivesse presente na obra de nossos grandes escritores. (Talvez esteja ausente – definitivamente – nos escrevinhadores classe média que só olham para o próprio umbigo e só bebem cerveja, ou uísque). Mas, de José Lins do Rego aos poetas cancioneiros atuais, de João Cabral a Chico Buarque, e passando por Graciliano, Guimarães Rosa, Mário de Andrade e muitos outros, a cachaça está presente no enredo, na construção do romance (ou das poesias) e na anima de várias obras primas de nossa literatura.

Esse é o tema do curso organizado pelo professor Maurício Ayer, escritor, tradutor, pesquisador de literatura e música e especialista em cachaça. Doutor e pós-doutor em literatura francesa pela FFLCH/USP, especializou-se na Universidade de Paris 8 e formou-se em Música/Composição na Faculdade Santa Marcelina. O curso, “Literatura Brasileira e Cachaça”, é organizado sob os auspícios do site Outras Palavras – Comunicação Compartilhada e Pós Capitalismo. Aqui o link para informações sobre o curso, e aqui uma apresentação do Maurício Ayer

A primeira “aula” – se é que se pode chamar assim – foi sobre José Lins do Rego, em especial sobre o ciclo da cana de açúcar, no último dia 3 de março. Na verdade, tudo se estrutura em leituras e conversas sobre trechos dos livros do autor selecionado, e a – naturalmente imprescindível – degustação de cachaças da região do autor. Zé Lins, paraibano, foi degustado na companhia de duas cachaças locais – a Rainha e a Volúpia. Cachaças com personalidade própria do brejo paraibano, envelhecidas em barris de freijó. E, no final, mais degustação de duas versões da mineira Tiê, que apoia a iniciativa.

O mais notável é que todos saímos satisfeitos, levemente – muito levemente, porque degustação é de pouquinho – alcoolizados. Aprendemos como Zé Lins faz referências à cachaça, aos contrabandistas, vendeiros e produtores (o Engenho Santa Rosa, onde se desenrola a ação dos romances), desde a perspectiva do neto do coronelzão, do “moleque” da usina, dos trabalhadores “moradores” do engenho e do trabalhador artesão semi-autônomo, Mestre Amaro, o seleiro, a chegada do cangaço… e da polícia.

Zé Lins é um escritor realista. Chegou a ser ministro do Getúlio, mas era também amigo do Graciliano, a quem hospedou logo que este saiu da prisão (veja o relato interessante no romance-tese do Silviano Santiago, “Em Liberdade”, no qual ele (re)inventa os primeiros dias de Graciliano quando deixa o presídio da Ilha Grande.

O realismo de Zé Lins do Rego é da perspectiva do senhor de engenho. É curioso como romances que hoje vemos claramente escritos desde o ponto de vista dos patrões é aceito e elogiado pelo comunista Graciliano Ramos. O realismo e o ciclo do nordeste, do qual fazem parte os dois – e mais tantos outros, como Rachel de Queiroz, José Américo de Almeida, Jorge Amado – foi acompanhado por outros ciclos “regionais” no Sul e na Amazônia, que não é o caso de falar aqui.

O fato de serem realistas (ou “neorrealistas”, como se costuma qualificar) era o passe comum entre todos. As narrativas transcendem posições de classe e revelam um Brasil que era “desconhecido” pelas elites intelectuais do sul, especialmente a carioca e a paulista. Essa característica de certa forma dilui oposições políticas, ideológicas e estilísticas muito diferenciadas.


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Luiz Brás e sua pesquisa sobre o “estado atual” da literatura brasileira.

Luiz Brás – anteriormente conhecido como Nelson de Oliveira (eu me divirto muito com esse heterônimo?) – propôs ao Rogério Pereira, editor do jornal Rascunho, uma Pesquisa sobre a evolução literária no Brasil. E me enviou a pergunta abaixo:

Tendo em vista a quantidade de livros publicados e a qualidade da prosa e da poesia brasileiras contemporâneas, em sua opinião a literatura brasileira está num momento bom, mediano ou ruim?

A minha resposta, que saiu no Rascunho deste mês:

Pode-se usar vários critérios para tentar responder à questão.

Primeiro, um critério “quantitativo”. A quantidade de livros publicados no país denota, efetivamente, aquilo que chamou atenção de Antonio Cândido há décadas: temos um sistema literário com escritores que almejam o reconhecimento como tais; um sistema de transmissão (a língua, o mercado editorial); e um público leitor. Esse sistema é cada vez mais forte, maior e mais desenvolvido. E nele cabe e ele abriga uma imensa diversidade de expressões literárias, de temas, de abordagens. São milhares de autores em busca de seus leitores.

Uma segunda medida seria dada pela própria divisão por gêneros. Literatura adulta, literatura para crianças e jovens e poesia. Mas, nesse caso, é necessário também considerar dinâmicas próprias para cada uma delas.

Tome-se a poesia, por exemplo. Na pesquisa “Retratos da leitura no Brasil 3” (Instituto Pró-livro/Imprensa Oficial, S. Paulo, 2012) Temos os seguintes poetas citados entre os 25 autores brasileiros mais admirados: Carlos Drummond de Andrade (5º.), Vinícius de Moraes (8º.), Cecília Meireles (12º.), Manuel Bandeira (16º.), Fernando pessoa (18º.) e Mário Quintana (23º.). Será que os brasileiros estão lendo assim tanta poesia? A resposta, na verdade, tem a ver com os livros didáticos. Esses poetas aparecem com frequência nesses livros, e em vários contextos, nem todos ligados ao ensino de literatura. E é significativo que todos estejam solidamente encastelados no cânone. Nada de poetas novos. E esses poetas estão na companhia, na mesma lista, do Monteiro Lobato (por conta da TV), Maurício de Souza, Ziraldo e Pedro Bandeira. Todos autores amplamente lidos nas escolas.

Essa lista daria panos para muitas mangas, com a presença de outros autores, numa verdadeira salada de frutas: Paulo Coelho (3º.), Zíbia Gasparetto (9º.), Augusto Cury (10º.), Chico Xavier (13º.), Padre Marcelo Rossi (14º.) e Silas Malafaia (24º.). Os demais autores citados são do cânone: Machado de Assis (2º.), Jorge amado (4º), José de Alencar (7º.), Érico Veríssimo (11º.), Paulo Freire (17º.), Clarice Lispector (19º.), Ariano Suassuna (20º.), Graciliano Ramos (21º.), Mário de Andrade (22º.).

Ou seja, dos autores vivos não há presença de nenhum dos que estão no campo de apreciação da crítica contemporânea. Há, portanto, uma profunda dissociação entre o que o campo literário (no sentido dado ao termo por Bourdieu) privilegia, e o que aparece na preferência dos leitores.

O que leva, simplesmente, a uma reformulação da pergunta: de que literatura se está falando? Da que entra no radar das forças dominantes do campo literário ou da que, por uma ou outra razão, é efetivamente lida no Brasil?

Quem quiser, responda para o Nelson: luiz.bras@uol.com.br

Um mercado opaco

Capturar
Tomei a iniciativa de escrever a coluna no PublishNews e o blog Oxisdoproblema pensando no público bem focado, e restrito, dos interessados no mercado editorial. Fico muito satisfeito, como sempre dizem os colunistas, com minha meia dúzia de leitores (ou um pouco mais, na média, tá bem…).

Qual minha surpresa, portanto, quando a coluna que publiquei na última quinta-feira, Literatura brasileira no exterior: problema dos editores? teve cinquenta vezes mais acessos que a média do blog, e foi replicada em muitos sites, no Facebook e no Tweeter. O Google Analytics – ferramenta de análise dos acessos – registrou uma dispersão muito grande em suas origens, com países em que eu jamais pensaria encontrar algum leitor. Entre os que comentaram ou replicaram nas redes sociais, pelo que pude perceber, havia uma substancial parcela de escritores.

Parece que o post mexeu com preocupações e sensibilidades das pessoas sobre a posição da literatura brasileira no exterior, sobre as dificuldades e os causantes da situação.

Como disse naquele post, meu interesse pelas políticas para o livro e leitura nasceu quando me fiz a pergunta, quando era sócio da Marco Zero, sobre a razão pela qual nossos ótimos livros não vendiam o que esperávamos. Como sabem os cientistas sociais, o funcionamento das sociedades é sempre opaco.
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A Literatura Brasileira no Exterior

Aqui está a coluna publicada no Publish News de hoje.

Em 1994 fui um dos organizadores da participação do Brasil como “País Tema” da Feira de Livros de Frankfurt, assunto sobre o qual ainda voltarei a falar. Mas hoje quero compartilhar com os leitores algumas reflexões decorrentes da minha participação atual no projeto Conexões – mapeamento Internacional da Literatura Brasileira, do Itaú Cultural, do qual sou consultor.
A menção à Feira de Frankfurt não foi casual. O fato é que, depois dela, o número de traduções e o reconhecimento da literatura em português produzida no Brasil aumentou substancialmente. As estatísticas internacionais são tão ou mais precárias que as brasileiras, mas os dados do mercado editorial alemão mostram que os livros dos nossos autores eram os mais traduzidos entre os provenientes do chamado “Terceiro Mundo”, na Alemanha.
Esse enorme esforço não teve a continuidade merecida, em termos de políticas públicas de promoção da literatura. Os programas de apoio à tradução foram interrompidos várias vezes, e as ações se resumiram quase que à presença das editoras brasileiras nas feiras internacionais.
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