O 3º. Congresso do Livro Digital, organizado pela CBL, revelou-se melhor que os dois primeiros em um ponto fundamental: um número menor de vendedores de apps e programinhas, que compareciam menos para demonstrar tendências e mais para propor a venda de serviços para os tupiniquins embasbacados pelas novidades, o que geralmente não conseguiam, porque o pessoal daqui é desconfiado e muquirana.
Ainda assim, a mesa “Inovando suas publicações com aplicativos” foi um exemplo lamentável desse tipo de coisa. O único interessante, que apresentou a “Nuvem de Livros”, poderia ter servido de pano de fundo para um debate importante: o interesse por “conteúdo grátis”, que é turbinado pelas telefônicas e pelos provedores de serviços da Internet, para os quais quanto mais tráfego provocado pelo “grátis” ou pelo menos “baratinho” é importantíssimo. Eles cobram pelo tráfego de informação através de seus sistemas, e quanto mais nós contribuirmos com conteúdo grátis, melhor para eles. Isso merecia uma discussão. Mas os outros dois “palestrantes” dessa mesa, que foi o ponto mais baixo do evento, eram apenas patéticos vendedores que pareciam nem saber que tipo de pessoas compunha a plateia.
As duas palestras mais interessantes do Congresso foram, na minha opinião, as de Jonathan Novell, da Nielsen, e a de Kelly Gallagher, da R.R. Bowker. Foi uma fantástica oportunidade de ver, na prática, como os metadados constituem, hoje, um elemento essencial para que a indústria editorial possa cumprir seu papel de entregar os livros a seus leitores.
Jonathan Lowell, da Nielsen, foi o primeiro. A Nielsen é uma empresa internacional de coleta e análise de dados de mercado. Há alguns meses Roberto Feith, do SNEL, anunciou que havia tratativas para que a empresa instalasse no Brasil o seu sistema de rastreio de vendas online de livros, o BookScan (eles têm sistemas semelhantes para outros produtos de varejo), e nossa colega Roberta Campassi, depois da palestra, soube que ele confirmou que isso acontecerá até o fim do ano.
Alvíssaras. Poderemos ter dados confiáveis, pelo menos sobre as vendas de varejo, já que pesquisa de produção editorial da CBL/SNEL ficou comprometida com a apresentação de dados diferentes para o mesmo ano. Ao que tudo indica, pelo menos no que concerne às vendas no varejo, poderemos ter dados confiáveis.
O BookScan registra em tempo real as vendas nas empresas de varejo (e bibliotecas, para empréstimo), que aceitem instalar o sistema. Permite aos editores saber, em tempo real, onde foi vendido cada um dos livros, a que horas, qual o cartão de crédito usado, as condições de venda, se o comprador faz parte de programas de fidelização e coisas do estilo. Mas, como Lowell chamou atenção, esses dados por si só ainda fornecem “poucas” informações. A análise se enriquece geometricamente se os livros contiverem metadados enriquecidos, de modo que as tendências na compra de cada exemplar possam ser agrupadas de maneira efetiva por gêneros, e cruzadas com outras variáveis. Para informações mais abrangentes sobre o BookScan, veja aqui.
Os instrumentos proporcionados pelo BookScan só serão úteis se os editores aprenderem a “mastiga-los”, de modo a permitir uma tomada de decisão bem fundamentada. Os dados não decidem o que fazer, mas permitem que sua análise informe quais as opções que melhor se adequam a cada editora, a cada momento. As livrarias, por sua vez, passam a dispor não apenas dos dados provenientes de suas vendas, mas podem comparar desempenhos de títulos e gêneros em outras regiões, em outros tipos de varejo, etc.
São todas informações que devem ser trabalhadas. O que, infelizmente, nem editores nem livreiros andam muito habituados a fazer, salvo as famosas e honradas exceções.
No âmbito da análise de dados a partir do comportamento dos consumidores, a palestra de Kelly Gallagher abriu outras perspectivas.
Gallagher trabalhou com um conjunto de dados proveniente da uma pesquisa recém terminada em abril passado, o Global eBook Monitor All Country Comparison – Final Report. Usou também, como exemplo, um relatório do PubTrack, o sistema que analisa casos específicos.
O primeiro relatório terá sua versão sintética, referida a dez países (Austrália, Brasil, França, Alemanha, Índia, Japão, Coreia do Sul, Espanha, Reino Unidos e EUA) disponível gratuitamente para download em breve aqui. Mas avisou: o relatório específico sobre o Brasil, só vendido. Lição para os editores: informação aparentemente custa caro, mas vale muito quando se aprende a usá-la.
O relatório sobre tendências globais para o consumo de livros eletrônicos mostrou as razões do interesse da Amazon no mercado brasileiro, e que são as mesmas pelas quais eventualmente teremos mais editoras internacionais querendo pescar uma fatia desse mercado. A pesquisa mostra que 18% dos consumidores já haviam adquirido pelo menos um livro eletrônico nos seis meses anteriores à pesquisa, e que esse índice tenderia a triplicar em curto prazo. Outro ponto interessante mostra que, nos mercados mais “maduros” (Reino Unido e EUA, por exemplo), as mulheres, e mais velhas, compram mais e compram mais ficção. Nos mercados “emergentes”, como no Brasil e na Índia, são os homens, e de uma faixa etária mais baixa, e há grande interesse pelos livros da área técnico-científica e profissional. É mais fácil se atualizar na área técnica via livros eletrônicos.
Segundo o relatório, os Estados Unidos, Austrália e Reino Unido são os países com os maiores índices de adoção de e-books, mas a Índia e o Brasil são os que apresentam as melhores condições para um rápido crescimento. A combinação da análise das porcentagens com o tamanho da população (e o ambiente econômico geral) é que coloca o Brasil e a Índia na ponta de lança do crescimento numérico de e-books a curto prazo.
O outro componente dessa equação será a disponibilidade de e-readers mais baratos, se a Amazon e a Kobo conseguirem colocar seus aparelhos por volta de duzentos reais.
Vale mencionar um aforismo do Ed Nawotka, o editor da Publishing Perpectives há alguns meses: livro pirateado é o que não foi lançado em condições adequadas. Eduardo Melo, da Simplíssimo, que participou em outra mesa, também afirmou que, se os editores não ocuparem o espaço, os livros pirateados irão atender a essa demanda.
No segundo relatório ele mostra um dos trabalhos feito sobre encomenda, no caso sobre livros de cozinha. A pesquisa parte do fato de que as vendas de livros de cozinhas (nos EUA) estavam em queda. Mas a análise dos dados desagregados por grupos geracionais mostrava que uma determinada faixa etária se comportava de maneira diferente, comprando cada vez mais livros de cozinha. Resultado: produção de material para aquela faixa etária pelo editorial; marketing voltado para o grupo; comercialização em pontos de venda frequentados pelo grupo etário. Essa análise foi possível combinando informações de diferentes fontes, desde as pesquisas da própria R. R. Bowker sobre comportamento de consumidores, até os dados do BookScan.
Editar é uma arte, mas é uma arte que pode e deve ser informada pelo conhecimento científico. Saber quem são e onde estão os consumidores é algo que se torna cada vez mais crucial para que os leitores achem os livros que querem, e o editor possa lhes oferecer esses produtos. Mas recuperar essas informações de modo inteligível, de modo a poder analisá-las e tomar decisões informadas exige um pré-requisito: que os livros que circulam na Web – não apenas os livros eletrônicos, mas todos os livros, cujas operações de compra e venda acabam registradas na Internet – estejam acompanhados desse “recheio” fundamental: os metadados.
Um comentário em “Brasil e Índia no caminho da rápida adoção dos livros eletrônicos”