AS MUDANÇAS NO PAPEL DE EDITORES E LIVREIROS

O começo do ano é sempre oportunidade para pensar perspetivas e tendências em cada ramo de atividades, e o mercado editorial não escapa disso. Foram vários artigos e posts publicados em janeiro tentando dar conta do que anda acontecendo no mercado editorial e livreiro.

Como quase tudo, o foco principal se situa ao redor do mercado editorial dos EUA. É o maior mercado do mundo e o que acontece por lá, em maior ou menor medida, acaba se refletindo por aqui também. Como meu estoque de pensamentos originais anda baixo, procurei refletir a partir de alguns dos que li.

Mike Shatzkin, conhecido consultor do mercado editorial internacional, publicou recentemente em seu blog Idealog um post no qual afirma que “a indústria editorial vive em um ambiente moldado por forças mais amplas, e sempre foi assim”. No fundo, é uma observação de senso comum: nenhum segmento econômico vive exclusivamente a partir de sua própria dinâmica. Como fenômeno social, sempre está sujeito a forças sociais e econômicas mais amplas. Na verdade, o que Shatzkin queria enfatizar era o contexto histórico da evolução da indústria editorial dos EUA, e como isso foi moldando a situação atual.

Para tanto, lembra de alguns marcos importantes. O papel de Andrew Carnegie no estabelecimento de um amplo sistema de bibliotecas públicas; a introdução do sistema de devoluções, pela Simon&Schuster e a Putnan, por conta da depressão; a entrada dos distribuidores de revistas no negócio, que originou a revolução dos livros de bolso; finalmente, o interesse de Wall Street nas superlojas em shopping centers e a inflexão das editoras para a busca dos grandes bestsellers. Em todo esse período, assinala Shatzkin, as editoras se dedicavam a um modelo de negócios business-to-business. A questão era vender para as livrarias, para as cadeias de livrarias, para as grandes superfícies. Para apoiar isso, a promoção nos jornais, resenhas, entrevistas de autores no rádio e na TV.

Até 1995. Até a Amazon. E, concomitantemente, com o fortalecimento dos “Quatro Cavaleiros do Apocalipse”: Amazon, Apple, Facebook e Google.

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O modelo de negócios da Amazon, como todos sabem, começou com os livros. Mas a venda de livros foi só o início do projeto Bezos de construir sua loja que vende de tudo, a partir do conhecimento extenso do que os clientes compram (e capacidade de transformar isso em desejo).

Mas, como assinala Shatzkin, o projeto da Amazon ia muito além disso. “Amazon operava em um ambiente sem restrições geográficas; suas vendas não eram restringidas ao local, como as livrarias físicas. Podiam efetivamente prestar serviço para clientes de qualquer lugar. Assim, mesmo no início, quanto tomavam apenas pequenas parcelas do mercado das lojas, tão pouco que estes mal notavam, a Amazon construía uma substancial base de clientes para si própria”.

Era como a história do sapo na panela: a água vai esquentando pouco a pouco, até que…

Shatzkin nota um aspecto interessante da operação da Amazon, no seu início. A empresa usava um banco de dados (de livros) da Baker & Taylor muito “sujo”, com muitos títulos fora de catálogo. A Amazon reverteu isso a seu favor: se o cliente procurava um livro em uma loja e não encontrava, podia procurar em outra, e outra. A Amazon dizia de cara: fora do catálogo, o que induzia eventualmente à busca de outro título. E um dos primeiros grupos de clientes influentes que passaram a usar a Amazon foi o pessoal da academia. E assim a Amazon se transformou no local primário de busca de títulos – posição que era anteriormente ocupada pelas superlojas.

E vai por aí.

Mas a ênfase que Shatzkin quer dar é que, com isso, a Amazon multiplicou a força dos clientes na escolha dos livros. O seu esforço de prestar o melhor serviço e indicar alternativas modificou radicalmente o escopo do negócio. Para as editoras, não se tratava mais de decidir o que publicar, mas sim como fazer que o livro chamasse a atenção do leitor. Isso, no modelo anterior, era secundário: na medida em que convencesse as livrarias a expor os livros que decidiam publicar, os leitores eram induzidos a comprá-los.

Nesse novo cenário, o leitor/cliente passa a ter um papel muito mais relevante. E a Amazon está posicionada para atendê-lo. Certamente a Apple também se esforça nesse sentido – e tentou tirar as editoras das garras de um dos “Cavaleiros do Apocalipse” para que gentilmente se entregassem em suas mãos. Não teve o sucesso que esperava, mas continua no jogo.

E os outros dois “Cavaleiros”, Google e Facebook? Bom, a Google – que tem um papel muito menos na venda de produtos – tem, no entanto, um papel crucial no fortalecimento da Amazon, já que seu mecanismo de buscas aponta, de forma dominante, o banco de dados da empresa como fonte de informação sobre autores e títulos procurados na Internet. Com o Google + também atua, subsidiariamente com o Facebook, no papel de criar presença e “descobertabilidade” para títulos e autores.

Greenlight Bookstore - as independentes  ganham mais espaço nos EUA, com tecnologia e apoio da comunidade
Greenlight Bookstore – as independentes ganham mais espaço nos EUA, com tecnologia e apoio da comunidade

A disputa final – e aí ainda estão no jogo tanto as cadeias quanto as livrarias independentes – é para que os leitores/clientes se acostumem a usar um dos canais de venda disponíveis: online (dominantemente Amazon, com presença de outros concorrentes similares que variam de país a país), as superlojas e as livrarias independentes.

O jogo, assim, muda de configuração.

Mesmo quem parecia descartado em um determinado momento – as livrarias independentes – passaram a usar instrumentos tecnológicos para melhorar seu desempenho, e não apenas subsistir, como voltar a crescer.

Um recente post escrito por Erin Cox, na Publishing Perspectives, assinala isso de modo claro. No post, que entrevista vários livreiros independentes e também Oren Teicher, que é o executivo da ABA – American Booksellers Association, este declara que “Na medida em que o custo da tecnologia diminui, as pequenas empresas podem ter acesso à mesma tecnologia que as grandes corporações”. Não apenas para promoção em websites, mídias sociais e campanhas de email, mas também na tecnologia usada para operar o negócio, como sistemas de pontos de venda, administração de estoque, contabilidade e web design. “Somos agora capazes de conduzir os negócios de modo mais eficiente, a um custo suportável”, conclui Teicher.

No caso das independentes, outro fator importante é o da ligação com a comunidade. A tecnologia permite que as mensagens sejam bem desenhadas para o público local, de uma maneira como não é possível para as grandes lojas – nem para a Amazon. No caso, o apelo é comunitário, enquanto o da Amazon é completamente individualizado.

Cabe notar que a disponibilização de instrumentos tecnológicos avançados, no caso das livrarias independentes, conta com um apoio de infraestrutura enorme proporcionado pela própria ABA, como relatei aqui.

O interessante é que, em todos os casos, o foco passa a ser uma autonomia muito maior do leitor na escolha do que deseja ler/comprar, com mecanismos de busca que ultrapassam de longe o que se podia escolher nas grandes lojas. A disputa se concentra em tornar os livros “acháveis” – não adianta simplesmente lotar as vitrines das lojas – e levar o cliente a fidelizar as compras, mesmo que use mecanismos de busca externos, como o Google ou o Bing.

Cabe notar, finalmente, que para as independentes terem condições de crescer nesse ambiente, tiveram que fortalecer a ABA e fazer discussões a sério, como a que acontece nesses dias em Denver, no “Winter Institute”. Essa é uma reunião anual (não é uma convenção), com pautas quentíssimas, e tem uma lotação de quinhentos participantes (máximo dois por empresa). Oren Teicher até me convidou para assistir, o que farei algum dia, talvez…

 

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