No dia treze de novembro passado, em Ouro Preto, fiz a mediação de uma mesa no Fórum das Letras, iniciativa de Universidade Federal de Ouro Preto que já está na sétima edição, e que é um dos mais interessantes festivais de literatura entre os que acontecem por aqui. A mesa foi sobre “Propostas para a Internacionalização da literatura Brasileira”, com a participação de Affonso Romano de Sant’Anna, ex-presidente da Fundação Biblioteca Nacional, dos agentes Nicole Witt e Jonah Strauss, da Alemanha e dos Estados Unidos, respectivamente, e do professor e tradutor Berthold Zilly, que já verteu pera o alemão Os Sertões de Euclides da Cunha e romances de Raduan Nassar.
Um dos pontos levantados na mesa foi a expectativa de editores estrangeiros de receber livros “exóticos”, quando se falava em literatura brasileira. Os agentes diziam que havia um trabalho adicional para mostrar a qualidade e os temas universais tratados por autores brasileiros.
Segundo o Index Translationum da UNESCO, entre os dez autores de língua portuguesa mais traduzidos, seis são brasileiros (os quatro portugueses são Saramago, Fernando Pessoa, António Lobo Antunes e Eça de Queiroz):
Paulo Coelho
Jorge Amado
Leonardo Boff
José Mauro de Vasconcelos
Clarice Lispector
Machado de Assis
Vejamos, por outro lado, a lista dos autores que tiveram livros solicitados para receber a bolsa de estímulo à tradução da Biblioteca Nacional, cujo primeiro resultado foi recentemente divulgado:
Poesia Completa – Carlos Drummond de Andrade
Gabriela, Cravo e Canela – Jorge Amado
A Guerra no Bom Fim (por duas editoras) e Os Deuses de Raquel – Moacyr Scliar
Sinfonia em Branco e Azul-Corvo – Adriana Lisboa
Sombra Severa – Raimundo Carrero
O Movimento Pendular – Alberto Mussa
O Opositor e Os Espiões – Luís Fernando Verissimo
Black Music – Arthur Dapieve
Elite da Tropa 2 – Luiz Eduardo Soares, Claudio Ferraz, André Batista e Rodrigo Pimentel
Cidade Livre – João Almino
Leite Derramado – Chico Buarque
O Cemitério dos Vivos – Lima Barreto
Mastigando Humanos – Santiago Nazarian
O Livreiro do Alemão – Otávio Júnior
Método Prático de Guerrilha – Marcelo Ferroni
A Batalha do Apocalipse – Eduardo Spohr
Ravenalas (Poemas 2004-2008) – Horácio Costa
Eles e Elas – Julia Lopes de Almeida
Perto do Coração Selvagem e Laços de Família – Clarice Lispector
Litro Magazine Brazil Issue 2012 – Vários autores
Mensagem Para Você – Ana Maria Machado
Várias Histórias – Machado de Assis
Se eu fechar meus olhos agora – Edney Silvestre
Ou seja, vinte e dois autores e uma antologia. Dos quais, apenas dois estão na lista dos mais traduzidos: Machado e Clarice Lispector.
Se examinarmos esses títulos a partir da rubrica “exotismo” começamos a nos complicar. Jorge Amado já foi acusado (o verbo é proposital) de exótico. Hoje sua posição na literatura brasileira está mais próxima da de um “clássico”, ainda que, para um olhar estrangeiro, seus personagens tenham um sabor único. Mas, sabor por sabor, e exotismo, recentemente Benjamin Moser, o biógrafo e coordenador das traduções ao inglês de Clarice Lispector chamava atenção para o caráter exótico das construções da nossa estimada escritora… A “batalha do Apocalipse”, do Eduardo Spohr? Eu poderia até dizer que é um romance exótico, mas o exotismo ali está longe de ser “brasileiro”. “O livreiro do Alemão” e “Elite da Tropa 2” são “exóticos”? Tanto quanto o “Livreiro de Cabul” ou qualquer relato sobre violência policial, seja nos Estados Unidos ou na Uganda. O “exótico”, definitivamente, é um conceito difícil de trabalhar.
Se voltarmos aos autores da lista da UNESCO, a coisa também não é fácil. Paulo Coelho é tão exótico que nem brasileiro é considerado pela maioria dos seus leitores. Afinal, peregrinos, mensageiros das luz e similares pertencem mais à esfera do extraordinário do que do “exótico”. Já falei do Jorge Amado e da Clarice Lispector. O que dizer do frade? Francamente, não sei em que escaninho de exotismo coloca-lo. José Mauro Vasconcelos? A crítica o execrou, na época, não por exótico, mas por água-com-açúcar, sentimentalismo. Continua sem reconhecimento crítico, mas para muitos leitores no exterior ele mostra “uma comovente visão da realidade brasileira” (Ouvi isso há um mês, na Galiza… e da boca de uma autora experimental!). Sobra o Machado de Assis. Definitivamente, um exótico. Só um dessa espécie produziria a literatura que ele escreveu no Brasil do Século XIX.
Ou seja, basta nos aproximarmos com mais cuidado do assunto e verificamos uma percepção bem mais complexa e diversa da literatura brasileira.
Mas existe outra abordagem possível. Considerar que a lista da UNESCO reflete, de alguma maneira, uma consagração internacional. Ou seja, mais traduzidos, mais consagrado.
Examinemos o Index da UNESCO para ver o que acontece com outros idiomas.
Os dez autores mais traduzidos do inglês: Agatha Christie, Shakespeare, Enid Blyton (vocês já ouviram falar? Eu, não), Barbara Cartland, Danielle Steel, Stephen King, Mark Twain, Conan Doyle, Nora Roberts e Jack London.
Os dez autores mais traduzidos do francês: Jules Verne, Alexandre Dumas, Geoges Simenon, René Goscinny, Balzac, Charles Perrault, Saint-Exupéry, Albert Camus, Hergé e Victor Hugo>.
Do espanhol: Gabriel Garcia Márquez, Isabel Allende, Mário Vargas Llosa, Cervantes, Jorge Luis Borges, José Maria Parramón Vilasaló (é autor de manuais de desenho artístico!), Federico Garcia Lorca, Pablo Neruda, Júlio Cortázar, Manuel Vasquez Montalbán.
O resultado é mesmo uma salada. Provavelmente indigesta para muita gente. E que reflete determinados momentos do gosto da população.
Diante dessa salada, dessa geleia geral, o que pode orientar um gestor de políticas públicas, seja para a aquisição de acervos para bibliotecas públicas, seja para conceder bolsas de auxílio para a tradução?
É uma pergunta que aparece sempre. Há os que defendem, por exemplo, um “critério de qualidade” para seja lá o que se faça – aquisição de livros ou outorga de bolsas para a tradução. Critério, é claro, que corresponda ao seu. Quem defende “qualidade” está sempre defendendo o seu conceito de qualidade, assim como seu conceito de exotismo. E existe até mesmo quem diga que, no caso de bolsas para a tradução, que se adote o critério exatamente inverso ao da popularidade. Por exemplo, não dar bolsas para a tradução do Jorge Amado, ou para o Carlos Drummond de Andrade. O primeiro tá na cara: além de exótico, é popular. O segundo? No lo sé. Só quem pode dizer é quem defende essa proposta.
O fio da navalha sobre o qual caminha o gestor de políticas públicas é afiado. Manter a postura de que é democrático garantir que sejam atendidas as demandas do público pagante de impostos e ao mesmo tempo desenvolver ações proativas de inclusão é difícil. Caminhar na linha entre os que defendem interesses específicos e a atenção às demandas que surgem traz o risco de levar pancada de quem quer que se ache dono de verdades. De qualquer verdade. Verdades pessoais, mas que sempre são apresentadas como universais.