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A CONVENÇÃO DA DIVERSIDADE CULTURAL DEZ ANOS DEPOIS

Capturar A Convenção Sobre a Proteção da Diversidade das Expressões Culturais completou, em 2015 seu décimo aniversário de promulgação. A Convenção foi o resultado de longas negociações, que se formalizaram no âmbito da Unesco em 2003, e resultaram em sua adoção na Assembleia de 2005. Atualmente, a Convenção já foi ratificada por 140 Estados Membros. O Brasil teve papel importante nas etapas finais da negociação, mas sem dúvida os países que mais se destacaram nesse processo foram a França e o Canadá. É de se anotar que os Estados Unidos até hoje não ratificaram a convenção – e buscam sabotar sua aplicação em todas as negociações comerciais, tratando de evitar a inclusão de várias cláusulas previstas nesse instrumento internacional.

Ao comemorar o décimo aniversário do estabelecimento da Convenção, a UNESCO encomendou a catorze especialistas internacionais, além do pessoal da administração da Convenção, um documento síntese de análise dessa etapa, intitulado “Repensar As Políticas Culturais”. Infelizmente só consegui acesso ao resumo executivo, disponível em espanhol (por iniciativa do governo sueco!) aqui. Os autores assinam cada uma das secções do documento. (Às vezes é bem difícil conseguir a íntegra desses documentos, a nossa representação na UNESCO não reproduz nem traduz nada. É nossa diplomacia cultural em ação…).

O documento da UNESCO está dividido em quatro secções:

➊ Apoiar sistemas de governança cultural sustentáveis;

➋ Conseguir alcançar um fluxo equilibrado de serviços e bens culturais, e incrementar a mobilidade dos artistas e dos profissionais culturais;

➌ Integrar a cultura em processos de desenvolvimento sustentável,

➍ Promover os direitos humanos e as liberdades fundamentais.

Cada uma dessas secções está dividida em vários capítulos, cada um deles abordando algum aspecto específico do tema. É importante lembrar que o documento da UNESCO pretende mapear as ações dos signatários da Convenção, destacando principalmente o “rumo” das modificações e sua implementação. Assinala, entretanto, que ainda falta muito para alcançar as metas da Convenção.

Esse é o tom de todas as secções. Assinala avanços, mas sempre destaca que falta muito para alcançar os objetivos do instrumento multilateral. Não vou abordar aqui todos os pontos do documento.

Quero destacar, entretanto, a descrição do fluxo de bens e serviços culturais a nível mundial.

Duas “mensagens-chave” dessa secção do documento chamam atenção: “A soma total das exportações de bens culturais a nível mundial em 2013 foi de 212,8 bilhões de dólares. A percentagem dos países em desenvolvimento é de 46,7%, o que representa um incremento marginal diante do ano 2004. Apenas a China e a Índia competiram significativamente com os países desenvolvidos no mercado global”.

A segunda mensagem é ainda mais significativa: “A soma total das exportações de serviços culturais a nível mundial em 2012 foi de 128,5 bilhões de dólares. A percentagem dos países em desenvolvimento representa apenas 1,6%. Os países desenvolvidos dominam este campo, com 98%. Isso se deve principalmente ao incremento de fluxos de serviços audiovisuais e artísticos transmitidos eletronicamente”.

Para além de uma terminologia econômica meio ultrapassada, o que o dado revela/esconde é o fato dos Estados Unidos não terem ratificado até hoje a Convenção da Diversidade Cultural. Mais ainda, eles procuram ativamente forçar, nas negociações comerciais com países e blocos de países, para que não se recorra aos mecanismos da Convenção para manter a autonomia desses países na formulação de políticas chamadas de “exceção cultural”. Na prática, exige de quem quiser exportar matéria-prima para o Big Brother do norte ter que aceitar o ingresso livre de barreiras de filmes, música, apps e etcéteras vindos de lá.

A indústria cinematográfica dos Estados Unidos é, depois do comércio de armas, o mais valioso item de exportação daquele país. “Serviços culturais” incluem, hoje, não apenas o download de música e cinema, como também o de livros. Lembremos que a Amazon não vende “a propriedade” do que é descarregado na Internet. Apenas licencia o uso. Daí ser um serviço e não exportação de bens.

Apesar de não haver retificado a Convenção, os EUA voltaram a fazer parte da UNESCO há pouco mais de dez anos atrás, justamente antes da negociação final desse instrumento. Atuaram – principalmente em dobradinha com Israel – de forma dura para tentar impedir o acordo final. Felizmente foram derrotados, mas não ratificaram a convenção. Cabe lembrar que a delegação brasileira na Conferência (Gilberto Gil era o Ministro da Cultura) teve um papel importante nas articulações para a aprovação do instrumento.

Ora, o país que não a ratifica fica praticamente fora dos mecanismos de controle, mediação e resolução de conflitos previstos na Convenção, que incluem aspetos relacionados com a OMC – Organização Mundial do Comércio.

A linguagem diplomática do documento da UNESCO encobre esse grande problema, que continua em aberto, e diminui consideravelmente o impacto do instrumento multilateral.

O então assessor internacional do Ministério da Cultura, Ministro Conselheiro (na época Conselheiro) Marcelo Dantas da Costa, teve um importante papel nessas negociações. Hoje é o delegado alterno da Delegação Permanente do Brasil na UNESCO (a titular é a Embaixadora Eliana Zugaib). No entanto, infelizmente, a página da representação, cujo link está aqui e as notícias que se consegue captar pela imprensa e pela Internet não têm mostrado uma atuação muito vibrante. Ano passado, por ocasião do Salon du Livre de Paris (quando o Brasil foi homenageado), estive na UNESCO em busca de informações sobre o Index Translationum, e soube que o programa estava desativado “por razões orçamentárias”. Escrevi para a Delegação Permanente sobre o assunto. Espero até hoje uma resposta.

Acredito que seja importante que o Ministério da Cultura, e o Itamaraty, aproveitem o ensejo da publicação desse documento da UNESCO para promover uma revisão do que foi feito por aqui dentro das propostas da Convenção sobre a Diversidade Cultural, e quais as dificuldades, entraves e qual a ação diplomática brasileira para avançar internacionalmente na aplicação desse importantíssimo instrumento multilateral. Que, não custa lembrar sempre, pode também ter impactos significativos nas negociações comerciais

INDEX TRANSLATIONUM – UMA LACUNA QUE PODE SER IRREPARÁVEL

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Quando confirmei minha ida a Paris para o Salon do Livre, onde participaria de uma mesa-redonda sobre o Conexões Itaú Cultural – Mapeamento Internacional da literatura Brasileira,  e do lançamento do número 6 da Machado de Assis Magazine, imediatamente pensei em fazer uma visita à sede da UNESCO para conhecer melhor o Index Translationum,  o local onde se armazena a bibliografia mundial da tradução. É um instrumento que tenho usado com certa frequência.

A Index Translationum é uma compilação, fornecida pelas bibliotecas nacionais dos países membros da UNESCO, das traduções publicadas anualmente nos respectivos países. A Biblioteca Nacional do Brasil informa os títulos traduzidos e publicados aqui, de autores de todo o mundo, em todos os gêneros, e assim respectivamente. O Index completou oitenta anos em 2012. Como tal, é mais antigo que a própria UNESCO, e durante décadas foi impresso anualmente em papel.

Em uma das minhas últimas consultas, verifiquei que a Biblioteca Nacional estava atrasada no envio de dados. Durante reunião no Rio de Janeiro relacionada com a Machado de Assis Magazine, mencionei o fato à Moema Salgado, Diretora do Centro de Cooperação e Disseminação, que entrou em contato com Liana Amadeo, Diretora do Centro de Processamento e Preservação, que providenciou o envio da atualização.

Quando minha viagem foi marcada, consegui agendar um encontro com Marius Tucaj, o responsável pelo Index, através de nossa representação junto à UNESCO. O Sr. Tucaj me respondeu com presteza, informando que o Index estava desativado, mas se prontificando em me receber. Desse modo, quando recebi o e-mail da Liana Amadeo me informando da suspensão, informada pela resposta recebida do Sr. Tucaj, já sabia da desgraça, mas estava com a reunião marcada e ciente do fato.

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OBRAS ÓRFÃS, PROBLEMA PENDENTE

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Uma das lacunas mais evidentes na legislação de direito autoral vigente é a que diz respeito às chamadas “obras órfãs”. O que é isso?

A lei de direitos autorais vigente estabelece dois parâmetros de tempo para a validade dos direitos de um autor sobre sua obra. O primeiro, evidentemente, é o da vida do autor. Depois que este morre, entretanto, seus herdeiros mantêm direitos sobre a obra pelos setenta anos consecutivos ao falecimento. Assim, em 2013, estarão entrando em domínio público obras de autores – sejam essas originárias ou derivadas (traduções e adaptações) – que tenham morrido em 1942 (a contagem se processa a partir de janeiro do ano seguinte ao falecimento).

Vejam bem, a validade do direito autoral não se dá a partir da data de publicação, e sim o da vida do autor e dos setenta anos decorridos depois de sua morte.

A chamada “obra órfã” é aquela sobre a qual se supõe que ainda existe proteção quanto aos direitos autorais, mas que a) não haja certeza sobre se o autor está vivo ou tenha falecido, e b) no caso de falecimento, se os setenta anos já transcorreram, e quem seria o herdeiro ou herdeiros dos direitos morais e patrimoniais da obra.

Acrescente-se aos problemas relacionados com o uso de tais obras a extensão ou restrição que se aplica ao conceito de “fair use”, que limita as cópias a pequenos trechos, tais como os usados comumente em citações.

As restrições da legislação são bem abrangentes. Por exemplo, a lei especifica (art. 29, alínea X), que está protegida, inclusive, “a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero”.

Essas disposições estão previstas no escopo das diferentes versões da Convenção de Berna.
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O português brasileiro no mundo e a tradução.

A tradução é um grande fator de consolidação e expansão das línguas literárias. Mesmo depois de sua consolidação – geralmente por um processo político, mas que inclui em muitos casos a cristalização em uma grande obra literária – o enriquecimento dos idiomas sempre se dinamiza com a polinização feita pelas traduções. No caso das línguas neolatinas, deu-se a necessidade de traduzir os textos originários do latim, que em muitos casos já eram traduções do grego, e mais ainda, traduções feitas através do árabe. No caso do inglês e do alemão as respectivas traduções da Bíblia foram fator importantíssimo na cristalização dos respectivos idiomas. As traduções de Lutero e a do Rei Jaime introduziram e consolidaram muitas palavras e expressões que, paulatinamente, se tornaram comuns no alemão e no inglês.

No decorrer da história, algumas circunstâncias políticas, econômicas e sociais fazem que, em um determinado período, alguns idiomas assumam um papel predominante. No início do mundo moderno o português e o espanhol assumiram esse papel, e espalharam vocábulos pelo mundo afora. Mais tarde foi a vez do francês, a língua da diplomacia, talvez a primeira – depois da eliminação do latim – a se tornar “língua franca” no chamado Ocidente. Finalmente o inglês, impulsionando primeiro pelo Império Britânico e depois pela preponderância econômica e militar dos Estados Unidos, assumiu esse papel.
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As traduções no mundo – A UNESCO tem levantamento

A UNESCO, o órgão das Nações Unidas dedicado à ciência e à cultura, mantem um levantamento das traduções no mundo inteiro. O Index Translationum, com informações fornecidas pelas bibliotecas nacionais dos países membros, organiza as informações. A Biblioteca Nacional do Brasil deixou de enviar as informações desde 1977.
Veja aqui informações sobre o assunto.