Todos os posts de Felipe Lindoso

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, Diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil Pode Ser um País de Leitores? Política para a Cultura, Política para o Livro, pela Summus Editorial.

PNLD – FRAUDES

Por estes dias tornou-se público que a Somos Educação procurou a CGU para confessar fraudes e propor um acordo de leniência relacionados com a execução do PNLD. A notícia menciona também outras ações da CGU com empresas, mencionando as citadas na razzia encabeçada pelo Grande Inquisidor curitibano, mas sem mencionar outros fatos vinculados ao PNLD.

Vale a pena lembrar um pouco da história do programa e dos problemas que foram sendo resolvidos durante esse período.

O primeiro ponto que desejo enfatizar aqui é que, durante muitos anos, a escolha dos títulos adquiridos ficava nas mãos de uma “Comissão” que incluía funcionários do MEC e representantes das Secretarias de Educação dos estados. Não acompanhei nenhuma das reuniões desse processo. Soube de histórias escalofriantes sobre os “métodos” empregados por algumas grandes editoras para que seus livros fossem selecionados pelos “comissários”.

Como não sou testemunha dos acontecimentos, não citarei nomes, nem empresas. Mas soube do uso de escorts dos dois sexos (usando um eufemismo sanitizado) para acompanhar os “comissários(as)” que decidiam o destino dos muitos milhões de livros adquiridos. Jantares luxuosos, trocas de envelopes polpudos, etc. etc. etc. Sem mencionar o fato de que os professores detestavam a maioria dos livros “selecionados”, que não conheciam e jogavam nos porões das escolas, quando chegavam – e chegavam sempre atrasados para o início do ano letivo –, como inservíveis para os projetos pedagógicos.

Coisas da ditadura. Círculos fechados de decisões, processos forjados e tutti quanti. Quem sabia, na imprensa, de boca fechada ficava. Quem sabe levando umas lambugens da farra. É por isso, dentre outras razões, que desenvolvi uma verdadeira alergia quando falam em compras de livros escolhidos por comissões de “sábios” ou congêneres. Vade retro.

Repito, não estava lá. Só ouvi histórias depois, de gente que ria contando isso tudo. Passei a acompanhar um pouco depois.

Fazendo justiça, a virada nessa esculhambação começou com o Marco Maciel no MEC. Em 1985, o ministro e o presidente da FAE (cujo nome infelizmente não consegui localizar nos meus papeis) mudaram a sistemática de escolha dos livros, com a instituição de um catálogo do qual constariam os livros inscritos no PNLD, para que fosse feito um processo de escolha com a participação dos professores, das secretarias municipais e estaduais. Foi o início da virada da sistemática que hoje resulta em um processo bem complexo de indicação online das opções. As tais comissões deixaram de existir. Um dos primeiros resultados disso foi a extinção de algumas editoras que viviam exclusivamente dessas vendas.

Os problemas do PNLD, entretanto, estavam longe de serem completamente resolvidos. A instabilidade orçamentária, por exemplo, provocava atrasos na execução do programa, e era parte da história dos livros chegarem atrasados. Outra questão era a falta de avaliação dos livros apresentados. Alguns foram denunciados por falhas factuais e conceituais grosseiras. Isso só começou a ser enfrentado no governo do Itamar, quando o ministro Murilo de Avelar Hingel determinou o primeiro processo de avaliação dos livros inscritos. Esse processo continuou na gestão Paulo Renato, com Iara Prado dirigindo a Secretaria do Ensino Fundamental. Nesse período houve um avanço, com a contratação da avaliação com as universidades federais. Mas também aconteceram trapalhadas, como na época em que as obras eram classificadas por número de “estrelas”, e as mais “estreladas” eram invariavelmente adeptas do construtivismo. Só que os professores não sabiam usar aqueles livros “avançadíssimos”, e houve enorme repúdio ao método.

Mas é importante destacar que desde 1985 há um processo continuado de aperfeiçoamento do PNLD – inclusive com a incorporação de outros segmentos, como o Ensino Médio, a Educação de Jovens Adultos, a Educação Indígena, a Biblioteca nas Escolas e a Biblioteca dos Professores – infelizmente paralisados ou semiparalisados nos últimos dois anos.

anuncio-2 Um dos pontos fracos do programa, e que foi resolvido, é o da logística. Depois que o programa passou a ser administrado pelo FNDE e contou com um fluxo de recursos mais estável, a contratação dos correios e o estabelecimento de um cronograma bem rígido de inscrição, avaliação, contratação e entrega foi sendo implementado e os livros têm chegado regularmente em tempo hábil nas escolas de todo o país, com a logística dos Correios.
É bom ressaltar, entretanto, que os governos (todos) gostam de uma certa manipulação de dados. Quando divulgam que X milhões de Reais foram pagos na aquisição de N milhões de livros didáticos, geralmente esquecem de computar nos custos alguns itens fundamentais: a) todo o aparato burocrático que executa o programa; b) idem, os custos de avaliação; c) idem, idem, o custo de logística. Depois fazem aquela operação marota de dizer que o custo do livro didático adquirido pelo governo é uma fração do vendido nas livrarias. Só que, nesse último caso, todos os custos subsidiários – inclusive o do desenvolvimento da produção -, que é investimento das editoras. E o preço das livrarias inclui a distribuição e a margem dos comerciantes. Para o governo, isso são detalhes…
Um flanco, entretanto, continuou aberto durante boa parte desse período.

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CANDIDATURAS E O OLHAR DE BONS ENSAÍSTAS – O LONDON REVIEW OF BOOKS

capturar Desde quando o chanceler Bismark observou que é melhor o povo não saber como são feitas as salchichas e as leis, o interesse por esses mecanismos “ocultos” da construção do poder desperta crescente curiosidade. É certo que Marx e os filósofos já vinham explicando os grandes movimentos de classe na conformação do Estado e das transformações sociais. Mas o pão-com-manteiga recebia uma abordagem menos sistemática. Apesar do próprio Marx, em A Luta de Classes na França, no 18 Brumário de Luís Bonaparte, e nos ensaios sobre a Comuna de Paris já tratar desses mecanismos, o cotidiano “normal” da política passa a ser progressivamente uma área da ciência política (inclusive da antropologia). Ainda assim, conversa para iniciados.

Além dos próprios políticos, que podiam não teorizar, mas sabiam muito bem manobrar a prática desse jogo que existe por trás das estruturas de poder.
A London Review of Books,  que subscrevo, de vez em quando manda uma seleção de artigos ou resenhas anteriormente publicados que têm a ver com assuntos candentes do momento, na Inglaterra ou no panorama internacional (O Brasil já saiu várias vezes, mas em números normais).
Semana passada o e-mail veio com artigos sobre os antecessores do Barack Obama, seja analisando livros sobre, ou ensaios de alguns dos articulistas da LRB. São peças fantásticas. E todos os textos colocam foco em vários aspectos desse “mundo real” – e oculto – da política institucional.

O do Christopher Hitchins sobre Bill Clinton, e que pega de passagem vários aspectos da atividade política da Hillary, é uma dessas. Disseca a carreira do ex-presidente, suas ligações com os conservadores desde que, como Democrata, fazia campanha para o McGovern, lá em 1992, no Texas. O cara se aliou, de fato, aos tipos conservadores do Partido Republicano para pavimentar suas ações futuras, dez anos antes de se lançar como candidato. E Hitchins vai listando as posições que ele tomou à direita do Bush pai sobre vários temas da campanha.

Do ponto de vista pessoal, o levantamento do ensaísta inglês também é devastador. Lá pelas tantas ele diz que Bill “É um cachorro difícil de manter na varanda” (é o título em inglês do artigo), significando que, tal como o dito lulu, se passa uma cadela no cio, ele não se contém e sai atrás. Hitchens chama atenção sobre como as feministas, paradoxalmente, se uniram para defendê-lo em várias situações. E, é claro, como Hillary aprovou e supervisionou o levantamento dos podres das mulheres às quais Bill havia, digamos, prestado homenagem, para destruir a credibilidade de cada uma delas. Tema, aliás, que o Trump vem retomando…

Mas outros dois temas aparecem. O caso imobiliário Whitewater, que chegou a provocar suicídio de um dos advogados sócios do escritório – do qual Hillary fazia parte – e várias demissões na equipe presidencial. E um obscuro aeroporto em Arkansas usado para levar armas para os Contra nicaraguenses – e trazer de volta “ouro branco”. Tudo arquitetado pelo coronel Oliver North com as bênçãos do Reagan.

E mais as transações em que a política dos EUA foi usada para defender interesses das empresas ligadas ao financiamento das campanhas de Clinton, incluindo os grandes criadores de porco, e o aval às políticas do Yeltsin.

 

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ABRALIC – RESISTÊNCIA E BONS DEBATES

Semana passada (entre 19 e 24) aconteceu no Rio de Janeiro o XV Encontro da ABRALIC – Associação Brasileira de Literatura Comparada, no campus da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.

O evento foi organizado sob a direção do prof. João Cezar de Castro Rocha, professor daquela Universidade e atual presidente da ABRALIC. João Cezar enfatizou sempre que fazê-lo no campus da UERJ era, também parte da luta pela defesa da universidade pública, gratuita e democrática. Entre outras razões, porque a UERJ sofreu duramente a falta de verbas, atraso no pagamento de salários e benefícios de professores e funcionários. Cortes e contingenciamento de verbas decorrentes, principalmente, do fato do governo do Rio de Janeiro não dar a devida prioridade à educação pública.

A UERJ, salientou João Cezar em conversa, sempre foi uma universidade voltada para o subúrbio, longe da pomposidade e da tradição da UFRJ – descendente da primeira universidade pública brasileira, iniciativa de Anísio Teixeira. O campus ao lado do Maracanã, bem servido de transporte público (que hoje inclui o metrô), era a universidade de mais fácil acesso para a juventude que crescia no subúrbio carioca. O próprio João Cezar, de magnífica carreira acadêmica – inclusive como professor visitante de importantes universidades europeias e norteamericanas – orgulha-se de suas origens no Méier.

O Itaú Cultural contribuiu para a realização de várias mesas e pela presença de visitantes nacionais e internacionais. Aliás, a galeria de ilustres participantes no evento é muito significativa, tanto da área acadêmica como de escritores, como se pode ver na fanpage do evento no Facebook.

Mesa na ABRALIC - Rita Palmeira, Laura Erber, Eu, Luiz Ruffato
Mesa na ABRALIC – Rita Palmeira, Laura Erber, Eu, Luiz Ruffato

A mesa da qual participei, na tarde do dia 22, centrou-se precisamente no programa Conexões Itaú Cultural: Literatura Brasileira no Exterior, do qual sou um dos curadores, juntamente com o prof. João Cezar, e contou com a presença do escritor Luiz Rufatto, da prof. Laura Erber (UNIRIO) e foi mediada pela prof. Rita Palmeira (Conexões Itaú Cultural).

Preparei minha intervenção a partir do trabalho de Pascale Casanova, pesquisadora francesa (discípula de Pierre Bourdieu), autora de um livro muito importante, A República Mundial das Letras (Estação Liberdade).

Pascale Casanova faz, ainda na introdução desse livro, uma observação interessante sobre O Motivo do Tapete, de Henry James, e que sintetiza bem o espírito da obra. Diz ela: “A ideia, espécie de preliminar crítica incontestada, de que a obra literária deve ser descrita como exceção absoluta, surgimento imprevisível e isolado. Nesse sentido, a crítica literária pratica um monadismo radical: uma obra singular e irredutível seria uma unidade perfeita e só poderia ser medida e referir-se a si mesma, o que obriga o intérprete a apreender o conjunto de textos que formam o que se chama de ‘história da literatura’ apenas em sua sucessão aleatória”. Esse seria, para ela, justamente o preconceito que cega a crítica. E “o sentido da solução que James propõe ao crítico, ‘o motivo no tapete’, essa figura (ou essa composição) que só aparece quando sua forma e coerência de repente jorram do emaranhado e da desordem aparente de uma configuração complexa, deve ser buscada não em outra parte e fora do texto, mas a partir de um outro ponto de vista do tapete e da obra”. […] e sua complexidade “poderia encontrar seu princípio na totalidade, invisível e contudo oferecida, de todos os textos literários através e contra os quais ela pôde se construir e existir e da qual cada livro publicado no mundo seria um dos elementos” (16-17).
É a partir daí que podemos entender não apenas a literatura comparada – todos esses motivos do tapete literário que se tece pelo mundo afora e no decorrer da história da literatura – como a importância da inserção das nossas vozes literárias nessa trama. Não porque seja particularmente importante ou notável (apesar da observação do Antonio Cândido, de que a literatura brasileira é apenas um “galho secundário” da portuguesa), mas porque sem ela ficam faltando motivos na composição do tapete.

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“DA CELULOSE VIESTES, À CELULOSE HÁS DE RETORNAR”

A propósito da recente pseudo polêmica que surgiu depois que a CosacNaify anunciou que os saldos de estoque (cerca de 400.000 exemplares, segundo li em algum lugar) seriam picados, caso não fossem vendidos até 31 de dezembro. Por enquanto, todos os títulos estão sob venda/distribuição pela Amazon, e algumas livrarias ainda têm estoques de alguns deles.

Digo pseudo polêmica porque a marola surgiu nas publicações de pessoas que não entendem nada do mercado editorial e ficaram indignados diante da ameaça de “destruição” dos belos livros da falecida. Henrique Farinha e André Palme, no PublishNews, colocaram vários pontinhos nos iis sobre o assunto.

Na época em que a dita autopublicação acontecia somente em impresso, o esperançoso poeta, contista, ensaísta ou romancista ia até uma gráfica (que se colocava como editora, noblesse oblige) e encomendava a impressão de quinhentos ou mil exemplares (antigamente, a tiragem de mil exemplares era a mais comum, com a conversa dos gráficos de que o “preço por unidade” ficava menor). Pagava e levava a obra para casa.

Se o sujeito morasse numa quitinete, não sobrava espaço nem para o catre. Se ainda morasse com os pais, este arrenegavam a ideia, que ocupava a despensa, o eventual quarto de empregada e o quarto do desventurado autor, que somava suas imprecações contra as cruéis editoras, que não reconheciam seu talento, aos amigos que não compravam os livros. Que eram então distribuídos: papai, mamãe, irmãos, tios, tias, primos recebiam seus exemplares, devidamente autografados. Colegas de trabalho, colegas de escola, amigos vários recebiam também. Às vezes dois ou três exemplares. Ao ponto de cruzarem a rua ao verem o desditoso autor, acenando e dizendo “Já ganhei, já ganhei. Ganhei dois exemplares”.

Márcio Souza, meu amigo e autor que passou por experiência semelhante quando a UBE-Amazonas o premiou com uma edição de mil exemplares de “O Mostrador de Sombras”, seu primeiro livro, com críticas de cinema, cunhou o dito: “É mais fácil livrar-se de um cadáver que de mil exemplares de um livro”.

Multiplique-se o dilema por quatrocentos mil, uma empresa que tem que pagar armazenagem, impostos sobre o estoque (que se desvaloriza muuiiito lentamente e continua como ativo que “gera lucro”), e pode-se ter uma ideia do tamanho da encrenca.

Ora, um dos problemas da CosacNaify sempre foi o da estocagem. O projeto da editora, na minha opinião, sempre foi inviável, e só subsistia enquanto a família do Charles Cosac se dispunha a gastar uma parte dos lucros das minas em Goiás, e seu cunhado, que é grande investidor em empresas de tecnologia, também estivesse disposto a colocar uma grana na editora.

Os projetos gráfico-editoriais da editora – sempre bonitos e muito bem cuidados e produzidos – eram caros. Muito acima dos padrões do mercado editorial brasileiro. E olha que os padrões da indústria editorial (e da indústria gráfica) melhoraram muito, muito mesmo, nos últimos vinte anos. Todos os anos testemunho isso quando participo do júri do Prêmio Fernando Pini, da ABIGRAF.

Só que os deles ultrapassavam muito esse padrão. Inclusive com formatos esdrúxulos, que desperdiçam papel, por exemplo. O inevitável resultado: ou os livros eram forçosamente apresentados ao mercado com preços mais altos que os das outras editoras (e por isso vendiam muito menos que as exclamações de admiração deixavam entender), ou eram oferecidos a preços subsidiados e davam prejuízo, de qualquer maneira.

Some-se a isso a rejeição do Charles Cosac em diversificar a linha com livros que pudessem alcançar nichos mais populares e, inclusive, vendas para o governo. A história da série do “Capitão Cueca” é exemplar. Era uma série de livros para jovens que vendia, era popular e… detestada pela turma. A quantidade de diretores de vendas que passou por lá, com grandes profissionais da área, nem é bom listar.

Até quando chegou a hora da verdade. Algum, ou os três donos do dinheiro, decidiram que a coisa já estava cara demais.

É importante notar – e faço questão de afirmar isso alto e bom som – que qualidade editorial e gráfica não significam, necessariamente, preciosismo e muito menos o que se pode chamar de “over” produção e sofisticação. Na minha modesta opinião, aliás, o bom produtor gráfico e designer editorial busca alcançar resultados fantásticos e qualidade superior precisamente respeitando as contingências mercadológicas e as contingências materiais da produção. Ir além disso é coisa para quem produz livros para mesinha de centro de sala, financiados por empresas para distribuição a clientes. A Taschen, justamente famosa pela qualidade dos livros que publica, busca alcançar exatamente esse equilíbrio, ainda que haja quem torça o nariz pelo fato de poucos títulos serem impressos em cuchê, ou com capas com aplicação de vernizes especiais e coisas do gênero.

No final das contas, porém, existe a possibilidade de alternativa à destruição dos exemplares: a venda dos saldos para os atacadistas que compram ponta de estoques. E que depois revendem como livros de R$ 5,00 ou R$ 10,00 nas feiras por aí. Isso é possível supondo-se que as demandas contratuais com os autores já tenham sido equacionadas.

Fora isso, é a dura verdade de que livros são feitos de papel, e papel é celulose, matéria prima altamente reciclável.

Quem sabe, a papeleira que comprar esses livros pode lançar uma linha “premium” de papel reciclado, anunciado como “papel reciclado com os livros da CosacNaify”? Vai encontrar quem pague até mais caro por isso…

 

MAIS UMA ENTIDADE?

Ao ler, no dia 24 de agosto, a notícia da formalização da criação da Associação Brasileira de Licenciamento Coletivo (Abralc), tive duas reações. A primeira, um tanto irônica, de satisfação por saber que finalmente os editores fizeram autocrítica do ato insensato que perpetraram há quase quinze anos, quando fundiram a ABDR – Associação Brasileira de Direitos Reprográficos, com a ABPDEA – Associação Brasileira de Proteção dos Direitos Editoriais e Autorais.

Ato insensato porque a ABDR havia sido fundada precisamente para usar a prática do licenciamento para o combate da pirataria, enquanto a ABPDEA surgiu em contraposição a isso, defendendo a exclusividade de ações repressoras no combate ao que então se chamava de “xeroqueiros” (o que desagradava profundamente a Xerox, que apoiou a fundação da ABDR).

A segunda reação foi ao anúncio de que a CCR – Copyrigth Clearance Center fora a escolhida como modelo operacional da nova entidade, como se praticamente fosse a única alternativa tecnológica disponível. Isso não é verdade.

Mas, vamos por partes, pois acompanhei boa parte dessa discussão, nos seus inícios.

Já em 2012, aqui no PublishNews, publiquei um post intitulado REPROGRAFIA, DIREITO AUTORAL E LICENCIAMENTO – PARA LEMBRAR DA HISTÓRIA, do qual publico alguns trechos em seguida:

“No começo dos anos 90, a CBL – Câmara Brasileira do Livro, instalou uma Comissão para debater e apresentar propostas relacionadas com o assunto [reprografia]. A partir das informações da IPA, essa Comissão, que foi presidida por Raul Wassermann, da Summus, propôs a criação da Associação Brasileira de Direitos Reprográficos – ABDR. A ABDR foi fundada em 1992 e Raul Wassermann foi seu primeiro presidente”.

Como já disse, alguns editores rejeitaram a perspectiva de cobrar pelo licenciamento, e defendiam, na época, a exclusividade das ações de repressão.

“O resultado foi que, no ano 2000, esses editores, seguindo uma das mais lamentáveis e tradicionais tendências do mercado editorial brasileiro, resolveram fundar mais uma associação. E assim nasceu a ABPDEA – Associação Brasileira de Proteção dos Direitos Editoriais e Autorais, com sede no Rio de Janeiro. A ABPDEA deixava claro que considerava a solução da repressão como a mais correta, e divulgou amplamente o fechamento de copiadoras, prisão de “xeroqueiros”, etc.

A divisão obviamente não facilitou a vida de ninguém.

Pior, a questão acabou entrando na disputa da sucessão de Raul Wassermann na presidência da CBL, em 2002. O Sr. Oswaldo Siciliano, adversário de José Henrique Grossi, o candidato apoiado por Wassermann, comprometeu-se com a ABPDEA a apoiar suas posições, caso eleito. E foi, como se sabe.

O resultado foi que já em meados de 2003 as duas associações foram “fundidas”. Na verdade, da ABDR só sobrou o nome. As formas e métodos de atuação que passaram a ser executadas desde então foram as da antiga ABPDEA, que não faziam inveja aos da RIIA [Recording Industry Association of America – o órgão das gravadoras] a não ser pela menor capacidade econômica dos brasileiros: apreensões, prisões, fechamento de copiadoras, e liquidação dos contratos de licenciamento.

O resultado, lamentavelmente, também foi parecido com o da indústria musical: foi oferecido de bandeja ao moribundo movimento estudantil um prato feito, o da “luta contra os gananciosos editores, que pouco se importam com a formação dos jovens universitários”.

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SÉRGIO MACHADO, EDITOR

Capturar

A morte do Sérgio Machado, para além do sentimento de perda de um amigo – pois assim o considerava – suscita algumas reflexões sobre a nossa indústria editorial, a partir da sua vida.

Estava no comando do grupo Record, o maior grupo editorial “trade” do país, desde 1991, quando da morte de seu pai e fundador da editora, Alfredo Machado. Sérgio, economista de formação, já estava há alguns anos trabalhando na empresa da família. A Record, fundada por Alfredo e seu cunhado, Décio Abreu, morreu naquele ano, deixando a editora nas mãos de três filhos: Sérgio, Alfredo Jr. e Sonia. A editora, fundada no âmbito e com as características de empresa familiar, continuava sob controle da família, sem capital aberto.

Um dos grandes desafios das empresas familiares, de todos os ramos, é a solução da sucessão do fundador. Todos os irmãos trabalhavam na editora, mas Sérgio e Alfredo tinham pontos de vista diferentes sob vários pontos. As divergências entre herdeiros provocam turbulência e podem mesmo por a pique a empresa. Sérgio comprou a parte de Alfredo e, com a irmã, assumiu o controle total do grupo.

Em 1997, um evento abalou a família Machado e o mercado editorial brasileiro. Sonia Machado Jardim foi sequestrada, e permaneceu semanas em poder dos seus captores. Sérgio estava nos EUA, onde fazia um curso – coincidentemente sob negociações – e voltou ao Brasil. Junto com o irmão e o marido de Sonia, Antonio Carlos, conduziram as negociações que resultaram na libertação de Sonia, em troca do pagamento de um resgate de valor não especificado.

Durante todos esses anos, o processo de concentração do setor editorial avançou muito, principalmente com a chegada de grupos editorais estrangeiros, que investiram pesadamente, seja na aquisição de empresas já existentes (Santillana comprou a Moderna; a Planeta se instalou por aqui, assim como outras espanholas, como a SM e a Oceano, e portuguesas, como a Leya). Sérgio sempre afirmava que, como comerciante, estava sempre aberto para negociações, pois comprar e vender era o que sabia fazer.

Só que, em vez de esperar que sua editora fosse comprada, Sérgio e Sonia partiram para o crescimento, adquirindo eles mesmo várias editoras nacionais. Desse modo, foram incorporadas ao grupo a Bertrand Brasil (que já era controladora da Civilização Brasileira e da Difel), a José Olympio (que faliu com os sucessores do patriarca e fundador e passou pelas mãos do BNDES e de Henrique Gregory um executivo da Xerox do Brasil), a BestSeller, comprada de Richard Civita, e mais recentemente a Paz & Terra, comprada dos herdeiros de seu fundador, Fernando Gasparian, e a Rosa dos Tempos, fundada por Rose Marie Muraro e Ruth Escobar. Paralelamente, fundou outras editoras/selos, como a Galera e a Galerinha Record, a Nova Era, BestBolso, BestBusiness e a Verus. Com isso, a Record foi firmando seu pé em vários segmentos do mercado, como o de livros infantis e juvenis, a literatura feminista, negócios, esotérica e de fantasia.

Ao robustecer sua empresa, usou a mesma tática das estrangeiras, ampliando sua ação.

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LIVROS DEMAIS – PRAZER E DEVER

Moramos em um apartamento grande, comprado quando os filhos ainda estavam conosco. Agora grande demais. Então, decidimos tentar vender e comprar algo um pouco menor, mais manejável. Com as atuais circunstâncias de mercado, não está fácil. Mas queremos fazer isso.

Mudar de uma casa maior para outra menor significa desapegar, diminuir o peso e o tamanho da carga.

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A verdade é que, nesses anos todos, o que mais cresceu foi nossa biblioteca. Como eu e Maria José somos ligados ao mercado editorial, digo sempre que livro, na nossa casa, não dá filhote: dá ninhada. Só na semana passada, por exemplo, o correio entregou dois novos livros do filósofo Gabriel Zaid, gentilmente enviados por ele. Como sou um admirador (e tradutor) do Zaid, “Cronología del Progreso” e “El Secreto de la Fama” saltam para o topo da pilha. Some-se ainda o exemplar de “O exílio do Homem Cordial”, ensaio sobre Sérgio Buarque de Hollanda escrito pelo meu amigo João Cézar de Castro Rocha. Também para o alto da pilha, além do romance “Cabo de Guerra”, da Ivone Benedetti, que tem como tema os “cachorros” infiltrados pelos militares nas organizações de esquerda durante a ditadura.

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Os livros se espalham pela casa inteira

Assim, apesar da tentativa sempre presente de esvaziá-las, as prateleiras vão se enchendo, e todos os cômodos da casa acabam tendo que ceder espaço para os livros. Apesar de sermos leitores compulsivos, desde a adolescência, e sempre termos orgulho de nossos livros, não temos “espírito de colecionador” e muito menos disposição de construir uma biblioteca de modo sistemático.

Dessa maneira, no decorrer dos anos, várias “baixas” foram sendo dadas. Os livros de antropologia, por exemplo. Fiz uma lista de tudo que sabia que não mais leria ou releria, e mandei para a biblioteca do PPGAS – Programa de Pós Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional/UFRJ, onde fiz o mestrado. Falei com a bibliotecária que escolhesse os que queria. Só tinham que conseguir mandar buscar. Foi quase tudo, salvo os muito comuns, dos quais já havia vários exemplares por lá. Depois fiz uma grande lista de livros para Maria Zenita, bibliotecária que na época chefiava o Departamento de Bibliotecas Públicas da PMSP, escolher os que achava úteis para incorporar ao acervo do sistema de bibliotecas públicas da cidade. Quis todos.

(Diga-se de passagem, fico sempre com pena das pobres bibliotecárias que fazem campanhas de doação de livros, diante da penúria de recursos para adquiri-los. Na maioria absoluta dos casos, o que as pessoas fazem – conscientes ou não – é tirar o livro velho e inútil, o lixo, de casa, e deixar na porta das bibliotecas. Já vi cada coisa…). Mas não era esse o caso. Modestamente, os livros eram bons e tive o cuidado de perguntar se seriam bem-recebidos.

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Livros eletrônicos, mercado tradicional e etc.

A polêmica suscitada pelo artigo do Paulo Tedesco continua, e isso é muito bom. A última contribuição foi do Haroldo Ceravalo, que procura evitar maniqueísmos.

Mas merece alguns reparos.

1- A questão do capital das editoras pequenas e médias. Sinto dizer, mas o problema não é de agora e está longe de se referir ao livro eletrônico. No meu livro “O Brasil pode ser um país de leitores”, que é de 2004, já assinalava que dois grandes problemas da nossa indústria editorial (entre outros, certamente) eram a falta de capital e a capacitação profissional dos editores. Quem quiser acompanhar o raciocínio completo pode comprar o livro e buscar o trecho em questão – afinal, a Summus e eu vivemos de vender livros. Aliás, o Gabriel Zaid, no seu “Livros Demais”(também editado pela Summus, com minha tradução) assinalava isso: “entrar” no mercado editorial é mais fácil que montar uma quitanda. O problema é o capital para aguentar o tranco. Acrescente-se a isso o fato de que os mecanismos tradicionais do mercado fazem as editoras financiarem as livrarias. Está lá no livro também.

2- Nenhum desses dois problemas foi equacionado até hoje. Portanto, continuam existindo. Ou alguém acredita que a maioria das editoras pequenas e médias dispõe de pessoal capacitado tanto do ponto de vista editorial como de marketing, administração e quejandos? Nem nas grandes a capacitação profissional é generalizada… Quanto à questão da capitalização, quem leu o livro do schiffrin Schiffrin sabe bem do que falo.

3- Ler um PDF na tela é um saco. Para imprimir, haja papel e toner. Mesmo as versões mais atuais da Adobe não têm nem fração das facilidades de navegação que o ePub mais chinfrim tem. Para ler com algum conforto é preciso imprimir. Se é para rabiscar e fazer anotações, devo dizer que faço isso com a maior facilidade no Kindle ou no Kobo, e posso arquivar minhas marcações sem precisar ficar folheando a papelada. Sinceramente, para mim o PDF não serve mais nem para garantir a integridade dos textos, já que atualmente é totalmente editável, e acho que o PDF é que é carroça. Mas de gosto não se discute.

4- A Amazon e a Kobo realmente só aceitam arquivos de editoras comerciais em ePub (os auto publicados podem ir em Word). Mas a Saraiva e o Google, o Wook (português) aceitam o envio de arquivos em PDF e eles mesmo os transformam (a Árvore de Livros também). Ou seja, existe preguiça até mesmo de experimentar…

5- É verdade que os leitores de livros eletrônicos são caros. Só que, segundo o Retratos da Leitura no Brasil, a maioria dos que leem livros eletrônicos o faz em tablets e celulares, e todas as lojas divulgam os respectivos apps.

6- Acho que o DRM é um problema muito maior. Especialmente para quem não tem familiaridade com os truques. Da minha parte, quebro tudo e guardo na minha máquina, que dessa história de arquivar na “nuvem” é que não sou lá muito fã.

7- Já escrevi tantas vezes sobre a impressão sob demanda que me abstenho de comentar mais, por enquanto. Tanto no PublishNews quanto aqui no O Xis do Problema deve ter bem uns vinte posts sobre o assunto, quantidade que só perde para os posts sobre metadados.

De qualquer maneira, o artigo do Haroldo é bem ponderado e revela algumas das preocupações mais urgentes dos pequenos e médios editores.

Só para finalizar. Hoje leio tudo que posso no formato eletrônico. Mesmo livros complexos, como a série do Gaspari, a Cindy Leopoldo provou que o ePub 3 aguenta o tranco muitíssimo bem, e valorizou os livros com o material adicional. Livros de arte e infantis sim, não ficam bem (os infantis estão virando apps, e são muitas vezes bem ruinzinhos).

Mas continuo lendo e comprando livros em papel, e ninguém tasca a mão na minha edição da Pléyade da Comedie Humaine, balzac pléyadeou na do Don quijoteQuijote da Alfaguara. Mas essa polêmica de se o eletrônico vai “acabar” com o impresso é das coisas mais ociosas que já apareceram.

 

LIVROS DE COLORIR, LIVROS DIGITAIS, LIVROS. SER OU NÃO SER UM LIVRO?

Hamlet-05 Um dos blogs que costumo seguir é o do catalão Bernat Ruiz, Verba Volant, Scripta Manent (nada a ver com a epístola do usurpador). O post desta semana, Libros que nunca lo fueron, coincidentemente, saiu no mesmo dia em que o PublishNews publicou post do Paulo Tedesco, Um e-book de fracasso,  no qual se dedica a desvalorizar os e-books (a polêmica prossegue com a resposta do André Palme e uma intensa discussão no Facebook).

Na verdade, os dois artigos tangenciam o tema que marca este texto. O do Bernat Ruiz está muito mais focado na questão de se os livros de colorir para adultos podem ou não ser considerados livros.

Mas vamos, lá, começando pelo Ruiz.

Ele anuncia que a HMRC britânica, mais ou menos equivalente à nossa Receita Federal, enviou correspondência às editoras do Reino Unido exigindo o pagamento de IVA para “los cuadernos de colorear para adultos”. Nossos populares (no ano passado) livros de colorir.

O Reino Unido não cobra IVA de livros, livros infantis de pinturas e gravuras, mapas e cartas geográficas, revistas, Jornais, música impressa ou copiada (partituras) e publicações (alguns tipos de publicações, como livros de exercícios e cartazes, pagam a taxa padrão). Existe uma discussão pendente (na União Europeia em conjunto e em cada país, e também por aqui, sobre os livros eletrônicos).

E Sua Majestade anunciou que vai cobrar o imposto dos livros de colorir para adultos. Esse o tema do post do Bernat Ruiz.

Livros de colorir são livros?

Uma polêmica que existiu aqui também, e se esvaneceu. Os livros para colorir foram aceitos como livros e, portanto, imunes à tributação.

Barnat, entretanto, esmiúça a polêmica. Cita a definição de livro da UNESCO (a famosa que define livro como publicação de pelo menos quarenta e nove páginas fora a capa), a Lei do Livro Espanhola; cita a Wikipédia e outros quetais. No final, lamenta que sejam as autoridades fiscais que definam o que é livro e aí, sim, entra na seara do livro digital.

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“LES PUF” EM PARIS – UMA LIVRARIA DE NOVO TIPO

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A nova livraria da PUF – Presses Universitaires de France, ocupa um espaço de menos de 80m2. Não está longe do local onde existiu entre 1921 e 2006, na Place da la Sorbonne, e que era um ponto de encontro dos estudantes e da intelectualidade francesa. No entanto, a nova livraria disponibiliza aos clientes todos os 5.000 títulos da editora (mais 2.000 títulos anteriormente fora do catálogo nos próximos meses) e três milhões de outros títulos, que incluem os publicados pelas maiores editoras dos EUA, e um crescente número de títulos franceses.

puf 1E ainda tem um café, onde os clientes esperam a impressão do livro.

Tudo isso é possível porque a livraria usa a Expresso Book Machine, que imprime e faz o acabamento de um livro a cada cinco minutos, em média. Veja detalhes sobre a inauguração, acontecida no último dia 12 de março aqui e aqui.

Publiquei anteriormente três posts sobre a Expresso Book Machine. O primeiro, em setembro de 2012,  contava como a máquina foi desenvolvida a partir de uma ideia de Jason Epstein, lendário editor de Nova York, um dos fundadores da New York Book Review e visionário da indústria editorial. A máquina de livros é fabricada pela On Demand Books.

No meu segundo post sobre a Expresso Book Machine tratei do avanço na solução de um dos gargalos para o sucesso da máquina, que é a disponibilização, pelas editoras, dos arquivos para que a EBM possa produzir seus livros sob demanda em cada máquina licenciada. Em janeiro de 2013, a Penguin USA (antes da fusão com a Random House), anunciou que faria isso.

Alexandre Gaudefroy, gerente da livraria, e os tablets que permitem a consulta dos títulos à venda.
Alexandre Gaudefroy, gerente da livraria, e os tablets que permitem a consulta dos títulos à venda.

Em 2015, quando estive no Salon du Livre de Paris, na edição em que o Brasil foi homenageado, vi pela primeira vez duas dessas máquinas operando, e publiquei mais um post sobre o assunto. Uma no estande da On Demand Books, onde entrevistei Jason Beatty, Vice-Presidente Senior de vendas e desenvolvimento de negócios, e outra precisamente no estande da PUF. Na ocasião, fiz questão de levar aos dois estandes o então presidente da FBN, Renato Lessa, o Presidente da CBL, Luís Antonio Torelli e o então presidente da Editora da Unesp e Secretário Executivo do PNLL, prof. José Castilho.

Minha esperança era que algum deles (ou os três em conjunto), encontrassem um meio de trazer uma dessas máquinas para a Bienal do Livro de S. Paulo, este ano. Fiquei na esperança, pelo visto.

Não seria um empreendimento fácil. A máquina custa caro (cerca de cem mil dólares). Segundo Beatty, isso não impede que mais de trezentas já estejam instaladas nos EUA, várias das quais em livrarias independentes. Na Europa, o país que mais as importou é precisamente a França.

Na França, a Espresso Book Machine é explorada por um consórcio constituído pelo IRENÉO,  um programa de pesquisas sobre a impressão de livros sob demanda, que faz parte do  IDEP (Institut de développement et d’expertise plurimédia)  e pela UNIIC (Union nationale des industries de l’impression et de la communication),  que seria mais ou menos o equivalente da ABIGRAF brasileira. Esse consórcio adquiriu seis máquinas para uso em escolas e universidades. Uma delas está alugada pela PUF por dois anos, o que reduz substancialmente o investimento fixo inicial. A editora, que é essencialmente uma casa de publicações universitárias (inclusive a famosa coleção “Que sais-je?”), qualificou-se assim para receber uma das máquinas importadas.

puf 3Essas informações deixam claro que a implantação desse tipo de máquina exigiria um esforço combinado de entidades públicas e privadas que estivesse voltada para o desenvolvimento da indústria editorial e livreira. Certamente isso se enquadraria em uma política de promoção do livro e da leitura, com os benefícios adicionais de melhorar substancialmente o lado logístico da distribuição de livros no Brasil.

Hélas¸ diriam os franceses, essa é uma tarefa particularmente difícil no Brasil de hoje: crise econômica, políticas de “salve-se quem puder” também na área editorial, e uma crônica incapacidade dos segmentos de editores, livreiros e gráficos para pensar e atuar coordenadamente em benefício comum, tudo se compõe para aumentar as dificuldades.

Certamente a Expresso Book Machine não é uma solução mágica para a indústria editorial e muito menos para as livrarias. Mas certamente é um esforço em busca de construir um conjunto de soluções para os problemas do setor, e que interferem diretamente nos índices de leitura dos brasileiros. As dificuldades de logística, o preço dos livros, a situação vergonhosa dos sistemas de bibliotecas públicas são componentes dos baixos índices de leitura.

Com o abandono muito provável pelos próximos dois anos dos programas de aquisição de livros de literatura para as escolas públicas (e oxalá o do livro didáticos também não seja reduzido), agravando uma situação que já se desenhava como ruim desde o ano passado, pensar na Expresso Book Machine por aqui é, como diria o Millor Fernandes, apenas um exercício de livre pensar. Que é só pensar e como tal não custa nada.

O que ainda dá um sopro de esperança nesse caso é que eu soube da livraria da PUF pela notícia publicada na edição do dia 13 de junho do New York Times. E lembrei da época do Henfil nos EUA, e o bordão que ele usava nos “Diários de um Cucaracha” no Pasquim (depois virou livro, hoje só em sebos, já que não temos uma Expresso Book Machine por aqui…), dizendo que uma coisa só ficava importante quando era publicada no jornalão da Grande Maçã. Como isso aconteceu, quem sabe… (apesar do NYT ser financiado pelo PT, segundo o Fiúza, colunista de O Globo e da revista Época).