A edição eletrônica do Publisher’s Weekly, a revista da indústria editorial americana, publicou hoje uma matéria com Mike Edwards, que era o principal executivo da cadeia de livrarias Border’s quando de sua falência, há alguns meses. Edwards fez uma palestra na Conferência Anual do Varejo da Associação do Crescimento Corporativo, em New York.
A matéria relata diferentes aspectos do desenvolvimento dos problemas da Border’s, dos quais destacamos aqui alguns:
1 – A companhia começou a “crescer por crescer”, no final dos anos 90, segundo Edwards, com um esforço de expansão internacional que drenou os recursos e “distraiu” seus executivos do foco no seu principal mercado, o dos EUA. Recompra de ações em 2005 aumentou essa drenagem, deixando a companhia com problemas de cash-flow que foram piorando progressivamente;
2 – Segundo Edwards, o equívoco estratégico fundamental da Border’s foi não levar a Internet a sério. A empresa simplesmente terceirizou sua operação de Internet. E entregou sua lista de clientes para a Amazon. Visto em retrospectiva, essa medida realmente se mostrou catastrófica: literalmente, entregou o ouro ao bandido.
3 – Ainda em relação à Internet, Edwards afirmou que a estrutura de custos das lojas físicas da Border’s implicava em “custos operacionais” de 22% (sobre o que, a matéria não explica), que “a Amazon não tinha”.
4 – A concorrência por descontos no preço de venda e facilidades de entrega foi outro fator de importância. Segundo Edwards, os clientes iam até uma loja física, folheavam os livros e consultavam o preço na Amazon. Mesmo quando ofereciam à Border’s a possibilidade de cobrir a oferta, a loja não tinha condições de fazê-lo, e perdia a venda. Além disso, com o aumento das vendas de e-books, surgia a necessidade de redimensionar (para menor) o espaço das lojas, o que era praticamente impossível. “Como encolher as lojas?”, se perguntava Edwards.
Edwards acredita na convivência de livros eletrônicos e livros em papel, mas que essa convivência exigirá uma profunda modificação nas estratégias e na mentalidade das lojas físicas.
No pano de fundo, digo eu, um ponto não mencionado por Edwards: a política de descontos desenfreada liquida não apenas com as livrarias independentes, mas ameaça também as grandes cadeias diante dos varejistas on-line. Não apenas no varejo de livros, já que os vendedores de eletrônicos começam a enfrentar o mesmo problema. E, nos EUA, onde uma cultura de “compra por catálogo” já estava solidificada desde o século XIX, o risco é que as lojas físicas se transformem apenas em alguns poucos e selecionados “show-rooms” nas grandes cidades. O resto vai online.
Evidentemente isso se apoia em uma cultura de compras e vendas que é bem peculiar dos EUA, e que não se transplanta com facilidade para outras sociedades, mas o preço, que mexe com o órgão mais sensível da anatomia humana, vai pesar cada vez mais.
Isolamento e “meio-ambiente” digital
Por outro lado, o blog Publishing Perspectives publicou, há alguns dias, matéria sobre o abandono do formato XMDF de livros eletrônicos e a descontinuidade do tablet/e-reader Galapagos, da Sharp, vendido no Japão.
O formato XMDF, proprietário da Sharp, oferecia muitas facilidades para a publicação com os caracteres japoneses, sem prejudicar a apresentação de textos no alfabeto ocidental. Segundo a matéria da Publishing Perspectives, dois fatores levaram a esse abandono: a) a Sharp superestimou a quantidade de títulos que as grandes editoras japonesas estavam dispostas a oferecer nesse formato, de modo a torna-lo atraente em quantidade de oferta; o mesmo valendo para o número de apps desenvolvidos para funcionar exclusivamente no aparelho; b) como leitor dedicado (destinado fundamentalmente à leitura de livros eletrônicos), as funções de tablet do Galapagos eram limitadas, fazendo que os consumidores continuassem a preferir o iPad, onde as editoras japonesas publicavam títulos no formato EPUB, já em plena evolução para EPUB3, que permite a apresentação de caracteres japoneses com toda fluidez.
O que leva a outras questões.
O leitor de livros eletrônicos da Amazon, o Kindle, ganha disparado na categoria de leitores dedicados, por duas razões: a) a leitura de textos corridos em páginas de tinta eletrônica (e-ink), é muito confortável; b) no que diz respeito à oferta, a Amazon bate os concorrentes, embora sua oferta seja basicamente de livros em inglês e a empresa encontre dificuldades para acrescentar livros em outros idiomas em seu catálogo.
O aplicativo do Kindle está disponível também para os tablets e smartphones em vários formatos (e eu já reclamei que ainda não está disponível em português para o Windows Phone 7,5, embora exista para os aparelhos vendidos fora do Brasil). Ou seja, quem compra livros da Amazon pode lê-los no iPad, nos tablets Android e numa multidão de smartphones.
Mas, e o Kindle Fire? Será que o tablet da Amazon permite que se leiam livros em EPUB?
As primeiras avaliações do Kindle Fire, já com usuários testando a traquitana, confirmam sua excelência como plataforma para produtos da Amazon, mas já andam falando das limitações do aparelho como plataforma para outras apps, e falta de conectividade 3G, até mesmo pelo Whispernet (plataforma de atualização dos Kindle normais via 3G) já tem provocado muitas críticas. O aparelho é dependente da conexão WI-FI. A funcionalidade do browser proprietário da Amazon também já suscitou críticas.
Se o Kindle Fire jogar exclusivamente na oferta de produtos da Amazon e não abrir as portas para funcionalidades próprias de tablets (especialmente as que estão presentes no iPad), a Amazon pode estar cometendo um grave erro estratégico. Como a Barnes&Noble está fazendo, posto que sua plataforma Nook não vende para o exterior, nem para quem tem o aplicativo instalado em um PC ou smartphone.
Como vemos, a vida digital é movimentada…