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MERCADO EDITORIAL BRASILEIRO – ESTAGNADO, MAS COM PERSPECTIVAS?

revista sesc

A Revista “E”, do SESC-SP que está em circulação, publicou artigo que escrevi sobre a situação do mercado editorial brasileiro. A publicação na revista está acompanhada de artigo do livreiro e editor Alexandre Martins Fontes, e nossas opiniões coincidem em vários e fundamentais pontos.
O meu artigo:
O mercado editorial brasileiro está estagnado há vários anos, com vendas que nem mesmo acompanham a inflação – ou o crescimento populacional. Os números são imprecisos, já que realmente não existem estatísticas confiáveis, mas os poucos dados disponíveis e a avaliação de editores e livreiros é coincidente. Por essas razões, vou simplesmente informar as fontes disponíveis. A CBL-Câmara Brasileira do Livro e o SNEL – Sindicato Nacional de Editores de Livros há anos encomendam da FIPE uma pesquisa sobre produção e vendas do setor. Os dados de compras do Governo Federal são confiáveis, posto que informados diretamente pelo FNDE, que os adquire (ver aqui os últimos dados disponíveis). Recentemente o SNEL apresentou, em parceria com a Nielsen/Bookscan, seu levantamento de dados obtidos diretamente dos pontos de vendas de alguns grandes livreiros e do comércio eletrônico (ver aqui os dados do painel  e  aqui uma análise de seu significado).

Entretanto, o potencial de crescimento é imenso. Em primeiro lugar, temos uma imensa população em idade escolar – do fundamental ao universitário – cujo crescimento será constante pelo menos até meados do século, segundo as projeções do IBGE. Em todo o mundo, o mercado escolar é um dos segmentos mais dinâmicos da indústria editorial. O aumento – lento, mas progressivo – dos índices de educação também permitem uma projeção otimista. Os indicadores sempre mostram que o grau de instrução possui uma correlação mais forte que o nível de renda nos índices de leitura.

Esses pontos positivos, entretanto, são contrabalançados por vários outros.

O mercado de livros escolares para o ensino fundamental é extremamente dependente das aquisições do Governo Federal, que chega a comprar várias centenas de milhares de exemplares de livros para seus vários programas: Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio – PNLM, Biblioteca na Escola, Biblioteca do Professor e livros para o ensino de Jovens Adultos (EJA). Vários governos estaduais e municipais também possuem compras de livros para distribuição nos respectivos sistemas escolares.

No ensino superior a situação é mais complicada. O principal investimento é feito pela CAPES/CNPQ na aquisição de assinaturas eletrônicas das principais revistas científicas do mundo, disponibilizadas para professores e alunos das universidades federais. A FAPESP – Fundação de Apoio à Pesquisa de São Paulo, faz o mesmo para as universidades paulistas. Em maior ou menor grau, programas semelhantes existem em outras fundações estaduais (RJ, MG, RS, principalmente).

Embora não haja possibilidade de extinção desses programas, sua execução depende dos recursos orçamentários disponíveis, e a situação econômica pode forçar algum nível de redução a curto prazo. Essa redução, entretanto, só pode ser feita levando em consideração que existe o compromisso e a expectativa de que os estudantes recebam o material didático a tempo e a hora.

Os problemas reais surgem para os eventuais leitores depois da idade escolar. E podem ser resumidos em dois fatores.

O primeiro é a precariedade da rede de livrarias. Pesquisa encomendada pela Associação Nacional de Livrarias – ANL à GfK enviou 3.403 formulários para livrarias de todo o país – o que se supõe ser o maior universo possível – obtendo 716 respostas, entre as enviadas por cadeias e livrarias independentes (ver o estudo aqui ).

O estudo mostra não apenas dados de concentração das livrarias na região Sudeste, e a menor presença na região Norte. Mas, sobretudo permite inferir que boa parte dos quase 6.000 municípios brasileiros não possui nem mesmo uma livraria, o que demonstra a precariedade da rede.

Uma parte dessa precariedade é compensada pelo desenvolvimento do mercado eletrônico, tanto de livros físicos quanto de e-books.

Entretanto, não se dispõem de informações sobre a dispersão dessas compras. Acrescente-se a isso as dificuldades logísticas, como o custo dos correios.

Outra parte da precariedade da rede de livrarias é compensada pela ação agressiva dos chamados vendedores do porta-a-porta. Esse segmento, que regrediu no período de alta da inflação, está em crescimento acelerado (embora, mais uma vez, os dados sejam precários, a Associação Brasileira de Difusão do Livro também faz sua pesquisa, por amostragem). Essa enorme infantaria – calculada em mais de 20.000 vendedores espalhados pelo Brasil – têm uma capilaridade maior que as livrarias.

Uma grande deficiência estrutural, entretanto, é a precariedade da rede de bibliotecas públicas.

As bibliotecas públicas são o grande instrumento de acesso ao livro, em todo o mundo.

Nominalmente, existem bibliotecas públicas em quase todos os municípios brasileiros. No entanto, a esmagadora maioria possui acervos precários, desatualizados; as bibliotecas abrem em horário comercial (quando abrem todos os dias), e quem trabalha não consegue frequentá-las; não estão constituídas em rede, não trocam informações entre si nem fazem empréstimos inter-bibliotecas. Em resumo, uma situação catastrófica.

As bibliotecas são de responsabilidade do MinC, dos estados e dos municípios. As limitações orçamentárias são ainda mais graves que as da educação e não existem ações sistemáticas para superar essa situação, ainda que existam casos – sempre comoventes – de empenho, imaginação e dedicação dos seus encarregados.

Vale uma última palavra sobre o livro digital.

O setor dos livros digitais (e-books) vem crescendo nos últimos três anos, mas sua base ainda é muito reduzida. São poucos os leitores dedicados (Kindle e Kobo), mas a rede de tablets e celulares smart-phone permite estimar um número maior de leitores. Estima-se que não mais de 3,5% da venda de livros seja feita por esse meio (contra cerca de 25% nos EUA e um pouco menos na Europa Ocidental). O lançamento dos e-books no Brasil começou em dezembro de 2012 (apesar de já haver uma quantidade de possuidores do Kindle que compravam direto da Amazon dos EUA), com o lançamento simultâneo das lojas da Amazon, Google e da Kobo, antecipadas em alguns meses pela Apple e pela Livraria Saraiva, que experimentava com o digital desde 2011 (hoje tem seu próprio leitor, o LEV, fabricado por um consórcio alemão). Carlo Carrenho, diretor do blog PublishNews, publicou uma coluna no site da Publishers Weekly no dia 14/03/2015 (em inglês) apontando as perspectivas para o livro digital no Brasil, apesar das dificuldades iniciais.

Existe o desenvolvimento de bibliotecas digitais e de assinaturas, entre os quais um da Telefônica e do portal Terra, o Nuvem de Livros  e o da Árvore de Livros.  O futuro desses programas ainda é incerto.

Existe correntemente uma discussão extremamente viva sobre a questão da chamada lei do Preço Fixo, adotada já há décadas na França (Loi Lang) e defendida ardorosamente pela ANL e livreiros independentes. A Senadora Fátima Bezerra apresentou projeto de lei nesse sentido há pouco mais de um mês.

Na minha opinião, a Lei do Preço Fixo é uma medida importante de regulação do mercado e proteção das livrarias independentes, mas não uma panaceia.

Em resumo, apesar das dificuldades atuais e dos impasses a curto prazo, as perspectivas de crescimento são boas, e serão melhores se houver uma combinação correta de medidas de política pública e ações mais proativas de editores e livreiros para o desenvolvimento do mercado de livros no Brasil.