OREN TEICHER, DA ABA, EM ENTREVISTA EXCLUSIVA

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Oren Teicher, o CEO da ABA – American Booksellers Association esteve no Congresso da ANL e fez palestra no 5º. Congresso do Livro Digital da CBL, nos dias 20 e 21 de agosto passado.

Oren Teicher, CEO da American Booksellers Association, no V Congresso do Livro Digital, em São Paulo.
Oren Teicher, CEO da American Booksellers Association, no V Congresso do Livro Digital, em São Paulo.

Em um dos intervalos do Congresso, Oren Teicher concedeu uma entrevista exclusiva ao blog O Xis do Problema, que compartilhamos nesta coluna do PublishNews.

A ABA – American Booksellers Association, é a associação profissional dos livreiros independentes dos Estados Unidos. Independentes, para a ABA, são aquelas livrarias que não estão listadas em bolsas de valores, ou seja, não são “corporações”.  A ABA tem como missão proteger e promover os interesses desses livreiros, e também a liberdade de expressão de todos os cidadãos.

A associação é sem fins lucrativos, mas vários programas e benefícios disponíveis a seus membros são administrados por uma empresa, a Booksellers Order Services, Inc. (BOS), que é de propriedade da ABA. A BOS, por sua vez, opera duas empresas subsidiárias, a BookSense, Inc, que administra o programa IndieCommerce,  que proporciona a infraestrutura de comércio eletrônico (inclusive promoções) dos livreiros associados. Também é proprietária da LIBRIS,  empresa de seguro que administra uma série de serviços para os livreiros.

A ABA existe para prestar serviços aos seus associados, e tem uma mentalidade bastante empresarial quanto às fontes de recursos. O pagamento dos sócios cobre as despesas básicas, mas a associação possui também uma boa quantidade de cursos de formação, que são pagos e lucrativos. Possui também uma companhia de seguros, que presta serviços aos associados por um preço mínimo, mas também é lucrativa, além de ter participação nos resultados na BookExpo America (a operação da feira foi vendida para a Reed faz alguns anos).

A ABA tem hoje cerca de 1.700 membros, recuperando o número de associados há quatro anos, desde uma queda acentuada nos anos 2000-2010.

Vamos aos pontos principais da conversa de quase duas horas que tive com Oren Teicher.

A ABA acredita que os livros impressos irão sobreviver, e que esse é o coração do negócio das livrarias independentes. No entanto, é importante oferecer aos clientes o conjunto de serviços, inclusive a compra de livros digitais. Essa á a razão do acordo com a Kobo, que se sucedeu a uma tentativa malograda com a Google Books. Os resultados financeiros desse acordo são pequenos, mas existem. Entretanto, a ABA sempre está avaliando o problema, já conversou com o grupo que fez o Tolino na Alemanha e sempre está atenta às modificações nesse panorama.

Na área de serviços se destaca o IndieBound, sucessor do Book Sense, do qual tive notícias nos anos 1990, quando a CBL convidou Richard Howorth, então presidente da Diretoria da ABA, para o Encontro de Editores e Livreiros. Dick Howorth é um personagem, e merece uma breve menção. Durante anos ele foi professor do curso de livreiros da ABA, e em um dos anos o curso foi frequentado por Jeff Bezos (“Nós brincamos com Dick dizendo que ele é o responsável por haver ensinado todos os truques a Bezos”, comentou Teicher). E já foi prefeito de Oxford, Mississipi, por duas vezes. A cidade é o local real do lendário Condado de Yoknapatawpha, dos livros de William Faulkner, e Howorth nasceu na casa em frente à do escritor. A livraria dele e da mulher, Lise, a Square Books está na praça principal da cidade.

Como o BookSense, o IndieBound e um sistema que apoia o e-commerce dos afiliados ao programa (que são cerca de 400, hoje). O serviço proporciona às editoras toda a infraestrutura do e-commerce, a loja virtual, a administração do banco de dados, inclusive com os metadados. A referência bibliográfica usada atualmente é a da Ingram, que também é a fornecedora de exemplares. “Já usamos o banco de dados da Baker&Taylor, mas o da Ingram é melhor”, comentou Teicher. A Ingram também presta serviços de distribuição para a maioria dos afiliados da ABA (E também para a Amazon, diga-se de passagem).

Comentei com Teicher minhas críticas ao uso de metadados tanto pelas editoras quanto pelas livrarias brasileiras, e ele disse que “há dez anos, acredito que a situação também era assim, nos Estados Unidos. Mas livreiros e editores foram aprendendo a importância do uso correto de metadados, e o BISG – Book Industry Study Group – teve seu papel importante no estabelecimento de normas e melhores práticas”.

Mas a questão que mais me interessava na conversa com Teicher era em relação aos serviços que a ABA presta a seus associados, e em especial o IndieBound. Esse programa é o sucessor do BookSense, que funcionava em termos muito semelhantes aos do atual, e Teicher informou que a mudança de nome foi motivada pelo crescimento do movimento de compras locais (buy local), que têm fortalecido muito o comércio independente nos EUA. Não apenas livrarias, como também mercados e todo tipo de lojas e fornecedores de serviços que não são vinculados às grandes corporações do gênero, como os Walmart, BestBuy (as “big boxes”, como disse Teicher).

Como funciona o IndieBound?

Em primeiro lugar, fornece aos membros toda a infraestrutura de e-commerce. A aparência final, o lay-out da página é personalizado, mas tudo o que está por trás é serviço da IndieBound. Se o cliente entrar no site da IndieBound lá encontrará um mecanismo para achar a loja mais perto do CEP (Zipcode) do interessado. Se houver mais de uma livraria independente na região, aparece a lista delas. Se o cliente pesquisar os livros e desejar comprar alguma coisa, é sempre automaticamente transferido para a loja. Os serviços de pagamento (cesta, cartão de crédito, verificação e autenticação), são feitos pela IndieBound. O site também pergunta se o cliente quer receber pelo em casa ou retirar da loja, e em cada situação, as alternativas são predeterminadas pelo membro. “Ficamos muito felizes ao constatar que a maioria dos clientes prefere retirar na loja”, comentou Teicher.

Além disso, IndieBound oferece a lista de best-sellers compilada nas vendas das livrarias independentes, e uma seleção chamada “Indie Next”, que inclui livros de vários gêneros selecionados pelas equipes das livrarias e compiladas pelos funcionários da IndieBound. O sistema também organiza promoção, prepara material promocional e listas que são enviadas para os clientes cadastrados. Um pouco como faz a Amazon, só que nada de usar supostos algoritmos: são listas de livros organizadas pelos livreiros.

“Partimos do fato de que os livreiros independentes realmente trabalham a venda dos livros que lhes parecem mais interessantes em cada área. Assim é que se trabalha, com base na experiência de cada uma das centenas de associados ao programa, seus funcionários e compradores”.

As listas do IndieBound são todas de livros físicos, em papel. Também existem listas de indicações para crianças e para grupos de leitura. Esses grupos de leitura têm sido cada vez mais usados pelas livrarias, que cedem o espaço e às vezes refrescos e café para as reuniões. É um fenômeno ainda pouco explorado aqui, embora já exista certa quantidade. Aliás, muitas editoras já incluem, no final dos livros, guias de leitura para os clubes, que também podem ser baixados nos respectivos sites. O IndieBound também permite que livrarias (afiliadas ou não), linkem determinados livros aos seus respectivos sites. No site existem também indicações de como fazer listas de leitura, baixar banners e “blinks” para o próprio site e outros instrumentos de marketing.

Segundo Teicher, o investimento da infraestrutura – e sua permanente atualização – é financiado pela ABA. O pagamento dos associados do programa cobre os custos operacionais. Fiquei tentado a perguntar de a venda para a Reed da antiga feira da ABA, que hoje é a BookExpoAmerica havia sido uma decisão correta. Isso porque as feiras de livros são fontes efetivas de recursos para as entidades que as promovem, como as bienais do Rio e de S. Paulo para o SNEL e para a CBL. Mas, diante da vitalidade e do volume das ações da instituição dos livreiros americanos, me abstive de fazer a pergunta.

Outros serviços

Além do IndieBound, a ABA proporciona a seus associados outros serviços bem objetivos. Eu não conhecia o fato da instituição ser proprietária de uma seguradora, que presta um conjunto de serviços aos associados com um preço mais favorável, faz convênios com outras seguradoras que fornecem planos de saúde, planos de aposentadoria, perda de rendas pessoais e outros. Enfim, um conjunto de serviços de seguro que diminuem o custo das livrarias e também contribuem para o caixa da ABA, a proprietária.

“Quando estudamos a estrutura de custos das livrarias, constatamos vários padrões, e isso ajuda os livreiros também nas negociações”, informou Teicher. Como exemplo, citou a proporção do faturamento que pode ser destinada ao pagamento dos alugueis das lojas. “Com o movimento “buy local”, o livreiro pode chegar no proprietário e dizer: se você quiser que eu fique aqui, não posso pagar mais que “x”. E geralmente isso ajuda.”

Outro grupo de serviços que é ao mesmo tempo um investimento estratégico e fonte de recursos são os cursos de formação organizados pela ABA. O “Winter Institute” é um dos mais importantes, segundo Teicher. “Abrimos inscrições para o máximo de quinhentos livreiros, e cada sócio não pode mandar mais que três representantes. Nessa ocasião fazemos uma revisão completa da situação do mercado, problemas e perspectivas”. O próximo acontecerá em fevereiro de 2015 na Carolina do Norte “Você deveria ir para conhecer realmente o mercado livreiros dos EUA”, disse Teicher. Se eu conseguir…

O capítulo do lobby no Congresso também se faz presente. Teicher informou que a ABA não possui escritório permanente em Washington, mas um membro da equipe é responsável por acompanhar os problemas do governo e do Congresso, e ele mesmo vai até a capital com certa frequência.

“Às vezes as questões relacionadas com o lobby produzem “strange bedfellows”, ou seja, temos que dormir com alguém que não é exatamente o par ideal. Mas temos que ser práticos. Já tivemos muitas disputas com a Barnes&Noble, mas também já desenvolvemos ações conjuntas”, disse o executivo. Uma dessas foi o protesto contra a vista que Obama fez a um depósito da Amazon.

As relações com os outros segmentos da indústria também são uma pauta frequente. Com os editores, segundo Teicher, o relacionamento tem melhorado muito nos últimos anos. As condições de publicidade cooperativa (um fenômeno bem comum e nada disfarçado por lá, ao contrário daqui) estão melhorando sempre, e editoras como as do grupo PenguinRandomHouse tem melhorado substancialmente as condições de relacionamento com as livrarias independentes.

“Eles estão sentindo o fogo da Amazon?”, perguntei. Teicher sorriu e balançou a cabeça. “Certamente”.

A disputa Amazon/Hachette foi muito bem aproveitada por vários dos associados, que promoveram os livros dos selos do conglomerado.

“E a cooperação com os autores em geral, e com os da Hachette em particular, têm sido fantástica”, acrescentou Teicher.

Oren Teicher ainda disse que muitos livreiros chegam a ter inveja das soluções francesas do preço único, mas que esse tipo de medidas é impensável nos EUA. “Queremos mesmo é que o governo nos deixe em paz. E que deixe de proteger as grandes corporações”, completou, referindo-se à ação do Departamento de Justiça dos EUA que resultou em evidente vantagem para a Amazon.

O último tópico da conversa foi sua apreciação sobre as livrarias brasileiras e a ANL. Teicher se declarou impressionado com a beleza de algumas livrarias visitadas, inclusive a Cultura do Conjunto Nacional “Mas eles já são corporativos”, mencionou, referindo-se ao fato da Cultura já ser uma empresa com investidores externos à família fundadora.

Quanto à ANL, disse que a entidade foi uma das poucas que ele visitou que reconheceu os problemas, suas limitações e a importância de ampliar as ações. “Mas nem sempre é possível replicar o que fazemos, os mercados são muito diferentes. E há a questão de recursos e pessoal. Na ABA temos uma equipe fixa de quarenta pessoas, e a ANL tem uma equipe pequena”.

Sim, a ABA tem mais recursos, uma mentalidade empresarial que difere muito da que existe nas associações brasileiras (que também sofrem restrições legais, às vezes). Mas a criatividade da associação americana, sedimentada já em uma longa história (foi fundada em 1900) e a disposição de serviço realmente marcam uma diferença.

2 comentários em “OREN TEICHER, DA ABA, EM ENTREVISTA EXCLUSIVA”

  1. Providencial tanto a preseça o Oren Teicher (Estados Unidos), como do Jean-Marie na 24a. Convenção Nacional de Livrarias. Certamente o mercado editorial e livreiro saberá absorver algumas ideias sugeridas por esses dois mercados destintos.

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