Fórum das Letras de Ouro Preto – um encontro literário para a cidade

O Fórum das Letras, da Universidade Federal de Ouro Preto, é um encontro literário com algumas características que me parecem particularmente interessantes. A principal delas é o fato de ser pensado e planejado para a participação e desfrute da cidade e de seus moradores, e não para um público externo que chega de fora para participar do evento. Isso lhe dá uma dinâmica ao mesmo tempo mais tranquila e, de certa maneira, mais intensa. Não existe o clima de estrelismo que prevalece em outros eventos do tipo, e a plateia, muitos estudantes e moradores da cidade, tem uma participação atenta.

O prefeito de Ouro Preto, Angelo Oswaldo, é um personagem singular. Intelectual bem preparado, conhece a história da cidade e está ligado aos problemas relacionados com meio ambiente, preservação do patrimônio histórico e cultural.

Estive em Ouro Preto para, pela segunda vez, participar do Fórum. No dia 13 fiz a mediação de uma mesa sobre “Propostas para Internacionalização da Literatura Brasileira”, composta por Affonso Romano de Sant’Anna, Nicole Witt, Jonah Strauss e Bertold Zilly. Affonso era o Presidente da Biblioteca Nacional em 1994, quando o Brasil foi convidado pela primeira vez como país homenageado na Feira de Frankfurt; Nicole Witt é agente literária alemã, sucedendo Ray Güde Mertin à frente da agência depois da morte da fundadora; Jonah Strauss também é agente literário, baseado em Nova York; e Berthold Zilly, professor aposentado da Freie Universität de Berlim e tradutor.

Uma mesa da qual se pode, com justiça, dizer que estava bem conformada para seus objetivos, já que os participantes conheciam o problema e tinham experiências concretas a transmitir.

Affonso Romano de Sant’Anna, como presidente da FBN em 1994, procurou suprir as enormes deficiências do Ministério da Cultura e de seu ministro na ocasião, que pouco contribuiu para o êxito da empreitada. Em sua fala, enfatizou a importância de que haja um trabalho sistêmico e que a promoção da literatura brasileira no exterior não se resuma aos eventos e seja um trabalho permanente, continuado.

Nicole Witt e Jonah Strauss, os dois agentes literários, elogiaram o programa de tradução da Biblioteca Nacional, mas abordaram também as dificuldades para a venda de direitos de autores brasileiros. Esse processo passa por várias etapas: primeiro, o agente literário deve considerar as possibilidades do autor e do título e para que editora oferecê-los; a segunda etapa é a de fazer que haja leitores/avaliadores que leiam em português para dar pareceres à editora sobre os títulos ofertados. Finalmente, o editor ou Publisher tem que aceitar a ideia de publicar tal título. Um dos problemas é fazer que o editor/Publisher decida sobre um original que está escrito em português, língua dominada por pouquíssimos deles. Mesmo com o parecer favorável do leitor/avaliador, a venda nem sempre é fácil. Daí a importância de se ter dados não apenas sobre o desempenho do livro no Brasil, mas também de se ter uma tradução de qualidade de trechos do livro, para que esse personagem crucial possa ter uma ideia do tom e do conteúdo do livro.

A imagem da literatura brasileira no exterior é um fator complicador. Ainda persiste a ideia de uma literatura que apresenta os aspectos exóticos do país, e o trabalho de convencimento de que os autores brasileiros podem contribuir com uma literatura de qualidade, com valores universais que vão mais além desse exotismo não é tarefa fácil, nem se resolve com rapidez.

A recente projeção internacional do Brasil tem contribuído para a atenção dos editores estrangeiros, mas é evidente que as dificuldades a se superar são grandes.

Berthold Zilly, que traduziu Euclides da Cunha e Raduan Nassar – começa a pensar em outra tradução do Grande Sertão, de Guimarães Rosa (a tradução existente, de Curt Meyer-Clason, é da década de 60). Zilly reivindicou o estabelecimento de bolsas de aperfeiçoamento, pesquisa e viagens para os tradutores, de modo que possam se familiarizar com o ambiente intelectual e até mesmo com a paisagem dos livros a traduzir.

Um ponto em que todos os participantes da mesa concordaram é o da importância do Brasil ter instrumentos mais eficazes e permanentes da divulgação da nossa cultura e do português aqui falado, um instituto nos moldes do Instituto Camões e do Instituto Cervantes, e que poderia se chamar Instituto Machado de Assis.

Da minha parte, a satisfação decorre do fato de todos os participantes, de uma e outra maneira, abordarem temas que já venho tratando há algum tempo com relação a essa problemática da difusão da nossa literatura.

Há cerca de um mês publiquei vários posts sobre a participação do Brasil em Frankfurt em 1994, e já chamei atenção para o que considero um atraso na preparação de nossa presença na Feira de 2013. Particularmente considero que não termos desenvolvido esses excertos de traduções e fichas técnicas dos livros ofertados, em inglês, um dos pontos cruciais que devem ser rapidamente resolvidos para que se tenha um bom resultado nesse esforço de divulgação da literatura e da cultura brasileira no exterior.

Uma programação que envolve a cidade

O Fórum das Letras de Ouro Preto, em sua sétima edição, é uma iniciativa da professora Guiomar de Grammont, da Universidade Federal de Ouro Preto. O Fórum tem como local principal o Cine Vila Rica, antigo cinema restaurado no centro da cidade, logo abaixo do hotel projetado pelo Niemeyer – que particularmente considero uma das mais infelizes obras do arquiteto, completamente deslocada no contexto da cidade de Ouro Preto – e no largo do início da rua São José, onde está a casa em que morou o Tiradentes.

Além do Cine Vila Rica, o Fórum tem atividades em vários outros locais, incluindo a Casa da Ópera, uma joia arquitetônica do século XVII, o auditório da Faculdade de Minas, galerias e centros espalhados pela cidade, que abrigam programações para diferentes públicos.

Guiomar de Grammont está de mudança para Brasília, onde irá trabalhar na Diretoria do Livro, Leitura e Literatura da Fundação Biblioteca Nacional. Promete, entretanto, continuar ajudando na realização do Fórum, o que é esperado por todos os que participaram do evento, contagiados pela simpatia, bom humor e eficiência da Guiomar e de sua equipe, inclusive os estudantes monitores recrutados entre os alunos de vários cursos da UFOP.

2 comentários em “Fórum das Letras de Ouro Preto – um encontro literário para a cidade”

  1. Eu não sabia que esse fórum privilegiava os moradores da cidade. Isso é importantíssimo! E essa discussão sobre a imagem do país no exterior não se limita à literatura, né? Infelizmente há todo um estereótipo, assim como todos os países também têm. Não seria o caso de traduzir mais obras contemporâneas também, além das clássicas? Não sei se isso já ocorre mas de repente obras que ofereçam visões de mundo mais urbanas, cosmopolitas comuniquem melhor com a “aldeia global” em que vivemos hoje.

    1. Thaís,
      É importante traduzir a literatura contemporânea, sim. O programa da FBN não discrimina, facilita a tradução dos autores que sejam demandados pelas editoras do exterior. O importante é ter esse canal aberto.
      Um abraço e comente sempre.
      Felipe

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