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FUNDO DE CATÁLOGO: A MINA A SER EXPLORADA

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O chamado “fundo de catálogo” – os livros que vão sendo editados no decorrer dos anos e continuam com contratos válidos – pode ser uma benção ou uma maldição para as editoras. Para certo tipo de editoras que desenvolvem seu catálogo pensando em títulos de vida longa, são muitas vezes a principal fonte de rendimentos. As bíblias, por exemplo, fazem esse papel nas editoras religiosas cristãs. Certo tipo de manuais e publicações técnicas de caráter universitário constituem a espinha dorsal de muitas editoras.

Para outras, entretanto, o fundo de catálogo pode se transformar em uma verdadeira ameaça à sua sobrevivência. Quando a editora erra o cálculo e imprime uma quantidade muito grande de exemplares, o que poderia ser a bonança de um best-seller se transforma em encalhes e o bicho realmente pega.

Mesmo sem caracterizar como encalhe, o fundo de catálogo é sempre um fator a ser administrado com muito cuidado pelas editoras. Isso porque os processos de impressão tradicionais – ainda muito usados no Brasil, seja com máquinas planas ou com rotativas – acabam sempre por resultar em uma sobra depois que a “vida de prateleira” do título se esgota. Essa vida de prateleira é o período logo após os lançamentos, quando os títulos (principalmente das editoras de obras gerais) ainda encontram espaço nas livrarias. Se calham de se transformar em best-seller, o problema se resume em administrar corretamente as reimpressões. Inclusive a decisão de reimprimir ou não, caso a tiragem se esgote.
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EDITORES BRINCAM COM FOGO

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Em recentes declarações, o Ministro Guido Mantega, da Fazenda, afirmou que as projeções macroeconômicas incluídas no Orçamento Federal e na Meta Fiscal para 2014 não preveem novas desonerações para a indústria, e que podem até mesmo ocorrer aumento de impostos. Como se sabe, entretanto, as mudanças na cobrança direta de impostos só valem para o exercício fiscal seguinte, e isso reforça a percepção de que, além de não haver mais incentivos através de desoneração fiscal, existe a possibilidade de redução daquelas vigentes, ou até mesmo da extinção de algumas delas.

Macaco velho não só mete a mão em cumbuca como também fica com o ouvido bem aberto para os tambores da selva que anunciam problemas. E problemas podem vir atingir a indústria editorial nesse período em que a grande imprensa, e analistas econômicos e políticos pedem arrocho fiscal, inclusive Hubert Alquéres, Vice-Presidente da CBL, que escreveu que “quem quer que seja o presidente eleito em 2014, este será obrigado a dar um brutal freio de arrumação na economia, tais os enormes desacertos econômicos cometidos pelo governo Dilma.” (Panorama Editorial – 16/01/2014).

Assim sendo, não sei se brutal, mas que vem um freio de arrumação, vem. Atendendo a pedidos, pelo visto.

Já que é o caso, o que os editores têm a ver com isso?
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Prêmios, Crítica e Campo Literário

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Bernard Pivot, há muito um dos meus ídolos do jornalismo literário, foi recentemente escolhido como presidente da Académie Goncourt, que outorga anualmente um dos prêmios literários mais prestigiosos da França, o Prix Goncourt.

Ser membro da Académie Goncourt é uma manifestação de enorme prestígio. Já houve época em que os acadêmicos recebiam um estipêndio derivado dos juros da herança dos fundadores. Hoje, formalmente, só ganham o jantar mensal, mas certamente desfrutam de um prestígio e de um poder literário – e à vezes político – consideráveis. Fundada pelos irmãos Edmond e Jules Goncourt no final do Século XIX, reúne dez membros, os titulares dos respectivos “couverts”: as reuniões formais da Académie acontecem sempre em um restaurante de Paris, o Drouant, no qual uma refeição custa mais que no tal Eleven de Lisboa, objeto da polêmica do jantar da presidente Dilma. Assim que, quem quiser desfrutar o “dîner des académiciens” , o jantar mensal, que se prepare.

O Prix Goncourt, outorgado anualmente no começo de novembro, é financeiramente insignificante: são apenas € 10. Mas ser premiado é garantia de edições de altas tiragens e grandes vendas na França. Seus detentores passam a desfrutar de imenso prestígio literário, e a ser considerados como “exemplares” da “saison litéraire”.

A outorga do prêmio sempre é objeto de polêmica. Durante anos circularam insinuações e acusações de que as grandes editoras francesas manipulavam o prêmio. De fato, o próprio Pivot já declarou que Jean Giono, que o antecedeu como titular do “couvert”, “aparentemente nunca lia qualquer um dos livros da lista do Goncourt e na manhã do prêmio telefonava para o editor Gaston Gallimard para lhe perguntar em quem votar”.
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Livros contra a ditadura

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O ano de 2013 foi especialmente movimentado quanto à discussão da repressão política no período da ditadura civil-militar instaurada em 1964. O golpe que derrubou Jango, em 1964, ano que vem completará cinquenta anos, e passou por uma nova etapa de estudos e crítica. Foram instauradas Comissões da Verdade – não apenas a de âmbito nacional, como também em vários estados e mesmo em municípios, como é o caso de São Paulo.

A tortura, os assassinatos e desaparecimentos, a Operação Condor, que uniu as ditaduras do Cone Sul nas atividades de repressão, voltaram ao noticiário, às análises e à descoberta de novos documentos e articulações. Mesmo quando a ação da justiça tarde (e falhe), vimos jovens “esculachando” torturadores e outros agentes da repressão.

Houve também a publicação de estudos e análises de aspectos específicos da resistência à ditadura. No final do ano foi lançado o “Livros Contra a Ditadura. Editoras e Oposição no Brasil – 1974-1984”, escritor por Flamarion Maués e publicado pela Publisher.

Pelo tema, merece esta coluna de final de ano. Flamarion Maués é doutor e mestre em História pela USP e foi coordenador da Editora da Fundação Perseu Abramo por onze anos. Une, portanto, a formação acadêmica com a mão na massa da condução de uma editora eminentemente política (a Perseu Abramo é a Fundação de estudos do PT).

Cada vez mais se conhece hoje os múltiplos aspectos da luta contra a ditadura. As organizações que se empenharam na resistência armada, os movimentos de massa que foram surgindo e se estruturando em bairros e favelas, o movimento sindical e a resistência civil encarnada na frente política que foi o MDB/PMDB.

Maués estuda outra faceta dessa resistência, expressada por algumas dezenas de editoras, em sua maioria micro ou pequenas empresas, que ele caracteriza como “editoras de oposição”. Além de editoras já conhecidas e de maior porte que estiveram desde o início contra a ditadura, como é particularmente o caso da Civilização Brasileira sob a direção do Ênio Silveira, além da Brasiliense, da Vozes e da Paz e Terra (essa fundada nos primeiros anos depois do golpe), a partir do início da “distensão” do governo Geisel surgiram algumas dezenas de editoras de caráter eminentemente político, que representavam iniciativas de oposição.

“O que caracterizava o conjunto das editoras de oposição era seu perfil e sua linha editorial claramente oposicionistas, sem que isso implicasse que essas empresas tivessem necessariamente vinculados a políticas explícitas. O fundamental é que elas deram expressão a iniciativas de oposição. E houve e casos, inclusive, de editoras de oposição surgidas nos anos 1970 e 1980 que foram criadas por partidos e grupos políticos, alguns deles na clandestinidade e na semiclandestinidade”. A essas Maués caracteriza como um subcampo de editoras “engajadas” dentro do conjunto maior das editoras de oposição.

Flamarion Maués divide o livro em duas partes bem distintas. A primeira é de caráter mais geral e procura mostrar a situação em seu conjunto. A segunda parte estuda três casos específicos, o das editoras Ciências Humanas, Kairós Livraria e Editora, e a Editora Brasil Debates. Todas do grupo das engajadas e fundadas por militantes respectivamente do PCB, dos trotskistas da Libelu (Organização Socialista Internacionalista – OSI, braço de uma das frações da Quarta Internacional) e do PCdoB. Esses três “estudos de caso” são reveladores também de táticas diferenciadas e de formas de vinculação também distintas dos três grupos políticos com seus “braços editoriais”.

Maués levanta a existência de cerca de quarenta editoras de oposição que surgiram ou aturam no período estudado. Destaca que, como usou o “parâmetro temporal [d]a década de 1970 e parte da de 1980, ou seja, o período já posterior ao AI-5, algumas editoras que tiveram importante atuação na edição de obras políticas nos anos 1960 não aparecem no meu levantamento, tais como as editoras Saga, Fulgor, Felman-Rego, José Álvaro Editor, Laemmert, GRD, entre outras”. Noto eu que algumas dessas e outras não citadas, como a Vitória, eram também vinculadas organicamente a partidos de esquerda, especialmente o PCB.

O livro também foca exclusivamente em quatro estados, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Se existiram ou não editoras com esse perfil em outros estados (desconfio que pelo menos em Pernambuco e Bahia isso pode ter acontecido) o seu estudo se torna difícil também pelo fato das bibliotecas brasileiras, e em especial a Biblioteca Nacional, não terem um trabalho de catalogação de editoras e estudo da bibliografia presente em seus acervos por temas. Aliás, quando existe essa separação, geralmente esta se dá na constituição dos famosos “Infernos”, as seções de livros de acesso restrito, principalmente por serem classificados como pornográficos, embora haja também a inclusão de livros políticos.

As desventuras dessas editoras com a censura é abordada no livro. Analisando a lista dos 434 livros proibidos durante a ditadura, levantada por Deonisio da Silva já em 1984, o autor constata que a maior parte das obras censuradas se enquadra no critério de “afronta à moral e aos bons costumes”, embora 16% dos livros proibidos o fossem por razões políticas. O autor cita também um dado do levantamento feito por funcionários do Arquivo Nacional de Brasília, apresentados no livro de Sandra Reimão (Repressão e Resistência, Edusp/Fapesp, 2011) no qual se mencionam 492 livros submetidos à análise do DCDP, o órgão oficial da censura do Ministério de Justiça, dos quais 313 foram vetados, na sua maioria obras “eróticas/pornográficas”. Mais uma vez se nota o problema da desorganização dos arquivos primários brasileiros.

Maués considera que “a censura aos livros políticos parece ter sido mais seletiva do que a feita aos livros considerados “imorais” ou “indecentes””. A impressão que eu tenho é que a censura aos livros era decorrente principalmente a partir de denúncias, e as “senhoras de Santana” estavam mais preocupadas com a indecência. A censura a músicas e ao teatro, ao contrário, foi muito mais atenta à questão política.

O livro de Maués, aqui brevemente recenseado, tem a virtude de mostrar um lado importante da resistência à ditadura no campo da cultura. Feita principalmente a partir de micro e pequenas empresas, com editores que entendiam sua tarefa como missão política e cultural. Embora tivessem consciência da importância de manter a lucratividade das empresas, esses editores entendiam sua missão de um modo muito mais amplo e especificamente político.

Um bom livro para encerrar o ano. Que o próximo nos traga mais e melhores notícias sobre a política cultural, são meus votos.

NATAL DE LIVROS DA COOPERIFA

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Domingo, dia 15 de dezembro participei da festa do Natal de Livros da Cooperifa – Cooperativa Cultural da Periferia. Iniciativa do poeta Sérgio Vaz, a instituição fez seu terceiro Natal de Livros no Largo do Piraporinha, no Jardim São Luís, na Zona Sul de S. Paulo. Das dez da manhã à uma da tarde foram distribuídos milhares de livros para quem passava por ali, indo ou vindo da feira do bairro. Quem passava nos ônibus ou estava nas lojas do comércio popular da região era também abordado por quase cinquenta voluntários que ofereciam gratuitamente exemplares de livros novos e de todos os gêneros: ficção, ensaios, livros para crianças e jovens.

Foi uma experiência emocionante que me fez lembrar anos de militância cultural nos subúrbios do Rio de Janeiro, em Parada de Lucas, quando, com um grupo de amigos e militantes de várias organizações de esquerda e da igreja progressista fundamos o Centro Cultural dos Trabalhadores, o CECUT, e o “Jornal da Baixada”, lá pelos anos 70/80.

Mas a Cooperifa tem um caráter diferente. É uma iniciativa local, liderada pelo Sérgio Vaz, que faz um trabalho de valorização da produção cultural da periferia paulistana. Desde o ano 2.000, o exemplo da Cooperifa já frutificou em quase duas dezenas de iniciativas semelhantes em outros bairros da metrópole.
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Amazon vira instituição de caridade?

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Achei curiosa a notícia que saiu na newsletter da Publishers Weekly, o jornal da indústria editorial americana, no último dia 4 de dezembro: “As Editoras Não Lucrativas estão Sorrindo?” Era um jogo de palavras com um novo programa da Amazon, o AmazonSmiles, que permite aos clientes doarem 0,5% do valor de suas compras (de uma lista extensa, mas selecionada) para alguma instituição não lucrativa que houvesse se cadastrado como possível beneficiária do programa.

E a Island Press, uma editora sem fins lucrativos do estado de Washington se cadastrou e passou a ser mais uma dentre quase um milhão de “charities” que vão atrás dos caraminguás do programa. A editora fez uma campanha de e-mail entre seus clientes. Detalhe: são todas as compras feitas no AmazonSmile (da lista) que valem para a contagem dos 0,5%.

Quem reclamou no ato foram as livrarias independentes. A ingrata da Island Press havia caído no canto da sereia amazônica e diminuía os clientes das independentes, que sempre a haviam apoiado. A editora jurou amor eterno às livrarias e informou que nem sabia do programa até que um de seus doadores chamou atenção para ele. “Já que o programa existe, nos inscrevemos”. Lógico.

Mandei um e-mail para a assessoria de imprensa da Amazon no Brasil, perguntando se o programa valia aqui também e, se não, se sabiam quando chegaria por aqui. A resposta foi um link para o press release americano e uma frase curta: “Não, não temos nada para anunciar sobre isso e não comentamos planos futuros, desculpe”. Como é do estilo da casa.
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Para deixar de tomar decisões “pelo cheiro” II – A GfK e suas informações

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Estive na sede brasileira da GfK para conhecer os dados e os métodos de coleta de informações de seu sistema de acompanhamento do varejo de livros no Brasil. Atendido pela Cláudia Bindo, diretora da unidade, tive oportunidade de ter uma visão mais ampla das informações processadas pela empresa alemã. Em post recente havia abordado a chegada do Nielsen BookScan por estas plagas, e quero, desde logo, me desculpar por uma avaliação ali feita de que a implementação dos serviços da GfK andava “a passos lentos”.

Não é certo. A GfK avançou bastante no estabelecimento do serviço. Se algo pode ser dito a respeito da presença das duas multinacionais de pesquisa de mercado no Brasil é que isso denota não apenas o interesse crescente que o setor editorial vem despertando. O Brasil e a Espanha, aliás, são os únicos mercados em que as duas empresas competem diretamente. A Nielsen acompanha o mercado dos EUA, mas a GfK tem uma presença mais abrangente na Europa.

É certo que, para os respectivos clientes, o que importa fundamentalmente são os dados do mercado local. Entretanto, as duas empresas têm condições de oferecer algumas análises comparativas. Nesse sentido, a GfK apresentou algumas informações bastante interessantes sobre a presença de autores brasileiros em outros países.
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Barueri quer ser Uma Cidade de Leitores

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A cidade de Barueri, na região metropolitana de S. Paulo, quer se transformar em “Uma Cidade de Leitores”. A proposta apareceu durante a campanha que elegeu o prefeito Gil Arantes, e João Palma, atual Secretário de Cultura e Turismo, está decidido a fazer isso acontecer.

Barueri tem aproximadamente 250.000 habitantes e é muito conhecida na região metropolitana por abrigar os complexos conhecidos como Alphaville – uma série de condomínios residenciais e comerciais – que teve um enorme crescimento nos últimos anos. Nessas áreas existe já uma grande concentração de empresas de serviços, inclusive no setor de finanças. O município também é a sede de grandes complexos de logística localizados nas margens da Rodovia Castelo Branco. É uma cidade rica, embora seja evidente que os contrastes entre os moradores da Alphaville e de áreas urbanas nas periferias do município sejam tão grandes quanto em outras cidades brasileiras.

A cidade já dispõe de uma estrutura significativa na área de livros e leitura, com onze bibliotecas públicas, e um Ônibus Biblioteca circulante.

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Fui até Barueri atraído por uma notícia publicada na semana passada no Blog do Galeno, que anunciava o início de um censo da leitura na cidade. Funcionários das bibliotecas públicas percorrem casas e escritórios da cidade com um questionário a ser respondido pelos moradores. Quem responde pode ser cadastrado nos “Clubes de leitura” da cidade, com acesso à rede de bibliotecas. E quem quiser recebe uma placa de acrílico para colocar na porta da casa com a frase “Aqui tem gente que lê!”
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Para deixar de tomar decisões “pelo cheiro”

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Vagarosamente, muito vagarosamente, a prática de acompanhar os dados de vendas online começa a ser implantada na indústria editorial brasileira. Já atuam no Brasil as duas principais empresas de acompanhamento da movimentação no varejo que possuem sistemas de registro e acompanhamento das vendas online: a GfK, alemã, e a Nielsen BookScan, anglo-americana.

A GfK está no Brasil desde aproximadamente um ano, e sua implementação parece andar a passos lentos. Não consegui marcar um encontro com a empresa, mas no próximo dia 7 estarei na apresentação que farão de um panorama do varejo no Brasil na qual devem falar também sobre o mercado editorial.

A BookScan é sem dúvida a mais conhecida, até porque atua no maior mercado editorial no mundo, o dos EUA, e em mais nove países (Reino Unido, Irlanda, Austrália, Nova Zelândia, Índia, África do Sul, Itália, Espanha e agora no Brasil, desde julho).

Os sistemas de acompanhamento de vendas no varejo não são novidades em vários segmentos, e são intensamente usados na chamada “linha branca” e em eletro-eletrônicos. Registram a venda no fechamento do caixa nas lojas conveniadas (inclusive eventuais devoluções ou trocas) e geram relatórios com uma impressionante quantidade de informações.

O busílis está em interpretar e usar essas informações. E essa é uma prática completamente alheia ao mercado editorial brasileiro. Aqui, no máximo, se dispõe dos dados da pesquisa de produção e vendas de livros, iniciada pela CBL e pelo SNEL em 1990, e hoje operada pela FIPE. Essa pesquisa foi iniciada em um momento em que não havia outros meios de levantar esse tipo de informação a não ser que fossem fornecidas diretamente pelas editoras. Acompanhei o processo desde o início, sei das dificuldades de coleta e compilação, e o quanto a análise de dados ainda é pouco usada pelas editoras e livrarias. Recentemente passei a desacreditar da seriedade do levantamento, por razões que explicitei em um post, e voltei várias vezes a esse tipo de assunto, salientando a incompreensão acerca dos metadados e de como poderiam ser úteis para aperfeiçoar o movimento das editoras.
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FOI BONITA A FESTA

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Passada a feira, o que restou?

A festa foi bonita. A programação diversificada uma presença de público significativa. Não consegui acompanhar as atividades com os autores fora de feira, mas me consta que foram várias e bem recebidas pelo público. Também não consegui visitar os museus onde havia exposições de artistas brasileiros, mas também soube que estavam bonitas, bem organizadas e com presença de público.

A quantidade de traduções de autores brasileiros, principalmente – mas não exclusivamente – na Alemanha foi muito expressiva, e deve continuar ainda. Na medida em que continue o programa de bolsas de tradução. O programa da Amazon Crossings, anunciado já no final da feira, foi uma surpresa interessante. O braço editorial da Amazon já é a editora com mais títulos traduzidos para o inglês, sinal da determinação de Jeff Bezos de investir na área editorial, dando a volta na resistência de autores americanos e ingleses, temerosos da ausência de seus livros nas livrarias, seja nas grandes cadeias, seja nas livrarias independente. A Amazon afirma que distribui e distribuirá os títulos nas livrarias, mas isso vai depender da demanda dos leitores que por eles se interessarem e não quiserem aproveitar as facilidades para aquisição que o gigante do e-varejo oferece.

No âmbito mais geral, a palestra/entrevista coletiva de Markus Dohle, o chefão da Penguin Randon House foi muito significativa. Nada mais de guerras com a Amazon e os demais integradores de e-books, disse ele, mandando a pombinha da paz para Seattle. Afirmou a importância do livro impresso, notando a diminuição do crescimento dos e-books no mercado dos EUA e na Inglaterra. Mas ninguém sabe realmente qual será o destino das livrarias independentes, lá, aqui e alhures.

As duas empresas de rastreamento eletrônico de vendas, a GfK e a Nielson BookScan fizeram apresentações de seus produtos, com enfoques diferentes. É notável o fato do Brasil ser um dos poucos países onde as duas já rastreiam a venda de livros. Ambas faziam levantamento de um grande número de produtos vendidos no varejo, mas livros não.

A reduzida presença dos editores nessas apresentações pode ser explicada pelas agendas apertadas da Feira de Frankfurt, e estou curioso para ver quem estará presente na conferência que a GfK fará no começo de novembro, em S. Paulo, sobre as tendências de vendas no varejo, inclusive de livros. Continuo com a forte impressão de que os editores – e as livrarias – não compreendem a importância dos metadados e do tratamento estatístico das vendas. A riqueza dos dados para o planejamento estratégico e tático de vendas ainda não entrou realmente no campo de visão da indústria editorial brasileira, e a maioria das empresas ainda considera isso tudo como gasto e não como investimento. Vamos ver a evolução disso nos próximos meses.

O prof. Renato Lessa, presidente da Biblioteca Nacional, matizou mais a importância do programa de bolsas de tradução, afirmando sua boa relação “custo benefício”.

Mas…

Não há certeza de que o programa de promoção da literatura brasileira se firme como uma política pública. Ainda depende da vontade dos dirigentes da BN e do Ministério da Cultura.

Dois fatos foram significativos para mostrar a precariedade da situação.

O primeiro foi a ausência de dirigentes da nova Diretoria do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (aliás, nem sei mais qual o nome oficial da repartição) na Feira. Supostamente devem estar se preparando para assumir as ações que a Fundação Biblioteca Nacional, através de seu presidente, afirma não serem de sua alçada: presença nas feiras internacionais e ações outras da área. Já comentei que não se tem notícias da continuidade do programa de bolsas de residência para tradutores nem do intercâmbio dos escritores.

Era de se esperar que os novos diretores da DLLLB estivessem em Frankfurt, quando nada para participar da avaliação e ver como a coisa funciona. O professor Castilho, secretário executivo do PNLL – e usuário de outros chapéus, como o da ABEU e o da própria Fundação Editora da UNESP – estava lá, mas não os dirigentes dos seus meios de ação dentro do MinC.

E, nos jornais, já se fala que as programadas presenças do Brasil nas feiras de Bolonha e Paris, por exemplo, teriam restrições no âmbito do governo. Não se fez – ainda nem houve tempo para isso – uma avaliação sistemática dos resultados de Frankfurt, mas já se fala que sem dinheiro das editoras não se vai fazer mais nada significativo. Escrevi sobre isso e repito: as editoras não têm grande interesse na venda de direitos autorais. Já deveriam estar apostando mais na venda de livros de formato eletrônico para a grande diáspora brasileira, esses milhões de brasileiros espalhados pelo mundo, que podem ter acesso aos e-books, mas nem isso é levado a sério.

OS DISCURSOS

Comentei em outro post os discursos da abertura da Feira, e reitero minhas observações.

Cabe mencionar aqui o discurso do Paulo Lins na “transmissão do bastão”, no encerramento da Feira. Foi muito bonito e significativo. A distinção feita entre a constatação de que vivemos em uma sociedade racista – foi muito oportuna a menção que o Paulo Lins fez de o racismo ser uma constante no Brasil e nos países europeus – mas que a composição da lista dos escritores não refletiu nenhuma posição desse tipo, e sim expressou as “condições do mercado”.

“Tudo é mercado”, disse Paulo Lins. E, certamente, um dos critérios na elaboração da lista foi o posicionamento dos autores diante do mercado editorial. Seja por sua presença atual, seja no que os curadores consideraram como potencialidades de mercado. No mais, a análise da composição da lista necessariamente deve ter um toque panglossiano: é a melhor lista possível no mundo dos curadores. Outros fossem esses, a lista seria diferente. E sofreria a mesma crítica.

Tragédia e palhaçada foi a presença do Vice-Presidente Michel Temer. As gafes – grosserias – se sucederam. Depois de chamar Marta Suplicy de Ministra da Educação, Temer pespegou a presepada do discurso propriamente dito. Bem diz Paulo Lins que isso de querer bancar o poeta é algo perigoso.

Quanto ao discurso do Luís Rufatto, já o comentei e mantenho o que disse.

Mas acrescento duas observações.

A primeira sobre a reação das autoridades brasileiras, expressadas no comportamento do Temer e em comentários da Ministra da Cultura. Não entendi. A estrutura do discurso corresponde exatamente ao que o Lula sempre disse: depois de 500 anos de opressão “pela primeira vez na história desse país”, se fazia algo para mudar a condição da população mais pobre. Acho que deviam era faturar a coincidência do discurso do Rufatto com o do Lula, da Presidente Dilma e da propaganda oficial.

O segundo ponto a ser observado no discurso do escritor, e de forma negativa, foi o uso exclusivo da primeira pessoa do singular. É até compreensível que Rufatto quisesse destacar sua experiência pessoal. Mas é bom lembrar que essas angústias expressadas no discurso, a responsabilidade dos escritores diante de uma realidade angustiante, não é exclusividade dele.

A verdade é que a literatura brasileira contemporânea tem uma quantidade excessiva de escritores solipsistas. Fazem literatura de alto nível técnico, mas o que lhes importa é seu eu e sua experiência.

Rufatto faz parte de outra tendência, a dos escritores que olham o Brasil, se colocam dentro da nossa realidade para transcender a si e às suas experiências pessoais. Essa é a turma do Rufatto. Mas este, ao reduzir as suas preocupações ao nível individual, perdeu a oportunidade de afirmar que não está solitário, e que essa posição do escritor em um país no qual a expressão “capitalismo selvagem” não é uma metáfora, não se reduz a experiência individual, por mais dura que esta seja. Nem mesmo entre seus colegas de delegação. Muitos outros escritores e escritoras compartilham dessas preocupações, sejam lá quais forem suas trajetórias individuais, e o discurso na primeira pessoa do singular de certa forma perde força ao se esquecer disso. Até porque essa experiência da transcendência da literatura inclui os leitores e mobiliza forças muito mais profundas em nossa sociedade.

Mas a festa foi bonita.

Esperemos que não traga ressaca.