Notícia desta quarta-feira 10 de maio no PublishNews anuncia que o MEC, através do FNDE, estuda a retomada do Programa de Biblioteca nas Escolas, mas com modificações.
Segundo a notícia, o FNDE constatou a subutilização de livros nas salas de aula, e irá propor modificações para enviar livros diretamente aos alunos – tal como no PNBE – e “que as compras estariam alinhadas aos conteúdos da BNCC”.
Ora, se os livros estão subutilizados, cabe ao MEC desenvolver, ou estimular, programas de formação de professores para seu uso. Induzir os municípios a cumprir a legislação (quase uma declaração de boa vontade, por não prever punição para o prefeito que não a cumpre) que diz que deve haver biblioteca em todas as escolas do país.
Mas não, em vez de atacar o problema, prefere-se a máscara da “adequação” e da distribuição dos livros para cada aluno, estimulando o individualismo e a não discussão coletiva dos conteúdos, vivacidade indispensável para que a leitura se arraigue na vida das crianças e jovens. O que é hábito solitário não é a leitura, e sim outra coisa, que os meninos e meninas aprendem nos banheiros das escolas.
O formato anterior tinha vários problemas, é certo. Mas, ao que parece, o que irá ser adotado ainda é pior.
O formato anterior, embora fosse mais amplo, estava ainda longe de constituir um programa de acervos para as bibliotecas escolares. Ao contrário do PNLD, que apresentava livros avaliados para serem escolhidos pelos professores, as coleções eram formadas por comissões nomeadas pelo MEC. Já cansei de dizer que – independentemente da qualidade profissional e honestidade pessoal dos membros das comissões – a simples existência delas confere um poder desproporcional, antidemocrático e autoritário a essas pessoas. Esse grupo – sempre pequeno – decide o que é ”bom” e o que é “ruim” para ler, castrando professores e alunos.
O que já tinha seus problemas, repito, independentes da qualidade dos membros das comissões, pode ficar muito pior.
A proposta parece se encaminhar para a escolha dos tais livros alinhados à base curricular. O que parece bom, na cabeça dos tecnocratas de plantão, é, repito, simplesmente castrador. Onde fica o estímulo à descoberta? O incentivo à crítica, que deve ser desenvolvido desde as primeiras letras?
Essa história tem muito mais a ver com as propostas de “Escola sem Partido”, a famosa proposta do Frota, Holliday et caterva, do que com o estabelecimento de um programa de biblioteca nas escolas.
O melhor modelo que já vi, e faz vários anos, quando eu ainda trabalhava na CBL, foi o de um programa chileno. O ministério da educação de lá elaborou um vasto catálogo, que era ampliado a cada ano, com resenhas e indicações de livros, por idade, por tema, etc. Alunos e professores, juntos, escolhiam os livros dentro de uma cota financeira destinada a cada escola.
E os livros iam para a biblioteca.
Essa nova proposta ressuscita uma ideia do Paulo Renato. Para quem não se lembra, a primeira experiência foi uma “Biblioteca para os Professores”. Uma comissão de notáveis escolheu obras como “O Uraguai” do Basílio da Gama e as obras completas do Padre Vieira (vinte e tantos volumes), além, é claro de livros dos próprios sábios, para enviá-los aos professores de cinquenta mil escolas. Uma farsa.
Depois, com as primeiras edições da Biblioteca Escolar, foram selecionados livros, que eram reimpressos fora de seu formato original, uns livros em p&B de formato reduzido, que eram entregues diretamente aos alunos, com o pretexto que “estimulariam” a leitura das famílias. Livros feios, deturpados em suas ilustrações e formatos, que até hoje podem ser encontrados aos montes nas bancas/sebos do centro das cidades. Essa ideia “brilhante” foi repetida mais uma vez pelo Paulo Renato e, pior ainda, copiada pelo Cristovam Buarque. Na minha opinião, só isso seria um bom pretexto para sua defenestração, com uma administração que era mera continuidade do Paulo Renato.
Agora aparece essa pérola, bem ao gosto dos “gestores” modernosos. Como o atual alcaide de S. Paulo, que elimina bibliotecas, brinquedotecas e salas de leitura para entochar mais alunos nas escolas já superlotadas.
As bibliotecas, se não forem os locais da diversidade, do estímulo à curiosidade e ao espírito crítico simplesmente não são bibliotecas. São maquininhas de censura e castração.
É certo que acervos para bibliotecas escolares devem ser avaliados, mas com critérios bem definidos: adequação de cada livro para cada faixa etária; eliminação de textos que contenham preconceitos e erros factuais (o que é difícil de definir em termos de ficção, mas as bibliotecas incluem também o material de apoio). E os livros devem ficar nas bibliotecas, ou nas salas, com livre acesso pelos alunos. Distribuir livros para levar para casa, na minha opinião, é mera demagogia. O local público, com acesso a todos, é a biblioteca, e é nela que se estimula a bibliodiversidade.
A propósito, vale citar um trecho do artigo do Sérgio Augusto sobre o Fahrenheit 451, do Ray Bradbury, na abertura da revista Quatro Cinco Um:
“A uma reedição de Fahrenheit 451, lançada em 1979, Bradbury, ainda mordido com a retirada de palavras como “diabos” e “infernos” de uma versão juvenil encomendada pela Ballantine Books, acrescentou comentários sobre a censura, a intolerância e a secular perseguição aos livros. ‘Há mais de um jeito de queimar um livro. E o mundo está cheio de pessoas com caixas de fósforos por aí’, lastimou, enumerando uma dúzia de minorias que se achavam no direito, ou dever, de dosar o querosene e acender o fogo.”
Agora o MEC quer queimar de vez as bibliotecas nas escolas.
Há alguns dias, a autora Rosa Amanda Strauz postou no FB uma nota acerca de matéria publicada no PublishNews, assim:
“Matéria do PublishNews de 18/04 tem o seguinte subtítulo:
“Kobo adquire tecnologia que utiliza uma foto para ajudar na ‘descobertabilidade’ de e-books”.
Cuma???? DESCOBERTABILIDADE??? Onde foram parar os dicionários de sinônimos???” Veja aqui.
Os comentários que seguiram foram de vários tipos. Desde os que desprezavam o problema tradutório/sociológico levantado pela questão, até os que conversavam e davam sugestões sobre como resolver essa questão.
“Danielle Sales Tudo porque querem usar o “discoverability” do inglês… Tsc, tsc, tsc
Olivio Petit imagina Cabral justificando a calmaria.
Renato Kress Em breve seus netos entrarão na dirigibilidade-escola para improvar sua guiabilidade. Aguarde e confie
Maria Valéria Rezende Isso agora é “linguagem acadêmica” rsrs”
Como o uso de “descoverability” é muito comum no tratamento das questões relacionadas com metadados, meti minha colher de pau torta no assunto: “A questão é que os dois termos em inglês cobrem um conceito mais amplo que descoberta, por exemplo (trata-se de “tornar possível de ser descoberto”, ou “forçar ser descoberto”. O mesmo acontece com “empowerment”. Tenho absoluta certeza que podemos achar termos corretos em português, mas até hoje não consegui”.
Como a lista de palpites e comentários é grande, quem quiser acompanhar tudo vá no FB e procure os posts da Rosa Amanda. Que, aliás, sugeriu “Como minhas sugestões ficaram escondidas no meio da discussão, repito aqui: Kobo adquire tecnologia que facilita a descoberta de e-books por meio de fotos.”
Certo, traduzir uma palavra em um conceito pode resolver, em muitos casos.
Mas para entender a compreensão e as dificuldades do problema, particularmente na questão do “discoverability”, é preciso saber o que gerou o uso desse neologismo em inglês.
Note-se que não sou contra a incorporação de neologismos ao nosso português. Para além da moda atual dos anglicismos, já tivemos a época dos galicismos e outras. Em alguns casos, considero ótimos achados, até porque remetem também a raízes latinas: deletar, por exemplo, que não vejo nenhum problema em usar como sinônimo de apagar ou obliterar, para ficarmos em um exemplo.
Voltando às origens do problema.
Classificar coleções é algo bastante antigo na humanidade. E muito especialmente no que diz respeito a livros. Matthew Battles, autor do divertido e altamente informativo “Library, an Unquiet History” (há uma tradução aqui, da Planeta, infelizmente fora do catálogo) chama atenção que já a Biblioteca de Nínive, sob o reino de Asurbanípal II, os 25.000 tabletes de argila colecionados por ordem do Rei, estavam unidos por tema, cada grupo com marcação específica. As bibliotecas gregas e latinas, inclusive a famosa de Alexandria, tinham marcações coladas no umbilicus (o pedaço de madeira em torno do qual eram enrolados ao papiros), com o título e o nome do autor.
A saga prossegue, e a classificação começa a envolver censura, a definição dos livros “bons” e aqueles cuja leitura não era condizente com o saber instituído (a ideia por trás da seção “inferno” da Biblioteca Vaticana e de várias outras). A própria instauração de um método de classificação que apelava para o alfabeto (ordenamento por título ou autor pela ordem das letras) foi objeto de intensa discussão. Para a mentalidade escolástica do medievo, a classificação era “racional”, segundo as áreas de conhecimento que se ligavam harmonicamente. E la nave va…
Já no início da idade moderna, as grandes bibliotecas (como a Vaticana e a British), batalhavam com o estabelecimento de sistemas de classificação. De vez em quando brinco com bibliotecários dizendo que alguns são capazes de assassinar por conta de como classificar um livro, como mostra a trama do divertido romance do Umberto Eco, “O Nome da Rosa”.
A primeira grande virada começa a ser desenhada por Antonio Panizzi, revolucionário italiano condenado à morte em Módena e que acaba como bibliotecário do British Museum. Panizzi foi o primeiro a estabelecer que “o primeiro e principal objetivo do Catálogo”, diz Battles descrevendo seu trabalho, citando o relatório que ele preparou, “é o acesso fácil às obras que fazem parte da coleção”. E esse não era simplesmente uma ferramenta para os bibliotecários, mas um instrumento “que o público tem o direito de esperar em tal instituição”. (Battles, pg, 130). Os livros deixavam de ser o domínio dos eruditos e seu acesso passava a ser um “direito do público”. Era uma tarefa monumental, ainda baseada na ordem alfabética, com as relações temáticas dos livros especificadas. Só a catalogação da letra “A” demorou onze anos. E despertou polêmicas.
Para encurtar a história, o sistema de indexação adquiriu sua forma final nas mãos de Melville Dewey, e a invenção do Sistema Decimal de Classificação. Não vou me estender aqui sobre o assunto, de amplo conhecimento geral, e constante desenvolvimento por parte das associações de bibliotecários. De qualquer modo, o eixo da catalogação era a indexação dos títulos. Que permitia aos bibliotecários localizar os livros por temas específicos ou relacionados. Era uma ferramenta eficiente, mas muito dependente do trabalho especializado dos bibliotecários (ou conhecimento dos interessados), mesmo quando os cartões de catalogação foram colocados online.
O problema se complicou geometricamente com duas questões: a) o aumento também exponencial dos livros publicados e colocados à venda; b) além do aumento ainda mais vertiginoso dos títulos disponíveis, com a digitalização e os livros eletrônicos, apareceu também a questão dos “livros órfãos”. A própria digitalização das bibliotecas, processo iniciado pelo Google, deixou acessíveis milhões de títulos previamente confinados em coleções impressas em bibliotecas já de por si gigantescas, espalhados pelo mundo inteiro.
Pelo lado da indústria editorial, alguns problemas já eram sentidos há muito. Uma primeira questão enfrentada foi a da identificação de cada edição. Na distribuição, a identificação correta de um título é crucial para os mais diversos controles. Diferentes livros, de autores distintos, com o mesmo título; edições diferentes do mesmo título; identificação de cada tradução ou formato de um título, e por aí vai. Daí nasceu o ISBN, lá pelos anos sessenta. ISBN, para os que ainda não sabem, é o acrônimo de International Standard Book Number. É um código que usa uma identificação para cada país, para cada editora e para cada título publicado, diferenciando de forma unívoca um livro de outro, seja lá por qual fator seja (nova edição – modificações da primeira; formatos diferentes; traduções, etc. etc.).
O aumento do número de edições, formato, meios de acesso, etc. é que complicou mais e mais o problema. Imaginemos que desde a biblioteca de Nínive e seus 25.000 tabletes, até a nossa Biblioteca Nacional (com seus cerca de oito milhões de títulos), e outras bem maiores, como a questão se complicou. A nossa Biblioteca Nacional, ainda tem gargalos de catalogação, incorporação do depósito legal e outros probleminhas, mas avançou na digitalização do acervo, particularmente de obras raras, dentro de um programa da UNESCO. No que diz respeito ao mercado editorial, o número de títulos disponíveis no catálogo, aqui no Brasil, chega a várias centenas de milhares de títulos. No mundo inteiro… São vários bilhões de títulos, entre os disponíveis no mercado e os disponíveis nas bibliotecas virtuais.
Os livros estão lá. Como descobrir o texto que desejo, seja para leitura ou para pesquisa? Se fosse ler todas as fichas catalográficas para achar tudo que se refira, por exemplo, a “sistema político brasileiro”, a correlação de temas seria gigantesca, mesmo com sistemas eletrônicos, porque cada “tema” não estaria vinculado aos demais como tags de metadados.
Uma parte do problema foi solucionado com os sistemas booleanos de busca, que usa operadores lógicos para organizar as pesquisas (veja aqui uma descrição simples do uso ). Mas esses sistemas de busca ainda exigem um certo preparo técnico para serem produtivos.
Foi então que começou a preocupação com o conceito de metadados. Já escrevi vários posts sobre o assunto, que podem ser consultados no meu blog , aqui. Nem vou lista-los aqui. Basta olhar na coluna da esquerda, na seção “tags”, e poderão achar “metadados” e muitos outros “tags” semelhantes. O que é isso? É a forma pelo qual indico aos eventuais leitores quais os temas (ou o tema) que está tratado em cada post. E posso colocar quantos “tags” queira em um post, já que cada um deles pode eventualmente se referir também outros assuntos relacionados.
Pois bem, os metadados é que abriram caminho para a criação do conceito de “discoverability”. Parece que a palavra foi importada das teorias de marketing para indicar o “tempo de exposição” de um determinado produto nas prateleiras. Os marquetólogos que confirmem ou não isso.
O fato é que, aplicado ao mercado editorial, esse conceito de “tempo de exposição” torna-se extremamente elástico. Mesmo quando um determinado título saiu do catálogo, ainda pode ser localizado por um dos “tags/metadados” que estejam embutidos lá dentro. Daí que, para identificar a disponibilidade do título, existem “tags” específicos para informar isso em relação a cada título.
A questão da “discoverability” aparece, portanto, da necessidade de “deixar um título com a possibilidade de ser descoberto” com certa facilidade. Um dos meus posts que estão sob a “tag” de metadados oferece um exemplo prático de como isso poderia funcionar (o condicional é por conta do desprezo com que os metadados são ainda tratados por editoras e livrarias por aqui, comparados com os de alhures (veja aqui esse post, e repita a experiência se quiser). Evidentemente, ainda que não seja um trabalho especificamente “técnico”, a qualidade dos tags e metadados pode melhorar significativamente a “discoverability” de um determinado título.
Particularmente, considero isso fundamental para as pequenas e médias editoras. É um modo de permitir que os livros que editem tenham a possibilidade de ser descobertos por leitores interessados, para além da máquina de marketing das grandes editoras e do espaço cada vez menos nos jornais.
Essa história começou mesmo a tomar corpo com a entrada da Amazon no mercado livreiro. O Bezos descobriu (porque foi fazer o curso de livreiro da ABA – American Booksellers Association) que os livros podem ser disponibilizados através das editoras e das distribuidoras, e que a livraria não precisa tê-los em estoque para vende-los (e ainda tem mais prazo para pagar). O que fez? Contatou a Ingram e a Baker & Taylor, as duas maiores distribuidoras, incorporou o catálogo delas no seu projeto de site e investiu o que podia em tecnologia de “discoverability”, primeiro colocando os metadados disponíveis, depois aperfeiçoando isso, e praticamente fazendo as editoras desenvolveram padrões mais consistentes de metadados. É o que faz até hoje: mantém estoques mínimos, medidos pela demanda registrada no sistema e pareadas com os prazos de entrega de distribuidores e editoras, e apresenta seu imenso catálogo ao público. Isso foi o que tornou possível seu slogan inicial “A livraria com mais de um milhão de títulos disponíveis”.
Não foi ele quem descobriu essa possibilidade, mas certamente foi dos que levou essa questão à perfeição, refinando cada vez mais os metadados e manipulando-os na construção de listas de “mais vendidos”, atuando proativamente junto aos clientes/leitores (e depois aos que compram qualquer coisa na loja da Amazon), como bem sabe quem já fez uma compra nessa varejista.
Por essas e algumas outras razões fundamentais que o conceito de “discoverability” passou a circular e a ser cada vez mais importante. Não por um modismo acadêmico, mas como fruto do desenvolvimento da indústria editorial. E que tem repercussões TAMBÉM para as bibliotecas e aumento da leitura em geral: melhores mecanismos de busca geram demandas e ampliação de leitores… e pressão sobre as bibliotecas que têm verba para compras. O que não acontece por aqui, tanto pela falta de verbas como pela mania de encomendar a “especialistas” as listas de aquisições de acervo. Mas isso já é outro papo.
Por tudo isso é que a possível tradução do termo inglês fica longe de ser preciosismo ou subserviência. É uma questão de terminologia (técnica, que seja) que, tenho certeza, irá adquirir cada vez mais relevância.
Estou usando, por enquanto, descobertabilidade. Acho a palavra feia, não gosto, mas é a disponível no momento. Por isso mesmo, aceito sugestões.
Aliás, só para brincar. Outro dia sonhei (juro!) com uma tradução melhor para esse outro horror que é o “empowerment”. Quando acordei, lembrei do que tinha sonhado, mas não da palavra. E fico pensando se Hipnos, Morfeu, e os Oneiroi (os benignos) voltarão a me ajudar. Espero que o ôneiro do pesadelo não se faça presente.
Um dos temas mais permanentes nas discussões do mercado editorial e livreiro – aqui e alhures – é o papel e destino das livrarias independentes e das grandes cadeias. Essa discussão se intensificou com o surgimento da Amazon (e olhem que a varejista foi fundada em 1994, com início das atividades de comércio eletrônico em 1995 – já são 22 anos).
Naquele momento era observado o auge do crescimento das grandes cadeias de livrarias nos EUA. As livrarias independentes as tinham como inimigo principal, e as notícias contabilizavam o fechamento de inúmeras lojas nas grandes e médias cidades.
É bom lembrar que, por aqui, a cadeia dominante era a Siciliano (que provocou polêmicas, discussões e gritos ao exigir maiores descontos, na voz de seu controlador, exatamente depois do Plano Real, com a sincera alegação de que ganhava dinheiro com a inflação e que agora as editoras tinham que ajuda-los a recuperar suas margens…). Hoje, comprada a preço de xepa de feira pela Saraiva, o nome da rede é história.
História como nos EUA é o nome da Borders e outras cadeias menores, que não conseguiram concorrer com a Amazon. A própria Barnes&Noble anda mal das pernas há anos, embora seu controlador jure que resistirá. E as livrarias independentes voltaram a florescer na gringolândia, graças a estratégias empresariais e institucionais, através da ABA – American Booksellers Association, como já mencionei várias vezes por aqui.
Na Europa, por sua vez, a Amazon enfrenta problemas, com um severo escrutínio das autoridades reguladoras do continente. E, surpreendentemente, a W. H. Smith, uma cadeia de livros que andou tropeçando, mostrou lucros no ano passado.
Na França e outros países do continente, a lei do preço fixo demonstra sua força e mantém vivas as livrarias independentes. Mas, também como já mostrei aqui, por trás da lei existe um sólido aparato que reúne editores, livreiros, e as “grandes superfícies”, em um comitê que supervisiona a aplicação da lei. Um dos aspectos importantes dessa legislação é que parte dos descontos concedidos pelas editoras às livrarias está condicionado a ações de promoção da leitura.
No entanto, a Amazon continua lépida e fagueira em seu crescimento. Já abriu algumas lojas físicas (modo de dizer, já que as lojas aplicam uma tecnologia muito mais avançada que a disponível em outros varejistas). Além da loja inicial em Seattle, a varejista tem outras em Boston, San Diego, Portland e New York – onde já são várias. E essas são livrarias – a Amazon já experimenta com verduras e alimentos, e agora saiu a notícia que fará o mesmo com eletrodomésticos e roupas. Mike Shatzkin, aqui levanta a possibilidade de que a Amazon se torne a maior varejista – de tudo – nos EUA, e a prazo relativamente curto. Veremos.
Uma das características das lojas da Amazon é a seleção de livros em exibição. De onde veio essa seleção? Bidu: do histórico de compras acumulados pelo site naquela região. Nada de livreiros que “conhecem” seus clientes e mantêm uma seleção de acordo com os gostos dos seus frequentadores. Bezos não se dá a esse luxo, e tudo é definido por algoritmos. Para ele, os dados são mais preciosos que qualquer subjetividade, e definem cada passo a ser dado.
Dito seja de passagem e fora do tema imediato: Amazon já é a maior editora de livros traduzidos dos EUA, e há muito o KDP é o dominante na autopublicação, embora aí ainda tenha concorrentes sérios, tanto de propriedade de outras editoras como independentes.
Voltando à nossa questão inicial.
Todo essa aparente cabeça de cera para voltar à questão inicial. O que acontece por aqui e será que se abre uma janela de oportunidade para as livrarias independentes do Bananão?
Traduzir é perigoso”, diria, parodiando Guimarães Rosa, sobre o tema que será objeto da primeira mesa do Conexões Itaú Cultural – Mapeamento Internacional da Literatura Brasileira – que começa hoje, dia 9 e segue até a próxima sexta-feira. A mesa sobre Grande Sertão:Veredas conta com a presença de Alison Entrekin, Berthold Zilly e da professora Sandra Vasconcelos, da USP e do Fundo Guimarães Rosa do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade. Eu terei a tarefa – difícil, mas honrosa e agradável – de mediar essa mesa.
O currículo dos tradutores é admirável. Alison Entrekin já enfrentou a tradução de “Cidade de Deus”, do Paulo Lins, dos romances do Chico Buarque e de muitos outros autores brasileiros. Berthold Zilly tem no currículo traduções de Euclides da Cunha e Raduan Nassar, entre outros. E a professora Sandra Vasconcelos é especialista em Guimarães Rosa, autor em torno do qual se organiza a mesa.
Ora, se traduzir é perigoso, retraduzir, então…
É o caso dos dois tradutores participantes da mesa. A primeira tradução de GS:V para o inglês, feita por Harriet de Onís e James Taylor é amplamente criticada. Guimarães Rosa, ainda que reconhecesse as deficiências da primeira tradução, admitiu ter ficado satisfeito pela possibilidade de ter leitores de língua inglesa com acesso ao seu livro mais importante. Particularmente, visto da perspectiva de hoje, acredito que a tradução, que apresenta GS:V quase como uma aventura de faroeste, fez mais mal que bem para a recepção da obra roseana em inglês. Riobaldo como caubói não ilustra… Desse modo, a tradução a ser empreendida por Alison Entrekin seguramente representará um novo ponto de partida para a recepção da obra em inglês.
A primeira tradução para o alemão, feita por Curt Meier-Clason, também foi sujeita a críticas, embora em muito menor grau que as feitas à tradução dos EUA. Registre-se também duas traduções para o espanhol, a mais recente feita por Florencia Garramuño e Gonzalo Aguilar, além de traduções para o italiano, francês e vários outros idiomas. A mais recente, pelo que sei, foi para o hebraico, pelo professor Erez Volk.
O que desejo destacar, no entanto, é o seguinte:
Em primeiro lugar, que as traduções de um grande escritor como Guimarães Rosa passam a constituir parte do corpus crítico do autor. Cada uma delas é, de certa forma, uma análise crítica do romance. Gregory Rabassa, o grande tradutor do português e do espanhol nos EUA, disse em algum momento que o tradutor é o leitor mais atento e crítico da obra de um autor. De fato, uma tradução de qualidade representa, sempre, uma abordagem crítica e criadora a partir do original. Não estou querendo entrar na polêmica tradicional que se perde discutindo se tradução é transposição – a mais fiel possível, é claro – ou uma “recriação” da obra em outro idioma. Acho essa discussão meio ociosa. O que gosto de destacar é que, de fato, cada tradutor lê criticamente o livro para torná-lo acessível ao leitor de outro idioma. Essa tarefa é um componente fundamental da construção de uma verdadeira República Mundial das Letras.
O segundo ponto é que cada tradução responde não apenas a avanços e desenvolvimentos das técnicas tradutórias e das investigações linguísticas, como também responde a circunstâncias históricas e sociais específicas da sociedade do idioma de chegada. Desse modo, cada tradução reflete – em maior medida, se melhor feita – as condições de recepção social existentes naquele momento, naquela sociedade (ou nas que compõem um grupo linguístico). Alison Entrekin também, em outro encontro do Conexões, e em escritos seus, mencionou as dificuldades de adaptar as gírias e expressões do “Cidade de Deus” para que fossem compreendidas tanto pelos leitores dos EUA como os da Inglaterra, da Austrália e de outros países anglófonos. Dentro de mais anos, nova tradução do mesmo romance do Paulo Lins exigirá, eventualmente, outras soluções.
No post que publiquei no dia 19 de outubro, sobre as investigações no PNLD, mencionei que anteriormente ao sistema de escolha dos livros pelos próprios professores, os que eram adquiridos pelo programa eram escolhidos por Comissões de representantes de secretarias e do MEC. Mencionei também fatos deprimentes que soube que aconteceram na época, sem citar nomes nem empresas.
Quero deixar explícito que essas cenas deprimentes não afetavam todos os membros das comissões. Os “espertos” das editoras que forneciam os livros já sabiam quais eram os mais frágeis e que poderiam ser convencidos pelos métodos pouco ortodoxos.
É bom deixar claro também que, nos casos que conheço de perto, esse tipo de prática nunca passou pelo meu conhecimento (o que não pode dizer que não tenham existido, mas nunca soube de nada).
Em outras ocasiões, além desse post, já declarei várias vezes que tenho verdadeira alergia a essa história de selecionar livros para aquisição de acervos, sejam de livros escolares, sejam para acervos de bibliotecas públicas. É sobre isso que desejo refletir um pouco.
O primeiro ponto é afirmar que estou longe, muito longe, de aceitar que a corrupção seja o “método preferencial” de ação junto aos agentes públicos. A maioria absoluta dos funcionários públicos que conheci é constituída por pessoas íntegras, dedicadas ao trabalho e que não cedem às tentações da corrupção.
Essa mania nacional, que não vem de hoje, de achar que a corrupção é a raiz de todos os males do país é, na minha opinião, um enorme equívoco.
A corrução é intrínseca a todas as estruturas de poder. Não só é um componente da economia capitalista, e sim um fenômeno constituinte de sistemas de poder.
Mas não quero fazer digressões aqui sobre corrupção em geral. No caso das comissões para escolha de livros, o problema pode ter características bem próprias, e longe dos casos deprimentes em que dinheiro e favores trocam de mãos.
Vejamos alguns exemplos que provocam minha alergia às comissões:
– A “SÍNDROME DO LIVRO BOM”. Um segmento especial dos estudiosos do livro e da leitura – que costumo chamar de leiturólogos – sustenta, invariavelmente, uma coisa meio nebulosa que chamam de “bons leitores” e que são bons leitores porque leem os “livros bons”. É uma tautologia curiosa. Os “bons leitores” se formam lendo o livro que os leiturólogos já definiram previamente como “bons”. A categoria dos “livros bons” se distingue, desde logo, por ser excludente: bestsellers, por princípio, não podem fazer parte dessa categoria; livros que sejam informativos também são largamente excluídos da categoria. “Livros bons”, por sua vez, são sempre de literatura e ensaios bem fundamentados sobre assuntos profundos. Ao terminar a leitura de um “livro bom”, o “bom leitor” tem seu intelecto e sua alma alçados a um nível superior. Mas, sobretudo, o “livro bom” é aquele que o leiturólogo qualifica como tal. E, portanto, seleciona para ser adquirido para acervos, etc. É o subjetivismo de uma categoria específica de leitores que define o “livro bom”.
Na área dos livros didáticos e escolares, “livro bom” é sempre aquele que expressa a corrente pedagógica mais “moderna ou “avançada”, da qual que o professor-comissário-avaliador faz parte.
Valem exemplos de como se processa a exclusão feita pelos leiturólogos.
Pouco tempo depois de iniciada a avaliação sistemática dos livros didáticos, com a malfadada classificação por estrelas, as pesquisas de uso dos livros enviados pelo MEC revelou enormes dificuldades. Os livros bons que alcançassem três estrelas eram o quente do construtivismo. Livros que tivessem uma ou duas estrelinhas eram razoáveis. Sem estrelas, eram os livros mais tradicionais. Pouco importa que a imensa maioria dos professores não estivesse capacitada para usar os avançadíssimos métodos construtivistas. A indução dos livros estrelados aumentava a solicitação deles pelos professores (imaginem a pressão, subjetiva e objetiva, para que adotassem os livros considerados como melhores pelos professores-doutores avaliadores). Resultado: muitos acabavam sendo deixados de lado por quem não sabia como usá-los.
Por estes dias tornou-se público que a Somos Educação procurou a CGU para confessar fraudes e propor um acordo de leniência relacionados com a execução do PNLD. A notícia menciona também outras ações da CGU com empresas, mencionando as citadas na razzia encabeçada pelo Grande Inquisidor curitibano, mas sem mencionar outros fatos vinculados ao PNLD.
Vale a pena lembrar um pouco da história do programa e dos problemas que foram sendo resolvidos durante esse período.
O primeiro ponto que desejo enfatizar aqui é que, durante muitos anos, a escolha dos títulos adquiridos ficava nas mãos de uma “Comissão” que incluía funcionários do MEC e representantes das Secretarias de Educação dos estados. Não acompanhei nenhuma das reuniões desse processo. Soube de histórias escalofriantes sobre os “métodos” empregados por algumas grandes editoras para que seus livros fossem selecionados pelos “comissários”.
Como não sou testemunha dos acontecimentos, não citarei nomes, nem empresas. Mas soube do uso de escorts dos dois sexos (usando um eufemismo sanitizado) para acompanhar os “comissários(as)” que decidiam o destino dos muitos milhões de livros adquiridos. Jantares luxuosos, trocas de envelopes polpudos, etc. etc. etc. Sem mencionar o fato de que os professores detestavam a maioria dos livros “selecionados”, que não conheciam e jogavam nos porões das escolas, quando chegavam – e chegavam sempre atrasados para o início do ano letivo –, como inservíveis para os projetos pedagógicos.
Coisas da ditadura. Círculos fechados de decisões, processos forjados e tutti quanti. Quem sabia, na imprensa, de boca fechada ficava. Quem sabe levando umas lambugens da farra. É por isso, dentre outras razões, que desenvolvi uma verdadeira alergia quando falam em compras de livros escolhidos por comissões de “sábios” ou congêneres. Vade retro.
Repito, não estava lá. Só ouvi histórias depois, de gente que ria contando isso tudo. Passei a acompanhar um pouco depois.
Fazendo justiça, a virada nessa esculhambação começou com o Marco Maciel no MEC. Em 1985, o ministro e o presidente da FAE (cujo nome infelizmente não consegui localizar nos meus papeis) mudaram a sistemática de escolha dos livros, com a instituição de um catálogo do qual constariam os livros inscritos no PNLD, para que fosse feito um processo de escolha com a participação dos professores, das secretarias municipais e estaduais. Foi o início da virada da sistemática que hoje resulta em um processo bem complexo de indicação online das opções. As tais comissões deixaram de existir. Um dos primeiros resultados disso foi a extinção de algumas editoras que viviam exclusivamente dessas vendas.
Os problemas do PNLD, entretanto, estavam longe de serem completamente resolvidos. A instabilidade orçamentária, por exemplo, provocava atrasos na execução do programa, e era parte da história dos livros chegarem atrasados. Outra questão era a falta de avaliação dos livros apresentados. Alguns foram denunciados por falhas factuais e conceituais grosseiras. Isso só começou a ser enfrentado no governo do Itamar, quando o ministro Murilo de Avelar Hingel determinou o primeiro processo de avaliação dos livros inscritos. Esse processo continuou na gestão Paulo Renato, com Iara Prado dirigindo a Secretaria do Ensino Fundamental. Nesse período houve um avanço, com a contratação da avaliação com as universidades federais. Mas também aconteceram trapalhadas, como na época em que as obras eram classificadas por número de “estrelas”, e as mais “estreladas” eram invariavelmente adeptas do construtivismo. Só que os professores não sabiam usar aqueles livros “avançadíssimos”, e houve enorme repúdio ao método.
Mas é importante destacar que desde 1985 há um processo continuado de aperfeiçoamento do PNLD – inclusive com a incorporação de outros segmentos, como o Ensino Médio, a Educação de Jovens Adultos, a Educação Indígena, a Biblioteca nas Escolas e a Biblioteca dos Professores – infelizmente paralisados ou semiparalisados nos últimos dois anos.
Um dos pontos fracos do programa, e que foi resolvido, é o da logística. Depois que o programa passou a ser administrado pelo FNDE e contou com um fluxo de recursos mais estável, a contratação dos correios e o estabelecimento de um cronograma bem rígido de inscrição, avaliação, contratação e entrega foi sendo implementado e os livros têm chegado regularmente em tempo hábil nas escolas de todo o país, com a logística dos Correios.
É bom ressaltar, entretanto, que os governos (todos) gostam de uma certa manipulação de dados. Quando divulgam que X milhões de Reais foram pagos na aquisição de N milhões de livros didáticos, geralmente esquecem de computar nos custos alguns itens fundamentais: a) todo o aparato burocrático que executa o programa; b) idem, os custos de avaliação; c) idem, idem, o custo de logística. Depois fazem aquela operação marota de dizer que o custo do livro didático adquirido pelo governo é uma fração do vendido nas livrarias. Só que, nesse último caso, todos os custos subsidiários – inclusive o do desenvolvimento da produção -, que é investimento das editoras. E o preço das livrarias inclui a distribuição e a margem dos comerciantes. Para o governo, isso são detalhes…
Um flanco, entretanto, continuou aberto durante boa parte desse período.
Desde quando o chanceler Bismark observou que é melhor o povo não saber como são feitas as salchichas e as leis, o interesse por esses mecanismos “ocultos” da construção do poder desperta crescente curiosidade. É certo que Marx e os filósofos já vinham explicando os grandes movimentos de classe na conformação do Estado e das transformações sociais. Mas o pão-com-manteiga recebia uma abordagem menos sistemática. Apesar do próprio Marx, em A Luta de Classes na França, no 18 Brumário de Luís Bonaparte, e nos ensaios sobre a Comuna de Paris já tratar desses mecanismos, o cotidiano “normal” da política passa a ser progressivamente uma área da ciência política (inclusive da antropologia). Ainda assim, conversa para iniciados.
Além dos próprios políticos, que podiam não teorizar, mas sabiam muito bem manobrar a prática desse jogo que existe por trás das estruturas de poder.
A London Review of Books, que subscrevo, de vez em quando manda uma seleção de artigos ou resenhas anteriormente publicados que têm a ver com assuntos candentes do momento, na Inglaterra ou no panorama internacional (O Brasil já saiu várias vezes, mas em números normais).
Semana passada o e-mail veio com artigos sobre os antecessores do Barack Obama, seja analisando livros sobre, ou ensaios de alguns dos articulistas da LRB. São peças fantásticas. E todos os textos colocam foco em vários aspectos desse “mundo real” – e oculto – da política institucional.
O do Christopher Hitchins sobre Bill Clinton, e que pega de passagem vários aspectos da atividade política da Hillary, é uma dessas. Disseca a carreira do ex-presidente, suas ligações com os conservadores desde que, como Democrata, fazia campanha para o McGovern, lá em 1992, no Texas. O cara se aliou, de fato, aos tipos conservadores do Partido Republicano para pavimentar suas ações futuras, dez anos antes de se lançar como candidato. E Hitchins vai listando as posições que ele tomou à direita do Bush pai sobre vários temas da campanha.
Do ponto de vista pessoal, o levantamento do ensaísta inglês também é devastador. Lá pelas tantas ele diz que Bill “É um cachorro difícil de manter na varanda” (é o título em inglês do artigo), significando que, tal como o dito lulu, se passa uma cadela no cio, ele não se contém e sai atrás. Hitchens chama atenção sobre como as feministas, paradoxalmente, se uniram para defendê-lo em várias situações. E, é claro, como Hillary aprovou e supervisionou o levantamento dos podres das mulheres às quais Bill havia, digamos, prestado homenagem, para destruir a credibilidade de cada uma delas. Tema, aliás, que o Trump vem retomando…
Mas outros dois temas aparecem. O caso imobiliário Whitewater, que chegou a provocar suicídio de um dos advogados sócios do escritório – do qual Hillary fazia parte – e várias demissões na equipe presidencial. E um obscuro aeroporto em Arkansas usado para levar armas para os Contra nicaraguenses – e trazer de volta “ouro branco”. Tudo arquitetado pelo coronel Oliver North com as bênçãos do Reagan.
E mais as transações em que a política dos EUA foi usada para defender interesses das empresas ligadas ao financiamento das campanhas de Clinton, incluindo os grandes criadores de porco, e o aval às políticas do Yeltsin.
Semana passada (entre 19 e 24) aconteceu no Rio de Janeiro o XV Encontro da ABRALIC – Associação Brasileira de Literatura Comparada, no campus da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.
O evento foi organizado sob a direção do prof. João Cezar de Castro Rocha, professor daquela Universidade e atual presidente da ABRALIC. João Cezar enfatizou sempre que fazê-lo no campus da UERJ era, também parte da luta pela defesa da universidade pública, gratuita e democrática. Entre outras razões, porque a UERJ sofreu duramente a falta de verbas, atraso no pagamento de salários e benefícios de professores e funcionários. Cortes e contingenciamento de verbas decorrentes, principalmente, do fato do governo do Rio de Janeiro não dar a devida prioridade à educação pública.
A UERJ, salientou João Cezar em conversa, sempre foi uma universidade voltada para o subúrbio, longe da pomposidade e da tradição da UFRJ – descendente da primeira universidade pública brasileira, iniciativa de Anísio Teixeira. O campus ao lado do Maracanã, bem servido de transporte público (que hoje inclui o metrô), era a universidade de mais fácil acesso para a juventude que crescia no subúrbio carioca. O próprio João Cezar, de magnífica carreira acadêmica – inclusive como professor visitante de importantes universidades europeias e norteamericanas – orgulha-se de suas origens no Méier.
O Itaú Cultural contribuiu para a realização de várias mesas e pela presença de visitantes nacionais e internacionais. Aliás, a galeria de ilustres participantes no evento é muito significativa, tanto da área acadêmica como de escritores, como se pode ver na fanpage do evento no Facebook.
A mesa da qual participei, na tarde do dia 22, centrou-se precisamente no programa Conexões Itaú Cultural: Literatura Brasileira no Exterior, do qual sou um dos curadores, juntamente com o prof. João Cezar, e contou com a presença do escritor Luiz Rufatto, da prof. Laura Erber (UNIRIO) e foi mediada pela prof. Rita Palmeira (Conexões Itaú Cultural).
Preparei minha intervenção a partir do trabalho de Pascale Casanova, pesquisadora francesa (discípula de Pierre Bourdieu), autora de um livro muito importante, A República Mundial das Letras (Estação Liberdade).
Pascale Casanova faz, ainda na introdução desse livro, uma observação interessante sobre O Motivo do Tapete, de Henry James, e que sintetiza bem o espírito da obra. Diz ela: “A ideia, espécie de preliminar crítica incontestada, de que a obra literária deve ser descrita como exceção absoluta, surgimento imprevisível e isolado. Nesse sentido, a crítica literária pratica um monadismo radical: uma obra singular e irredutível seria uma unidade perfeita e só poderia ser medida e referir-se a si mesma, o que obriga o intérprete a apreender o conjunto de textos que formam o que se chama de ‘história da literatura’ apenas em sua sucessão aleatória”. Esse seria, para ela, justamente o preconceito que cega a crítica. E “o sentido da solução que James propõe ao crítico, ‘o motivo no tapete’, essa figura (ou essa composição) que só aparece quando sua forma e coerência de repente jorram do emaranhado e da desordem aparente de uma configuração complexa, deve ser buscada não em outra parte e fora do texto, mas a partir de um outro ponto de vista do tapete e da obra”. […] e sua complexidade “poderia encontrar seu princípio na totalidade, invisível e contudo oferecida, de todos os textos literários através e contra os quais ela pôde se construir e existir e da qual cada livro publicado no mundo seria um dos elementos” (16-17).
É a partir daí que podemos entender não apenas a literatura comparada – todos esses motivos do tapete literário que se tece pelo mundo afora e no decorrer da história da literatura – como a importância da inserção das nossas vozes literárias nessa trama. Não porque seja particularmente importante ou notável (apesar da observação do Antonio Cândido, de que a literatura brasileira é apenas um “galho secundário” da portuguesa), mas porque sem ela ficam faltando motivos na composição do tapete.
Ao ler, no dia 24 de agosto, a notícia da formalização da criação da Associação Brasileira de Licenciamento Coletivo (Abralc), tive duas reações. A primeira, um tanto irônica, de satisfação por saber que finalmente os editores fizeram autocrítica do ato insensato que perpetraram há quase quinze anos, quando fundiram a ABDR – Associação Brasileira de Direitos Reprográficos, com a ABPDEA – Associação Brasileira de Proteção dos Direitos Editoriais e Autorais.
Ato insensato porque a ABDR havia sido fundada precisamente para usar a prática do licenciamento para o combate da pirataria, enquanto a ABPDEA surgiu em contraposição a isso, defendendo a exclusividade de ações repressoras no combate ao que então se chamava de “xeroqueiros” (o que desagradava profundamente a Xerox, que apoiou a fundação da ABDR).
A segunda reação foi ao anúncio de que a CCR – Copyrigth Clearance Center fora a escolhida como modelo operacional da nova entidade, como se praticamente fosse a única alternativa tecnológica disponível. Isso não é verdade.
Mas, vamos por partes, pois acompanhei boa parte dessa discussão, nos seus inícios.
“No começo dos anos 90, a CBL – Câmara Brasileira do Livro, instalou uma Comissão para debater e apresentar propostas relacionadas com o assunto [reprografia]. A partir das informações da IPA, essa Comissão, que foi presidida por Raul Wassermann, da Summus, propôs a criação da Associação Brasileira de Direitos Reprográficos – ABDR. A ABDR foi fundada em 1992 e Raul Wassermann foi seu primeiro presidente”.
Como já disse, alguns editores rejeitaram a perspectiva de cobrar pelo licenciamento, e defendiam, na época, a exclusividade das ações de repressão.
“O resultado foi que, no ano 2000, esses editores, seguindo uma das mais lamentáveis e tradicionais tendências do mercado editorial brasileiro, resolveram fundar mais uma associação. E assim nasceu a ABPDEA – Associação Brasileira de Proteção dos Direitos Editoriais e Autorais, com sede no Rio de Janeiro. A ABPDEA deixava claro que considerava a solução da repressão como a mais correta, e divulgou amplamente o fechamento de copiadoras, prisão de “xeroqueiros”, etc.
A divisão obviamente não facilitou a vida de ninguém.
Pior, a questão acabou entrando na disputa da sucessão de Raul Wassermann na presidência da CBL, em 2002. O Sr. Oswaldo Siciliano, adversário de José Henrique Grossi, o candidato apoiado por Wassermann, comprometeu-se com a ABPDEA a apoiar suas posições, caso eleito. E foi, como se sabe.
O resultado foi que já em meados de 2003 as duas associações foram “fundidas”. Na verdade, da ABDR só sobrou o nome. As formas e métodos de atuação que passaram a ser executadas desde então foram as da antiga ABPDEA, que não faziam inveja aos da RIIA [Recording Industry Association of America – o órgão das gravadoras] a não ser pela menor capacidade econômica dos brasileiros: apreensões, prisões, fechamento de copiadoras, e liquidação dos contratos de licenciamento.
O resultado, lamentavelmente, também foi parecido com o da indústria musical: foi oferecido de bandeja ao moribundo movimento estudantil um prato feito, o da “luta contra os gananciosos editores, que pouco se importam com a formação dos jovens universitários”.
Moramos em um apartamento grande, comprado quando os filhos ainda estavam conosco. Agora grande demais. Então, decidimos tentar vender e comprar algo um pouco menor, mais manejável. Com as atuais circunstâncias de mercado, não está fácil. Mas queremos fazer isso.
Mudar de uma casa maior para outra menor significa desapegar, diminuir o peso e o tamanho da carga.
A verdade é que, nesses anos todos, o que mais cresceu foi nossa biblioteca. Como eu e Maria José somos ligados ao mercado editorial, digo sempre que livro, na nossa casa, não dá filhote: dá ninhada. Só na semana passada, por exemplo, o correio entregou dois novos livros do filósofo Gabriel Zaid, gentilmente enviados por ele. Como sou um admirador (e tradutor) do Zaid, “Cronología del Progreso” e “El Secreto de la Fama” saltam para o topo da pilha. Some-se ainda o exemplar de “O exílio do Homem Cordial”, ensaio sobre Sérgio Buarque de Hollanda escrito pelo meu amigo João Cézar de Castro Rocha. Também para o alto da pilha, além do romance “Cabo de Guerra”, da Ivone Benedetti, que tem como tema os “cachorros” infiltrados pelos militares nas organizações de esquerda durante a ditadura.
Assim, apesar da tentativa sempre presente de esvaziá-las, as prateleiras vão se enchendo, e todos os cômodos da casa acabam tendo que ceder espaço para os livros. Apesar de sermos leitores compulsivos, desde a adolescência, e sempre termos orgulho de nossos livros, não temos “espírito de colecionador” e muito menos disposição de construir uma biblioteca de modo sistemático.
Dessa maneira, no decorrer dos anos, várias “baixas” foram sendo dadas. Os livros de antropologia, por exemplo. Fiz uma lista de tudo que sabia que não mais leria ou releria, e mandei para a biblioteca do PPGAS – Programa de Pós Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional/UFRJ, onde fiz o mestrado. Falei com a bibliotecária que escolhesse os que queria. Só tinham que conseguir mandar buscar. Foi quase tudo, salvo os muito comuns, dos quais já havia vários exemplares por lá. Depois fiz uma grande lista de livros para Maria Zenita, bibliotecária que na época chefiava o Departamento de Bibliotecas Públicas da PMSP, escolher os que achava úteis para incorporar ao acervo do sistema de bibliotecas públicas da cidade. Quis todos.
(Diga-se de passagem, fico sempre com pena das pobres bibliotecárias que fazem campanhas de doação de livros, diante da penúria de recursos para adquiri-los. Na maioria absoluta dos casos, o que as pessoas fazem – conscientes ou não – é tirar o livro velho e inútil, o lixo, de casa, e deixar na porta das bibliotecas. Já vi cada coisa…). Mas não era esse o caso. Modestamente, os livros eram bons e tive o cuidado de perguntar se seriam bem-recebidos.