PREÇO FIXO E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O LIVRO – 1

Na última FLIP, a Senadora Fátima Bezerra (PT-RN), deu entrevista para a TV PublishNews  a propósito de seu projeto de Lei do Senado 49/2015,  cuja ementa declara que “Institui a Política Nacional do Livro e a regulação de preços”, mais conhecida como projeto da lei do preço fixo.

A Senadora Fátima Bzerra (PT-RN), é uma defensora do livro e da leitura. dep. Fatima Bezerra  Fotos de Luiz Xavier 19-08-09
A Senadora Fátima Bzerra (PT-RN), é uma defensora do livro e da leitura.
dep. Fatima Bezerra
Fotos de Luiz Xavier

Em repetidas ocasiões escrevi que sou favorável ao projeto, como se pode ver aqui, por exemplo, e faço questão de reiterar que se trata de medida importante para os leitores, os autores, as livrarias e para a indústria editorial brasileira. Mas também já afirmei que essa medida, quando e se for aprovada e sancionada, não será uma panaceia. Até porque, como tentarei mostrar, está muito longe de instituir uma política nacional do livro.

O projeto da Senadora Fátima Bezerra, que vem se distinguindo desde seu mandato de Deputada Federal, como uma das mais ativas defensoras do livro, da leitura, das bibliotecas, das livrarias e da indústria editorial brasileira, está evidentemente calcado na chamada Loi Lang, em vigor na França desde 1981. É bom chamar atenção que o link acima reflete uma série de modificações importantes na Loi Lang até este ano, incluindo alguns dispositivos que comentarei mais adiante, já em vigor na França.

Jack Lang, Ministro da Cultura da França, introduziu a "Lei do Preço Fixo"
Jack Lang, Ministro da Cultura da França, introduziu a “Lei do Preço Fixo”

Em resumo, a lei do “preço fixo” se forma em torno de alguns pontos fundamentais:

1) O editor fixa o preço de venda ao público do livro (preço de capa);

2) Esse preço de capa, na França, poderá ser oferecido pelos varejistas com desconto máximo de 5%. Essa a disposição do art. 1 da lei francesa: “Les détaillants doivent pratiquer un prix effectif de vente au public compris entre 95 % et 100 % du prix fixé par l’éditeur ou l’importateur”.

3) Na redação do projeto da Senadora, aparentemente se preferiu estabelecer o desconto máximo de 10%. Entretanto, a disposição está confusa, por duas razões. Primeiro por declarar que o preço efetivo será de 90 a 100% “do preço da efetiva aquisição pela livraria”, o que não faz sentido. A redação francesa, diz que “le prix effectif de vente des livres peut être compris entre 91 % et 100 % du prix de vente au public”, ou seja, do preço de capa determinado pelo editor, e não do preço da efetiva aquisição pela livraria. Essa menção a um desconto maior de fato existe na lei francesa, mas está no art. 3 da Loi Lang que trata da aquisição de livros pelo estado, por comunidades e bibliotecas, e que examinarei no próximo post. Por hora vale mencionar que, acredito, o projeto da Senadora Fátima Bezerra pretende limitar o desconto na venda ao público a 10% do preço de capa.

4) Esse preço de capa determinado pelo editor será válido por um ano a partir do seu lançamento. O projeto determina que as modificações de preço deverão ser comunicadas pela editora com uma antecedência mínima de 30 dias. Aqui, também seja dito que a redação está confusa. A redação do artigo determina a validade do preço por um ano, mas o § 3 desse mesmo artigo 6 estabelece esse aviso prévio. Como ainda vivemos na sombra de inflação, esse dispositivo abre a possibilidade de que a editora modifique o preço antes do prazo de um ano. Precisa ser melhor redigido.

5) Depois do prazo estabelecido por lei, quem comercializa no varejo pode fixar o preço que quiser. Existem determinadas exceções à regra de fixação (livros raros, edições especiais, etc.).

Alguns autores independentes, em comentários que andei lendo nas redes sociais, reclamaram que esse dispositivo lhes impede de “vender barato” seus livros. Acredito, no entanto, que essa posição decorra de uma falha na compreensão do texto. O editor – ou o autor independente que edite – pode fixar o preço que quiser. Os autores que reclamaram possivelmente estão pensando no fato de que as redes e grandes livrarias não lhes comprarão o livro “porque não lhes interessa”. Bem, isso já é outro problema, que não diz respeito à fixação do preço, e que também já abordei em outras ocasiões.

Continue lendo PREÇO FIXO E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O LIVRO – 1

MO YAN, CHINA E INDÚSTRIA EDITORIAL CHINESA

Capturar

No ano 2000, quando era Diretor de Relações Institucionais da CBL, a instituição recebeu um convite para visitar a Feira de Livros de Beijing, naquele ano. Os chineses pagavam tudo – hotel, transportes internos, refeições, passeios – mas era preciso comprar a passagem até Shanghai. Ninguém da diretoria topou ir. Eu reuni milhagem, fiz as contas e fui.

Foram quase quinze dias muito interessantes. Muito turismo, comidas exóticas (sem chegar aos exageros de cobras, cachorros e lagartos), reuniões com editores, tanto em Shanghai como em Beijing, e a visita à Feira.

O esforço que os chineses faziam no momento era mostrar que estavam combatendo a pirataria a sério. Era uma queixa, principalmente dos editores dos EUA e do Reino Unido, e muito focada na área técnico científica. Mereci até foto na primeira página do China Daily… identificado como visitante cubano! Pelo que fui devidamente gozado pelo pessoal da Embaixada do Brasil, no dia seguinte.

Havíamos publicado, na Marco Zero, as memórias de Pu Yi, o último imperador chinês, traduzidas por Li Junbao, que estava fazendo um curso na USP e que, durante a Revolução Cultural, passou meses trancado em um hotel como parte da equipe que traduzia as Obras Escolhidas do Presidente Mao para o português. E eu havia pensado em traduzir (do espanhol) “Meia-Noite”, romance da década de trinta, de Mao Dun, escritor que, juntamente com Lu Xun (contista), eram os representantes da literatura engajada, comunista. Não deu.

Eu não conhecia nada de literatura chinesa contemporânea. Aliás, coisa raríssima era algo além de alguns clássicos, como “A Viagem ao Oeste”, ser traduzido.

Passaram-se os anos e começaram a aparecer obras chinesas por aqui. Principalmente filmes. “O Sorgo Vermelho”, de Zhang Yimou, foi um filme impactante, tanto pela beleza como pela descrição das condições de vida na China pré-revolucionária. O filme era baseado em um romance do Mo Yan.

Ainda naquele ano 2000 (depois que voltei da China), foi anunciado como vencedor do Nobel o escritor Gao Xingjian, exilado, dissidente e morando em Paris. Em 2002, creio, li em espanhol “A Montanha da Alma”. Romance metafísico, chatíssimo, que não me comoveu absolutamente nada. Em 2010, Liu Xiaobo ganhou o Nobel da Paz. Os dois prêmios foram violentamente criticados pelo governo chinês, que acusou o Nobel de provocação.

Chega 2012 e outro chinês ganha o Nobel. Dessa vez, Mo Yan. E tome crítica ao Nobel e a ele, apresentado como “escritor oficial”, conivente com o regime. Enfim, como alguém não merecedor de ganhar prêmio nenhum, ainda que no ano anterior já houvesse recebido o Newman, reputadíssima premiação dos EUA e bom indicador dos possíveis candidatos ao galardão sueco. Além do mais, Mo Yan era dirigente da Associação dos Escritores da China e havia começado sua carreira produzindo peças de propaganda para o exército.

Continue lendo MO YAN, CHINA E INDÚSTRIA EDITORIAL CHINESA

VIVENDO E APRENDENDO –LIÇÕES NA FLIP

publishnews cabeça

Participei de duas mesas na recente Flip (quer dizer, nada na Tenda dos Autores, é claro). A primeira foi a apresentação dos programas do Itaú Cultural, onde sou consultor do Conexões – Mapeamento Internacional da Literatura Brasileira  que  mapeia a presença internacional da literatura brasileira, com um banco de dados de professores, pesquisadores e tradutores da nossa literatura que trabalham no exterior.

A segunda mesa foi sobre a sustentabilidade de programas de leitura, promovido pelo Instituto C&A.

Nessa mesa, composta por Christine Fonteles, do Instituto Ecofuturo, Pilar Lacerda, da Fundação SM, Patrícia Lacerda, do Instituto C&A e por mim, mediados por Cláudia Santa Rosa, do Instituto de Desenvolvimento da Educação de Natal, se mencionou algo sobre estarmos falando para conversos, já que todos os presentes evidentemente eram interessados no assunto.

Quando chegou minha vez, fiz uma brincadeira, dizendo que, apesar de falarmos para conversos, essa nossa igreja admitia muitas discussões internas, e que sempre estávamos aprendendo algo. Mencionei que, na mesa anterior, um assunto havia despertado minha atenção: será que as várias pesquisas sobre hábitos de leitura estavam dando conta da diversidade de leituras e manifestações literárias, ou captavam apenas as “leituras canônicas”, as que eram feitas nos livros convencionais?

O comentário provocou uma risada do Volnei Canônica, diretor do Instituto C&A, e que foi nomeado como novo diretor da DLLLB, do MinC.

Na verdade, eu me referia ao que havia chamado minha atenção na mesa do Itaú Cultural, na qual havia participado na véspera.

Explico.

A mesa tinha a presença, além de mim, do Marcelino Freire, em função do programa “Quebras” que ele desenvolve, com Jorge Filholini, como selecionado no Programa Rumos, do IC, e da Tania Rösing, das Jornadas de Passo Fundo. Minha presença na mesa se devia particularmente a uma pesquisa sobre feiras, festivais e outros eventos em torno da literatura que vêm aumentando exponencialmente nos últimos anos. Quando preparava minha intervenção, dei-me conta que um fenômeno mais recente crescia diante de nossos olhos sem ser muito bem entendido: os saraus literários.

Continue lendo VIVENDO E APRENDENDO –LIÇÕES NA FLIP

PNBE – NÃO PODE HAVER RETROCESSO

Capturar

 

O Programa Nacional de Biblioteca na Escola – PNBE está, aparentemente, em risco de não existir este ano. A frase vai no condicional pois, como disse Ana Maria Machado em artigo recente n’O Globo, a falta de transparência e indefinição obscurecem a situação.

Os programas de aquisição de livros do Governo Federal – que remontam à década de 60 – abrangem hoje uma gama bastante variada de livros para diferentes públicos. O maior e mais conhecido é o PNLD – Programa Nacional do Livro Didático. Além desses, temos o PNLEM – Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio, o programa para aquisição de livros para os cursos de jovens adultos (o antigo madureza), e várias versões do PNBE: geral, temática, para professores. O PNLD é o menos ameaçado, ao que se comenta, até porque, como é cíclico, este ano haverá aquisição apenas para reposição para novos alunos.

Esses programas todos tiveram uma ampla evolução desde seu início. O PNLD começou com a aquisição de coleções escolhidas por “comissões” e, nesse período, os escândalos se sucederam. Os livros não eram aceitos pelos professores, chegavam atrasados nas escolas (quando chegavam) e a escolha sofria “influências” as mais escusas.

O PNBE, iniciado na gestão Paulo Renato no MEC, também começou mal. Uma primeira coleção, também selecionada por “sábios” de várias áreas, incluiu as obras completas do Pe. Vieira, edições do Uraguai, do Basílio da Gama e outras pérolas da erudição que fazem bonito nas bibliotecas de eruditos, mas que são rigorosamente inúteis nas escolas de ensino fundamental. Daí passou para umas coleções formatadas homogeneamente que seriam entregues aos alunos. Até hoje se encontram dessas coleções nas bancas de usados e sebos das cidades.

A última versão do programa escolhia títulos variados, mantendo seus formatos e ilustrações originais. Na minha opinião, é melhor que as anteriores, mas podia melhorar ainda mais, com uma ampliação da variedade dos títulos enviados, de modo a formar uma verdadeira biblioteca na escola.

Dito seja de passagem, existe legislação prevendo a necessidade de que todas as escolas de ensino fundamental e de ensino médio do país tenham bibliotecas escolares. Como não se prevê nenhuma sanção para os prefeitos e secretários que não cumprem essa exigência, a lei é mais um exemplo dessas que são feitas “para inglês ver”.

De qualquer maneira, é crescente a consciência de que o ensino de qualidade depende da oferta de livros de literatura – ficção e não ficção – para além do currículo escolar, superando o desenho utilitarista dos currículos e deixando claro que, para haver um domínio correto do idioma, é preciso ler, ler muito e títulos variados. É lendo que se aprende a escrever, e que se desenvolvem as habilidades cognitivas para a absorção de todas as outras matérias.

Só que esse esforço de aperfeiçoamento parece correr o risco de ir para o ralo, a pretexto das dificuldades orçamentárias e do ajuste fiscal.

Não vou discutir aqui a importância e a necessidade do ajuste. A continuidade da crise internacional provocada pela rapacidade e irresponsabilidade da banca internacional vem assumindo novas formas. Medidas que foram eficazes em um primeiro momento precisam ser reformuladas, e sem dúvida o equilíbrio das contas públicas é necessário.

A questão, como sempre é: quem paga a conta?

Para além das proposições genéricas de quem pariu mateus que o embale – ou seja, os banqueiros especulativos é que devem pagar a conta de sua rapacidade – é importante ter em mente a seletividade dos cortes nos gastos públicos.

O dilema dos administradores das finanças nacionais é sempre grande, pois sempre falta dinheiro para alguma coisa, e todo mundo defende suas prioridades.
No caso da educação, duas grandes questões se colocam: a remuneração decente dos professores e as condições de ensino.

Ora, os meninos que não lerem agora os livros de literatura, não os lerão depois. Não há como “reconquistar” essa perda na qualidade do ensino. E as consequências disso serão certamente trágicas. Vão desde as questões mais concretas da qualificação dos trabalhadores até questões mais profundas e decisivas para a criação de um estado democrático e de uma sociedade que seja menos injusta. O acesso ao livro e a qualidade da educação não são recuperáveis para as crianças que estão em idade escolar. Essa será, portanto, uma perda irreversível.

Perda que o país não pode suportar, não deve suportar. E que a cabeça dos tecnocratas não percebe. É preciso contrapor à frias matemática financeira uma visão humanista e estratégica das necessidades do país. Que vão além da crise momentânea. E que exigem a melhoria da educação.

Triste é constatar que editores só estão vendo o assunto desde o ponto de vista da perda de renda e instabilidade das editoras. Isso é certo, evidentemente. Mas é desvalorizar o papel social das editoras, dos escritores e do livro nas escolas pensar exclusivamente dessa maneira.

Professores, escritores, ilustradores e editores precisam se mobilizar para evitar que essa tragédia se concretize. Só dessa maneira é que pode haver esperança de evitar a desgraça que é representada pela ausência de livros nas escolas.

DOM QUIXOTE CONTINUA VIAJANDO E AGORA PODE SER LIDO EM QUÉCHUA

capa quijote quechua
“Huh kiti, La Mancha llahta sutiyuhpin, mana yuyarina markapi”

Não se espante, prezado leitor. Trata-se apenas da primeira frase do famoso livro Yachay sapa wiraqucha dun Qvixote Manchamantan. Não conhece? Não sacou o Quixote aí no meio?

Pois é mesmo O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de la Mancha, traduzido para a língua que os contemporâneos de D. Miguel de Cervantes massacraram e escravizaram lá nos cocorutos de uma cordilheira tão longe das planícies manchegas que ao engenhoso Dom Quixote pareceriam ser obras dos gigantes, ou talvez um sonho da garbosa senhora Dulcineia del Toboso. Pois agora o quéchua ganhou uma tradução do grande romance.

Don Demétrio Túpac Yupanqui, o tradutor
Don Demétrio Túpac Yupanqui, o tradutor

O senhor Demétrio Túpac Yupanqui, com 91 anos de idade, completou a tradução do romance de Cervantes. É professor de quéchua em Lima. Zevallos-2 A edição é enriquecida com ilustrações de um artesão de San Juan de Sarhua, povoado de Ayacucho conhecido pela produção de retablos e com uma tradição de ilustradores muito forte.

Conta dom Demétrio que fez a tradução a instâncias de um jornalista basco que o visitou no Cuzco, há alguns anos, e lançou o desafio. Para enfrentar a tarefa, consultou dicionários antigos de castelhano, catecismos e sermonários.

O romance de Cervantes viajou para a América logo depois de publicado. Na Apresentação da edição comemorativa do IV Centenário de sua publicação, a Real Academia de la Lengua informa que “fresca todavía la tinta de la impresión del Quijote, en la primera mitad de 1605 salieron para America cientos de ejemplares de la novela. Irving Leonard cuenta como doscientos sessenta y dos fueron, a bordo del Espíritu Santo, a México, y que un librero de Alcalá, Juan de Sarriá, remitió a um socio de Lima sessenta bultos de mercancia que viajaron en el Nuestra Señora del Rosario a Cartagena de Indias y de ali a Portobello, Panamá y El Callao hasta legar a su destino”.

Já comentei a importância das traduções para que o livro “viaje”. Traduções que acompanham o trabalho dos editores, aqui.

Com a tradução para o quéchua, a viagem do
Engenhoso Fidalgo cumpre mais uma etapa de seu reconhecimento mundial.

Veja aqui a notícia publicada em um jornal limenho e aqui, via YouTube, uma entrevista com o tradutor para o quéchua.

O curioso é que, pesquisando para redigir este post, acabei achando outra versão em quéchua da obra de Cervantes. O quéchua possui várias vertentes dialetais, algumas já bastante distantes do original cusquenho, frutos da dispersão geográfica que já era promovida pelos próprios Incas. Com a extinção do império e o isolamento de algumas dessas comunidades, essas versões foram surgindo à tona e apresentando dificuldades várias para o estabelecimento de um alfabeto e gramática unificados. É uma polêmica que continua viva entre linguistas. Os que falam quéchua, falam o seu e pronto.

quixiote santiago Aqui, por exemplo, temos uma tradução para a versão de Santiago del Estero, no noroeste argentino.

Agradeço a meu amigo José Bessa o envio do recorte do jornal peruano com a notícia.

MERCADO EDITORIAL BRASILEIRO – ESTAGNADO, MAS COM PERSPECTIVAS?

revista sesc

A Revista “E”, do SESC-SP que está em circulação, publicou artigo que escrevi sobre a situação do mercado editorial brasileiro. A publicação na revista está acompanhada de artigo do livreiro e editor Alexandre Martins Fontes, e nossas opiniões coincidem em vários e fundamentais pontos.
O meu artigo:
O mercado editorial brasileiro está estagnado há vários anos, com vendas que nem mesmo acompanham a inflação – ou o crescimento populacional. Os números são imprecisos, já que realmente não existem estatísticas confiáveis, mas os poucos dados disponíveis e a avaliação de editores e livreiros é coincidente. Por essas razões, vou simplesmente informar as fontes disponíveis. A CBL-Câmara Brasileira do Livro e o SNEL – Sindicato Nacional de Editores de Livros há anos encomendam da FIPE uma pesquisa sobre produção e vendas do setor. Os dados de compras do Governo Federal são confiáveis, posto que informados diretamente pelo FNDE, que os adquire (ver aqui os últimos dados disponíveis). Recentemente o SNEL apresentou, em parceria com a Nielsen/Bookscan, seu levantamento de dados obtidos diretamente dos pontos de vendas de alguns grandes livreiros e do comércio eletrônico (ver aqui os dados do painel  e  aqui uma análise de seu significado).

Entretanto, o potencial de crescimento é imenso. Em primeiro lugar, temos uma imensa população em idade escolar – do fundamental ao universitário – cujo crescimento será constante pelo menos até meados do século, segundo as projeções do IBGE. Em todo o mundo, o mercado escolar é um dos segmentos mais dinâmicos da indústria editorial. O aumento – lento, mas progressivo – dos índices de educação também permitem uma projeção otimista. Os indicadores sempre mostram que o grau de instrução possui uma correlação mais forte que o nível de renda nos índices de leitura.

Esses pontos positivos, entretanto, são contrabalançados por vários outros.

O mercado de livros escolares para o ensino fundamental é extremamente dependente das aquisições do Governo Federal, que chega a comprar várias centenas de milhares de exemplares de livros para seus vários programas: Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio – PNLM, Biblioteca na Escola, Biblioteca do Professor e livros para o ensino de Jovens Adultos (EJA). Vários governos estaduais e municipais também possuem compras de livros para distribuição nos respectivos sistemas escolares.

No ensino superior a situação é mais complicada. O principal investimento é feito pela CAPES/CNPQ na aquisição de assinaturas eletrônicas das principais revistas científicas do mundo, disponibilizadas para professores e alunos das universidades federais. A FAPESP – Fundação de Apoio à Pesquisa de São Paulo, faz o mesmo para as universidades paulistas. Em maior ou menor grau, programas semelhantes existem em outras fundações estaduais (RJ, MG, RS, principalmente).

Embora não haja possibilidade de extinção desses programas, sua execução depende dos recursos orçamentários disponíveis, e a situação econômica pode forçar algum nível de redução a curto prazo. Essa redução, entretanto, só pode ser feita levando em consideração que existe o compromisso e a expectativa de que os estudantes recebam o material didático a tempo e a hora.

Os problemas reais surgem para os eventuais leitores depois da idade escolar. E podem ser resumidos em dois fatores.

O primeiro é a precariedade da rede de livrarias. Pesquisa encomendada pela Associação Nacional de Livrarias – ANL à GfK enviou 3.403 formulários para livrarias de todo o país – o que se supõe ser o maior universo possível – obtendo 716 respostas, entre as enviadas por cadeias e livrarias independentes (ver o estudo aqui ).

O estudo mostra não apenas dados de concentração das livrarias na região Sudeste, e a menor presença na região Norte. Mas, sobretudo permite inferir que boa parte dos quase 6.000 municípios brasileiros não possui nem mesmo uma livraria, o que demonstra a precariedade da rede.

Uma parte dessa precariedade é compensada pelo desenvolvimento do mercado eletrônico, tanto de livros físicos quanto de e-books.

Entretanto, não se dispõem de informações sobre a dispersão dessas compras. Acrescente-se a isso as dificuldades logísticas, como o custo dos correios.

Outra parte da precariedade da rede de livrarias é compensada pela ação agressiva dos chamados vendedores do porta-a-porta. Esse segmento, que regrediu no período de alta da inflação, está em crescimento acelerado (embora, mais uma vez, os dados sejam precários, a Associação Brasileira de Difusão do Livro também faz sua pesquisa, por amostragem). Essa enorme infantaria – calculada em mais de 20.000 vendedores espalhados pelo Brasil – têm uma capilaridade maior que as livrarias.

Uma grande deficiência estrutural, entretanto, é a precariedade da rede de bibliotecas públicas.

As bibliotecas públicas são o grande instrumento de acesso ao livro, em todo o mundo.

Nominalmente, existem bibliotecas públicas em quase todos os municípios brasileiros. No entanto, a esmagadora maioria possui acervos precários, desatualizados; as bibliotecas abrem em horário comercial (quando abrem todos os dias), e quem trabalha não consegue frequentá-las; não estão constituídas em rede, não trocam informações entre si nem fazem empréstimos inter-bibliotecas. Em resumo, uma situação catastrófica.

As bibliotecas são de responsabilidade do MinC, dos estados e dos municípios. As limitações orçamentárias são ainda mais graves que as da educação e não existem ações sistemáticas para superar essa situação, ainda que existam casos – sempre comoventes – de empenho, imaginação e dedicação dos seus encarregados.

Vale uma última palavra sobre o livro digital.

O setor dos livros digitais (e-books) vem crescendo nos últimos três anos, mas sua base ainda é muito reduzida. São poucos os leitores dedicados (Kindle e Kobo), mas a rede de tablets e celulares smart-phone permite estimar um número maior de leitores. Estima-se que não mais de 3,5% da venda de livros seja feita por esse meio (contra cerca de 25% nos EUA e um pouco menos na Europa Ocidental). O lançamento dos e-books no Brasil começou em dezembro de 2012 (apesar de já haver uma quantidade de possuidores do Kindle que compravam direto da Amazon dos EUA), com o lançamento simultâneo das lojas da Amazon, Google e da Kobo, antecipadas em alguns meses pela Apple e pela Livraria Saraiva, que experimentava com o digital desde 2011 (hoje tem seu próprio leitor, o LEV, fabricado por um consórcio alemão). Carlo Carrenho, diretor do blog PublishNews, publicou uma coluna no site da Publishers Weekly no dia 14/03/2015 (em inglês) apontando as perspectivas para o livro digital no Brasil, apesar das dificuldades iniciais.

Existe o desenvolvimento de bibliotecas digitais e de assinaturas, entre os quais um da Telefônica e do portal Terra, o Nuvem de Livros  e o da Árvore de Livros.  O futuro desses programas ainda é incerto.

Existe correntemente uma discussão extremamente viva sobre a questão da chamada lei do Preço Fixo, adotada já há décadas na França (Loi Lang) e defendida ardorosamente pela ANL e livreiros independentes. A Senadora Fátima Bezerra apresentou projeto de lei nesse sentido há pouco mais de um mês.

Na minha opinião, a Lei do Preço Fixo é uma medida importante de regulação do mercado e proteção das livrarias independentes, mas não uma panaceia.

Em resumo, apesar das dificuldades atuais e dos impasses a curto prazo, as perspectivas de crescimento são boas, e serão melhores se houver uma combinação correta de medidas de política pública e ações mais proativas de editores e livreiros para o desenvolvimento do mercado de livros no Brasil.

ÔNIBUS BIBLIOTECA – 80 ANOS DE UMA EXPERIÊNCIA SEMPRE RENOVADA

Capturar

Mário de Andrade, cuja morte há setenta anos está sendo lembrada, criou o projeto do Ônibus Biblioteca em 1935, quando diretor do então Departamento de Cultura do Município de S. Paulo, embrião da atual Secretaria Municipal de Cultura. A preocupação de Mário com o acesso da população à cultura é ainda mais antiga, com o estímulo da criação da biblioteca municipal que hoje leva seu nome, ainda na década de 1920, e da Discoteca Municipal, que hoje homenageia Oneida Alvarenga, musicóloga que trabalhou com o autor de “Pauliceia Desvairada”.

O ônibus biblioteca partia de uma premissa simples: “Em vez de esperar em casa pelo seu público, vai em busca do seu público onde ele estiver”. A frase é uma declaração de princípio de uma política cultural voltada para abertura ao público, de proporcionar a todos os cidadãos a oportunidade de ter acesso à leitura, o que muitas vezes lhe é negado por condições econômicas, e também pela situação de intimidação social que as pessoas muitas vezes sentem diante dos grandes prédios de bibliotecas e museus, e também das livrarias.

Como toda iniciativa de política pública, passou por muitos vaivéns nesses oitenta anos. Interrompida em 1942 pela restrição ao combustível na II Guerra Mundial, volta e desaparece mais algumas vezes nesses oitenta anos. Mas, enquadrada dentro do sistema de extensão das bibliotecas, nunca desaparece e renasce de suas cinzas cada vez mais forte.

Ano passado, os doze ônibus biblioteca, que cumprem 72 roteiros mensais, tiveram mais de 600.000 acessos, entre consultas e empréstimos, e matricularam mais de 21.000 novos usuários no sistema municipal de bibliotecas públicas, que agora podem acessar qualquer uma das unidades do sistema. Este ano, até abril, os dados compilados mostram já quase duzentos mil acessos, entre consultas e empréstimos, com quase noventa mil frequentadores.

 

o-b 2014 0-b 2015

Os dados foram compilados pelo bibliotecário João Batista de Assis Neto, coordenador do serviço de extensão do SMBP, que inclui o Ônibus Biblioteca e que funciona junto à biblioteca Affonso Taunay, na Mooca (Rua Taquari, 549).

Continue lendo ÔNIBUS BIBLIOTECA – 80 ANOS DE UMA EXPERIÊNCIA SEMPRE RENOVADA

PASSO FUNDO – O CANCELAMENTO É UMA TRAGÉDIA

Capturar

O anúncio do cancelamento da Jornada de Literatura de Passo Fundo, que deveria acontecer este ano, é um fato muito grave, tanto pelo que significa de prejuízo para um projeto vitorioso, como pelas implicações que decorrem dos mecanismos de financiamento da cultura em nosso país.

A Jornada de Passo Fundo é (esperamos que o uso do presente continue válido) um empreendimento de uma universidade particular. A Universidade de Passo Fundo não faz parte nem do sistema estadual nem do sistema federal de universidades públicas. Reconheço que não tenho detalhes sobre o conjunto de suas atividades, nem sobre a avaliação geral de seus cursos.

A Jornada, por sua vez, é uma iniciativa da Tânia Rösing – que acho que já está até aposentada – que a criou há quase três décadas. Muito modesta no início, foi arrebanhando admiradores e apoiadores entre alguns dos principais escritores do país, que colaboram e colaboraram para a organização do evento. Cito, de memória, alguns que já prestaram sua contribuição ao evento, como o Ignácio de Loyola Brandão, o Josué Guimarães e o Deonísio da Silva.

A principal característica da Jornada de Passo Fundo, que a torna única, é que não se trata simplesmente de um evento. Os dias da jornada propriamente dita são precedidos e sucedidos por um trabalho sistemático junto ao conjunto das escolas de ensino fundamental da região, com a leitura dos romances, contos e novelas dos autores convidados (e mesmo dos que não são). O resultado disso, pelo que já tomei conhecimento, é um efetivo aumento da qualidade dos resultados das avaliações pedagógicas na região. Não apenas no domínio do português, como também de outras áreas. Afinal, quem sabe ler e escrever corretamente com certeza tem condições de mostrar desempenho melhor nas várias áreas do conhecimento.

As notícias sobre o cancelamento da Jornada não deram conta da suspensão ou da continuidade desse trabalho junto à rede escolar. Se o cancelamento se refletir também nessa área, seu prejuízo será incomensurável para os jovens da campanha gaúcha.

banner e-books
Continue lendo PASSO FUNDO – O CANCELAMENTO É UMA TRAGÉDIA

POLÍTICAS PÚBLICAS DE LEITURA – 2

Capturar

No artigo publicado na semana passada, ainda sobre políticas públicas de leitura, abordei questões relacionadas ao direito ao acesso à cultura e ao PNLL – Plano Nacional do Livro e Leitura. Quero acrescentar apenas mais algumas observações sobre a questão do direito ao acesso. Desta vez, no âmbito das bibliotecas, da mediação da leitura e de sua importância.
Existe uma multiplicidade de correntes e teorias sobre cada um desses aspectos. Os ferrenhos defensores da “contação de história” se unem – ou não – aos que destacam o “papel transformador” do livro. Algo, porém, existe em comum a todos esses que eu chamo de “leiturólogos”: a ênfase na importância de que se leiam os “bons livros”, os “livros transformadores” e qualquer outro adjetivo que se escolha.
Que bom! Mas o grande problema da diversidade de experiências se resume em alguns aspectos: a) ausência de avaliações OBJETIVAS sobre sua eficácia, até porque não se sabe bem o que buscam; 2) ausência quase absoluta de difusão das que sejam efetivamente avaliadas como “boas práticas”, principalmente dos métodos usados, de modo a que possam ser replicados. O Prêmio VivaLeitura procura, de certo modo, suprir essa deficiência. Entretanto, está profundamente marcado pela subjetividade da avaliação dos programas apresentados, na minha opinião.

banner e-books

Continue lendo POLÍTICAS PÚBLICAS DE LEITURA – 2

POLÍTICAS PÚBLICAS DE LEITURA: PNLL, ESTADO E O DIREITO À CULTURA LETRADA

O texto a seguir é parte do que falei em encontro com alunos da USP, “O Direito à Cultura Letrada”, organizado pelo prof. Edmir Perrotti, que me convidou para ser o primeiro palestrante de uma série que acontecerá até junho, na ECA-USP.

O PNLL está estruturado em quatro grandes eixos, a saber: 1. Democratização do acesso ao livro; 2. Formação de mediadores para o incentivo à leitura; 3.Valorização institucional da leitura e o incremento de seu valor simbólico; 4. Desenvolvimento da economia do livro como estímulo à produção intelectual e ao desenvolvimento da economia nacional.

Na verdade, o PNLL não fala especificamente do “direito” à cultura letrada. Nem mesmo de direito do acesso ao livro. O eixo se refere à “democratização do acesso ao livro”, “incentivo à leitura e o incremento do seu valor simbólico”.

Hoje, repensando os já onze anos decorridos desde as discussões que fundamentaram a elaboração do PNLL, considero que realmente falta a menção explícita à questão, que definiria como “direito ao acesso à cultura letrada”. Não apenas “democratização do acesso” – que, sem dúvida é fundamental – mas ao direito de acesso ao livro e à leitura.

Essa formulação, entretanto, precisa da famosa “mediação”. Como a entendo?

Em primeiro lugar, o conceito de direito ao acesso remete imediatamente ao direito de receber uma boa educação fundamental. Direito a um processo decente, eficiente de letramento. As evidências estão aí: o processo educacional em nosso país lembra um tanto as tarefas de Sísifo. O mal letramento leva a mal compreensão dos conteúdos, às questões do analfabetismo funcional e às dificuldades de apreensão das operações fundamentais da aritmética e ao retraso geral no processo educativo. O mal letramento está na raiz das classes de reforço, nas eternas discussões sobre a progressão continuada. Reflete-se também na qualidade da formação profissional, seja no nível mais básico da leitura de manuais de instrução até o ensino médio e o superior. Meu amigo Márcio Souza, anos atrás, em uma entrevista ao antigo Pasquim (por aí vocês podem perceber há quanto tempo…) dizia que a Universidade do Amazonas devia se chamar Grupo Escolar Universidade do Amazonas. O nível de compreensão dos alunos que ingressavam exigia praticamente que fossem “realfabetizados” para poder acompanhar as aulas e apreender os conteúdos.

Mudou muito essa situação, não apenas na pobre UFA, ou o problema continua o mesmo, em toda extensão do ensino médio e universitário?

Essa situação remete a duas outras questões.

A primeira é a questão de classe.

banner e-books

Continue lendo POLÍTICAS PÚBLICAS DE LEITURA: PNLL, ESTADO E O DIREITO À CULTURA LETRADA

Políticas públicas para o livro e o mercado editorial