“Preço médio” dos livros: uma ficção aritmética

Além das divergências das duas “versões” de dados de 2009, os últimos relatórios da pesquisa “Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro”, encomendada pela CBL e pelo SNEL e executada pela FIPE, apresentam uma novidade: tabelas de “preços médios” dos livros no Brasil.

A aparência é sofisticada: as tabelas estão divididas entre vários tipos de “preço médio”: por subsetor editorial (no “preço médio” de mercado) e pelos diferentes programas governamentais, nas vendas para o governo.

Em 2005, quando da desoneração do setor editorial, quando o Presidente Lula assinou lei isentando as editoras do pagamento do PIS/PASEP-COFINS, as entidades do setor haviam assumido um compromisso: em troca da isenção, que significava um alívio de mais de 4% sobre o faturamento das empresas, assumiam o compromisso de contribuir para um fundo de promoção do livro e da leitura, no valor de 1% do faturamento.
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Os números torturados do Relatório de Produção Editorial de 2010

Alguns dias atrás um amigo, sócio da CBL, enviou um e-mail pedindo que eu lhe mandasse o relatório da Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro de 2010. Respondi-lhe que não tinha. Não sou sócio da CBL e são os sócios que recebem regularmente o material, assim como os do SNEL. Eu, como pesquisador do setor, consigo cópias precisamente através de amigos editores.

Mas eu havia solicitado uma cópia para a administração da CBL, há coisa de dois meses. Na ocasião, a administração me respondeu que “ainda não havia recebido o relatório integral da pesquisa enviado pela FIPE”, e que logo que recebesse me enviaria. O tempo passou e me apareceu esse pedido do meu amigo. Entro no site da CBL e lá só aparece o relatório da pesquisa de 2009.

Um padrão comum nos relatórios desse tipo é colocar os dados do ano anterior junto com os dados do ano. Facilita uma pesquisa rápida da evolução dos números do mercado.

Por força de hábito, abro minha cópia do relatório anterior, relativo a 2009 que, esse sim, eu já tinha. Aí teria pelo menos mais um ano para examinar os números e tecer meus eventuais comentários.

Minha surpresa: OS DADOS DE 2009 APRESENTADOS NO RELATÓRIO DE 2010 ERAM DIFERENTES DOS QUE HAVIAM SIDO APRESENTADOS NO RELATÓRIO ANTERIOR, DE 2009.
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Os computadores podem ajudar você a achar o livro que deseja ler?

A proliferação de títulos é um dos fenômenos mais marcantes do mundo editorial. Já comentei, em diversas ocasiões, o livro Livros Demais, do Gabriel Zaid, filósofo mexicano. Zaid defende que o “encontro feliz” entre o livro e seus leitores é o grande problema, e que esse encontro é extremamente difícil. O leitor “acha” o livro quase que por acaso, ao frequentar livrarias, ler jornais, conversar com outros leitores, etc.

Em um momento em que milhões e milhões de títulos são publicados no mundo inteiro, todos os anos, a ansiedade em promover esse “encontro feliz” tem motivado algumas iniciativas destinadas a resolver isso. Ajudar o leitor a encontrar o livro que – ainda não lido – se enquadre nas suas expectativas.
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A MEMÓRIA QUE SE PERDE

Há alguns dias o jornal El País publicou uma série de reportagens sobre Carmen Balcells, a mega agente literária. O pretexto era a entrega do arquivo da agente literária para o Archivo General de la Administración (AGA) de Alcalá de Henares, órgão do Ministério da Cultura da Espanha. O atual governo socialista pretendia que o destino final desse acervo fosse um centro nacional de memória da criação literária, edição e industrial editorial, com base nesse fundo. Com o PP no poder, provavelmente o fundo ficará mesmo no Archivo Nacional.

São mais de 2.000 caixas (2,5 quilômetros de documentos alinhados), com a correspondência da agente com autores e editores, cópias de contratos e prestações de conta. Enfim, o “subterrâneo” da vida literária espanhola dos últimos cinquenta anos.
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Publicar clássicos, exóticos e modernos no exterior

No dia treze de novembro passado, em Ouro Preto, fiz a mediação de uma mesa no Fórum das Letras, iniciativa de Universidade Federal de Ouro Preto que já está na sétima edição, e que é um dos mais interessantes festivais de literatura entre os que acontecem por aqui. A mesa foi sobre “Propostas para a Internacionalização da literatura Brasileira”, com a participação de Affonso Romano de Sant’Anna, ex-presidente da Fundação Biblioteca Nacional, dos agentes Nicole Witt e Jonah Strauss, da Alemanha e dos Estados Unidos, respectivamente, e do professor e tradutor Berthold Zilly, que já verteu pera o alemão Os Sertões de Euclides da Cunha e romances de Raduan Nassar.

Um dos pontos levantados na mesa foi a expectativa de editores estrangeiros de receber livros “exóticos”, quando se falava em literatura brasileira. Os agentes diziam que havia um trabalho adicional para mostrar a qualidade e os temas universais tratados por autores brasileiros.

Segundo o Index Translationum da UNESCO, entre os dez autores de língua portuguesa mais traduzidos, seis são brasileiros (os quatro portugueses são Saramago, Fernando Pessoa, António Lobo Antunes e Eça de Queiroz):

Paulo Coelho
Jorge Amado
Leonardo Boff
José Mauro de Vasconcelos
Clarice Lispector
Machado de Assis

Vejamos, por outro lado, a lista dos autores que tiveram livros solicitados para receber a bolsa de estímulo à tradução da Biblioteca Nacional, cujo primeiro resultado foi recentemente divulgado:

Poesia CompletaCarlos Drummond de Andrade
Gabriela, Cravo e CanelaJorge Amado
A Guerra no Bom Fim (por duas editoras) e Os Deuses de RaquelMoacyr Scliar
Sinfonia em Branco e Azul-CorvoAdriana Lisboa
Sombra SeveraRaimundo Carrero
O Movimento PendularAlberto Mussa
O Opositor e Os EspiõesLuís Fernando Verissimo
Black MusicArthur Dapieve
Elite da Tropa 2 Luiz Eduardo Soares, Claudio Ferraz, André Batista e Rodrigo Pimentel
Cidade LivreJoão Almino
Leite DerramadoChico Buarque
O Cemitério dos VivosLima Barreto
Mastigando HumanosSantiago Nazarian
O Livreiro do AlemãoOtávio Júnior
Método Prático de GuerrilhaMarcelo Ferroni
A Batalha do ApocalipseEduardo Spohr
Ravenalas (Poemas 2004-2008)Horácio Costa
Eles e ElasJulia Lopes de Almeida
Perto do Coração Selvagem e Laços de FamíliaClarice Lispector
Litro Magazine Brazil Issue 2012 – Vários autores
Mensagem Para VocêAna Maria Machado
Várias HistóriasMachado de Assis
Se eu fechar meus olhos agoraEdney Silvestre

Ou seja, vinte e dois autores e uma antologia. Dos quais, apenas dois estão na lista dos mais traduzidos: Machado e Clarice Lispector.

Se examinarmos esses títulos a partir da rubrica “exotismo” começamos a nos complicar. Jorge Amado já foi acusado (o verbo é proposital) de exótico. Hoje sua posição na literatura brasileira está mais próxima da de um “clássico”, ainda que, para um olhar estrangeiro, seus personagens tenham um sabor único. Mas, sabor por sabor, e exotismo, recentemente Benjamin Moser, o biógrafo e coordenador das traduções ao inglês de Clarice Lispector chamava atenção para o caráter exótico das construções da nossa estimada escritora… A “batalha do Apocalipse”, do Eduardo Spohr? Eu poderia até dizer que é um romance exótico, mas o exotismo ali está longe de ser “brasileiro”. “O livreiro do Alemão” e “Elite da Tropa 2” são “exóticos”? Tanto quanto o “Livreiro de Cabul” ou qualquer relato sobre violência policial, seja nos Estados Unidos ou na Uganda. O “exótico”, definitivamente, é um conceito difícil de trabalhar.

Se voltarmos aos autores da lista da UNESCO, a coisa também não é fácil. Paulo Coelho é tão exótico que nem brasileiro é considerado pela maioria dos seus leitores. Afinal, peregrinos, mensageiros das luz e similares pertencem mais à esfera do extraordinário do que do “exótico”. Já falei do Jorge Amado e da Clarice Lispector. O que dizer do frade? Francamente, não sei em que escaninho de exotismo coloca-lo. José Mauro Vasconcelos? A crítica o execrou, na época, não por exótico, mas por água-com-açúcar, sentimentalismo. Continua sem reconhecimento crítico, mas para muitos leitores no exterior ele mostra “uma comovente visão da realidade brasileira” (Ouvi isso há um mês, na Galiza… e da boca de uma autora experimental!). Sobra o Machado de Assis. Definitivamente, um exótico. Só um dessa espécie produziria a literatura que ele escreveu no Brasil do Século XIX.

Ou seja, basta nos aproximarmos com mais cuidado do assunto e verificamos uma percepção bem mais complexa e diversa da literatura brasileira.

Mas existe outra abordagem possível. Considerar que a lista da UNESCO reflete, de alguma maneira, uma consagração internacional. Ou seja, mais traduzidos, mais consagrado.

Examinemos o Index da UNESCO para ver o que acontece com outros idiomas.

Os dez autores mais traduzidos do inglês: Agatha Christie, Shakespeare, Enid Blyton (vocês já ouviram falar? Eu, não), Barbara Cartland, Danielle Steel, Stephen King, Mark Twain, Conan Doyle, Nora Roberts e Jack London.

Os dez autores mais traduzidos do francês: Jules Verne, Alexandre Dumas, Geoges Simenon, René Goscinny, Balzac, Charles Perrault, Saint-Exupéry, Albert Camus, Hergé e Victor Hugo>.

Do espanhol: Gabriel Garcia Márquez, Isabel Allende, Mário Vargas Llosa, Cervantes, Jorge Luis Borges, José Maria Parramón Vilasaló (é autor de manuais de desenho artístico!), Federico Garcia Lorca, Pablo Neruda, Júlio Cortázar, Manuel Vasquez Montalbán.

O resultado é mesmo uma salada. Provavelmente indigesta para muita gente. E que reflete determinados momentos do gosto da população.

Diante dessa salada, dessa geleia geral, o que pode orientar um gestor de políticas públicas, seja para a aquisição de acervos para bibliotecas públicas, seja para conceder bolsas de auxílio para a tradução?

É uma pergunta que aparece sempre. Há os que defendem, por exemplo, um “critério de qualidade” para seja lá o que se faça – aquisição de livros ou outorga de bolsas para a tradução. Critério, é claro, que corresponda ao seu. Quem defende “qualidade” está sempre defendendo o seu conceito de qualidade, assim como seu conceito de exotismo. E existe até mesmo quem diga que, no caso de bolsas para a tradução, que se adote o critério exatamente inverso ao da popularidade. Por exemplo, não dar bolsas para a tradução do Jorge Amado, ou para o Carlos Drummond de Andrade. O primeiro tá na cara: além de exótico, é popular. O segundo? No lo sé. Só quem pode dizer é quem defende essa proposta.

O fio da navalha sobre o qual caminha o gestor de políticas públicas é afiado. Manter a postura de que é democrático garantir que sejam atendidas as demandas do público pagante de impostos e ao mesmo tempo desenvolver ações proativas de inclusão é difícil. Caminhar na linha entre os que defendem interesses específicos e a atenção às demandas que surgem traz o risco de levar pancada de quem quer que se ache dono de verdades. De qualquer verdade. Verdades pessoais, mas que sempre são apresentadas como universais.

Como o jornalista Jotabê Medeiros não colocou corretamente o link para seu blog no comentário ao meu post de ontem sobre sua matéria a propósito do programa de tradução da BN, transcrevo sua lição de jornalismo aqui, poupando aos meus poucos leitores o trabalho de descobrir onde ele faz suas publicações “do B”. No final, meus comentários.

De tempos em tempos, me acostumei a ver um personagem sair das sombras para pedir “controle de qualidade” na minha atuação como repórter.
Geralmente, é o próprio protagonista da reportagem que pede intervenção no ato jornalístico.
Tempos atrás, devido a uma reportagem sobre uma espécie de “salário-aposentadoria” que inventavam somente para ele, um ex-chefão de uma conhecida rede de TV pública pediu minha interdição ao jornal para o qual trabalho. Não conseguindo, mandou colocar meu nome numa lista negra (sei disso porque os produtores dos programas me contaram).

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O MIASMA DO DENUNCISMO E A DIFUSÃO DA LITERATURA BRASILEIRA

Em 1992, publicamos, na falecida Marco Zero, o livro A Culpa é da Imprensa? Ensaio sobre a Fabricação da Informação, de Yves Mamou, jornalista francês, editor de economia do Le Monde. O livro tratava de análise de notícias, sua difusão, ações de assessoria de imprensa e controle de danos de imagem de empresas e manipulação da informação.

O noticiário recente sobre o programa de bolsas de tradução da Fundação Biblioteca Nacional me fez lembrar desse livro, especialmente de um caso ali relatado. Uma matéria publicada n’O Estado de S. Paulo, assinada por Jotabê Medeiros, insinuava que a concessão de bolsa de tradução para a publicação de O Leite Derramado, do Chico Buarque, para a Gallimard, prestigiosa editora francesa, era consequência de nepotismo. O tradutor do romance do cantor, compositor e romancista teria ganho a bolsa pelo fato dele ser irmão da Ministra da Cultura, Ana de Hollanda.
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Memória, História e Narrativa a partir do ponto de vista de uma ficcionista

O texto é da Maria José Silveira e foi sua participação no Fórum das Letras de Ouro Preto.

A Maria José não gosta de improvisar quando participa de mesas-redondas. A vantagem é produzir textos reflexivos e importantes sobre sua vida de escritora.

Então, lá vai:

O tema que nos coube hoje é grandioso, já que vamos tratar – nada mais nada menos – da tríade fundamental para a literatura. Uma tríade tão entrelaçada que é quase impossível dizer qual das partes é , digamos, seu fundamento. Qual o ovo, qual a galinha.

Mesmo assim, aqui, como uma proposta para começar nossa conversa, terei a ousadia de dizer que o fundamento do trio, a base desse triângulo equilátero, é a narrativa, pois sem a narrativa não teríamos memória e não conheceríamos a história. Tenho bons acompanhantes nessa escolha, inclusive aquele famoso comecinho que diz “No princípio era o verbo”, pois o que é a narrativa senão o verbo? E também Roland Barthes, estudioso do tema, quando afirma que “a narrativa está presente em todos os tempos, em todos os lugares, em todas as sociedades, começa com a própria história da humanidade.”
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Concorrência, Internet e a falência da Border’s

A edição eletrônica do Publisher’s Weekly, a revista da indústria editorial americana, publicou hoje uma matéria com Mike Edwards, que era o principal executivo da cadeia de livrarias Border’s quando de sua falência, há alguns meses. Edwards fez uma palestra na Conferência Anual do Varejo da Associação do Crescimento Corporativo, em New York.

A matéria relata diferentes aspectos do desenvolvimento dos problemas da Border’s, dos quais destacamos aqui alguns:

1 – A companhia começou a “crescer por crescer”, no final dos anos 90, segundo Edwards, com um esforço de expansão internacional que drenou os recursos e “distraiu” seus executivos do foco no seu principal mercado, o dos EUA. Recompra de ações em 2005 aumentou essa drenagem, deixando a companhia com problemas de cash-flow que foram piorando progressivamente;
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Fórum das Letras de Ouro Preto – um encontro literário para a cidade

O Fórum das Letras, da Universidade Federal de Ouro Preto, é um encontro literário com algumas características que me parecem particularmente interessantes. A principal delas é o fato de ser pensado e planejado para a participação e desfrute da cidade e de seus moradores, e não para um público externo que chega de fora para participar do evento. Isso lhe dá uma dinâmica ao mesmo tempo mais tranquila e, de certa maneira, mais intensa. Não existe o clima de estrelismo que prevalece em outros eventos do tipo, e a plateia, muitos estudantes e moradores da cidade, tem uma participação atenta.

O prefeito de Ouro Preto, Angelo Oswaldo, é um personagem singular. Intelectual bem preparado, conhece a história da cidade e está ligado aos problemas relacionados com meio ambiente, preservação do patrimônio histórico e cultural.
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Políticas públicas para o livro e o mercado editorial