Todos os posts de Felipe Lindoso

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, Diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil Pode Ser um País de Leitores? Política para a Cultura, Política para o Livro, pela Summus Editorial.

“Relativa prosperidade, absoluta indigência”

O ensaio do prof. Vladimir Safatle na revista Carta Capital 734 se diferencia, sob vários aspectos, da matéria de Rosane Pavan sobre a qual comentei em post anterior. A primeira, e talvez mais importante, é que se trata de um breve ensaio, enquanto a outra era uma reportagem.
Entretanto, tal como a outra, pretende abranger em um só escopo coisas que, a meu ver, são diferentes. Ou, melhor dito, têm a aparência de estar albergadas em um único conceito, o de “cultura brasileira”, e misturam temas que merecem abordagens diferenciadas.
Reclama o prof. Safatle da ausência de análises dos “rumos da cultura brasileira”, “como se julgamentos de valor no campo da cultura fossem exercícios proibidos, pois seriam pretensas manifestações de uma vontade de submeter a multiplicidade da produção cultural a padrões, no fundo particulares de avaliação”. Segundo ele, os momentos anteriores de crescimento econômico brasileiro foram traduzidos em “momentos de grande explosão criativa”, mesmo na ditadura, e não são assim agora.
(Cabe sempre dizer: estou me dispondo a comentar esse número da Carta Capital motivado principalmente pelo respeito que tenho pela publicação e pelos autores dos textos. Não gastaria meu tempo com barbaridades de colunistas e pseudo jornalistas que babujam calhordices em outros semanários). Dito isso…
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“O Vazio da cultura (ou a imbecilização do Brasil)”

Esse título foi a matéria de capa da revista CARTA CAPITAL desta semana.

Mino Carta, começa seu editorial afirmando que “há muito tempo o Brasil não produz escritores como Guimarães Rosa ou Gilberto Freyre, […] pintores como Cândido Portinari […] historiadores como Raymundo Faoro […] polivalentes cultores da ironia como Nelson Rodrigues […] jornalistas como Claudio Abramo e mesmo repórteres como Rubem Braga e Joel Silveira. Há muito tempo…“

Mais adiante, a matéria de capa, assinada por Rose Pavan (“O Belo não está à venda – A submissão ao mercado impede que a arte relevante apareça“), segue pela mesma toada. O pacote sobre o assunto prossegue com uma crítica ao filme O Som ao Redor, escrita desde Nova York por Francisco Quinteiro Pires, um ensaio do filósofo Vladimir Safatle (“Relativa prosperidade, absoluta indigência“), outro ensaio de Daniela Castro sobre o mercado de artes plásticas e termina com uma entrevista do prof. Alfredo Bosi (“A esperança em tempos de magra colheita“).

Um pacotaço. Escrito por pessoas que admiro e respeito (embora não conheça a crítica de artes) em uma revista que sobressai diante da mediocridade ou da pura má fé das outras semanais.
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(Des)acordo ortográfico

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Um dos assuntos dos últimos dias foi o adiamento da etapa final da dita Reforma Ortográfica para 2016. Três anos a mais. A ABL bateu os pés e anunciou que não irá mais propor à ONU a proposta de que o português seja idioma de trabalho oficial da entidade.

Sou vítima de reformas ortográficas – eu e todos alfabetizados antes de 1971. Quando frequentava a escola primária, d. Elza Freitas Pinto, minha professora do primeiro ano do Grupo Escolar Barão do Rio Branco, em Manaus, nos ensinava pelas regras ortográficas enunciadas pelo vocabulário ortográfico de 1943, que quase foram reformadas em 1945, por um acordo ortográfico entre Brasil e Portugal (que falava também em nome de suas colônias, pois ainda era o paizinho do lusotropicalismo), mas que acabou por não ser retificado pelo Brasil.

Só o vocabulário do primeiro parágrafo já me denuncia. Quem sabe, hoje, o que é “curso primário” e “grupo escolar”?

Essa ortografia era o inferno dos “acentos diferenciais”, uma profusão de diacríticos que, obrigatoriamente, deviam ser usados para diferenciar palavras “homônimas homófonas homógrafas”. E tome a aprender que o particípio passado do verbo poder devia ser grafado com circunflexo (pôde), e que o presente do indicativo o dispensava. Pode? E era preciso saber as regras direitinho. Caso contrário, o ditado (ainda fazem isso no curso fundamental?) vinha cheio de marcas vermelhas.

Em 1971, um baita alívio. Eu já estava no ginásio (sabem o que é?) quando foi decretada a extinção da maioria dos acentos diferenciais, e a coisa ficou bem mais fácil.
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Penguin (USA) adere à Expresso Book Machine

Em 19 de setembro do ano passado publiquei um post sobre a Espresso Book Machine, uma máquina que produz, em cinco minutos, um exemplar dos títulos que estiverem em seu arquivo.

O site Publishers Lunch Deluxe (link para assinantes) publica hoje notícia de que a Penguin está disponibilizando seu catálogo para a máquina de fazer livros.

O Vice-Presidente Excecutivo de operações de negócios da Penguin, Doug Whiteman, fez o anúncio dizendo que a empresa “sempre busca novas maneiras de levar nossos escritores para os leitores, e os livros sob demanda nos proporciona outro canal para melhorar ainda mais essa missão. Agradecemos pela oportunidade de ampliar o modo como servimos os livreiros, nossos autores e leitores”.

No post original eu havia assinalado que uma das deficiências da Espresso Book Machine, na ocasião, era ainda a ausência dos títulos das editoras importantes, embora os autores independentes fizessem bom uso do sistema.

Agora, com a adesão da Penguin (e a Random House seguirá, com certeza), o panorama começa a mudar. Não sei se os livros da Companhia das Letras vão aparecer por lá…

Infelizmente o e-mail que mandei para os fabricantes da Espresso Book Machine sobre suas intenções a respeito do Brasil continua sem resposta.

Livreiros inteligentes e espertos, à ação…

ISBN, BIBLIOTECA NACIONAL E METADADOS – PROBLEMAS CONJUGADOS

anatomyISBN
Nos últimos dias surgiram na imprensa e na Internet várias matérias sobre o ISBN – International Standard Book Number, envolvendo editoras, como a Record (em seus vários selos), a Biblioteca Nacional, custos e usos do ISBN.

Vou tentar traçar um panorama geral do assunto e das questões envolvidas.

O ISBN foi o resultado de uma constatação que se fazia evidente pelos meados da década de 1960. O número de editoras e de livros publicados tornava cada vez mais complicada a identificação de cada título, particularmente para manuseio das informações de venda. Essas informações têm impacto no relacionamento entre editoras e livrarias (e distribuidores) e também com os autores, no levantamento dos direitos autorais devidos.

Até então, cada editora desenvolvia seu próprio sistema de identificação dos livros que publicava, e os usava em seus controles internos. Esses sistemas de identificação variavam muito. Por exemplo, códigos para coleções, numeração seriada para obras diversas, etc. Enfim, uma verdadeira babel.
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Machado de Assis Magazine – Número 2

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Foram divulgados ontem, dia 14, os nomes dos vinte autores que estarão presentes no segundo número da Machado de Assis Magazine – Literatura Brasileira em Tradução, co-edição da Fundação Biblioteca Nacional e do Instituto Itaú Cultural, e da qual sou o editor.

Foram 147 inscrições, dentre as quais o Conselho Editorial teve que selecionar vinte textos. Ou seja, apenas 13,6% dos inscritos podiam entrar.

Não é tarefa fácil, até porque, na abundância, o risco das escolhas é sempre maior. Ainda bem que a responsabilidade é dividida por todo o Conselho Editorial, que vota, com total liberdade, em quem deseja que participe da revista.

O trabalho prévio de análise do material a ser enviado aos conselheiros deve ser bem detalhado. Procura-se, principalmente, verificar se o livro tem existência legal – ou seja, se está registrado no ISBN, conforme o exigido pela Lei do Livro. E se o texto enviado faz parte de algum livro já publicado no exterior, principalmente em inglês, espanhol ou francês. No caso deste ano, também em alemão.

A questão é que a revista se destina a promover novas edições de autores brasileiros no exterior. Quem já está traduzido em algum desses idiomas já dispõe de um instrumento de trabalho para que agentes, editores e o próprio autor procurem novas traduções, em outros países. Não seria justo retirar a oportunidade de um autor não traduzido, privilegiando autores que já circulam no exterior.
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VENDA DE ESPAÇOS OU CURADORIA – SERÃO ESSAS AS ALTERNATIVAS PARA AS LIVRARIAS?

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Neste final de ano foram publicadas duas matérias sobre livrarias que me chamaram muita atenção. As duas tratavam de ambientes das lojas e sobre seu estoque, vistas de maneiras muito, mas muito distintas.

A primeira, publicada na Folha de S. Paulo, no dia 29 de dezembro, tinha a manchete “Concorrência inflaciona aluguel de espaços nas livrarias e reduz variedades de estoques”. Era assinada pela Raquel Cozer, que cobre a área para o jornal paulista e mantém também um blog, o “Biblioteca de Raquel”.

A segunda matéria, publicada no último dia do ano n’O Globo, era assinada por Priscila Guilayn, correspondente do jornal na Espanha, tinha como manchete “Em Madri, um novo palácio para a literatura” e tratava da inauguração de uma grande livraria anexa ao Museu Reyna Sofia, com uma área de 1.200 m2, a 500 metros de distância da Puerta del Sol, um dos pontos de maior movimentação da capital espanhola.

A matéria da Raquel Cozer destacava como os espaços de exposição em cadeias de livrarias eram objeto de concorrência cada vez mais acirrada entre as editoras, na busca de destaque para os livros que consideravam como seus candidatos a best-sellers para as vendas de Natal. Na verdade, “candidatos” é um termo enganador. Os investimentos das editoras nesses títulos os levavam quase que inexoravelmente para as listas dos mais vendidos e isso, vice-versa, aumentava a sua demanda nas lojas.
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2012 – Um ano complicado

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Estive revisando os posts publicados aqui na PublishNews e no meu blog, O Xis do Problema, durante o ano que termina. Foi uma experiência interessante revisar os assuntos e posições tomadas neste ano, cheio de novidades e movimentações no mercado editorial.

Desde que comecei a publicar o blog, em julho de 2011, foram 185 posts, todos sobre aspectos relacionados com o mercado editorial. O plugin “akismet”, que protege contra spam, bloqueou nada menos que 12.054 tentativas de jogar abobrinha por ali, sintoma dessa praga que aflige a todos os internautas.

Mas o que quero fazer aqui é repassar brevemente alguns dos temas que chamaram minha atenção durante este ano que termina com ameaças apocalípticas.

Uma das minhas preocupações constantes no decorrer de 2012 foi com a qualidade e a quantidade das informações disponíveis para o mercado editorial e as maneiras de aproveitá-las para fazer que os livros cheguem de modo mais fácil ao leitor.

Em um dos primeiros posts do ano, já no começo de janeiro, eu perguntava se “Teremos mais e melhores dados sobre as vendas em 2012?”. Criticava a pesquisa da FIPE/CBL-SNEL, que, no meu entender, rompeu com a série histórica sem explicações convincentes e lançou sombras e dúvidas em relação a essa importante pesquisa sobre a produção e venda de livros no Brasil. Mas, também, especulava sobre a possível chegada do BookScan, da Nielsen, e do sistema da GfK de monitoramento das vendas online, com dados recolhidos diretamente dos pontos de vendas das livrarias.
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ANL e Amazon e digitais. Hora de verdades?


O anúncio da chegada ao Brasil de três grandes operadoras do comércio eletrônico de livros – Amazon, Kobo e Google – coincidiu com a divulgação do “Diagnóstico ANL do setor livreiro 2012”.

Recentemente a entidade dos livreiros havia divulgado uma carta aberta ao mercado – i.e. às editoras – e ao governo, com suas sugestões para o desenvolvimento do mercado de livros digitais no país. Sugestões, não reivindicações, segundo a própria entidade.

O diagnóstico foi encomendado pela ANL junto à GfK, uma multinacional de pesquisa de mercado, que lançou no primeiro semestre deste ano seu serviço de rastreamento online da venda de livros, é concorrente ao BookScan da Nielsen (que diz que se prepara para entrar logo no mercado brasileiro).

O estudo da GfK tem algumas características interessantes. Enviou questionários, que podiam ser respondidos online, por fax ou e-mail e entrevistas por telefone junto a todos universo conhecido pela ANL, que é de 3.403 livrarias. A pesquisa recebeu respostas com informações de 716 lojas, o que equivale a 21% do total, um índice de respostas muito bom. Destas, 152 respostas foram obtidas através da central de redes de lojas, que disponibilizaram dados de suas filiais, e 564 respostas vieram diretamente de livrarias independentes e grandes redes, com um questionário respondido por cada loja, representando um total de 474 diferentes razões sociais.

Os números indicam que algumas ditas grandes redes não responderam ao questionário, e que a maior parte das respostas veio efetivamente das livrarias independentes e redes regionais, que têm uma presença maior junto à entidade.
Essa impressão é corroborada pelo dado divulgado de 62% dos respondentes possuírem apenas uma loja, e que o principal regime tributário é o simples.

Alguns destaques da pesquisa:
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DIAS PARA PROFISSIONAIS EM FEIRAS DE LIVRO – GUADALAJARA PODE DAR LIÇÕES?

A Feira de Livros de Gudalajara, FIL, já é reconhecida como uma alternativa latino-americana para compra e venda de direitos autorais e como um evento onde os negócios do livro florescem. Evidentemente, não trata de emular a Feira de Frankfurt, o grande evento internacional de negociações de direito autoral, mas de se firmar como uma feira onde a cultura se mescla com o lazer e os negócios de modo muito dinâmico.
Sala de negócios da FIL GUADALAJARA - Sempre movimentada
O fato da FIL ser organizada por uma universidade pública, a Universidad de Guadalajara, certamente contribui para que a programação de eventos tenha um nível excepcional. Mas, independentemente disso, o fato é que sua organização permite efetivamente o realce de algumas questões.
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