A informática permite hoje a coleta de dados importantes sobre o desempenho dos livros. É claro, desde que os metadados estejam corretamente assinalados e sejam “coletáveis”.
Os instrumentos para tanto são vários. Alguns podem estar dentro da própria editora, ou da livraria, consolidando dados sobre os clientes e vendas, devoluções, pagamento de direitos autorais, amortização do investimento, etc.
Um dos mais interessantes é o BookScan, da Nielsen International. Esse instrumento recolhe informações de vendas no varejo, a partir do ponto de venda, em mais de 31.500 livrarias nos cinco continentes. Apenas livros em inglês, na Inglaterra, Estados Unidos, Irlanda, Austrália, África do Sul, Itália, Nova Zelândia, Dinamarca, Espanha e Índia.
Os dados são recolhidos em diferentes formas, incluindo a participação no mercado de diferentes categorias de livros e por editoras individuais e seus respectivos selos editoriais, autor, e preço efetivamente praticado pelo ponto de venda. Cada venda individual é registrada, de modo que os relatórios podem ser exaustivos e incluem elementos para o acompanhamento e o planejamento de editoras de todos os portes. O BookScan captura os dados diretamente do sistema de vendas das cadeias de livrarias e das livrarias independentes, e os relatórios, em seus vários níveis, podem ser adquiridos tanto por editoras quanto bibliotecas e pela mídia, em tempo real.
Em 2009 a Nielsen lançou o LibScan, que registra a movimentação de empréstimo das bibliotecas. Estas têm que aderir ao sistema e permitir que o software da Nielsen capture as informações dos seus usuários.
A quantidade de informações é estonteante.
As cadeias de livrarias, com seus sistemas de “clientes preferenciais” (milhagem), organizam dados sobre seus principais consumidores e clientes. Cruzando essas informações com todas as compras feitas, saem relatórios sobre o tipo de livros adquiridos, a frequência de compras, o local e a hora dessas compras, e assim por diante. As carreirinhas de cliente preferencial e os descontos que oferecem são compensados não apenas pela maior frequência na loja, mas também pelos dados que proporcionam.
Quem já fez compras na Amazon, conhece os frequentes e-mail chamando atenção para sugestões baseadas nas compras de outros clientes que adquiriram o mesmo livro, ou livros do mesmo gênero, etc. A coisa vai se refinando ao ponto de permitir a elaboração de ofertas absolutamente personalizadas.
A Amazon não revela o funcionamento de seus sistemas, mas a simples observação do funcionamento das listas e do modo de operação da empresa permite que editoras tentem aumentar as chances de seus títulos subirem na classificação de vendas da Amazon segundo a categoria do livro. Um artigo interessante foi publicado no Digital Book World a esse respeito .
Do lado das editoras, essa pletora de dados possibilita muitos tipos de análises. Muito úteis para a administração geral do negócio, mas que trazem também um perigo embutido para os livros de qualidade que não conseguem índices altos de venda.
André Schiffrin, importante editor independente americano que viu sua empresa, a Pantheon, ser adquirida pela Random House (hoje faz parte do grupo de selos encabeçados pela KnopfDoubleday, ainda da Random House mas controlados pela Bertelsmann alemã), chamava atenção sobre como a tradicional perspectiva dos editores de que os best-sellers ajudavam a financiar os títulos mais arriscados foi sendo liquidada pelo processo de concentração e conglomerização do mundo editorial. Schiffrin escreveu The Business of Books, livro com sua trajetória profissional e análise desses desenvolvimentos do mercado editorial, e que foi publicado no Brasil pela Casa da Palavra.
A cultura corporativa não se dava bem com esse raciocínio. Para as grandes corporações, cada um dos títulos tinha que ser rentável. Os publishers dos selos e cada editor tinham seu desempenho medido e avaliado segundo o histórico de vendas de cada título, e não simplesmente pelos resultados globais. O resultado, segundo Schiffrin, era a busca desenfreada pelos best-sellers, independentemente da qualidade do livro.
Palavras proféticas, que os mecanismos de captura e análise dos dados só mostram como podem se tornar cada vez mais precisos.
Os dados, entretanto, são neutros. O uso que deles se faz é que conforma o ambiente de negócios, que não necessariamente deveriam ser assim tão perversos (embora as chances de que seja assim cresçam cada vez mais).
De qualquer forma, as análises de Schiffrin, o BookScan e os outros mecanismos de coleta de dados de desempenho dos livros mostram simplesmente o quanto estamos defasados nesse sentido. Talvez menos na área do varejo. Tenho certeza que Pedro Herz, na Cultura, a Saraiva, a Submarino, a Livraria da Vila e as outras redes de livraria estão aprendendo rapidamente a usar melhor seus dados.
Mas todas elas enfrentam o dilema: ou desenvolvem sistemas de metadados para cada um dos livros que compram, ou ficam com informações incompletas, já que as editoras realmente me parecem não prestar muita atenção no assunto.
Em tempo: a Nielsen, no Brasil, faz pesquisas desse tipo para muitos produtos. Mas não de livros. Não sei se por falta de interesse deles ou de estímulo por parte dos editores e livreiros.
Um comentário em “Como os dados modelam o mercado editorial”