A Fundação Biblioteca Nacional anunciou os nomes dos autores que terão excertos de traduções publicados no primeiro número da Revista que será editada em parceria com o Instituto Itaú Cultural. Sou o editor da revista e quero comentar alguns aspectos dessa iniciativa.
A Literatura Brasileira em Tradução se destina a mostrar excertos de livros de autores brasileiros, já publicados, com vistas à negociação de direitos autorais no mercado internacional. Os textos foram enviados à FBN, que recebeu 102 propostas, das quais foram selecionadas vinte, quinze em inglês e cinco em espanhol, para o primeiro número. Esse número terá edição online e uma edição impressa pela Imprensa Oficial do Estado de S. Paulo, também parceira do projeto, assim como o Itamaraty.
A escolha final dos textos foi feita por um Conselho Editorial composto pelos professores Italo Moriconi, Charles Perrone, Berthold Zilly, Laura Hosiasson, e por Aníbal Bragança (BN), Joaquim Pedro Penna (MRE), Carlos Sodré (IMESP), Claudiney Ferreira (Itaú Cultural). Rachel Bertol, do Centro Internacional do Livro da BN é a coordenadora, e eu, editor, e os dois fazemos também parte do Conselho.
Diante da grande quantidade de envios, optamos por estabelecer alguns critérios que ajudassem na escolha dos vinte autores que entrariam no primeiro número. Procuramos dar preferência à produção atual dos escritores, levando em conta diversidade de idades, estilos e temáticas. Também foi dada preferência às traduções ainda não publicadas em livro. Ou seja, no caso de autores que enviaram trechos em inglês, deu-se preferência a obras ainda inéditas em países de língua inglesa; o mesmo valeu para o espanhol.
Confesso que não esperava tantas submissões, mas o número recebido indica uma atenção de autores, agentes e editoras para as oportunidades que se abrem no mercado internacional, e isso é muito bom.
Mas é preciso que todos os envolvidos atentem para que a simples publicação de excertos de tradução em uma revista não é nenhuma garantia de que o livro seja publicado lá fora. É preciso muito trabalho em feiras, envio para agentes, editoras, scouts e outros envolvidos na seleção de títulos para publicação pelas editoras do exterior. A produção de origem nos Estados Unidos tem uma presença avassaladora, e a disputa é crudelíssima e difícil.
A ideia dessa revista tem várias fontes. Em 1994, por ocasião da primeira participação do Brasil na Feira do Livro de Frankfurt, a Biblioteca Nacional lançou uma publicação, a Brazilian Book Magazine, que tinha mais ou menos as mesmas funções de divulgar autores brasileiros no exterior. Essa publicação foi iniciativa do Márcio Souza, então diretor do Departamento Nacional do Livro, na administração de Affonso Romano de Sant’Anna na presidência da BN. A revista teve oito números e terminou com a infelizmente tradicional descontinuidade que marca boas iniciativas.
Em sua nova encarnação, a divulgação da literatura brasileira no exterior nasceu a partir das ações que a BN vem desenvolvendo nesse sentido: bolsas de tradução, residência para tradutores, programa específico de difusão nos países lusófonos, etc.
Por outro lado, o Instituto Itaú Cultural há anos desenvolve dois projetos da maior importância para nossa literatura. O primeiro é a Enciclopédia Virtual da Literatura Brasileira, iniciativa pioneira e que apresenta informações bibliográficas e biográficas sobre centenas de autores brasileiros. A Enciclopédia Virtual da Literatura Brasileira está sendo traduzida para o inglês, francês e espanhol, e esse processo inclui as informações sobre os autores presentes na Revista.
O outro é o programa Conexões Itaú Cultural – Mapeamento Internacional da Literatura Brasileira. O Mapeamento constroi um banco de dados com informações de 236 pesquisadores, professores, tradutores de literatura brasileira espalhados por todo o mundo. Essas informações permitem que se analisem várias questões sobre a expansão do estudo da literatura brasileira no mundo. Por exemplo, as sugestões desse universo sobre os modos de melhorar sua difusão: as bolsas de tradução, a criação de um instituto Machado de Assis, nos moldes do Camões e do Cervantes, intercâmbio entre universidadese a presença de autores brasileiros no exterior são algumas das mais citadas. Também se constatam as ausências e problemas na oferta de dicionários de português brasileiro, quais são as áreas de interesse dos pesquisadores e como estas se relacionam (cada vez mais se estuda literatura no contexto de gênero, com a música, cinema, a violência urbana e outros temas).
Esses dois programas motivaram o Instituto Itaú Cultural estabelecer a parceria com a BN para a criação da Revista. Seguindo a tendência mais recente das ações do IC, a publicação será virtual, com edições online e um portal com blog para atualização de notícias, e periodicidade trimestral. A parceria com a Imprensa Oficial do Estado de S. Paulo permitirá que sejam impressas duas edições anuais.
Por outro lado, minha experiência pessoal como editor participante de várias feiras internacionais já me havia feito comprender a importância de levar essas amostras traduzidas para aprtesentar a. editoras e agentes internacionais.
A questão é que o português é uma língua insular. As autoridades insistem em destacar que é falada por mais de duzentos milhões de pessoas mundo afora. Mas esquecem de dizer que 190 milhões são brasileiros, um pouco menos que onze milhões são portugueses. Nos demais países ditos lusófonos, na África e na Ásia, a parte da população que fala correntemente português é minoritária e existe forte demanda para alfabetização bilingue.
O idioma das negociações internacionais – não apenas no mercado editorial, evidentemente – é o inglês. Portanto, para alcançar esse mercado, é essencial atrair a atenção de agentes e editoras para “amostras” dos livros já traduzidos para esse idioma. Ou, subsidiariamente, para o espanhol, que tem uma penetração muito maior que o português.
As grandes editoras também haviam percebido a necessidade de preparar amostras de tradução de títulos dos autores que oretendem ofertar no mercado internacional. O que a Revista pretende é ampliar essa possibilidade para pequenas e médias editoras, e até para autores independentes.
Atenta ao calendário internacional de feiras, a Revista terá, eventualmente, números temáticos, como, por exemplo, um dedicado à literatura infanto-juvenil, que se concentra na Feira de Bolonha, que acontece geralmente por volta de março.
A Revista, portanto, é parte de um esforço das duas instituições – Biblioteca Nacional e Instituto Cultural Itaú – para ajudar na expansão internacional da nossa literatura, expressão da nossa contribuição para essa República Mundial das Letras que fertiliza e estimula leitores de todo o mundo.