Um dos temas mais permanentes nas discussões do mercado editorial e livreiro – aqui e alhures – é o papel e destino das livrarias independentes e das grandes cadeias. Essa discussão se intensificou com o surgimento da Amazon (e olhem que a varejista foi fundada em 1994, com início das atividades de comércio eletrônico em 1995 – já são 22 anos).
Naquele momento era observado o auge do crescimento das grandes cadeias de livrarias nos EUA. As livrarias independentes as tinham como inimigo principal, e as notícias contabilizavam o fechamento de inúmeras lojas nas grandes e médias cidades.
É bom lembrar que, por aqui, a cadeia dominante era a Siciliano (que provocou polêmicas, discussões e gritos ao exigir maiores descontos, na voz de seu controlador, exatamente depois do Plano Real, com a sincera alegação de que ganhava dinheiro com a inflação e que agora as editoras tinham que ajuda-los a recuperar suas margens…). Hoje, comprada a preço de xepa de feira pela Saraiva, o nome da rede é história.
História como nos EUA é o nome da Borders e outras cadeias menores, que não conseguiram concorrer com a Amazon. A própria Barnes&Noble anda mal das pernas há anos, embora seu controlador jure que resistirá. E as livrarias independentes voltaram a florescer na gringolândia, graças a estratégias empresariais e institucionais, através da ABA – American Booksellers Association, como já mencionei várias vezes por aqui.
Na Europa, por sua vez, a Amazon enfrenta problemas, com um severo escrutínio das autoridades reguladoras do continente. E, surpreendentemente, a W. H. Smith, uma cadeia de livros que andou tropeçando, mostrou lucros no ano passado.
Na França e outros países do continente, a lei do preço fixo demonstra sua força e mantém vivas as livrarias independentes. Mas, também como já mostrei aqui, por trás da lei existe um sólido aparato que reúne editores, livreiros, e as “grandes superfícies”, em um comitê que supervisiona a aplicação da lei. Um dos aspectos importantes dessa legislação é que parte dos descontos concedidos pelas editoras às livrarias está condicionado a ações de promoção da leitura.
No entanto, a Amazon continua lépida e fagueira em seu crescimento. Já abriu algumas lojas físicas (modo de dizer, já que as lojas aplicam uma tecnologia muito mais avançada que a disponível em outros varejistas). Além da loja inicial em Seattle, a varejista tem outras em Boston, San Diego, Portland e New York – onde já são várias. E essas são livrarias – a Amazon já experimenta com verduras e alimentos, e agora saiu a notícia que fará o mesmo com eletrodomésticos e roupas. Mike Shatzkin, aqui levanta a possibilidade de que a Amazon se torne a maior varejista – de tudo – nos EUA, e a prazo relativamente curto. Veremos.
Uma das características das lojas da Amazon é a seleção de livros em exibição. De onde veio essa seleção? Bidu: do histórico de compras acumulados pelo site naquela região. Nada de livreiros que “conhecem” seus clientes e mantêm uma seleção de acordo com os gostos dos seus frequentadores. Bezos não se dá a esse luxo, e tudo é definido por algoritmos. Para ele, os dados são mais preciosos que qualquer subjetividade, e definem cada passo a ser dado.
Dito seja de passagem e fora do tema imediato: Amazon já é a maior editora de livros traduzidos dos EUA, e há muito o KDP é o dominante na autopublicação, embora aí ainda tenha concorrentes sérios, tanto de propriedade de outras editoras como independentes.
Voltando à nossa questão inicial.
Todo essa aparente cabeça de cera para voltar à questão inicial. O que acontece por aqui e será que se abre uma janela de oportunidade para as livrarias independentes do Bananão?
Continue lendo SARAIVA, CULTURA, AMAZON E AS LIVRARIAS INDEPENDENTES