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OS TIPOS MÓVEIS DE GUTENBERG

Johannes Gutenberg, em gravura produzida depois de sua morte.
Johannes Gutenberg, em gravura produzida depois de sua morte.

No grande universo dos livros, um dos campos pelo qual sempre fui fascinado é o da sua fabricação. Sou da época em que se compunha com linotipo, recebia-se as provas feitas com tira-prova e depois das correções o livro ia para as impressoras e depois para o acabamento. Atravessei a época dos fotolitos (ainda com composição a quente), pela composição com uma espécie de máquina de datilografia aperfeiçoada da IBM, que produzia textos justificados e já com uma boa variedade de tipos (as “bolinhas” eram trocadas). Esse material ia para uma mesa de paste-up e depois era fotolitado. Hoje todo mundo usa editoração eletrônica e o resultado é enviado por e-mail e já vai direto para a impressora, pelo sistema computer-to-plate.

Mas antes dos livros, ainda adolescente, trabalhei em jornal, em Manaus, que ainda usava composição a quente (linotipo, monotipo e clichês) e impressão em máquinas planas. Uma coisa! Uma vez vi uma página mal amarrada estourar e espalhar colunas de linotipo e blocos de clichês para todo lado, com risco de ferir um gráfico. Aliás, essa exigência técnica de produzir uma página completamente “amarrada” da tipografia perdeu-se na etapa seguinte do paste-up, e o que se viu de colunas tortas e fotos mal ajustadas… Só a editoração eletrônica recuperou a beleza de uma página bem montada.

Cada uma dessas etapas vividas só aumentava minha admiração pelo sujeito que inventou o básico: a impressão com tipos móveis. Sim, o famoso Johann Gutenberg.

gutenberg museum
Gutenberg Museum – Mainz

Nunca fui a Mainz, sua cidade e sede de um museu e de um centro de estudos sobre tipografia, embora a cidade esteja bem perto de Frankfurt, tantas vezes visitada nas feiras.  Mas sempre vou ao estande do Museu na feira, brinco de impressor e há muito tenho minha cópia tipográfica de uma página da famosa Bíblia de 42 linhas.

Facsímile da B-42, impressa por Gutenberg
Facsímile da B-42, impressa por Gutenberg

Recentemente li uma das poucas biografias sérias de Gutenberg existentes em tradução. Os trabalhos sobre a descoberta e vida dele são quase todos em alemão. É “Johann Gutenberg – The Man and his Invention”, de Albert Kapr. Achar o livro foi difícil. Encomendei através da Amazon mas o livro nunca chegou. Achei em um sebo por aqui e consegui comprar e ler.

É certamente um livro fascinante, com uma sólida abordagem do contexto da vida do inventor. Mainz estava feudalmente submetida a um Bispo Eleitor do Sacro Império Alemão, personagem político de primeira grandeza. Mas a cidade vivia às turras com os bispos, principalmente no período de vida de Gutenberg, quando o crescimento da burguesia já era evidente e entrava em choque com aquelas instituições feudais.

A família de Gutenberg (as explicações sobre os sobrenomes na época são deliciosas) fazia parte da nobreza, e em vários momentos, por conta das disputas, teve que se exilar para a cidade-sede do bispado, Eltville (onde também estão alguns dos principais vinhedos do Reno). Essa origem social perpassa muitos aspectos da vida de Gutenberg, inclusive a disputa com o sócio Fust, episódio muito importante no desenvolvimento da imprensa.

Não se conhece a data exata de seu nascimento (entre 1400 e 1403). Estudou em Efurt e sabe-se que se aperfeiçoou em ourivesaria e em técnicas de estampagem, que seriam fundamentais para o desenvolvimento da tipografia.

Alguns detalhes que ressaltei da biografia.

– O processo de “invenção” da tipografia foi extremamente complicado. Gutenberg foi o primeiro – e aí está a raiz de tudo – a conceber um processo viável e simples de fundição de tipos. As tentativas anteriores de impressão incluíam tipos de madeira, cerâmica e a impressão em blocos de madeira, como xilogravuras, com os textos desenhados. O tipo móvel é a primeira e a mais fundamental das descobertas de Gutenberg. Ele inventou uma espécie de portador dos moldes que permitiu a fabricação rápida dos tipos de impressão a partir de uma patriz (escultura das letras em punções com instrumentos de ourives). Essas punções eram aplicadas em uma barra de cobre, criando as matrizes. Como o golpe deformava a matriz, era necessário retificá-las (outra habilidade de ourives) e daí se tinha uma matriz final. Essa, usando o tal fundidor de tipos, gerava os caracteres necessários para a impressão. Só para a impressão da B-42, Gutenberg fundiu cerca de dois milhões de tipos, de 290 formatos.  Esse processo necessariamente tinha que ter muita precisão, para que os tipos pudessem se alinhar e se ajustar entre si. Para isso, também se fundiram ligaduras (combinações de letras, como o Æ), sinais de pontuação, etc.

Donatus, manual de ensino de latim, foi o primeiro livro completo impresso por Gutenberg
Donatus, manual de ensino de latim, foi o primeiro livro completo impresso por Gutenberg
Réplica no Gutenberg Museum - Mainz
Réplica no Gutenberg Museum – Mainz

 

 

 

 

 

– A impressora foi construída a partir de modelos de prensas de vinho, com adaptações importantes: uma bandeja deslizante para se colocar a composição. Essa bandeja tinha que deslizar de modo bem preciso, para que a mancha ficasse sempre no mesmo lugar, e depois para que impressões de cores não perdessem o registro. A impressão propriamente dita se dava quando uma prancha de madeira descia por uma alavanca manejada pelo impressor e “carimbava” o papel colocado (também ajustado) sobre a composição.

– Finalmente, Gutenberg teve que desenvolver uma tinta que não borrasse e permitisse a impressão com clareza. A tinta usada por Gutenberg era feita a partir da fuligem de candeeiros, verniz, albume e urina humana como prováveis aditivos. A qualidade da tinta de Gutenberg até hoje impressiona quem vê um exemplar da B-42.

– O primeiro impresso atribuído a Gutenberg, em Estrasburgo, é um trecho intitulado “Fragmento do Weltgerich”.

Fragment vom Weltgericht - possivelmente um dos primeiros impresso de Gutenberg, em Estrasburgo
Fragment vom Weltgericht – possivelmente um dos primeiros impresso de Gutenberg, em Estrasburgo

Mas os primeiros livros, já impressos em Mainz (com tipos fabricados em Estrasburgo) foram os chamados Donatus. Eram simplesmente livros didáticos, um manual escolar de latim.

Gutenberg regressa a Mainz por volta de 1448, e estabelece a oficina na casa de sua família, a Gurtenberghof. Lá imprimiu várias tiragens do Donatus, mas o local e as condições eram insuficientes para desenvolver seu grande projeto, a impressão da Bíblia.

É aí que entra em cena Fust, comerciante (também livreiro, de manuscritos), e ligado às corporações da cidade. Fust investe pesadamente no empreendimento e também coloca lá Peter Schoeffer, seu filho adotivo. Schoeffer era escriba, e provavelmente também recebeu formação de ourives. Há quem diga que o desenho da letra da B-42 teve sua participação. Para compor e imprimir a B-42, novas instalações foram montadas na Humbrechthof, uma casa muito maior, alugada por Fust. Provavelmente todos os artesãos envolvidos na empreitada moravam ali, como geralmente acontecia nas oficinas dos mestres medievais.

A B-42 foi impressa entre 1452 e 1455, e o impacto da qualidade do trabalho, como sabemos, repercute até hoje.

As relações entre Gutenberg e Fust se deterioraram, por conta de dinheiro, é claro, e o assunto foi parar nos tribunais. Fust ganhou a causa e ficou com a imprensa e os tipos que estavam na Humbrechthof. Mas Gutenberg, segundo Kapr, continuou com a oficina na Gutenberghof, até que foi obrigado a se exilar de Mainz em mais um confronto entre as corporações e o bispo-eleitor. Gutenberg mudou-se para Eltville, continuou imprimindo (embora sem a qualidade da B-42) e recebeu honrarias do bispo.

Bíblia de Mogúncia - 1462 - Biblia Pulchra, impressa por Fust & Schoeffer, da qual há um exemplar na Biblioteca Nacional - RJ
Bíblia de Mogúncia – 1462 – Biblia Pulchra, impressa por Fust & Schoeffer, da qual há um exemplar na Biblioteca Nacional – RJ

Fust e Schoeffer também continuaram imprimindo e produziram alguns dos incunábulos mais preciosos da primeira idade da impressão, como uma edição dos Salmos e outra da Bíblia, em 1562.

Ex-libris de Schoeffer, o primeiro a ser usado para identificar o impressor
Ex-libris de Schoeffer, o primeiro a ser usado para identificar o impressor

Já no século XVI, um dos filhos de Schoeffer tentou atribuir ao pai a invenção dos tipos móveis, movido evidentemente por interesses comerciais.

Todo o desenvolvimento da impressão deu-se no meio das tensões religiosas que já prenunciavam a reforma e a cisão do cristianismo, e não é à toa que, além dos Donatus, o que se imprimiu mais foram livros religiosos, inclusive missais, e indulgências que, vendidas, podiam não garantir a salvação eterna para os compradores, mas rendiam grandes recursos para os emitentes, bispos, mosteiros e o papa.

Uma curiosidade que está no livro de Kapr é que a primeira tradução da Bíblia para o vernáculo não foi a de Lutero, em 1522. Dois dos impressores de Colônia, Bartholomäus von Unkel e Heinrich Quentell imprimiram versões nos dialetos baixo-alemão

Bíblia em Baixo Alemão
Bíblia em Baixo Alemão impressa por Bartholomäus von Unkel e Heinrich Quentell

e saxão, entre os mais de 400 itens bibliográficos que produziram, entre 1479 e 1500. Evidentemente os eruditos sabem disso, mas eu achava que Lutero era o pioneiro.  E me refiro aqui a traduções impressas, porque outros manuscritos traduzidos e “editados” da Bíblia já haviam sido feitos, como se pode ler aqui.

No final da leitura eu me perguntava se o conceito de tipos móveis, como o elemento central da invenção da imprensa, ainda persistia. Não se tratava da discussão de McLuhann sobre o fim da “Galáxia de Gutenberg”, uma bobagem que a continuada produção de livros (ou superprodução) já desmentiu. O que eu me perguntava era se a ideia dos tipos móveis permanecia vigente na era da editoração eletrônica.

Acho que sim.

A comunicação entre os homens, depois que deixou de ser puramente oral, passou por várias formas de escrita. Mas nenhuma com a complexidade e flexibilidade do alfabeto. Um pequeno conjunto de sinais combinados permite expressar… tudo. Depois da escrita, que permitiu esse registro, a composição com tipos móveis é que foi o motor da multiplicação da palavra. Desde a composição manual, até hoje, é a combinação de letras formando palavras, frases, livros, expressando o pensamento e as sensações da humanidade e a sua infinita reprodutibilidade.

Afinal, o que é a composição digital senão o uso de impulsos eletrônicos para emendar uma letra após a outra? O livro não deve “ser convertido em algum tipo de aparelho tecnológico ou outro”, como diz Kapr. O fundamental da comunicação e reprodutibilidade da palavra escrita é essa combinação, primeiro mecânica e hoje eletrônica, que permite a leitura de todas as expressões do pensamento humano por bilhões de pessoas.

É por isso é que Gutenberg permanece ainda hoje como uma figura viva: porque estabeleceu esse ideal para o futuro, quaisquer que sejam as metamorfoses que seus tipos de chumbo e antimônio tenham passado, ou venham a passar.

AS MUDANÇAS NO PAPEL DE EDITORES E LIVREIROS

O começo do ano é sempre oportunidade para pensar perspetivas e tendências em cada ramo de atividades, e o mercado editorial não escapa disso. Foram vários artigos e posts publicados em janeiro tentando dar conta do que anda acontecendo no mercado editorial e livreiro.

Como quase tudo, o foco principal se situa ao redor do mercado editorial dos EUA. É o maior mercado do mundo e o que acontece por lá, em maior ou menor medida, acaba se refletindo por aqui também. Como meu estoque de pensamentos originais anda baixo, procurei refletir a partir de alguns dos que li.

Mike Shatzkin, conhecido consultor do mercado editorial internacional, publicou recentemente em seu blog Idealog um post no qual afirma que “a indústria editorial vive em um ambiente moldado por forças mais amplas, e sempre foi assim”. No fundo, é uma observação de senso comum: nenhum segmento econômico vive exclusivamente a partir de sua própria dinâmica. Como fenômeno social, sempre está sujeito a forças sociais e econômicas mais amplas. Na verdade, o que Shatzkin queria enfatizar era o contexto histórico da evolução da indústria editorial dos EUA, e como isso foi moldando a situação atual.

Para tanto, lembra de alguns marcos importantes. O papel de Andrew Carnegie no estabelecimento de um amplo sistema de bibliotecas públicas; a introdução do sistema de devoluções, pela Simon&Schuster e a Putnan, por conta da depressão; a entrada dos distribuidores de revistas no negócio, que originou a revolução dos livros de bolso; finalmente, o interesse de Wall Street nas superlojas em shopping centers e a inflexão das editoras para a busca dos grandes bestsellers. Em todo esse período, assinala Shatzkin, as editoras se dedicavam a um modelo de negócios business-to-business. A questão era vender para as livrarias, para as cadeias de livrarias, para as grandes superfícies. Para apoiar isso, a promoção nos jornais, resenhas, entrevistas de autores no rádio e na TV.

Até 1995. Até a Amazon. E, concomitantemente, com o fortalecimento dos “Quatro Cavaleiros do Apocalipse”: Amazon, Apple, Facebook e Google.

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O modelo de negócios da Amazon, como todos sabem, começou com os livros. Mas a venda de livros foi só o início do projeto Bezos de construir sua loja que vende de tudo, a partir do conhecimento extenso do que os clientes compram (e capacidade de transformar isso em desejo).

Mas, como assinala Shatzkin, o projeto da Amazon ia muito além disso. “Amazon operava em um ambiente sem restrições geográficas; suas vendas não eram restringidas ao local, como as livrarias físicas. Podiam efetivamente prestar serviço para clientes de qualquer lugar. Assim, mesmo no início, quanto tomavam apenas pequenas parcelas do mercado das lojas, tão pouco que estes mal notavam, a Amazon construía uma substancial base de clientes para si própria”.

Era como a história do sapo na panela: a água vai esquentando pouco a pouco, até que…

Shatzkin nota um aspecto interessante da operação da Amazon, no seu início. A empresa usava um banco de dados (de livros) da Baker & Taylor muito “sujo”, com muitos títulos fora de catálogo. A Amazon reverteu isso a seu favor: se o cliente procurava um livro em uma loja e não encontrava, podia procurar em outra, e outra. A Amazon dizia de cara: fora do catálogo, o que induzia eventualmente à busca de outro título. E um dos primeiros grupos de clientes influentes que passaram a usar a Amazon foi o pessoal da academia. E assim a Amazon se transformou no local primário de busca de títulos – posição que era anteriormente ocupada pelas superlojas.

E vai por aí.

Mas a ênfase que Shatzkin quer dar é que, com isso, a Amazon multiplicou a força dos clientes na escolha dos livros. O seu esforço de prestar o melhor serviço e indicar alternativas modificou radicalmente o escopo do negócio. Para as editoras, não se tratava mais de decidir o que publicar, mas sim como fazer que o livro chamasse a atenção do leitor. Isso, no modelo anterior, era secundário: na medida em que convencesse as livrarias a expor os livros que decidiam publicar, os leitores eram induzidos a comprá-los.

Nesse novo cenário, o leitor/cliente passa a ter um papel muito mais relevante. E a Amazon está posicionada para atendê-lo. Certamente a Apple também se esforça nesse sentido – e tentou tirar as editoras das garras de um dos “Cavaleiros do Apocalipse” para que gentilmente se entregassem em suas mãos. Não teve o sucesso que esperava, mas continua no jogo.

E os outros dois “Cavaleiros”, Google e Facebook? Bom, a Google – que tem um papel muito menos na venda de produtos – tem, no entanto, um papel crucial no fortalecimento da Amazon, já que seu mecanismo de buscas aponta, de forma dominante, o banco de dados da empresa como fonte de informação sobre autores e títulos procurados na Internet. Com o Google + também atua, subsidiariamente com o Facebook, no papel de criar presença e “descobertabilidade” para títulos e autores.

Greenlight Bookstore - as independentes  ganham mais espaço nos EUA, com tecnologia e apoio da comunidade
Greenlight Bookstore – as independentes ganham mais espaço nos EUA, com tecnologia e apoio da comunidade

A disputa final – e aí ainda estão no jogo tanto as cadeias quanto as livrarias independentes – é para que os leitores/clientes se acostumem a usar um dos canais de venda disponíveis: online (dominantemente Amazon, com presença de outros concorrentes similares que variam de país a país), as superlojas e as livrarias independentes.

O jogo, assim, muda de configuração.

Mesmo quem parecia descartado em um determinado momento – as livrarias independentes – passaram a usar instrumentos tecnológicos para melhorar seu desempenho, e não apenas subsistir, como voltar a crescer.

Um recente post escrito por Erin Cox, na Publishing Perspectives, assinala isso de modo claro. No post, que entrevista vários livreiros independentes e também Oren Teicher, que é o executivo da ABA – American Booksellers Association, este declara que “Na medida em que o custo da tecnologia diminui, as pequenas empresas podem ter acesso à mesma tecnologia que as grandes corporações”. Não apenas para promoção em websites, mídias sociais e campanhas de email, mas também na tecnologia usada para operar o negócio, como sistemas de pontos de venda, administração de estoque, contabilidade e web design. “Somos agora capazes de conduzir os negócios de modo mais eficiente, a um custo suportável”, conclui Teicher.

No caso das independentes, outro fator importante é o da ligação com a comunidade. A tecnologia permite que as mensagens sejam bem desenhadas para o público local, de uma maneira como não é possível para as grandes lojas – nem para a Amazon. No caso, o apelo é comunitário, enquanto o da Amazon é completamente individualizado.

Cabe notar que a disponibilização de instrumentos tecnológicos avançados, no caso das livrarias independentes, conta com um apoio de infraestrutura enorme proporcionado pela própria ABA, como relatei aqui.

O interessante é que, em todos os casos, o foco passa a ser uma autonomia muito maior do leitor na escolha do que deseja ler/comprar, com mecanismos de busca que ultrapassam de longe o que se podia escolher nas grandes lojas. A disputa se concentra em tornar os livros “acháveis” – não adianta simplesmente lotar as vitrines das lojas – e levar o cliente a fidelizar as compras, mesmo que use mecanismos de busca externos, como o Google ou o Bing.

Cabe notar, finalmente, que para as independentes terem condições de crescer nesse ambiente, tiveram que fortalecer a ABA e fazer discussões a sério, como a que acontece nesses dias em Denver, no “Winter Institute”. Essa é uma reunião anual (não é uma convenção), com pautas quentíssimas, e tem uma lotação de quinhentos participantes (máximo dois por empresa). Oren Teicher até me convidou para assistir, o que farei algum dia, talvez…

 

A CONVENÇÃO DA DIVERSIDADE CULTURAL DEZ ANOS DEPOIS

Capturar A Convenção Sobre a Proteção da Diversidade das Expressões Culturais completou, em 2015 seu décimo aniversário de promulgação. A Convenção foi o resultado de longas negociações, que se formalizaram no âmbito da Unesco em 2003, e resultaram em sua adoção na Assembleia de 2005. Atualmente, a Convenção já foi ratificada por 140 Estados Membros. O Brasil teve papel importante nas etapas finais da negociação, mas sem dúvida os países que mais se destacaram nesse processo foram a França e o Canadá. É de se anotar que os Estados Unidos até hoje não ratificaram a convenção – e buscam sabotar sua aplicação em todas as negociações comerciais, tratando de evitar a inclusão de várias cláusulas previstas nesse instrumento internacional.

Ao comemorar o décimo aniversário do estabelecimento da Convenção, a UNESCO encomendou a catorze especialistas internacionais, além do pessoal da administração da Convenção, um documento síntese de análise dessa etapa, intitulado “Repensar As Políticas Culturais”. Infelizmente só consegui acesso ao resumo executivo, disponível em espanhol (por iniciativa do governo sueco!) aqui. Os autores assinam cada uma das secções do documento. (Às vezes é bem difícil conseguir a íntegra desses documentos, a nossa representação na UNESCO não reproduz nem traduz nada. É nossa diplomacia cultural em ação…).

O documento da UNESCO está dividido em quatro secções:

➊ Apoiar sistemas de governança cultural sustentáveis;

➋ Conseguir alcançar um fluxo equilibrado de serviços e bens culturais, e incrementar a mobilidade dos artistas e dos profissionais culturais;

➌ Integrar a cultura em processos de desenvolvimento sustentável,

➍ Promover os direitos humanos e as liberdades fundamentais.

Cada uma dessas secções está dividida em vários capítulos, cada um deles abordando algum aspecto específico do tema. É importante lembrar que o documento da UNESCO pretende mapear as ações dos signatários da Convenção, destacando principalmente o “rumo” das modificações e sua implementação. Assinala, entretanto, que ainda falta muito para alcançar as metas da Convenção.

Esse é o tom de todas as secções. Assinala avanços, mas sempre destaca que falta muito para alcançar os objetivos do instrumento multilateral. Não vou abordar aqui todos os pontos do documento.

Quero destacar, entretanto, a descrição do fluxo de bens e serviços culturais a nível mundial.

Duas “mensagens-chave” dessa secção do documento chamam atenção: “A soma total das exportações de bens culturais a nível mundial em 2013 foi de 212,8 bilhões de dólares. A percentagem dos países em desenvolvimento é de 46,7%, o que representa um incremento marginal diante do ano 2004. Apenas a China e a Índia competiram significativamente com os países desenvolvidos no mercado global”.

A segunda mensagem é ainda mais significativa: “A soma total das exportações de serviços culturais a nível mundial em 2012 foi de 128,5 bilhões de dólares. A percentagem dos países em desenvolvimento representa apenas 1,6%. Os países desenvolvidos dominam este campo, com 98%. Isso se deve principalmente ao incremento de fluxos de serviços audiovisuais e artísticos transmitidos eletronicamente”.

Para além de uma terminologia econômica meio ultrapassada, o que o dado revela/esconde é o fato dos Estados Unidos não terem ratificado até hoje a Convenção da Diversidade Cultural. Mais ainda, eles procuram ativamente forçar, nas negociações comerciais com países e blocos de países, para que não se recorra aos mecanismos da Convenção para manter a autonomia desses países na formulação de políticas chamadas de “exceção cultural”. Na prática, exige de quem quiser exportar matéria-prima para o Big Brother do norte ter que aceitar o ingresso livre de barreiras de filmes, música, apps e etcéteras vindos de lá.

A indústria cinematográfica dos Estados Unidos é, depois do comércio de armas, o mais valioso item de exportação daquele país. “Serviços culturais” incluem, hoje, não apenas o download de música e cinema, como também o de livros. Lembremos que a Amazon não vende “a propriedade” do que é descarregado na Internet. Apenas licencia o uso. Daí ser um serviço e não exportação de bens.

Apesar de não haver retificado a Convenção, os EUA voltaram a fazer parte da UNESCO há pouco mais de dez anos atrás, justamente antes da negociação final desse instrumento. Atuaram – principalmente em dobradinha com Israel – de forma dura para tentar impedir o acordo final. Felizmente foram derrotados, mas não ratificaram a convenção. Cabe lembrar que a delegação brasileira na Conferência (Gilberto Gil era o Ministro da Cultura) teve um papel importante nas articulações para a aprovação do instrumento.

Ora, o país que não a ratifica fica praticamente fora dos mecanismos de controle, mediação e resolução de conflitos previstos na Convenção, que incluem aspetos relacionados com a OMC – Organização Mundial do Comércio.

A linguagem diplomática do documento da UNESCO encobre esse grande problema, que continua em aberto, e diminui consideravelmente o impacto do instrumento multilateral.

O então assessor internacional do Ministério da Cultura, Ministro Conselheiro (na época Conselheiro) Marcelo Dantas da Costa, teve um importante papel nessas negociações. Hoje é o delegado alterno da Delegação Permanente do Brasil na UNESCO (a titular é a Embaixadora Eliana Zugaib). No entanto, infelizmente, a página da representação, cujo link está aqui e as notícias que se consegue captar pela imprensa e pela Internet não têm mostrado uma atuação muito vibrante. Ano passado, por ocasião do Salon du Livre de Paris (quando o Brasil foi homenageado), estive na UNESCO em busca de informações sobre o Index Translationum, e soube que o programa estava desativado “por razões orçamentárias”. Escrevi para a Delegação Permanente sobre o assunto. Espero até hoje uma resposta.

Acredito que seja importante que o Ministério da Cultura, e o Itamaraty, aproveitem o ensejo da publicação desse documento da UNESCO para promover uma revisão do que foi feito por aqui dentro das propostas da Convenção sobre a Diversidade Cultural, e quais as dificuldades, entraves e qual a ação diplomática brasileira para avançar internacionalmente na aplicação desse importantíssimo instrumento multilateral. Que, não custa lembrar sempre, pode também ter impactos significativos nas negociações comerciais

MACHADO DE ASSIS MAGAZINE ANUNCIA PARTICIPANTES DO NÚMERO 7

Capturar
A Machado de Assis Magazine – Literatura Brasileira em Tradução, anunciou hoje os autores e textos que participam de seu número 7, que será lançado oficialmente na FIL – Feira Internacional de Libro de Guadalajara, no próximo dia 30.

A revista é uma coedição entre a Fundação Biblioteca Nacional e o Itaú Cultural, e já publicou 143 excertos traduzidos de autores brasileiros, em inglês, espanhol, alemão e francês. Muitos desses já foram publicados em vários países, e os números online da Machado de Assis Magazine paulatinamente se transformam em um banco de dados no qual agentes e editores podem buscar amostras da qualidade e diversidade de nossos autores.

Como declarou o professor Renato Lessa, presidente da FBN, a Machado de Assis Magazine “é complemento estratégico da política brasileira de apoio à internacionalização da literatura brasileira. Tal política tem como eixo central o Programa de Apoio à Tradução, reconhecida iniciativa de projeção internacional da literatura feita no país e conduzido pelo Centro de Cooperação e Difusão da Biblioteca Nacional”.

O site da Machado de Assis Magazine já recebeu mais de 840.000 visitas desde que está no ar, e já foram feitos cerca de 53.000 downloads de trechos traduzidos ou do conteúdo total da revista.

A lista dos publicados no número 7 da Machado de Assis Magazine é a seguinte:

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Como podem ver, dos vinte e um excertos publicados, 17 estão em inglês e quatro em espanhol. Quanto aos gêneros, catorze são trechos de romances, quatro de livros para crianças e jovens, poesia, ensaio e conto, com um trecho cada.

VETOS E DADOS – OS 16 BILHÕES

 

Na quinta-feira passada, dia 8, nosso editor do PublishNews publicou um artigo intitulado “De onde vêm os 16 bi da Dilma”,  comentando o publicado no blog do Planalto, onde afirmava que o custo de uma das “pautas-bomba” vetadas pela Presidenta e em exame na Câmara dos Deputados custaria 16 bilhões de reais até 2019. O artigo vetado dizia respeito a uma proposta que modificava a legislação do Imposto de Renda cuja primeira formulação é de 1995, com valores reajustados todos os anos. A modificação deste ano é a tal Lei 13.149/2015, parcialmente vetada, e que isentava os professores de pagar Imposto de Renda se comprassem o valor em livros.

Foi uma matéria importante e oportuna, pois o Leonardo Neto levantou um assunto para o qual poucas pessoas (eu inclusive) não estavam prestando atenção. O Leonardo Neto fuxicou um pouco o assunto e, com base nas informações do mercado (produção editorial e faturamento), divulgada pelo SNEL e pela CBL, concluiu: “A matemática palaciana parece equivocada. Tomando por base a pesquisa encomendada à Fipe, pela CBL e pelo SNEL, o faturamento total das editoras em 2014 foi de R$ 5.409 bilhões. Dados da Nielsen dão conta que no ano passado o mercado varejista de livros faturou R$ 1.461 bi. Muito a grosso modo, pelas contas da presidente Dilma e de sua equipe econômica, a isenção que seria dada a professores na compra de livros seria algo em torno de R$ 4 bilhões/ano ou 74% do faturamento das editoras ou quase três vezes o tanto que o varejo faturou com a vendas de livros, segundo os dados da Nielsen.”

A notícia chocou e provocou comentários irados de leitores, que diziam que “era assim a tal Pátria Educadora”, “como é possível negar dinheiro para os professores comprarem livros”, etc. Confesso que também levei o maior susto, quando li a notícia.

A conta do Leonardo Neto estava certa, com os dados que usou.

Só que houve um equívoco, quanto aos dados a serem comparados. Essa certeza adquiri depois de, eu mesmo, fuxicar dados e a própria legislação.

Com a minha idade, já tenho uma casca de ceticismo bem grossa quanto às afirmações do governo. Todo governo – seja lá qual for sua tendência política – tende a mascarar ou manipular dados. Só que o esforço de transparência nos dados, aqui e alhures, torna essas tentativas de manipulação mais evidentes. É possível conferir quase tudo indo direto às fontes.

No caso, não houve nenhuma tentativa de mascarar ou manipular dados. A razão de divulgar o veto dessa maneira é que mostrou-se incompetente.

Mas comecei buscando ver de onde vinham os tais 16 bi. Macaco velho, fui direto no site da Receita Federal. Todos que já preencheram uma declaração de IR sabem que ali deve ser declarada a profissão, que indica a origem principal dos rendimento declarados. Portanto, “professor” seria, necessariamente, um dado na compilação de informação da Receita Federal.

E me perdi no site, diante da enorme massa de informações fiscais disponíveis.

Fui para o Portal da Transparência, por onde se exerce o direito de informação legal, fiz o cadastro e perguntei: “Necessito de informações sobre o recolhimento de imposto de renda de pessoas físicas, consolidado anualmente de 2010 a 2014, com especificação da categoria profissional dos declarantes (p. ex. professor, advogado, etc.)”.

Três horas depois recebi a resposta da SRF, com os links que me levaram precisamente aonde eu queria. O link me levou ao site onde estão as informações, e lá dentro outro link  me levou direto aos grandes dados das declarações de Imposto de Renda – ano calendário 2013, Declaração de Imposto de Renda de 2014. É o último ano consolidado, já que as declarações referentes ao ano calendário 2014 ainda estão em processamento.

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Agente Literária Carmen Balcells morre na Espanha

Carmen Balcells, agente literária que teve grande responsabilidade no chamado “boom” da literatura latino-americana, morreu hoje em Barcelona, onde vivia.

Sua agência já estava associada à do Wylie, outro mega do setor.

Para lembrar, republico aqui o post do dia 25 de novembro de 2011, no qual tratava da incorporação do acervo da agência ao arquivo do Ministério da Cultura da Espanha, e que tinha uma pequena sugestão às nossas entidades do livro:

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Há alguns dias o jornal El País publicou uma série de reportagens sobre Carmen Balcells, a mega agente literária. O pretexto era a entrega do arquivo da agente literária para o Archivo General de la Administración (AGA) de Alcalá de Henares, órgão do Ministério da Cultura da Espanha. O atual governo socialista pretendia que o destino final desse acervo fosse um centro nacional de memória da criação literária, edição e industrial editorial, com base nesse fundo. Com o PP no poder, provavelmente o fundo ficará mesmo no Archivo Nacional.

São mais de 2.000 caixas (2,5 quilômetros de documentos alinhados), com a correspondência da agente com autores e editores, cópias de contratos e prestações de conta. Enfim, o “subterrâneo” da vida literária espanhola dos últimos cinquenta anos.
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MACHADO DE ASSIS MAGAZINE – PRAZO DE INSCRIÇÕES TERMINA DIA 17

Capturar A Machado de Assis Magazine – Literatura Brasileira em Tradução  encerrará as inscrições para seu sétimo número na próxima segunda-feira, dia 17. A convocatória e a relação dos documentos necessários para a inscrição de trechos estão disponíveis para download na página inicial do site da Machado de Assis Magazine.

A revista, que é uma coedição entre a Biblioteca Nacional e o Itaú Cultural, publica excertos de traduções de autores brasileiros para difusão internacional, e o próximo número será lançado por ocasião da FIL –Guadalajara,  que acontecerá entre os dias 28 de novembro e 6 de dezembro naquela cidade mexicana. Esta será a primeira vez que a Machado de Assis Magazine será lançada em uma feira de livros fora da Europa, já que os dois últimos números foram difundidos respectivamente nas feiras de Frankfurt e de Paris.

A escolha dos títulos é feita por uma Comissão Editorial constituída por representantes da FBN e do Itaú Cultural, mas a maioria de seus membros é de críticos literários e professores de literatura brasileira, vários também com experiência no mundo editorial, que selecionam com total liberdade.

A Machado de Assis Magazine vem tendo um papel significativo na difusão da literatura brasileira no exterior. Suas edições online se transformam em um banco de dados de referência de autores disponíveis para a tradução, de consulta permanente. Os números mostram isso. Desde seu primeiro número, em 2012, já tivemos 1.628.213 hits no site da revista, e foram feitos 59.499 downloads, seja do conteúdo completo da revista, seja de autores individuais. Ana Maria Machado e João Paulo Cuenca estão entre os dez autores com trechos mais solicitados para download, com os outros oito referentes a números completos da MAM.

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Este ano o país homenageado pela FIL será a Grã-Bretanha, o que garante a presença de grande número de editores e jornalistas daquele país. A Feira Internacional do Livro de Guadalajara é a mais importante feira profissional da América Latina, além de ser um belo festival cultural, com a presença de grande quantidade de autores, apresentações musicais e exposições de arte.

A FIL Guadalajara completa este ano seu 29º. aniversário, e o Brasil já foi País Convidado de Honra em 2001. Este ano a Biblioteca Nacional prevê o envio de aproximadamente dez autores, que participarão de atividades no estande brasileiro e em outros eventos organizados pela Feira. Dois autores brasileiros já ganharam o Prêmio FIL de Literatura em Línguas Romances: Nélida Piñón, em 1995, e Rubem Fonseca, em 2003.

Marcelino e Nazarian estiveram na FIL em 2014
Marcelino e Nazarian estiveram na FIL em 2014

Já fui várias vezes a Guadalajara, desde antes de 2011, quando participei da organização da participação brasileira na feira. Acredito que o modelo adotado em sua organização seja um dos mais originais dentre todos os que conheço.

Destaque-se que a FIL é organizada pela Universidad de Guadalajara, uma das mais antigas das Américas, que tomou a iniciativa de sua criação. Essa característica garante uma intensa programação cultural e profissional. Os dois primeiros dias são reservados aos profissionais da indústria editorial, com vários seminários e encontros destinados a esse público, além do funcionamento de um Centro de Negócios muito ativo.

Um dos investimentos que a FIL vem fazendo há muitos anos é o de financiar parte dos gastos de estadia de bibliotecários provenientes principalmente dos Estados Unidos. Como o espanhol é o segundo idioma falado nesse país, grande parte das bibliotecas mantem oferta de livros de ficção e não ficção, além de obras técnico-científicas, para atender o público que, vivendo nos EUA, não deseja perder o contado com seu idioma original.

Outro fator interessante da organização da FIL é a separação física da área para crianças e jovens. Os jovens que visitam a feira com seus colegas não apenas recebem uma intensa programação cultural destinada a eles, como isso é feito em uma área própria. Com isso, a FIL evita a balbúrdia que vemos por aqui nas áreas destinadas ao público adulto e profissional, fazendo com que o evento tenha uma extraordinária rentabilidade para editores, bibliotecários e profissionais que comparecem, principalmente nos primeiros dias. É um modelo interessante que poderia ser melhor observado e adaptado para as nossas condições.

Com essa organização, a FIL Guadalajara conseguiu se caracterizar efetivamente como um evento que consegue combinar as atividades profissionais e de negócios com a grande presença de público adulto e infantil.

Acreditamos que este sétimo número da Machado de Assis Magazine – Revista Brasileira de Tradução terá um impacto significativo para a difusão de nossos autores, não apenas junto ao mercado editorial latino-americano, como também junto aos editores da Grã-Bretanha.

As inscrições podem ser feitas tanto pelos autores, como também pelos editores e tradutores, desde que obedeçam aos requisitos especificados na Convocatória.

Habilitem-se, pois.

PREÇO FIXO E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O LIVRO – 2

A Mafalda é que tem razão.
A Mafalda é que tem razão.

No post anterior, comentei sobre algumas características do projeto de lei da Senadora Fátima Bezerra sobre a fixação de preços de venda ao consumidor, chamei atenção para a ementa do projeto, que se propõe a instituir uma Política Nacional do Livro, e disse que, sob esse aspecto, o projeto deixava ainda muito a desejar.

Repito, para deixar bem claro, que tenho muita admiração pela Senadora Fátima Bezerra, que é defensora do livro e da leitura e uma das mais dinâmicas componentes da Frente Parlamentar do livro. As críticas são muito mais no sentido de mostrar o quanto falta de integração e decisão política do executivo – que o Congresso tenta remediar com essa e outras iniciativas – para que tenhamos realmente uma política pública de respeito ao livro, à leitura e às bibliotecas.

Quero destacar algumas questões já consolidadas nos sucessivos aperfeiçoamentos da Loi Lang, e que efetivamente contribuem – juntamente com outras medidas legislativas francesas – para o estabelecimento dos marcos legais para uma política do livro.

O art. 3 da Loi Lang, além de limitar os descontos (até nove por cento, para vendas a bibliotecas e órgãos públicos), inclui três parágrafos que convém examinar mais de perto, por aumentarem a margem de desconto sobre o preço de capa para até 9%:

Libraire Indépendent de Réference - Selo do livreiro de qualidade
Libraire Indépendent de Réference – Selo do livreiro de qualidade

 “Par dérogation aux dispositions du quatrième alinéa de l’article 1er et sous réserve des dispositions du dernier alinéa, le prix effectif de vente des livres peut être compris entre 91 % et 100 % du prix de vente au public lorsque l’achat est réalisé :

1° Pour leurs besoins propres, excluant la revente, par l’Etat, les collectivités territoriales, les établissements d’enseignement, de formation professionnelle ou de recherche, les syndicats représentatifs ou les comités d’entreprise ;

2° Pour l’enrichissement des collections des bibliothèques accueillant du public, par les personnes morales gérant ces bibliothèques. Le prix effectif inclut le montant de la rémunération au titre du prêt en bibliothèque assise sur le prix public de vente des livres prévue à l’article L. 133-3 du code de la propriété intellectuelle.

Le prix effectif de vente des livres scolaires peut être fixé librement dès lors que l’achat est effectué par une association facilitant l’acquisition de livres scolaires par ses membres ou, pour leurs besoins propres, excluant la revente, par l’Etat, une collectivité territoriale ou un établissement d’enseignement.”

Coloquei o texto original francês para que, eventualmente possam me corrigir. Mas a lei declara que o limite de cinco por cento é estendido até nove por cento quando a venda – pelas livrarias – for feita para “suas necessidades próprias, excluída a revenda”, para o Estado, coletividades territoriais, estabelecimentos de ensino, de formação profissional ou de pesquisa, sindicatos representativos ou comitês de empresas.

Além da FNAC, livrarias independentes florescem em Paris
Além da FNAC, livrarias independentes florescem em Paris

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Em Frankfurt, Teo Mesquita fundou sua livraria portuguesa e brasileira
Em Frankfurt, Teo Mesquita fundou sua livraria portuguesa e brasileira

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PREÇO FIXO E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O LIVRO – 1

Na última FLIP, a Senadora Fátima Bezerra (PT-RN), deu entrevista para a TV PublishNews  a propósito de seu projeto de Lei do Senado 49/2015,  cuja ementa declara que “Institui a Política Nacional do Livro e a regulação de preços”, mais conhecida como projeto da lei do preço fixo.

A Senadora Fátima Bzerra (PT-RN), é uma defensora do livro e da leitura. dep. Fatima Bezerra  Fotos de Luiz Xavier 19-08-09
A Senadora Fátima Bzerra (PT-RN), é uma defensora do livro e da leitura.
dep. Fatima Bezerra
Fotos de Luiz Xavier

Em repetidas ocasiões escrevi que sou favorável ao projeto, como se pode ver aqui, por exemplo, e faço questão de reiterar que se trata de medida importante para os leitores, os autores, as livrarias e para a indústria editorial brasileira. Mas também já afirmei que essa medida, quando e se for aprovada e sancionada, não será uma panaceia. Até porque, como tentarei mostrar, está muito longe de instituir uma política nacional do livro.

O projeto da Senadora Fátima Bezerra, que vem se distinguindo desde seu mandato de Deputada Federal, como uma das mais ativas defensoras do livro, da leitura, das bibliotecas, das livrarias e da indústria editorial brasileira, está evidentemente calcado na chamada Loi Lang, em vigor na França desde 1981. É bom chamar atenção que o link acima reflete uma série de modificações importantes na Loi Lang até este ano, incluindo alguns dispositivos que comentarei mais adiante, já em vigor na França.

Jack Lang, Ministro da Cultura da França, introduziu a "Lei do Preço Fixo"
Jack Lang, Ministro da Cultura da França, introduziu a “Lei do Preço Fixo”

Em resumo, a lei do “preço fixo” se forma em torno de alguns pontos fundamentais:

1) O editor fixa o preço de venda ao público do livro (preço de capa);

2) Esse preço de capa, na França, poderá ser oferecido pelos varejistas com desconto máximo de 5%. Essa a disposição do art. 1 da lei francesa: “Les détaillants doivent pratiquer un prix effectif de vente au public compris entre 95 % et 100 % du prix fixé par l’éditeur ou l’importateur”.

3) Na redação do projeto da Senadora, aparentemente se preferiu estabelecer o desconto máximo de 10%. Entretanto, a disposição está confusa, por duas razões. Primeiro por declarar que o preço efetivo será de 90 a 100% “do preço da efetiva aquisição pela livraria”, o que não faz sentido. A redação francesa, diz que “le prix effectif de vente des livres peut être compris entre 91 % et 100 % du prix de vente au public”, ou seja, do preço de capa determinado pelo editor, e não do preço da efetiva aquisição pela livraria. Essa menção a um desconto maior de fato existe na lei francesa, mas está no art. 3 da Loi Lang que trata da aquisição de livros pelo estado, por comunidades e bibliotecas, e que examinarei no próximo post. Por hora vale mencionar que, acredito, o projeto da Senadora Fátima Bezerra pretende limitar o desconto na venda ao público a 10% do preço de capa.

4) Esse preço de capa determinado pelo editor será válido por um ano a partir do seu lançamento. O projeto determina que as modificações de preço deverão ser comunicadas pela editora com uma antecedência mínima de 30 dias. Aqui, também seja dito que a redação está confusa. A redação do artigo determina a validade do preço por um ano, mas o § 3 desse mesmo artigo 6 estabelece esse aviso prévio. Como ainda vivemos na sombra de inflação, esse dispositivo abre a possibilidade de que a editora modifique o preço antes do prazo de um ano. Precisa ser melhor redigido.

5) Depois do prazo estabelecido por lei, quem comercializa no varejo pode fixar o preço que quiser. Existem determinadas exceções à regra de fixação (livros raros, edições especiais, etc.).

Alguns autores independentes, em comentários que andei lendo nas redes sociais, reclamaram que esse dispositivo lhes impede de “vender barato” seus livros. Acredito, no entanto, que essa posição decorra de uma falha na compreensão do texto. O editor – ou o autor independente que edite – pode fixar o preço que quiser. Os autores que reclamaram possivelmente estão pensando no fato de que as redes e grandes livrarias não lhes comprarão o livro “porque não lhes interessa”. Bem, isso já é outro problema, que não diz respeito à fixação do preço, e que também já abordei em outras ocasiões.

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MO YAN, CHINA E INDÚSTRIA EDITORIAL CHINESA

Capturar

No ano 2000, quando era Diretor de Relações Institucionais da CBL, a instituição recebeu um convite para visitar a Feira de Livros de Beijing, naquele ano. Os chineses pagavam tudo – hotel, transportes internos, refeições, passeios – mas era preciso comprar a passagem até Shanghai. Ninguém da diretoria topou ir. Eu reuni milhagem, fiz as contas e fui.

Foram quase quinze dias muito interessantes. Muito turismo, comidas exóticas (sem chegar aos exageros de cobras, cachorros e lagartos), reuniões com editores, tanto em Shanghai como em Beijing, e a visita à Feira.

O esforço que os chineses faziam no momento era mostrar que estavam combatendo a pirataria a sério. Era uma queixa, principalmente dos editores dos EUA e do Reino Unido, e muito focada na área técnico científica. Mereci até foto na primeira página do China Daily… identificado como visitante cubano! Pelo que fui devidamente gozado pelo pessoal da Embaixada do Brasil, no dia seguinte.

Havíamos publicado, na Marco Zero, as memórias de Pu Yi, o último imperador chinês, traduzidas por Li Junbao, que estava fazendo um curso na USP e que, durante a Revolução Cultural, passou meses trancado em um hotel como parte da equipe que traduzia as Obras Escolhidas do Presidente Mao para o português. E eu havia pensado em traduzir (do espanhol) “Meia-Noite”, romance da década de trinta, de Mao Dun, escritor que, juntamente com Lu Xun (contista), eram os representantes da literatura engajada, comunista. Não deu.

Eu não conhecia nada de literatura chinesa contemporânea. Aliás, coisa raríssima era algo além de alguns clássicos, como “A Viagem ao Oeste”, ser traduzido.

Passaram-se os anos e começaram a aparecer obras chinesas por aqui. Principalmente filmes. “O Sorgo Vermelho”, de Zhang Yimou, foi um filme impactante, tanto pela beleza como pela descrição das condições de vida na China pré-revolucionária. O filme era baseado em um romance do Mo Yan.

Ainda naquele ano 2000 (depois que voltei da China), foi anunciado como vencedor do Nobel o escritor Gao Xingjian, exilado, dissidente e morando em Paris. Em 2002, creio, li em espanhol “A Montanha da Alma”. Romance metafísico, chatíssimo, que não me comoveu absolutamente nada. Em 2010, Liu Xiaobo ganhou o Nobel da Paz. Os dois prêmios foram violentamente criticados pelo governo chinês, que acusou o Nobel de provocação.

Chega 2012 e outro chinês ganha o Nobel. Dessa vez, Mo Yan. E tome crítica ao Nobel e a ele, apresentado como “escritor oficial”, conivente com o regime. Enfim, como alguém não merecedor de ganhar prêmio nenhum, ainda que no ano anterior já houvesse recebido o Newman, reputadíssima premiação dos EUA e bom indicador dos possíveis candidatos ao galardão sueco. Além do mais, Mo Yan era dirigente da Associação dos Escritores da China e havia começado sua carreira produzindo peças de propaganda para o exército.

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