LISTAS RELÂMPAGOS E LISTAS PENSADAS

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Na Internet de vez em quando começam umas brincadeiras de listas. Uma das últimas que apareceu foi de “lista relâmpago” de livros preferidos. Já havia feito até algumas anotações, pois quem pediu foi a Maria José, que pode pedir mandando.
Mas depois fiquei pensando – o que é sempre coisa perigosa – que era melhor fazer uma lista “pensada”. Afinal, já tenho certa quilometragem de leituras. E mais, pensei. Se eu fizesse essa lista vinte anos atrás, o que eu incluiria? E o que ainda posso incluir daqui pra frente? Ainda não entrei nessa de reler o que gosto (embora de vez em quando faça isso).
Assim, cada lista é um exercício de lembranças de diferentes momentos da vida, e às vezes é bom lembrar. Além do mais, lista pensada (e comentada) permite o truquesinho de acrescentar mais alguns títulos.

Então, vamos lá.

1 – Monteiro Lobato. Claro. Acho que não há leitor da minha geração que não tenha Lobato entre os autores preferidos da infância e início da adolescência. Mas, qual Lobato? É claro que gosto das Reinações de Narizinho. Mas a verdade é que eu curtia mesmo eram os livros “paradidáticos” do Lobato. Todos: Aritmética da Emília, Emília no País da Gramática, Geografia de Dona Benta (lembro de uma impagável conversa de D. Benta e sua turma com o então presidente Roosevelt, no qual este menciona as “34 universidades americanas” e D. Benta lamenta não haver nenhuma no Brasil; queria ver como ficou a visita às colônias portuguesas na China e na Índia, e pensar como os politicamente corretos ainda não caíram de pau nisso). O Poço do Visconde é uma misturada danada: o Pó de Pirlimpimpim faz os dólares caírem na cabeça do fornecedor gringo para pagar os equipamentos, o Visconde dá um quinau no geólogo gringo… Há também a Reforma da Natureza e A Chave do Tamanho. Taí, Lobato inventou a literatura fantástica brasileira com aquelas maluquices. Do que me lembro mais são Os Doze trabalhos de Hércules. Como gostei daquele livro. Então, pronto, o primeiro título é Os Doze Trabalhos de Hércules. Os demais ficam de apêndice, e podem por O Minotauro de contrapeso.

a-cidade-antiga-fustel-de-coulanges_MLB-O-4188361761_042013 2 – Fustel de Coulanges – A Cidade Antiga. Pouco depois de ler os Trabalhos de Hércules descobri na biblioteca do meu pai o livro do Fustel de Coulanges. O Lobato já havia me fisgado para os gregos. Acho que eu estava no começo da adolescência e gostei demais do livro e sua narrativa. Na verdade, A Cidade Antiga trata da civilização helenística em geral, e os romanos têm papel de destaque, também. O papel da pólis como núcleo central da sociedade helenística, a organização familiar, e a organização religiosa. Curioso é que a crítica moderna ao Coulanges destaca a ênfase que ele dava ao papel da religião. Mas na minha memória (ou imaginação), o que achei mais interessante foram as descrições sobre a estrutura da família e a vida política das cidades. Talvez aí tenha se plantado a semente de querer ser antropólogo.

MORONGUETA_VOLUME_2_1280359187P 3 – Nunes Pereira – Moronguetá. Pulo de anos, talvez. Mas não muitos. Eu estava no começo da adolescência quando conheci o Nunes Pereira, que obviamente andava muito por Manaus. Grande contador de histórias e um livro absolutamente fantástico que precisa de reedição urgente. Foi meu primeiro contato com a mitologia amazônica, a sério. Ele aproveitou muito os trabalhos do Koch Grünberg e Curt Nimuendaju, além de sua extensa pesquisa como funcionário do Ministério da Agricultura, veterinário e ictiólogo. Lembro também do seu A Casa das Minas, estudo sobre a versão maranhense das religiões de origem africana. Nunes Pereira era um grande contador de histórias. Volta e meia o Bessa relembra algumas dessas histórias nas suas crônicas no blog Taqui Pra Ti, como esta, hilária. Moronguetá fica, então, em terceiro lugar na lista, com apêndice do resto da obra do Nunes Pereira e os picadinhos do Bessa (atuais) para cortar os efeitos da jurubeba (a das antigas, engarrafada em Itacoatiara).

4 – Machado de Assis. Certamente, o trio clássico: Dom Casmurro, Quincas Borba e Memórias Póstumas de Brás Cubas. Mas do que eu gosto mesmo é do Brás Cubas. Um defunto escritor e o retrato da elite fluminense. Sem desgostar dos demais. E gostando muito das crônicas e contos. Lembro ter lido praticamente toda a coleção da W.M. Jackson, o que me desperta a permanente vergonha cidadã que sinto ao não existir uma edição crítica completa das obras do Machado. O prof. Massa tentou fazer isso e uma comissão da Academia também. Mas, sinceramente, é uma vergonha não termos uma coleção no nível da Pléiade, francesa, com os nossos clássicos. No caso, não apenas do Machado, como também do José de Alencar, Aluísio Azevedo, Gonçalves Dias, J.M. Macedo, Bilac, Manuel Antonio de Almeida e tantos outros. Isso depõe contra nossa indústria editorial, contra a ABL e contra o Ministério da Cultura.

balzasc pleiade 5 – Balzac – La Maison du Chat-qui-pelote. Gosto demais desse romance do Balzac, que abre o Étude de Moeurs. É um romance curto (ou uma novela grande), que descreve dramaticamente as relações entre a aristocracia decadente e a burguesia mercantil francesa no primeiro quarto do Século XIX. De certa forma, todos os temas das Cenas da Vida Privada estão ali sintetizados: arrivismo, a dedicação ao trabalho misturada com mesquinharia e pão-durice da burguesia nascente, que ainda não se dividia completamente entre a mercantil e a industrial. Esse romance faz pendant com os outros clássicos balzaqueanos, particularmente Les Illusions Perdues e Pére Goriot. Listar os outros seria importar quase todo o índice dos volumes na Pléiade e aí já é demais.

eluard pleiade 6 – Paul Éluard – Œuvres Complétes. Dois volumes da obra completa de Paul Éluard, poeta surrealista francês. São dois livros muito especiais. Maria José, que estava foragida e perseguida pela polícia política, enquanto eu estava preso no Tiradentes, conseguiu mandar os volumes através do advogado. Eu já conhecia o Éluard, e o L’Amour Fou, do Breton, era um dos nossos livros favoritos. Mas, pelas circunstâncias e condições, a leitura dos poemas completos do surrealismo foi importantíssima para mim nesses dois anos. Além de desfrutar dos poemas – e até arremedar traduções que jamais verão a luz do dia – repensei as coisas do surrealismo. Odiei a Gala, que era casada com o Éluard e foi seduzida pelo Dali, esse oportunista ganancioso. E ela se revelou ainda mais megera e gananciosa que ele. Mas o importante é que os livros eram uma ligação permanente com quem eu não podia ver durante todo esse tempo

pauliciea desvairada 7 – Os Andrade. Aqui a coisa pega. Não é à toa que a Marco Zero recebeu o nome por conta do Oswald. Todos os romances e as poesias: “Toma conta do céu/Toma conta de mim”. Mas o Mário também tem seu lugar especial, tanto com o Pauliceia Desvairada (O Pauliceia de Mil Dentes da Zezé está aí para comprovar), quanto o Macunaíma e Amar Verbo Intransitivo, que me faz sempre lembrar do Thomas Mann e seu Alteza Real. Mas vamos fazer assim, fica o Oswald, com Serafim Ponte Grande e o Pauliceia Desvairada do Mário como gêmeos e toda a obra dos dois como contrapeso. serafim mann montanha 8 – Thomas Mann – A Montanha Mágica. Grande romance (em todos os sentidos). Gostei demais das discussões jesuíticas, dos impasses dos tuberculosos no sanatório e o final apocalíptico. Mas gosto também muito de Os Bunddenbrook. Todos lidos na tradução portuguesa da Editora Europa-América. Já falei do Alteza Real, uma novela romântica em homenagem do recém casado à esposa. Gosto também de As Confissões do Impostor Félix Krull e acho Morte em Veneza um saco, mórbido, fastidioso.

Quarup-Antonio-Callado-1271249918 9 – Antonio Callado – Quarup. Esse é um dos romances que de vez em quando releio. Realmente um retrato dos impasses e caminhos da geração que se formou nos anos cinquenta. Nesse livro o Callado se supera e deixa de lado as coisas chatas que escreveu depois, excetuando o trabalho jornalístico.

10 – Last but not Least. O Fantasma de Luís Buñuel da Maria José. É o romance da nossa geração, especialmente de quem viveu em Brasília nos anos sessenta. Mas é só o primeiro da lista completa, que começa com A Mãe da Mãe de sua Mãe e suas Filhas, um “reconto” da História do Brasil através da linhagem de mulheres que começa com uma indiazinha que nasce no dia 22 de abril de 1500. E inclui Eleanor Marx, Filha de Karl, a história intrigante da única filha militante de Marx quer acaba se suicidando por amor, depois de ser enganada por um canalha. Como entender? E prossegue com Guerra no Coração do Cerrado, a história de uma índia que tenta servir de “ponte” entre a cultura dos paranás e a dos colonizadores portugueses. E fracassa, é claro. Um romance que ressoa o Maíra, do Darcy Ribeiro, que já não dá para colocar na lista, mas fica aqui mencionado. Maria José tem mais dois romances para adultos que ampliam sua temática: Com Esse Ódio e com Esse Amor, um dos poucos exemplos de literatura brasileira que se amplia pela América Latina, com Túpac Amaru no Peru e as FARC colombianas, e com o último, Pauliceia de Mil Dentes, um retrato pungente dessa megalópole que escolhemos para viver depois de passar por tantas outras cidades. Isso sem contar os livros para jovens, em particular O Voo da Arara Azul, belo e episódico relato de um episódio da interligação entre a vida clandestina dos militantes e um adolescente que vê tudo de longe e se apaixona pela vizinha.voo da arara azul

Faltou muito. Não consegui incluir os americanos, russos e ingleses que gosto. E faltou lugar para o Terra do Sem Fim e São Jorge dos Ilhéus, para mim os dois grandes romances do Jorge Amado, nosso grande narrador. E, por último, faltou espaço para colocar um dos livros do meu panteão de autores brasileiros, o Galvez, Imperador do Acre, do meu amigo, sócio e parceiro de décadas, Márcio Souza.

Contem-se todos como “extras especiais” nessa lista pensada.

Mudará? O que lerei mais adiante que provocará impactos intelectuais e emocionais? Não sei. Mas a cada livro que abro, fico na esperança de encontrar um que se aninhe em minhas memórias como algo significativo.

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