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Amazon: ataques e defesas; mitos e realidade

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Semana passada a polêmica acerca do comportamento da Amazon em relação à disputa com a Hachette (prólogo para as próximas negociações com as grandes editoras) teve novas movimentações. Na Europa, dois lances colocaram a varejista em cheque e nos EUA, provocou novas manifestações, desta vez da própria Amazon e de autores.

Tentemos examinar um pouco esses desdobramentos, e também desmistificar alguns discursos.

Na Europa, a Amazon sofreu dois reveses importantes. O primeiro foi a aprovação final da extensão da “Lei do Preço Fixo – Lei Lang” ao comércio eletrônico, inclusive de e-books. Como sabemos, a legislação francesa já há décadas protege as livrarias independentes, estabelecendo um limite de descontos nos meses iniciais após o lançamento de um livro, a 5% sobre o preço de capa.

A legislação aprovada estendeu esse limite de descontos ao comércio eletrônico em geral, incluindo os e-books. Dito seja, o limite de 5% inclui também o custo do frete. Ou seja, o total do custo do chamado “frete grátis” – uma das grandes armas da Amazon – deve ser computado. Evidentemente a legislação não afeta tão somente a Amazon, como os demais varejistas do comércio eletrônico.

A segunda medida foi a demanda formal de explicações, por parte da Comissão Europeia junto ao governo de Luxemburgo, do nível de impostos pagos pela Amazon, que tem ali sua “sede” europeia oficial. A Amazon tem armazéns espalhados por vários países – e se aproveita inclusive de incentivos específicos para instalar esses armazéns de distribuição, como o que a Escócia concedeu. Mas paga o IVA segundo a altamente complacente legislação luxemburguesa, por volta de 2%, com o pretexto de que as vendas são feitas, faturadas e computadas pela filial luxemburguesa. Esse é um dos pontos contenciosos mais fortes das livrarias de outros países onde o livro não tem isenção, em particular no Reino Unido. A Comissão Europeia pode impor restrições a essa operação, tornando homogênea a tributação “amazonian”, que não vai gostar nada disso.

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Brasil em Bogotá – A primeira experiência das novas políticas da Biblioteca Nacional

A 25ª. Feira do livro de Bogotá – FILBO – inaugura hoje com o Brasil como “País Invitado de Honor”. É a primeira dessas homenagens articuladas por Galeno Amorim desde que assumiu a presidência da Fundação Biblioteca Nacional. A sequência de feiras que homenageiam o Brasil terá seu ápice na Feira do Livro de Frankfurt, em 2013, quando o país será, pela segunda vez, o país tema. Aliás, também em Bogotá é a segunda vez. A primeira foi em 1995, o ano seguinte ao da presença do Brasil em Frankfurt, e naquele ano algumas das exposições levadas para a Alemanha foram remontadas na Colômbia.

Essas participações fazem partes das iniciativas da FBN de apoiar uma maior presença da literatura brasileira na indústria editorial internacional, juntamente com as bolsas de tradução e o aumento do número e do tamanho dos estandes brasileiros em outras feiras internacionais.

Funcionará?

Vejamos alguns condicionantes disso.

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Quem representa quem no mundo editorial?

Uma evidente constatação do meio editorial brasileiro é a da multiplicidade de instituições “representativas” do mundo editorial e livreiro. Temos a CBL – Câmara Brasileira do livro, que reúne editores, distribuidores, livreiros; o SNEL – Sindicato Nacional de Editores de Livros, a entidade sindical oficial da estrutura corporativista do Estado brasileiro; a ABRELIVROS – Associação Brasileira de Editores de Livros Escolares, nascidas de uma dissidência da CBL quando os editores de didáticos não se sentiram convenientemente representados; a LIBRE – Liga Brasileira de Editoras, que pretende representar as editoras independentes e de menor porte; a ABDL – Associação Brasileira de Difusão do Livro, que reúne editores e distribuidores de livros de coleções, os vendidos de “porta-a-porta”; a ANL – Associação Nacional de Livrarias, que reivindica a representação dos livreiros. Além desses, uma miríade de câmaras, associações e entidades de âmbito estadual, entre as quais se destacam a Câmara Riograndense do Livro, que organiza a feira de livros mais antiga do país, a de Porto Alegre; a Câmara Mineira do Livro; o Sindicato dos Livreiros do Ceará, e vou parando por aqui porque a coisa vai se multiplicando numa sopa de letrinhas.
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Preço fixo, agenciamento e direitos autorais. E as livrarias no meio

Recentemente foi publicada a notícia de que a Comissão Europeia estaria iniciando um procedimento investigativo para verificar se o modelo de “agenciamento” na venda de e-books estaria ou não infringindo a legislação comunitária que protege a livre concorrência. A investigação da CE abrangeria inclusive a possibilidade de um “conluio” entre a Apple a as grandes editoras americanas (algumas das quais, hoje, pertencem a conglomerados europeus) para controlar o preço dos livros. Em resumo, a acusação era de cartelização.

Já tratei algumas vezes de certos aspectos da comercialização de livros físicos, notando como os descontos cada vez maiores (além de vantagens adicionais) exigidos pelas grandes cadeias tende a puxar o preço dos livros para cima, disfarçando esse fenômeno com os descontos oferecidos no varejo – pelas grandes cadeias – e efetivamente jogando para fora da competição as livrarias independentes, incapazes de competir nesse jogo, particularmente no caso dos livros que entram na lista dos best-sellers (ou que já são “desenhados” para a lista).
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Publicar clássicos, exóticos e modernos no exterior

No dia treze de novembro passado, em Ouro Preto, fiz a mediação de uma mesa no Fórum das Letras, iniciativa de Universidade Federal de Ouro Preto que já está na sétima edição, e que é um dos mais interessantes festivais de literatura entre os que acontecem por aqui. A mesa foi sobre “Propostas para a Internacionalização da literatura Brasileira”, com a participação de Affonso Romano de Sant’Anna, ex-presidente da Fundação Biblioteca Nacional, dos agentes Nicole Witt e Jonah Strauss, da Alemanha e dos Estados Unidos, respectivamente, e do professor e tradutor Berthold Zilly, que já verteu pera o alemão Os Sertões de Euclides da Cunha e romances de Raduan Nassar.

Um dos pontos levantados na mesa foi a expectativa de editores estrangeiros de receber livros “exóticos”, quando se falava em literatura brasileira. Os agentes diziam que havia um trabalho adicional para mostrar a qualidade e os temas universais tratados por autores brasileiros.

Segundo o Index Translationum da UNESCO, entre os dez autores de língua portuguesa mais traduzidos, seis são brasileiros (os quatro portugueses são Saramago, Fernando Pessoa, António Lobo Antunes e Eça de Queiroz):

Paulo Coelho
Jorge Amado
Leonardo Boff
José Mauro de Vasconcelos
Clarice Lispector
Machado de Assis

Vejamos, por outro lado, a lista dos autores que tiveram livros solicitados para receber a bolsa de estímulo à tradução da Biblioteca Nacional, cujo primeiro resultado foi recentemente divulgado:

Poesia CompletaCarlos Drummond de Andrade
Gabriela, Cravo e CanelaJorge Amado
A Guerra no Bom Fim (por duas editoras) e Os Deuses de RaquelMoacyr Scliar
Sinfonia em Branco e Azul-CorvoAdriana Lisboa
Sombra SeveraRaimundo Carrero
O Movimento PendularAlberto Mussa
O Opositor e Os EspiõesLuís Fernando Verissimo
Black MusicArthur Dapieve
Elite da Tropa 2 Luiz Eduardo Soares, Claudio Ferraz, André Batista e Rodrigo Pimentel
Cidade LivreJoão Almino
Leite DerramadoChico Buarque
O Cemitério dos VivosLima Barreto
Mastigando HumanosSantiago Nazarian
O Livreiro do AlemãoOtávio Júnior
Método Prático de GuerrilhaMarcelo Ferroni
A Batalha do ApocalipseEduardo Spohr
Ravenalas (Poemas 2004-2008)Horácio Costa
Eles e ElasJulia Lopes de Almeida
Perto do Coração Selvagem e Laços de FamíliaClarice Lispector
Litro Magazine Brazil Issue 2012 – Vários autores
Mensagem Para VocêAna Maria Machado
Várias HistóriasMachado de Assis
Se eu fechar meus olhos agoraEdney Silvestre

Ou seja, vinte e dois autores e uma antologia. Dos quais, apenas dois estão na lista dos mais traduzidos: Machado e Clarice Lispector.

Se examinarmos esses títulos a partir da rubrica “exotismo” começamos a nos complicar. Jorge Amado já foi acusado (o verbo é proposital) de exótico. Hoje sua posição na literatura brasileira está mais próxima da de um “clássico”, ainda que, para um olhar estrangeiro, seus personagens tenham um sabor único. Mas, sabor por sabor, e exotismo, recentemente Benjamin Moser, o biógrafo e coordenador das traduções ao inglês de Clarice Lispector chamava atenção para o caráter exótico das construções da nossa estimada escritora… A “batalha do Apocalipse”, do Eduardo Spohr? Eu poderia até dizer que é um romance exótico, mas o exotismo ali está longe de ser “brasileiro”. “O livreiro do Alemão” e “Elite da Tropa 2” são “exóticos”? Tanto quanto o “Livreiro de Cabul” ou qualquer relato sobre violência policial, seja nos Estados Unidos ou na Uganda. O “exótico”, definitivamente, é um conceito difícil de trabalhar.

Se voltarmos aos autores da lista da UNESCO, a coisa também não é fácil. Paulo Coelho é tão exótico que nem brasileiro é considerado pela maioria dos seus leitores. Afinal, peregrinos, mensageiros das luz e similares pertencem mais à esfera do extraordinário do que do “exótico”. Já falei do Jorge Amado e da Clarice Lispector. O que dizer do frade? Francamente, não sei em que escaninho de exotismo coloca-lo. José Mauro Vasconcelos? A crítica o execrou, na época, não por exótico, mas por água-com-açúcar, sentimentalismo. Continua sem reconhecimento crítico, mas para muitos leitores no exterior ele mostra “uma comovente visão da realidade brasileira” (Ouvi isso há um mês, na Galiza… e da boca de uma autora experimental!). Sobra o Machado de Assis. Definitivamente, um exótico. Só um dessa espécie produziria a literatura que ele escreveu no Brasil do Século XIX.

Ou seja, basta nos aproximarmos com mais cuidado do assunto e verificamos uma percepção bem mais complexa e diversa da literatura brasileira.

Mas existe outra abordagem possível. Considerar que a lista da UNESCO reflete, de alguma maneira, uma consagração internacional. Ou seja, mais traduzidos, mais consagrado.

Examinemos o Index da UNESCO para ver o que acontece com outros idiomas.

Os dez autores mais traduzidos do inglês: Agatha Christie, Shakespeare, Enid Blyton (vocês já ouviram falar? Eu, não), Barbara Cartland, Danielle Steel, Stephen King, Mark Twain, Conan Doyle, Nora Roberts e Jack London.

Os dez autores mais traduzidos do francês: Jules Verne, Alexandre Dumas, Geoges Simenon, René Goscinny, Balzac, Charles Perrault, Saint-Exupéry, Albert Camus, Hergé e Victor Hugo>.

Do espanhol: Gabriel Garcia Márquez, Isabel Allende, Mário Vargas Llosa, Cervantes, Jorge Luis Borges, José Maria Parramón Vilasaló (é autor de manuais de desenho artístico!), Federico Garcia Lorca, Pablo Neruda, Júlio Cortázar, Manuel Vasquez Montalbán.

O resultado é mesmo uma salada. Provavelmente indigesta para muita gente. E que reflete determinados momentos do gosto da população.

Diante dessa salada, dessa geleia geral, o que pode orientar um gestor de políticas públicas, seja para a aquisição de acervos para bibliotecas públicas, seja para conceder bolsas de auxílio para a tradução?

É uma pergunta que aparece sempre. Há os que defendem, por exemplo, um “critério de qualidade” para seja lá o que se faça – aquisição de livros ou outorga de bolsas para a tradução. Critério, é claro, que corresponda ao seu. Quem defende “qualidade” está sempre defendendo o seu conceito de qualidade, assim como seu conceito de exotismo. E existe até mesmo quem diga que, no caso de bolsas para a tradução, que se adote o critério exatamente inverso ao da popularidade. Por exemplo, não dar bolsas para a tradução do Jorge Amado, ou para o Carlos Drummond de Andrade. O primeiro tá na cara: além de exótico, é popular. O segundo? No lo sé. Só quem pode dizer é quem defende essa proposta.

O fio da navalha sobre o qual caminha o gestor de políticas públicas é afiado. Manter a postura de que é democrático garantir que sejam atendidas as demandas do público pagante de impostos e ao mesmo tempo desenvolver ações proativas de inclusão é difícil. Caminhar na linha entre os que defendem interesses específicos e a atenção às demandas que surgem traz o risco de levar pancada de quem quer que se ache dono de verdades. De qualquer verdade. Verdades pessoais, mas que sempre são apresentadas como universais.

O Brasil em Frankfurt em 1994 – 4 – Autores antes da Feira

Como Burle Marx não é autor, teve quem reclamasse dessa exposição...

Uma das preocupações da organização da presença do Brasil em Frankfurt em 1994 era a de ampliar da melhor maneira possível o esforço que culminaria em outubro, a data da Feira. A Feira do Livro de Frankfurt é um evento profissional e de caráter internacional. As pessoas sabem disso, falam disso, mas tirar todas as consequências do significado desse fato não é tão simples.

Os cinco dias de funcionamento da feira são uma máquina de moer. Os encontros acontecem a cada quinze minutos ou meia-hora, e são marcados com meses de antecedência, e às vezes é preciso andar muito, mas muito mesmo, de um encontro para o outro. O tamanho dos pavilhões e a distância entre eles torna extremamente exaustiva a atividade dos profissionais que a frequentam.

Por outro lado, o burburinho em torno do país convidado começa bem antes, realmente. Mas só se alcançam efeitos práticos do ponto de vista profissional – isto é, de venda de direitos autorais para a tradução – se o trabalho começa a ser feito bem antes, para que editores e agentes se interessem pelos autores.

Por essa razão é que o programa de apoio à tradução tem tanta importância. Um idioma como o português, insular, competindo com o espanhol e o francês (dentre outros), tem que facilitar o acesso dos editores e agentes internacionais ao conteúdo disponível.
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