Para deixar de tomar decisões “pelo cheiro”

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Vagarosamente, muito vagarosamente, a prática de acompanhar os dados de vendas online começa a ser implantada na indústria editorial brasileira. Já atuam no Brasil as duas principais empresas de acompanhamento da movimentação no varejo que possuem sistemas de registro e acompanhamento das vendas online: a GfK, alemã, e a Nielsen BookScan, anglo-americana.

A GfK está no Brasil desde aproximadamente um ano, e sua implementação parece andar a passos lentos. Não consegui marcar um encontro com a empresa, mas no próximo dia 7 estarei na apresentação que farão de um panorama do varejo no Brasil na qual devem falar também sobre o mercado editorial.

A BookScan é sem dúvida a mais conhecida, até porque atua no maior mercado editorial no mundo, o dos EUA, e em mais nove países (Reino Unido, Irlanda, Austrália, Nova Zelândia, Índia, África do Sul, Itália, Espanha e agora no Brasil, desde julho).

Os sistemas de acompanhamento de vendas no varejo não são novidades em vários segmentos, e são intensamente usados na chamada “linha branca” e em eletro-eletrônicos. Registram a venda no fechamento do caixa nas lojas conveniadas (inclusive eventuais devoluções ou trocas) e geram relatórios com uma impressionante quantidade de informações.

O busílis está em interpretar e usar essas informações. E essa é uma prática completamente alheia ao mercado editorial brasileiro. Aqui, no máximo, se dispõe dos dados da pesquisa de produção e vendas de livros, iniciada pela CBL e pelo SNEL em 1990, e hoje operada pela FIPE. Essa pesquisa foi iniciada em um momento em que não havia outros meios de levantar esse tipo de informação a não ser que fossem fornecidas diretamente pelas editoras. Acompanhei o processo desde o início, sei das dificuldades de coleta e compilação, e o quanto a análise de dados ainda é pouco usada pelas editoras e livrarias. Recentemente passei a desacreditar da seriedade do levantamento, por razões que explicitei em um post, e voltei várias vezes a esse tipo de assunto, salientando a incompreensão acerca dos metadados e de como poderiam ser úteis para aperfeiçoar o movimento das editoras.

No caso das livrarias, a tragédia é mais simples e verificável. Nenhum site de venda das livrarias permite que o comprador ache alguma coisa além do que ele já sabe que deseja achar. Já publiquei também um post onde exemplifico o caso. Está aqui: Como editoras e livrarias andam [mal]tratando seus [meta]dados por aqui. Enquanto na Amazon e na Barnes & Noble é possível pesquisar com segurança por autores, títulos, temas e assuntos dos livros, nos sites das livrarias brasileiras o comprador simplesmente se perde.

Enfim, uma situação caótica. Como não sabe usar dados (salvo as honrosas e notórias exceções), e nem tem ideia do que sejam metadados, a indústria editorial brasileira considera como despesa o que se gasta em pesquisa, e não como investimento e desenvolvimento de mercado.

A pesquisa de vendas no varejo mais antiga – e contestada – é a da famosa lista dos best-sellers. Aparecer na lista (e são dezenas delas) é um poderoso instrumento de marketing: quanto mais vende, mais vende. Contestada porque, de fato, não há nenhuma transparência na metodologia de recolhimento de dados, e volta e meia aparecem suspeitas, ou acusações, de manipulação desses números. Não vou entrar no mérito disso. O fato, entretanto, é que são poucas as fontes que usam esse dado simples: o recolhido na boca do caixa.

Tanto a GfK como o BookScan usam, com a permissão dos varejistas, programas que registram, sem a possibilidade de interferência, cada transação fechada. Basicamente se recolhe o ISBN do livro (do qual se retira o título, editora e o nome do autor) e o preço efetivo de venda. Os bancos de dados usados comparam esses dados reais com o preço de capa oficial, registram o nível de vendas semanais desde a data de lançamento e, a partir disso geram inúmeras tabelas. Algumas (aliás, muitas) são padronizadas. Mas, com essas informações, as editoras e livrarias podem acrescentar dados (metadados) próprios e ampliar o escopo das comparações.

Por exemplo, podem comparar o desempenho das vendas de cada título (e são registradas todas as vendas, mesmo que o ISBN marque apenas um exemplar), com as ações de marketing, resenhas publicadas, espaço comprado na imprensa ou nas livrarias (mais sobre isso adiante), além do gênero. Em alguns países, com aquiescência entre o varejista e o editor, podem ser incorporados dados sobre a forma de pagamento e a combinação de itens vendidos a cada consumidor. Esse, aliás, é assunto delicado, pois a Nielsen BookScan, por princípio, agrega os dados para não dar à editora pistas sobre o desempenho de varejistas individuais. Se existe acordo, esses dados podem ser abertos. De qualquer maneira, como a editora sabe quantos exemplares colocou em cada varejista, há um enorme campo de possibilidades para correlações.

Podem ser feitas comparações com o desempenho de outros títulos do mesmo gênero, por faixas de preço. Por exemplo, o livro do Pe. Marcelo que paira há semanas nas listas (Kairós), tem o preço de capa de R$ 19,90, e o do Edir Macedo (Nada a Perder) – concorrente direto sob vários aspectos – custa R$ 34,90. Obviamente, mesmo com descontos aplicados nos dois casos, o resultado econômico para as editoras e livrarias vai variar imensamente na proporção das vendas de um e de outro. Aliás, é uma prova prática da falácia da pesquisa CBL/SNEL-FIPE quando insiste em achar um “preço médio” dividindo o faturamento pelo número de exemplares vendidos. Basta alternar a posição dos dois e o tal “preço médio” muda completamente!

Comparando esses e outros dados, pode-se inferir o papel do preço (ou não), na decisão de compra, por exemplo. Ou, comparando o ritmo dos dois livros anteriores dos mesmos autores, época do lançamento e ritmo de vendas, também obter informações interessantes sobre a relação preço/data de lançamento/ritmo de vendas.

Um dos dados interessantes no levantamento das primeiras 14 semanas do BookScan é o índice de descontos. O resultado dos dados: considerando-se os quinhentos títulos mais vendidos, a faixa superior desses títulos (os dez mais) teve um desconto médio de 10,21%.

Ora, as livrarias – as cadeias, isto é – insistem em grandes descontos das editoras no lançamento dos candidatos a best-sellers, com o pretexto de aumentar a exposição e de repassar parte desse desconto para o público. Se a primeira afirmativa resulta verdadeira, a segunda não é. Ou seja, os maiores descontos dados pelas editoras são simplesmente aluguel do espaço, aumentando a margem das grandes cadeias. Será essa a maneira mais inteligente de promover o livro? Como comparar o custo disso (que aparece mais como rendimento abdicado – as editoras ganham menos por exemplar – que como gasto direto), com um investimento direto em propaganda ou em outras ações de marketing?

O caso é que essas decisões são hoje tomadas “no cheiro”, a partir da chamada experiência de editores. Passarão a ter, se quiserem, dados mais quantificáveis e comparáveis com outras ações de marketing.

E por aí vai.

As redes e livrarias que já estão integradas no BookScan se restringem às grandes cadeias e aos grandes provedores de e-commerce. O serviço é caro, e o alvo da Nielsen está focado nos grandes grupos editoriais, embora haja planos para expandir e fornecer relatórios mais simplificados para editoras e livrarias menores. Segundo a Nielsen, o sistema está implementado nas grandes cadeias de lojas (que já eram seus parceiros na pesquisa de outros produtos) e, dentro do comércio de livros, nessa primeira etapa já estão sendo recolhidos dados da Cultura, Saraiva (+Siciliano), Livrarias Curitiba, FNAC, Leitura, B2W (Submarino e Lojas Americanas), e até o começo de 2014 estarão integradas mais Argumento, Livraria da Vila e LaSelva. As negociações com outras cadeias se expandem, mas são reservadas, obviamente.

Um dos problemas práticos para a implementação do BookScan foi a construção de um banco de dados testado e confiável de ISBN, normatizando o nome dos autores (por exemplo, Paulo Coelho, que pode aparecer como Coelho, Paulo, P. Coelho e sei lá mais quantas variações, deve ter todas transformadas em uma só apresentação) assim como a formatação do título dos livros. Os livros que entram e os que saem do catálogo devem ser considerados. A BookScan contratou como parceira para isso a iSupply, distribuidora relativamente nova no mercado que construiu seu banco de dados de modo sistemático. Hoje, esse banco conta com mais de 160.000 ISBN registrados, normatizados e controlados, com a adição continuada dos novos títulos.

Os dados do BookScan permitiram mensurar exatamente o processo de concentração e dispersão na venda de livros, fenômeno universal. São vendidos uma média de 52.000 ISBN, ou seja, títulos, por semana. No entanto, os 500 mais vendidos correspondem a apenas 1% desse total, mas geram 35% do faturamento.

Valorizar o catálogo, aproveitar oportunidades, tomar decisões sobre as reimpressões, tudo isso pode ser muito facilitado sabendo-se dos números e do ritmo real das vendas, evitando-se assim duas situações igualmente danosas para as editoras: não ter estoque para atender aos pedidos ou imprimir livros demais quando o ritmo de vendas já está caindo.

Tudo isso, entretanto, não elimina a necessidade do tino e da coerência das linhas editoriais, a construção dos catálogos e a escolha dos lançamentos. Isso é que, no final das contas, define uma grande editora.

2 comentários em “Para deixar de tomar decisões “pelo cheiro””

  1. Felipe, ótimo texto! Só uma curiosidade: esses dados do BookScan sobre o mercado brasileiro já foram publicados em algum lugar? Os números sobre a concentração do mercado são interessantíssimos, e seriam muito úteis para um artigo que estou escrevendo 🙂 Obrigada!

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