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CONCORRÊNCIA E MONOPÓLIO NO MERCADO EDITORIAL

O Departamento (Ministério) da Justiça dos Estados Unidos concretizou a ameaça feita anteriormente e instaurou processo baseado na legislação antitruste contra os chamados “seis grandes” grupos editoriais do país (que inclui a Apple, vejam), acusando-os de “conluio” para elevar o preço dos e-books quando abandonaram o sistema de vendas “por atacado” pelo chamado “sistema de agenciamento”, que foi constituído quando a Apple decidiu entrar para valer na venda de livros através do iPad. Os grupos editoriais envolvidos são Hachette Book Group, Simon & Schuster, Penguin Group, HarperCollins e Macmillan, e a Apple. Já durante a tarde de ontem, dia 11 de abril, três desses grupos (Hachette, HarperCollins e Simon & Schuster concordaram com um ajuste de conduta proposto pelo Departamento de Justiça para abandonar o “sistema de agenciamento”. A Apple já decidiu contestar a ação, assim como a Macmillan e o Penguin Group.

Em post anterior analisei como a Amazon constituiu seu ecossistema e como a tendência monopolista da varejista coloca em risco o conjunto da indústria editorial norte-americana (com possíveis efeitos no resto do mundo, a começar pela Europa, onde a Comissão Europeia segue os passos dos EUA e investiga as supostas práticas de cartelização e formação de truste das editoras e da Apple).
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Como a política e as condições sociais podem atrapalhar a “viagem” de uma obra

No post Sem editores o livro não vive, sem tradutores, não viaja tentei mostrar como a vida editorial de uma obra é fundamental para seu reconhecimento e sua transformação em um “clássico”.

Quero aproveitar a oportunidade para fazer uma “demonstração reversa”: o exemplo de um livro que teria tudo para se tornar um clássico comparável ao de Cervantes, e importantíssimo para a consolidação do português como idioma literário, e que perdeu essa oportunidade por conta de circunstâncias políticas que se refletiram sobre seu destino editorial.

Trata-se da Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto, relato das aventuras que esse português passou pela Ásia e Oceania durante décadas, e onde apresenta uma visão “por dentro” do ciclo das navegações: pilhagens, portugueses escravizando portugueses e roubando uns aos outros, extrema violência e cobiça e outras pérolas do gênero.
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As pesquisas e a inércia dos editores brasileiros

No último post apresentei o resumo de uma pesquisa online feita pelo BISG – Books Industry Study Group sobre o comportamento dos consumidores de e-books.

Quero chamar atenção para alguns pontos.

O primeiro é que a pesquisa custa caro. Para ter acesso aos dados cada editor tem que desembolsar mais de seis mil dólares pela assinatura.

O segundo é que é preciso “fazer perguntas” à pesquisa. Qualquer pesquisa não responde automaticamente as questões do objeto pesquisado. Quem tem interesse precisa fazer as perguntas para ver como os dados apresentados respondem à suas inquietações.
Assim, as pesquisas valem a pena. Permitem a formulação de estratégias para as empresas, já que cada uma faz as perguntas que lhe interessam e de modo distinto.

Ora, estamos aqui no Brasil em uma situação estranha.

A Câmara Brasileira do Livro – CBL e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros – SNEL mandaram circulares para os respectivos associados recomendando que preencham o novo questionário da pesquisa de produção e vendas do setor editorial, atualmente feita pela FIPE.

Há meses fiz um post manifestando minha surpresa e inconformidade pelo fato da pesquisa de 2011, que apresentava os dados de produção de 2010, ter modificado as cifras apresentadas anteriormente relativas a 2009.

Sinceramente, esperei que me explicassem as razões dessa atitude. A única explicação que apareceu foi a de que teria havido um “censo” entre as editoras do universo, e que a partir daí modificaram os dados de 2009. Todos os estatísticos com quem conversei concordam comigo que esse não é o procedimento correto, por duas razões:

– Essa atualização do universo de pesquisas deveria ser uma tarefa constante, anualmente se revisando as editoras que o integram, para detectar que novas editoras eventualmente ingressaram no mercado e quais as que fecharam. Assim era feito até 2002 e, aparentemente, negligenciado depois.

– Se constatado uma modificação realmente significativa no universo, o que se deveria fazer era iniciar uma nova série histórica. Isso de “atualizar” um ano que ficou para trás não funciona: e os outros anos? Onde isso iria acabar? O IBGE, por exemplo, que faz pesquisas por amostragem, não “revisa” os dados das PNADs anteriores em função da nova amostragem.

Eu gostaria de estar errado, e que uma instituição como a FIPE fosse capaz de explicar racional e detalhadamente seu procedimento e o justificasse.

Ao contrário, o que aconteceu foi simplesmente a não divulgação do relatório completo dessa pesquisa. Pelo menos, nenhum dos sócios das duas entidades que eu conheço e aos quais perguntei se haviam recebido o relatório completo me disse tê-lo recebido.

E, ao que conste, ninguém reclamou disso nas assembleias ordinárias realizadas nas duas instituições, em janeiro/fevereiro.
Isso fala por si só sobre a importância que os editores dão à pesquisa. Bem, quem não pergunta não consegue respostas. E quem não liga para o que é dito pode comer gato por lebre. É uma pena.

“Oh, e-books, como os amamos? Deixe-me contar de quantos modos…”

Transcrevo em seguida, por gentileza do Publishing Perspectives um artigo de Peter Cook sobre um instrumento de pesquisa sobre e-books feito pelo BISG – Book Industry Study Group e que comentarei em um próximo post.

Eis o artigo:

Oh, e-books, como os amamos? Deixe-me contar de quantos modos…
(Desde que pague US $ 6.750 pela subscrição da pesquisa)

Por Peter Cook (cortesia de Publishing Perspectives)

Os modos realmente estão sendo contados assiduamente e continuadamente, e disponíveis na ponta dos dedos em tempo real para editores pelo Book Industry Study Group (BISG). A última apresentação tem-que-ter-tem-que-ver é a da pesquisa em curso e continuada Consumer Attitudes Towards E-Book Reading (Atitudes dos Consumidores em Relação à Leitura de e-books) que esclarece e quantifica o tamanho e a profundidade da mais nova das paixões: quais são os e-readers mais “quentes”? Quais os que estão minguando? Que características os consumidores querem ter em seguida? O que mais compradores de e-books fazem ou consumem com seus aparelhos?
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Sem editores o livro não vive, sem tradutores, não viaja

O surgimento dos livros eletrônicos e a possibilidade de auto publicação tem levado muita gente a especular sobre o fim dos editores. Agora já não se fala mais tanto do “fim do livro”. Acho que a maioria já percebeu que livro não é tão somente o objeto físico, e sim seu conteúdo, difundido seja lá por que formato.

A bola da vez, agora, são os editores. E, como consequência, todo o processo editorial.

Fico feliz em discordar totalmente disso tudo.
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Plágio, mentiras e o programa do Livro Popular

A Fundação Biblioteca Nacional divulgou, esta semana, resolução embasada no parecer da Comissão composta por membros do Conselho Interdisciplinar de Pesquisa e Editoração (CIPE), instituída para averiguar a reclamação da tradutora Denise Bottman sobre plágios e apropriação indébita do trabalho intelectual, praticada pela Editora Martin Claret ao inscrever vários títulos do seu catálogo no Cadastro Nacional de Títulos de Baixo Preço.

O parecer opinou pela “exclusão preventiva” das obras questionadas até que o assunto fosse julgado pelas instâncias judiciais pertinentes. O conselheiro Ivan Teixeira, em voto em separado, pediu a exclusão da Editora Martin Claret do cadastro, mas foi voto vencido.

A decisão da presidência da FBN, argumentando que a exclusão só pode ser feita “pela autoridade judicial competente”, optou por remeter o problema para o Ministério Público, sem suspender o cadastro das obras questionadas.

O imbróglio merece uma análise mais detalhada.
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Reprografia, direito autoral e licenciamento – para lembrar da história

Há muitos anos os editores e autores se preocupam com a cópia reprográfica de livros (as “cópias xerox”, como são conhecidas, embora a empresa deteste esse uso de seu nome), principalmente na área de não ficção. Para editoras científicas o assunto é muito sério, já que o investimento nessas publicações é alto, o retorno se dá através de operações com clientes institucionais – universidades, centros de pesquisa, redes de bibliotecas – que, em tese, estariam vulneráveis às cópias individuais desses materiais.

Os autores e editores de livros técnico-científicos em geral também sempre foram alvo das cópias não autorizadas de suas publicações. O que, certamente isso não preocupa certa categoria de “professores-doutores” que ganham mais com o prestígio de terem sido publicados do que com os direitos autorais provenientes das vendas.
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O adeus ao bom senso

“O bom senso é a coisa do mundo mais bem distribuída: todos pensamos tê-lo em tal medida que até os mais difíceis de contentar nas outras coisas não costumam desejar mais bom senso do que aquele que têm.”
René Descartes – Século XVIII

Até já concordei com o filósofo iluminista. Mas, nos últimos tempos, nestes tempos de “politicamente correto” e quejandos, passei a considerar o pobre René um otimista exagerado. A coisa mais bem distribuída no mundo é a estupidez.

No Natal passado, quando os bancos “enfeitavam” a Av. Paulista com papais noeis, florestas encantadas, bimbalhos vários, a multidão extravasava das calçadas de modo impressionante. Sou testemunha, não apenas por morar perto da avenida e passar por ali a diário, como por ter cedido à tentação e ter levado minha neta, no colo, para ver os coloridos bimbalhantes.

A CET – Companhia de Engenharia do Trânsito de São Paulo percebeu que a movimentação de gente saindo das calçadas para o meio da rua provocava sérios riscos de atropelamento. E, em algumas noites, interditou trechos da avenida para automóveis, deixando-a entregue aos pedestres. Simples questão de bom senso e de cumprimento do dever. A questão não é simplesmente fazer os carros passar, mas proteger os pedestres.

Pois não é que um cidadão, imbuído do título de Procurador, membro do famoso Ministério Público, ameaçou processar o presidente da CET por estar descumprindo um “termo de ajuste de conduta” que autorizava o fechamento da Paulista apenas “x” vezes por ano e que aquela medida descumpria isso?

Depois que esse indivíduo (por favor, leitor, acrescente o adjetivo que achar mais conveniente) conseguiu seus cinco minutos (quinze já é demais) de fama na TV e nos jornais, alguém de bom senso deve ter lhe dado uns cascudos e o assunto foi esquecido.

E ontem lemos nos jornais que o Senhor Doutor Procurador do Ministério Público Federal de Uberlândia decidiu notificar a Editora Objetiva, que publica o Dicionário Houaiss por “conter expressões pejorativas e preconceituosas” em uma das acepções da palavra cigano.

Dizem duas acepções do Houaiss:

“5 (1899) Uso: pejorativo.
que ou aquele que trapaceia; velhaco, burlador
6 Uso: pejorativo.
que ou aquele que faz barganha, que é apegado ao dinheiro; agiota, sovina”

Ou seja, o indivíduo (por favor, leitor, continue usando o termo que melhor lhe parecer) demonstrou que não sabe o que é dicionário, o que é acepção.

Antes de notificar a editora, o indivíduo “enviou recomendações” para que o texto fosse modificado. Ou seja, do alto da sua (escolha aqui outro adjetivo) decidiu censurar uma obra de referência. Suposto guardião da lei, o elemento jogou de cambulhada no lixo várias das setenta e oito alíneas do Art. 5º. Da Constituição Federal, o que trata dos Direitos individuais.

O que leva à questão da reação das editoras.

A Objetiva, segundo a imprensa, alega que não recebeu a notificação. E diz que na nova edição do Houaiss (a edição mais compacta com a nova ortografia), essa acepção não existe. E, ademais, que a responsabilidade editorial pelo dicionário é do Instituto Antonio Houaiss.

Ora, estamos diante de um problema grave. Além do atentado ao senso comum e a demonstração de ignorância, pois não foi ao dicionário ver a acepção de acepção (“2 – Rubrica: lexicologia, linguística. Em lexicografia, cada um dos vários sentidos que palavras ou frases apresentam de acordo com cada contexto (ex.: ponto em pontuação, costura, geografia, geometria, jogos, rotina escolar etc.” – Dicionário Houaiss), o Dotô Procurador tenta praticar um ato de censura, atentando contra a liberdade de expressão. A Constituição Federal abriu um espaço desmedido para o arbítrio dos membros do Ministério Público aos lhes atribuir a tarefa de “II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”.

Na aparência, isso daria aos membros do MP o poder de dar ordens, mas os direitos individuais e a exigência do processo legal obrigam a que isso seja feito por medidas judiciais, e não por “recomendações” dos promotores.

O fato é que a Objetiva agiu como se fosse algo absolutamente “normal” o MPF “mandar” fazer isso ou aquilo. Não é normal nem legal. E, no caso, é um atentado, como já disse, à liberdade de expressão e um ato de censura.

Não se ouviu nenhuma palavra tampouco das associações de editores. Nem a CBL nem o SNEL se manifestaram a respeito. E Roberto Feith, o executivo da Objetiva, é Vice-Presidente do Sindicato.

Nos anos 90 e até 2002 havia, na Câmara Brasileira do Livro, uma Comissão de Defesa da Liberdade de Publicação. Havia sido instituída seguindo uma diretiva da IPA – International Publishers Association. A Comissão se reunia apenas quando situações como essa se apresentavam. Para, pelo menos, protestar veementemente contra os abusos que se tentavam praticar.

Parece que, atualmente, nenhuma das entidades acha o assunto relevante. Pelo menos até agora, boca chiusa.

Esse Senhor Procurador acha que a essência das coisas está no nome. A simples enunciação da palavra a transforma em coisa real. Portanto, capaz de produzir portentos, “ser” racista, progressista ou que adjetivo lhe seja aposto. Se isso verdade fosse, os dicionários estariam ferrados. São compêndios de acepções que, se tomadas como verdades em si, provocariam verdadeiras síncopes nas sinapses cerebrais de quem as lesse, como esses feitiços nos quais a escrita é o próprio objeto da feitiçaria.

Nessas horas, juro, me lembro do nosso querido Macunaíma e fico querendo dizer, “Ai, que preguiça!”

No mais, meus caros, para desopilar, leiam a coluna do Tutty Vasques no Caderno 2 do Estadão do dia 29 de fevereiro.