Estive na sede brasileira da GfK para conhecer os dados e os métodos de coleta de informações de seu sistema de acompanhamento do varejo de livros no Brasil. Atendido pela Cláudia Bindo, diretora da unidade, tive oportunidade de ter uma visão mais ampla das informações processadas pela empresa alemã. Em post recente havia abordado a chegada do Nielsen BookScan por estas plagas, e quero, desde logo, me desculpar por uma avaliação ali feita de que a implementação dos serviços da GfK andava “a passos lentos”.
Não é certo. A GfK avançou bastante no estabelecimento do serviço. Se algo pode ser dito a respeito da presença das duas multinacionais de pesquisa de mercado no Brasil é que isso denota não apenas o interesse crescente que o setor editorial vem despertando. O Brasil e a Espanha, aliás, são os únicos mercados em que as duas empresas competem diretamente. A Nielsen acompanha o mercado dos EUA, mas a GfK tem uma presença mais abrangente na Europa.
É certo que, para os respectivos clientes, o que importa fundamentalmente são os dados do mercado local. Entretanto, as duas empresas têm condições de oferecer algumas análises comparativas. Nesse sentido, a GfK apresentou algumas informações bastante interessantes sobre a presença de autores brasileiros em outros países.
A GfK recolhe os dados diretamente dos varejistas (o método é o usado para o acompanhamento de todos os segmentos de varejo). A partir daí é que a tabulação e análises variam um pouco entre os sistemas das duas empresas. A GfK, por exemplo, não registra o preço de capa oficial, somente o preço efetivamente praticado, o que não permite mensurar níveis de desconto. Mas o acompanhamento de eventuais anomalias é constante e qualquer dado que destoe é checado e reverificado junto ao varejista.
Outras diferenças importantes dizem respeito aos bancos de dados. A GfK vem montando seu próprio banco de dados de títulos e os classifica internamente em gêneros. As duas empresas usam bancos de dados com dimensões – hoje – bem diferentes. A Nielsen usa o do iSupply, com cerca de 250.000 títulos e a GfK declara ter, em seu próprio banco de dados, mais de 510.000 títulos cadastrados. No meu “chute qualificado”, esse último número é o que deve estar mais perto do “books in print” atual (sem contar, entretanto, com a multidão de títulos de autopublicação, dos quais apenas uma pequena parcela entra nessas pesquisas, que só considera as vendas em canais estruturados de livros físicos). A GfK registrou, no período de janeiro a setembro de 2013, vendas (pelo menos um exemplar) de 202.000 títulos. E na primeira semana de outubro foram registrados 73.000 títulos.
Tal como os outros dados disponíveis, esses números mostram uma enorme dispersão na quantidade de títulos movimentados. Mas, aqui como alhures, a concentração no volume de vendas também é muito grande.
A questão da qualificação por gêneros é sempre complicada, pois envolve alguns fatores de ordem subjetiva. Um amigo meu, por exemplo, diz que “livro religioso” é o da sua religião, a dos outros é “auto ajuda”. Essa questão aparece de forma clara em uma tabela preparada pela GfK.
Segundo a empresa alemã, o segmento “livros religiosos” teve um aumento, em 2013 (até setembro), de 3%, comparado com o mesmo período no ano passado. A GfK notou, entretanto, que grandes eventos têm capacidade de provocar aumentos sazonais de vendas de certos gêneros. Foi o que aconteceu com a Jornada Mundial da Juventude. Olhem o quadro:
A coincidência dos “picos” é quase perfeita.
Entretanto, outros títulos que eu particularmente classificaria como religiosos, foram colocados na categoria “Obras Gerais” e no segmento de biografias: os livros do Edir Macedo e os livros sobre o Papa:
Ou seja, um bom analista dos dados deve levar em consideração os possíveis cruzamentos entre títulos de gêneros distintos que podem influenciar a análise de um segmento específico.
A GfK acompanha vários segmentos do setor que denomina de “Entretenimento”, que inclui, além de livros, filmes, brinquedos e games. As mais recentes tendências de publicação de livros dentro de projetos “multimídia” pode exigir análises que incluam dados de outros segmentos do varejo. A GfK mostrou uma tabela que comparava o desempenho de games e livros da série “Assassins’ Creed”.
A tabela surpreende:
Aparentemente, uma situação “tostines”: livros vendem mais porque estão atrelados a games ou vice-versa? O fato é que os livros venderam 50% a mais que os games.
A GfK, alegando confidencialidade, não revela quais os varejistas que já estão fornecendo dados, mas estima sua cobertura em 69% das vendas no varejo. Apenas de livros físicos. Os livros eletrônicos não estão coligidos.
Essa proporção permite deduzir que as grandes cadeias de livrarias e do comércio varejista já estão fornecendo os dados. Perguntei sobre dados recolhidos entre as livrarias independentes, e a resposta foi a mesma: confidencialidade. Entretanto, o fato da GfK já ter feito pesquisas específicas para a ANL – Associação Nacional de Livrarias, permite entrever pelo menos uma abertura para trabalhar com os pequenos e médios varejistas.
A mesma resposta de confidencialidade foi dada quanto aos custos. Simplesmente se aduziu que os custos são negociados diretamente com os clientes.
Os dados disponibilizados pelas duas gigantes da pesquisa do mercado podem permitir um avanço na capacidade técnica das editoras brasileiras. Infelizmente, o acesso ainda está restrito às grandes empresas.
O problema maior, para mim, é que o conjunto do mercado ainda tateia na capacidade de analisar e interpretar os dados, e usar tanto as informações das empresas de pesquisa quanto seus próprios dados internos para construir cenários melhores.
Isso coloca em pauta os seguintes pontos: primeiro, a questão da capacitação. É evidente a melhoria e a qualificação dos profissionais do mercado editorial brasileiro em várias áreas, da produção ao marketing. Mas há ainda um longo caminho a ser percorrido para o manejo de todas as informações já disponíveis, em um mundo cada vez mais abarrotado de conteúdo. Em segundo lugar, se torna cada vez mais evidente a incapacidade aparente das entidades profissionais, tanto de editores quanto de livreiros, de criar meios tanto para que essa capacitação aconteça de modo mais vertical, abrangendo as pequenas e médias empresas, quanto para a busca de maneiras de permitir um acesso mais amplo a essas informações. E a correção dessa deficiência, cada vez mais necessária. Faltam-nos instituições como o BISG – Book Industry Study Group (que tem seus congêneres nas associações europeias) que ajudem a superar isso.