FOI BONITA A FESTA

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Passada a feira, o que restou?

A festa foi bonita. A programação diversificada uma presença de público significativa. Não consegui acompanhar as atividades com os autores fora de feira, mas me consta que foram várias e bem recebidas pelo público. Também não consegui visitar os museus onde havia exposições de artistas brasileiros, mas também soube que estavam bonitas, bem organizadas e com presença de público.

A quantidade de traduções de autores brasileiros, principalmente – mas não exclusivamente – na Alemanha foi muito expressiva, e deve continuar ainda. Na medida em que continue o programa de bolsas de tradução. O programa da Amazon Crossings, anunciado já no final da feira, foi uma surpresa interessante. O braço editorial da Amazon já é a editora com mais títulos traduzidos para o inglês, sinal da determinação de Jeff Bezos de investir na área editorial, dando a volta na resistência de autores americanos e ingleses, temerosos da ausência de seus livros nas livrarias, seja nas grandes cadeias, seja nas livrarias independente. A Amazon afirma que distribui e distribuirá os títulos nas livrarias, mas isso vai depender da demanda dos leitores que por eles se interessarem e não quiserem aproveitar as facilidades para aquisição que o gigante do e-varejo oferece.

No âmbito mais geral, a palestra/entrevista coletiva de Markus Dohle, o chefão da Penguin Randon House foi muito significativa. Nada mais de guerras com a Amazon e os demais integradores de e-books, disse ele, mandando a pombinha da paz para Seattle. Afirmou a importância do livro impresso, notando a diminuição do crescimento dos e-books no mercado dos EUA e na Inglaterra. Mas ninguém sabe realmente qual será o destino das livrarias independentes, lá, aqui e alhures.

As duas empresas de rastreamento eletrônico de vendas, a GfK e a Nielson BookScan fizeram apresentações de seus produtos, com enfoques diferentes. É notável o fato do Brasil ser um dos poucos países onde as duas já rastreiam a venda de livros. Ambas faziam levantamento de um grande número de produtos vendidos no varejo, mas livros não.

A reduzida presença dos editores nessas apresentações pode ser explicada pelas agendas apertadas da Feira de Frankfurt, e estou curioso para ver quem estará presente na conferência que a GfK fará no começo de novembro, em S. Paulo, sobre as tendências de vendas no varejo, inclusive de livros. Continuo com a forte impressão de que os editores – e as livrarias – não compreendem a importância dos metadados e do tratamento estatístico das vendas. A riqueza dos dados para o planejamento estratégico e tático de vendas ainda não entrou realmente no campo de visão da indústria editorial brasileira, e a maioria das empresas ainda considera isso tudo como gasto e não como investimento. Vamos ver a evolução disso nos próximos meses.

O prof. Renato Lessa, presidente da Biblioteca Nacional, matizou mais a importância do programa de bolsas de tradução, afirmando sua boa relação “custo benefício”.

Mas…

Não há certeza de que o programa de promoção da literatura brasileira se firme como uma política pública. Ainda depende da vontade dos dirigentes da BN e do Ministério da Cultura.

Dois fatos foram significativos para mostrar a precariedade da situação.

O primeiro foi a ausência de dirigentes da nova Diretoria do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (aliás, nem sei mais qual o nome oficial da repartição) na Feira. Supostamente devem estar se preparando para assumir as ações que a Fundação Biblioteca Nacional, através de seu presidente, afirma não serem de sua alçada: presença nas feiras internacionais e ações outras da área. Já comentei que não se tem notícias da continuidade do programa de bolsas de residência para tradutores nem do intercâmbio dos escritores.

Era de se esperar que os novos diretores da DLLLB estivessem em Frankfurt, quando nada para participar da avaliação e ver como a coisa funciona. O professor Castilho, secretário executivo do PNLL – e usuário de outros chapéus, como o da ABEU e o da própria Fundação Editora da UNESP – estava lá, mas não os dirigentes dos seus meios de ação dentro do MinC.

E, nos jornais, já se fala que as programadas presenças do Brasil nas feiras de Bolonha e Paris, por exemplo, teriam restrições no âmbito do governo. Não se fez – ainda nem houve tempo para isso – uma avaliação sistemática dos resultados de Frankfurt, mas já se fala que sem dinheiro das editoras não se vai fazer mais nada significativo. Escrevi sobre isso e repito: as editoras não têm grande interesse na venda de direitos autorais. Já deveriam estar apostando mais na venda de livros de formato eletrônico para a grande diáspora brasileira, esses milhões de brasileiros espalhados pelo mundo, que podem ter acesso aos e-books, mas nem isso é levado a sério.

OS DISCURSOS

Comentei em outro post os discursos da abertura da Feira, e reitero minhas observações.

Cabe mencionar aqui o discurso do Paulo Lins na “transmissão do bastão”, no encerramento da Feira. Foi muito bonito e significativo. A distinção feita entre a constatação de que vivemos em uma sociedade racista – foi muito oportuna a menção que o Paulo Lins fez de o racismo ser uma constante no Brasil e nos países europeus – mas que a composição da lista dos escritores não refletiu nenhuma posição desse tipo, e sim expressou as “condições do mercado”.

“Tudo é mercado”, disse Paulo Lins. E, certamente, um dos critérios na elaboração da lista foi o posicionamento dos autores diante do mercado editorial. Seja por sua presença atual, seja no que os curadores consideraram como potencialidades de mercado. No mais, a análise da composição da lista necessariamente deve ter um toque panglossiano: é a melhor lista possível no mundo dos curadores. Outros fossem esses, a lista seria diferente. E sofreria a mesma crítica.

Tragédia e palhaçada foi a presença do Vice-Presidente Michel Temer. As gafes – grosserias – se sucederam. Depois de chamar Marta Suplicy de Ministra da Educação, Temer pespegou a presepada do discurso propriamente dito. Bem diz Paulo Lins que isso de querer bancar o poeta é algo perigoso.

Quanto ao discurso do Luís Rufatto, já o comentei e mantenho o que disse.

Mas acrescento duas observações.

A primeira sobre a reação das autoridades brasileiras, expressadas no comportamento do Temer e em comentários da Ministra da Cultura. Não entendi. A estrutura do discurso corresponde exatamente ao que o Lula sempre disse: depois de 500 anos de opressão “pela primeira vez na história desse país”, se fazia algo para mudar a condição da população mais pobre. Acho que deviam era faturar a coincidência do discurso do Rufatto com o do Lula, da Presidente Dilma e da propaganda oficial.

O segundo ponto a ser observado no discurso do escritor, e de forma negativa, foi o uso exclusivo da primeira pessoa do singular. É até compreensível que Rufatto quisesse destacar sua experiência pessoal. Mas é bom lembrar que essas angústias expressadas no discurso, a responsabilidade dos escritores diante de uma realidade angustiante, não é exclusividade dele.

A verdade é que a literatura brasileira contemporânea tem uma quantidade excessiva de escritores solipsistas. Fazem literatura de alto nível técnico, mas o que lhes importa é seu eu e sua experiência.

Rufatto faz parte de outra tendência, a dos escritores que olham o Brasil, se colocam dentro da nossa realidade para transcender a si e às suas experiências pessoais. Essa é a turma do Rufatto. Mas este, ao reduzir as suas preocupações ao nível individual, perdeu a oportunidade de afirmar que não está solitário, e que essa posição do escritor em um país no qual a expressão “capitalismo selvagem” não é uma metáfora, não se reduz a experiência individual, por mais dura que esta seja. Nem mesmo entre seus colegas de delegação. Muitos outros escritores e escritoras compartilham dessas preocupações, sejam lá quais forem suas trajetórias individuais, e o discurso na primeira pessoa do singular de certa forma perde força ao se esquecer disso. Até porque essa experiência da transcendência da literatura inclui os leitores e mobiliza forças muito mais profundas em nossa sociedade.

Mas a festa foi bonita.

Esperemos que não traga ressaca.

2 comentários em “FOI BONITA A FESTA”

  1. O Felipe, tem coisas que não estou entendendo. Se há uma coisa que sempre admirei em vc, nesse 40 e alguns anos de amizade, foi a sua coerência, não vai ser agora meu amigo que vc vai dar uma de Chico Buarque. Afinal vc sempre defendeu que a Fundação Biblioteca Nacional deveria só cuidar da própria, e que a politica do livro, literatura, biblioteca e etc. deveria ter suas próprias “repartições” como vc mesmo está nomeando. Aliás grande equivoco esta volta ao passado de trazer as “repartições” para o Rio, na administração da ex-ministra Hollanda. Então por que agora engrossar o coro do povo que ainda acham que estão na velha república, e o Rio é a capital?

    1. Raquel

      Não defendo a permanência das ações de política pública na FBN. O processo de transferência dessas políticas para a FBN foi complicado e disse na época que, embora pudessem ficar sob a égide da FBN – como Fundação – não deveriam sair de Brasília, e que a Biblioteca deveria ter uma direção forte para cuidar de suas coisas. A questão é que os programas são descontinuados sem avaliação – avaliação séria, e não palpites de quem gosta disso e não gosta daquilo – e hoje está tudo perdido no espaço. Faz-se tudo de maneira atabalhoada. Mas prometo para logo um post sobre a situação dos programas ainda vigentes.

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