Todos os posts de Felipe Lindoso

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, Diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil Pode Ser um País de Leitores? Política para a Cultura, Política para o Livro, pela Summus Editorial.

Brasil em Bogotá – A primeira experiência das novas políticas da Biblioteca Nacional

A 25ª. Feira do livro de Bogotá – FILBO – inaugura hoje com o Brasil como “País Invitado de Honor”. É a primeira dessas homenagens articuladas por Galeno Amorim desde que assumiu a presidência da Fundação Biblioteca Nacional. A sequência de feiras que homenageiam o Brasil terá seu ápice na Feira do Livro de Frankfurt, em 2013, quando o país será, pela segunda vez, o país tema. Aliás, também em Bogotá é a segunda vez. A primeira foi em 1995, o ano seguinte ao da presença do Brasil em Frankfurt, e naquele ano algumas das exposições levadas para a Alemanha foram remontadas na Colômbia.

Essas participações fazem partes das iniciativas da FBN de apoiar uma maior presença da literatura brasileira na indústria editorial internacional, juntamente com as bolsas de tradução e o aumento do número e do tamanho dos estandes brasileiros em outras feiras internacionais.

Funcionará?

Vejamos alguns condicionantes disso.

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China X Brasil – Gastos per capita com bibliotecas

Será que chegaremos lá?

No post de ontem o artigo de Roger Tagholm publicado informava que o programa de “Salas de Leitura” chinês já havia alcançado a marca de 500.000 salas instaladas em aldeias chineses, a um custo equivalente a R$ 5.222.000.000,00 (cinco bilhões e duzentos milhões de reais).

A conta é simples. São 1.336.718.000 chineses em 2011. Dividindo os cinco bilhões e caqueirada por isso, o investimento per capita do governo chinês, apenas nesse programa, é de R$ 3,90.

Multiplicados pelos 192.379.287 brasileiros que o IBGE informou sermos em 2011, o investimento per capita por aqui deveria ser da ordem de R$ 751.257.840,00 (setecentos cinquenta e um milhões, duzentos e cinquenta e sete mil e oitocentos e quarenta reais).

A questão é simples. Se queremos pelo menos ficar no nível dos BRICS (não vou falar das mais de dez libras per capita/ano da Inglaterra!), esse deveria ser nosso investimento.

Sei que existem programas em execução da Rússia “putinesca” e vou tentar descobrir na Índia e na África do Sul. Espero que não fiquemos em último lugar no investimento em bibliotecas per capita.

China – Políticas para o livro na visão de um inglês

Roger Tagholm visitou recentemente a China no contexto da organização do Market Focus Program, da Feira de Livros de Londres, que colocará o país asiático no centro das perspectivas do mercado naquele evento internacional. Tagholm publicou o artigo abaixo no Publishing Perspectives, que autorizou sua reprodução aqui.

CHINA, UMA HISTÓRIA LITERÁRIA QUE SE DESENROLA

Existe uma grande ênfase hoje na China no enorme projeto governamental de Salas de Leitura Rurais, uma ambiciosa iniciativa que tem como alvo colocar uma “sala de leitura” – de fato uma biblioteca – em cada uma das 630.000 aldeias da nação. Até agora cerca de 500.000 já foram instaladas e quando o projeto terminar, o investimento do governo chinês deverá ficar por volta de 18,5 bilhões de yuan (aproximadamente US$ 2,9 bilhões, ou R$ 5,22 bilhões).

Esse esquema, orgulhosamente apresentado por Wu Shuilin, vice-ministro da Administração Geral de Imprensa e Publicações da China (AGIPC), o órgão governamental que dirige toda a mídia do país, está entre a grande quantidade de ideias e informações absorvidas pela mídia do Reino Unido durante a recente visita ao país, organizada pelo British Council e ligadas ao papel da China como Market Focus na Feira de Livros de Londres, este mês. Como a maioria de meus colegas jornalistas, jamais havia estado antes na China e o programa apertado, cobrindo três cidades, foi cheio de descobertas.
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CONCORRÊNCIA E MONOPÓLIO NO MERCADO EDITORIAL

O Departamento (Ministério) da Justiça dos Estados Unidos concretizou a ameaça feita anteriormente e instaurou processo baseado na legislação antitruste contra os chamados “seis grandes” grupos editoriais do país (que inclui a Apple, vejam), acusando-os de “conluio” para elevar o preço dos e-books quando abandonaram o sistema de vendas “por atacado” pelo chamado “sistema de agenciamento”, que foi constituído quando a Apple decidiu entrar para valer na venda de livros através do iPad. Os grupos editoriais envolvidos são Hachette Book Group, Simon & Schuster, Penguin Group, HarperCollins e Macmillan, e a Apple. Já durante a tarde de ontem, dia 11 de abril, três desses grupos (Hachette, HarperCollins e Simon & Schuster concordaram com um ajuste de conduta proposto pelo Departamento de Justiça para abandonar o “sistema de agenciamento”. A Apple já decidiu contestar a ação, assim como a Macmillan e o Penguin Group.

Em post anterior analisei como a Amazon constituiu seu ecossistema e como a tendência monopolista da varejista coloca em risco o conjunto da indústria editorial norte-americana (com possíveis efeitos no resto do mundo, a começar pela Europa, onde a Comissão Europeia segue os passos dos EUA e investiga as supostas práticas de cartelização e formação de truste das editoras e da Apple).
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Os dados sobre leitura e políticas públicas – algumas reflexões

A divulgação da pesquisa “Retratos da leitura no Brasil”, em sua 3ª. edição, exige ainda que os pesquisadores interessados e os gestores de políticas públicas da área se debrucem sobre os dados para que estes sirvam como parâmetros de orientação. Não pretendo aqui esgotar esse assunto, nem de longe. Até porque a imersão na pesquisa é um processo demorado. O susto decorrente da divulgação de que houve retrocesso nos índices de leitura entre 2007 e 2011 deve ser absorvido e compreendido.

As políticas públicas, em qualquer área – e a da leitura não é exceção – só amadurecem na medida em que se estendem e se consolidam no tempo e se aprofundam no conteúdo das ações.

A experiência brasileira no setor não é das melhores. As políticas públicas da área do livro e da leitura tem se caracterizado, na área do Ministério da Cultura, pela descontinuidade e pelo não aprofundamento das ações. Se considerarmos em perspectiva os últimos quinze anos, o que vimos foram ações espasmódicas durante o governo Fernando Henrique, com algumas tentativas de expansão do sistema de bibliotecas públicas, um esforço relativamente mais continuado no governo Lula e a expectativa atual de que as ações da área se consolidem e aprofundem.
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Como a política e as condições sociais podem atrapalhar a “viagem” de uma obra

No post Sem editores o livro não vive, sem tradutores, não viaja tentei mostrar como a vida editorial de uma obra é fundamental para seu reconhecimento e sua transformação em um “clássico”.

Quero aproveitar a oportunidade para fazer uma “demonstração reversa”: o exemplo de um livro que teria tudo para se tornar um clássico comparável ao de Cervantes, e importantíssimo para a consolidação do português como idioma literário, e que perdeu essa oportunidade por conta de circunstâncias políticas que se refletiram sobre seu destino editorial.

Trata-se da Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto, relato das aventuras que esse português passou pela Ásia e Oceania durante décadas, e onde apresenta uma visão “por dentro” do ciclo das navegações: pilhagens, portugueses escravizando portugueses e roubando uns aos outros, extrema violência e cobiça e outras pérolas do gênero.
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Antes que o fogo queime: desafios da chegada da Amazon no Brasil

A próxima chegada da Amazon no Brasil, que vem sendo cozinhada desde o começo do ano, com negociações entre os representantes da empresa de Seattle e editoras brasileiras e anúncio (informal) de algumas iniciativas, como a venda do Kindle por R$ 199,00, certamente terá um impacto significativo no mercado editorial brasileiro, tal como aconteceu em outros países.

Ainda não se sabe com certeza se a Amazon vai se limitar inicialmente à venda de livros eletrônicos (e também se já incluirá outros produtos entregues via web, como músicas e filmes) ou se também irá incluir os livros impressos, adquiridos online e entregues pelo correio ou por courriers. A conhecida secretividade da empresa contribui para especulações, inclusive sobre a quantidade de editoras que já assinaram contratos com ela.
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As pesquisas e a inércia dos editores brasileiros

No último post apresentei o resumo de uma pesquisa online feita pelo BISG – Books Industry Study Group sobre o comportamento dos consumidores de e-books.

Quero chamar atenção para alguns pontos.

O primeiro é que a pesquisa custa caro. Para ter acesso aos dados cada editor tem que desembolsar mais de seis mil dólares pela assinatura.

O segundo é que é preciso “fazer perguntas” à pesquisa. Qualquer pesquisa não responde automaticamente as questões do objeto pesquisado. Quem tem interesse precisa fazer as perguntas para ver como os dados apresentados respondem à suas inquietações.
Assim, as pesquisas valem a pena. Permitem a formulação de estratégias para as empresas, já que cada uma faz as perguntas que lhe interessam e de modo distinto.

Ora, estamos aqui no Brasil em uma situação estranha.

A Câmara Brasileira do Livro – CBL e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros – SNEL mandaram circulares para os respectivos associados recomendando que preencham o novo questionário da pesquisa de produção e vendas do setor editorial, atualmente feita pela FIPE.

Há meses fiz um post manifestando minha surpresa e inconformidade pelo fato da pesquisa de 2011, que apresentava os dados de produção de 2010, ter modificado as cifras apresentadas anteriormente relativas a 2009.

Sinceramente, esperei que me explicassem as razões dessa atitude. A única explicação que apareceu foi a de que teria havido um “censo” entre as editoras do universo, e que a partir daí modificaram os dados de 2009. Todos os estatísticos com quem conversei concordam comigo que esse não é o procedimento correto, por duas razões:

– Essa atualização do universo de pesquisas deveria ser uma tarefa constante, anualmente se revisando as editoras que o integram, para detectar que novas editoras eventualmente ingressaram no mercado e quais as que fecharam. Assim era feito até 2002 e, aparentemente, negligenciado depois.

– Se constatado uma modificação realmente significativa no universo, o que se deveria fazer era iniciar uma nova série histórica. Isso de “atualizar” um ano que ficou para trás não funciona: e os outros anos? Onde isso iria acabar? O IBGE, por exemplo, que faz pesquisas por amostragem, não “revisa” os dados das PNADs anteriores em função da nova amostragem.

Eu gostaria de estar errado, e que uma instituição como a FIPE fosse capaz de explicar racional e detalhadamente seu procedimento e o justificasse.

Ao contrário, o que aconteceu foi simplesmente a não divulgação do relatório completo dessa pesquisa. Pelo menos, nenhum dos sócios das duas entidades que eu conheço e aos quais perguntei se haviam recebido o relatório completo me disse tê-lo recebido.

E, ao que conste, ninguém reclamou disso nas assembleias ordinárias realizadas nas duas instituições, em janeiro/fevereiro.
Isso fala por si só sobre a importância que os editores dão à pesquisa. Bem, quem não pergunta não consegue respostas. E quem não liga para o que é dito pode comer gato por lebre. É uma pena.