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ABRALIC, A UNIVERSIDADE EM PERIGO E A LITERATURA BRASILEIRA

Semana passada estive no Rio de Janeiro participando da XV Reunião da ABRALIC – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LITERATURA COMPARADA, que aconteceu no campus da UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Mesa sobre as dificuldades da difusão da literatura brasileira na ABRALIC – 2017 (#UERJ resiste)

Foi um encontro admirável. A UERJ é o alvo, a ponta de lança da tentativa de desmonte da universidade pública brasileira, empreendida pelos usurpadores que perpetraram o golpe de estado parlamentar-judiciário que nos atinge hoje. É a primeira vítima, por conta da calamitosa situação do estado do Rio de Janeiro, unidade da Federação que foi amplamente beneficiada por investimentos públicos e privados nos últimos anos: a indústria naval renascida (e agora destruída, passando de 80.000 trabalhadores para menos de 20.000); os investimentos urbanos em função da Copa do Mundo e das Olimpíadas, o transporte urbano, entre outros. O funcionalismo do Rio de Janeiro está há meses sem receber os salários, exceção, é claro, das forças de segurança, reconhecidamente mal treinadas e estupidamente brutais daquele estado, mas que garantem o mínimo de proteção para o governo, e que contam agora, com o emprego a contragosto de um contingente de forças federais. A UERJ está sem contrato de manutenção, limpeza e segurança há quase um ano, e professores e funcionários estão com os salários atrasados há quatro meses, além de não terem recebido o 13º salário.

Diante dessa situação, o esforço que esses professores e funcionários, com a participação dos alunos (quase duzentos monitores voluntários) fizeram para organizar e executar um evento de grande porte, com convidados nacionais e estrangeiros foi simplesmente monumental. A UERJ resiste ao descalabro, a duras penas e com grandes sacrifícios.

ABRALIC, como já disse, é a associação que reúne professores e especialistas em literatura comparada. E é isso que a faz importante para a nossa literatura e, por extensão, ao mercado editorial. A mesa da qual fiz parte tratava, precisamente, das dificuldades de expansão internacional da literatura brasileira.

Comparar os diferentes aspectos da literatura significa, precisamente, entender as relações do que os nossos escritores produzem vis-à-vis o que é produzido nesse grande concerto que é a República Mundial das Letras. Como nossa literatura se confronta e contribui para esse diálogo civilizatório – essencial para o entendimento entre os povos – que se expressa através da produção literária.

A difusão da literatura brasileira no exterior enfrenta enormes dificuldades. E isso tem a ver com a nossa indústria editorial.

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ABRALIC – RESISTÊNCIA E BONS DEBATES

Semana passada (entre 19 e 24) aconteceu no Rio de Janeiro o XV Encontro da ABRALIC – Associação Brasileira de Literatura Comparada, no campus da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.

O evento foi organizado sob a direção do prof. João Cezar de Castro Rocha, professor daquela Universidade e atual presidente da ABRALIC. João Cezar enfatizou sempre que fazê-lo no campus da UERJ era, também parte da luta pela defesa da universidade pública, gratuita e democrática. Entre outras razões, porque a UERJ sofreu duramente a falta de verbas, atraso no pagamento de salários e benefícios de professores e funcionários. Cortes e contingenciamento de verbas decorrentes, principalmente, do fato do governo do Rio de Janeiro não dar a devida prioridade à educação pública.

A UERJ, salientou João Cezar em conversa, sempre foi uma universidade voltada para o subúrbio, longe da pomposidade e da tradição da UFRJ – descendente da primeira universidade pública brasileira, iniciativa de Anísio Teixeira. O campus ao lado do Maracanã, bem servido de transporte público (que hoje inclui o metrô), era a universidade de mais fácil acesso para a juventude que crescia no subúrbio carioca. O próprio João Cezar, de magnífica carreira acadêmica – inclusive como professor visitante de importantes universidades europeias e norteamericanas – orgulha-se de suas origens no Méier.

O Itaú Cultural contribuiu para a realização de várias mesas e pela presença de visitantes nacionais e internacionais. Aliás, a galeria de ilustres participantes no evento é muito significativa, tanto da área acadêmica como de escritores, como se pode ver na fanpage do evento no Facebook.

Mesa na ABRALIC - Rita Palmeira, Laura Erber, Eu, Luiz Ruffato
Mesa na ABRALIC – Rita Palmeira, Laura Erber, Eu, Luiz Ruffato

A mesa da qual participei, na tarde do dia 22, centrou-se precisamente no programa Conexões Itaú Cultural: Literatura Brasileira no Exterior, do qual sou um dos curadores, juntamente com o prof. João Cezar, e contou com a presença do escritor Luiz Rufatto, da prof. Laura Erber (UNIRIO) e foi mediada pela prof. Rita Palmeira (Conexões Itaú Cultural).

Preparei minha intervenção a partir do trabalho de Pascale Casanova, pesquisadora francesa (discípula de Pierre Bourdieu), autora de um livro muito importante, A República Mundial das Letras (Estação Liberdade).

Pascale Casanova faz, ainda na introdução desse livro, uma observação interessante sobre O Motivo do Tapete, de Henry James, e que sintetiza bem o espírito da obra. Diz ela: “A ideia, espécie de preliminar crítica incontestada, de que a obra literária deve ser descrita como exceção absoluta, surgimento imprevisível e isolado. Nesse sentido, a crítica literária pratica um monadismo radical: uma obra singular e irredutível seria uma unidade perfeita e só poderia ser medida e referir-se a si mesma, o que obriga o intérprete a apreender o conjunto de textos que formam o que se chama de ‘história da literatura’ apenas em sua sucessão aleatória”. Esse seria, para ela, justamente o preconceito que cega a crítica. E “o sentido da solução que James propõe ao crítico, ‘o motivo no tapete’, essa figura (ou essa composição) que só aparece quando sua forma e coerência de repente jorram do emaranhado e da desordem aparente de uma configuração complexa, deve ser buscada não em outra parte e fora do texto, mas a partir de um outro ponto de vista do tapete e da obra”. […] e sua complexidade “poderia encontrar seu princípio na totalidade, invisível e contudo oferecida, de todos os textos literários através e contra os quais ela pôde se construir e existir e da qual cada livro publicado no mundo seria um dos elementos” (16-17).
É a partir daí que podemos entender não apenas a literatura comparada – todos esses motivos do tapete literário que se tece pelo mundo afora e no decorrer da história da literatura – como a importância da inserção das nossas vozes literárias nessa trama. Não porque seja particularmente importante ou notável (apesar da observação do Antonio Cândido, de que a literatura brasileira é apenas um “galho secundário” da portuguesa), mas porque sem ela ficam faltando motivos na composição do tapete.

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