Matéria publicada nesta segunda-feira no Estado de S. Paulo relata que as grandes livrarias (no caso, as paulistanas Cultura, Saraiva e Livraria da Vila) estão desenvolvendo um esforço especial para a melhoria de suas operações na internet, em detrimento da expansão da rede física.
Vamos tentar ver isso mais de perto.
Quando a Amazon foi lançada, anunciava-se como a maior livraria do mundo, disponibilizando mais de um milhão de títulos. Certamente não tinha nada disso em seu estoque. Jeff Bezos constatou o óbvio: as livrarias podem trabalhar com o estoque das editoras, que lhes dão prazo e o desconto que proporciona a margem.
Só que, no caso das livrarias físicas, o livreiro deve sempre fazer o balanço entre os títulos que vendem com mais rapidez, os best-sellers, e uma seleção, dentro do milhão de títulos disponíveis nos catálogos das editoras, daqueles que acham que pode dar a “cara” da loja. E aí, sim, montar o sortimento da livraria, seu estoque.
A Amazon não precisava disso. O investimento foi dirigido basicamente para permitir que os clientes achassem os livros que desejavam no meio da cornucópia de títulos oferecidos. O resto é história. Até hoje a Amazon só mantem em seus centros de distribuição a quantidade de títulos que seus cálculos determinam que podem ser vendidos no período que vai entre o pedido do comprador e a entrega do exemplar pela distribuidora ou pela editora.
O investimento continua sendo, em grande medida, na Tecnologia da Informação que permite o aperfeiçoamento desse processo. De fato, a Amazon forçou o mercado editorial a pensar em algo que já existia: os metadados. Antes limitados ao título, autor e ISBN, basicamente, e as bibliotecárias se preocupavam com seus processos de classificação e catalogação próprios, que vem desde o Dewey.
No entanto, a percepção da importância da informação sistematicamente colocada, desenvolvida e disponibilizada na Internet ainda é muito desigual.
Nos últimos meses percebi uma quantidade de iniciativas relacionadas com o assunto: cursos básicos sobre metadados, técnicas para fazer o fundo de catálogo reviver, seminários e cursos diversos sobre esses temas. A maioria absoluta nos EUA. Por aqui, pouca coisa.
O fato é que, nas três redes citadas, os mecanismos de busca são simplesmente péssimos. Faz dois anos fiz um levantamento sobre isso, que estou para refazer. Mas, nas vezes em que entrei nos sites dessas e de outras livrarias, pude perceber que o panorama não mudou: só se acha com facilidade quando o já sabe o que quer.
O problema se manifesta de várias formas. As planilhas que as livrarias pedem que os editores enviem são risíveis pelo desprezo com que abrem o espaço para os metadados. A tentativa de CBL de implementar o ONIX, através do Canal, até hoje não conseguiu deslanchar. A coisa só melhorou um pouco, na área dos e-books, com a entrada da Amazon e da Kobo, que abrem mais espaço para isso. Entretanto, mesmo o site brasileiro da Amazon, está muito longe de ter a sofisticação dos mecanismos de busca do site da matriz.
As editoras têm vendido mais exemplares dos livros físicos através do comércio eletrônico, não por virtude dos seus próprios sites, mas do Google, que facilita muito a busca dos eventuais compradores. Desse modo, as vendas através dos sites da Cultura, Saraiva, Submarino/Lojas Americanas e os das outras redes cresceram de modo muito significativo. Nessa situação, perdem realmente os que prestam um serviço ruim, como a Fnac e a Livraria da Vila. Nesse último caso, Samuel Seibel repete, mais uma vez, uma autocrítica que vem fazendo há anos sobre seu site e que, até hoje, não conseguiu resolver. O site da sua livraria é de chorar. E a Fnac, decididamente, é a que tem o pior atendimento, prazos, descontos, etc.
Mas, além das livrarias, os sites das editoras também deixam muito a desejar. É difícil, na maioria deles, selecionar por gêneros, temas ou palavras-chave, por exemplo. Às vezes é até complicado achar um autor específico.
Por isso mesmo, não se pode debitar apenas às livrarias os problemas mencionados. E vale a pena tocar em mais duas questões.
A primeira está relacionada com a autopublicação. Os autores que conseguiram sucesso com essa prática, todos, tiveram um imenso trabalho de divulgação e interação com os leitores através das redes sociais. Muitos só publicam o livro inteiro depois de disponibilizarem gratuitamente o processo de elaboração do livro, atraindo uma legião de seguidores.
Em segundo lugar, o mesmo acontece, muitas vezes, com os autores publicados por editoras formais, inclusive as grandes. Autores como Stéphanie Meyer, por exemplo, constroem seu público através de um intenso trabalho na Internet.
Fábio Malini, diretor do LABIC – Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura tem produzido excelentes estudos sobre os relacionamentos que se desenvolvem nas redes sociais e seus variados impactos. Um próximo número da Revista Continuum, do Itaú Cultural, trará um estudo sobre a importância das redes sociais na difusão de um grupo de autores.
As grandes editoras – principalmente dos EUA – têm dedicado cada vez mais recursos ao processo de difusão dos títulos que consideram quentes através das redes sociais, com hot-sites e ações de divulgação intensa.
Toda essa movimentação destaca outra questão. Os custos relacionados com os mecanismos de descoberta dos títulos na Internet crescem exponencialmente. O que se deixou de gastar com impressão e logística, em vários casos, já está sendo superado pelos gastos em marketing e divulgação na Internet. O que aumenta a discussão sobre os preços, particularmente dos e-books, para variar.
Também relacionada com a questão dos mecanismos de descobrir títulos está a questão da globalização do mercado editorial. Os brasileiros que moram no exterior têm, no livro eletrônico, uma oportunidade de manter os laços culturais com o país, e dar a seus filhos acesso aos livros brasileiros. Mas as dificuldades, nesse caso, são ainda maiores, pela falta de ações de divulgação dirigidas especificamente para esses mercados. Quem procura, de alguma maneira caba achando. Mas quem visita os sites de brasileiros no exterior nota claramente a ausência de ações específicas destinadas a esse público. Em alguns casos o que se vê é o trabalho de formiga de alguns heroicos e dedicados internautas, que agem às vezes como “curadores” do acesso aos livros brasileiros pela Internet.
Nesse caso, mais uma vez, as editoras em língua inglesa se aproveitam da avassaladora força do idioma internacional para aumentar as vendas em outros mercados. Já se discute, na Internet, a possibilidade das editoras originais promoverem elas mesmas a tradução de títulos e sua colocação direta no mercado internacional, com a consequente diminuição do tempo entre a publicação original e a disponibilização de outras versões. Pessoalmente não acredito muito no sucesso disso, a menos que o segmento dos e-books ultrapasse decididamente o patamar atual de aproximadamente 20% do mercado americano e inglês, e se aproxime ultrapasse os 50% de vendas nesse formato. Se, e enquanto isso não acontecer, ainda será vantajoso deixar a comercialização a cargo das editoras locais que adquirem os direitos.
Os defeitos dos sites das livrarias brasileiras, curiosamente, são até diversificados. A Saraiva, por exemplo, aprendeu com a Amazon a inundar a caixa postal de quem se cadastrou no site. Mas o conteúdo das ofertas não tem nenhuma relação com o que se comprou ou mesmo pesquisou anteriormente. Só relatam as promoções do site.
Na situação atual, o anúncio da Amazon sobre seu um milhão de títulos disponíveis soa até nostálgico. Quantos milhões de títulos estão disponíveis hoje na Internet?
O propalado objetivo das redes de investir mais no comércio eletrônico terá sentido se, além das questões de segurança das transações, houver uma mudança radical de atitude em relação aos mecanismos de buscas, que induza, inclusive, as editoras a serem mais ativas a esse respeito.