Experiências no interior do país

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Em vários posts venho criticando os problemas de distribuição no país, e as bibliotecas – públicas e escolares – são uma preocupação constante.
Há alguns dias estive em Jaraguá, cidade do interior de Goiás. Maria José Silveira nasceu lá e o município a homenageou dentro da programação de um mês dedicado à literatura. Várias atividades programadas em torno do livro, da poesia e da leitura. Bela iniciativa.

As questões começaram antes da viagem. O funcionário da Secretaria de Cultura queria comprar pelo menos uma coleção dos livros da autora, tanto os romances quanto os livros para jovens. Tentou na Saraiva, filial de Goiânia. Não havia nada. Nem uma coleção editada pela Formato, que é um selo da Saraiva. Entrega? Pior que a Amazon com a Hachette.

Resultado: tivemos que achar por aqui os exemplares que conseguimos para levar alguns.

A programação teve suas cerimônias homenageando a filha da terra na sede da Casa da Cultura, construção do século XIX restaurada com muito cuidado. Foi programada também visitas a duas escolas de ensino fundamental da cidade. Escolas arrumadas, com professoras motivadas. As duas tinham pequenos acervos de livros, que fui ver. Achei poucos exemplares de livros dos programas de Biblioteca na Escola, do MEC. A Secretária de Educação do município me disse que o MEC, quando enviava, o fazia diretamente para as escolas. Só comunicava para a Secretaria os acervos e quantidades do PNLD, até porque eventualmente o primeiro nível de trocas ou complementações (naturais diante da variação de matriculados declarados no Censo Escolar do ano anterior e os efetivamente matriculados no ano) eram feitos diretamente pela Secretaria Municipal. Só no caso em que esses ajustes não fossem possíveis era que se apelava para a Secretaria de Educação do Estado.

Ou seja, a Secretaria de Educação do município não tinha conhecimento do que era enviado para as escolas fora do PNLD, mas sabia que material didático para alunos especiais (deficiência visual) estavam chegando, ainda que irregularmente.

Eu tinha a impressão de que o programa da Biblioteca na Escola já havia distribuído mais acervos, e de modo mais sistemático. Pretendo consultar o FNDE para entender melhor isso. Mas fiquei decepcionado.

Eu também sabia que, até alguns anos atrás, a Secretaria de Educação do Estado desenvolvia um programa tipo “Cantinho da Leitura” (a conhecida iniciativa iniciada pela professora Antonieta Cunha em Belo Horizonte). É um programa que se organiza em torno de uma feira para a qual as professoras de ensino fundamental são convidadas e recebem um crédito para compra dos livros que escolhem. Queria sugerir à Secretaria Municipal que reivindicasse uma descentralização dessas feiras, até aproveitando os campus da Universidade do Estado.

Para minha surpresa, soube que o programa não existe mais. Uma decepção.

Durante outra cerimônia no campus local da Universidade Estadual de Goiás, fui visitar a biblioteca. Parecia regularmente abastecida de livros destinados para os cursos aplicados na localidade. Para minha surpresa, a UEG havia desenvolvido um programa de gerenciamento de bibliotecas que permitia consulta e reserva de títulos em todas as trinta e nove unidades espalhadas pelo Estado. Conheço programas de gerenciamento de bibliotecas melhores que aquele, é verdade, mas o que estava ali era bastante eficiente. E era um investimento já feito pelo Governo de Goiás.
A adaptação desse programa e sua cessão para as prefeituras municipais seria facílimo. Basta gerar um cd-rom com os arquivos, espaço para que as prefeituras coloquem seu nome, logotipo, etc. e preencham os campos dos acervos.

Mas o governo do Estado não havia se dado conta dessa possibilidade. Nem na Universidade, nem nas secretarias de Ciência e Tecnologia do Estado de Goiás.

É um típico exemplo da descoordenação de esforços. A Universidade Estadual desenvolve o programa. O investimento mais pesado está feito. Seus campus estão espalhados por todas as regiões de Goiás. Bastaria, efetivamente, um nível mínimo de coordenação entre as secretaria de Ciência e Tecnologia (responsável pela UEG) e a Secretaria de Educação, as duas estaduais. A tal “vontade política” que não existe, até porque, lá como alhures, não existe uma ação governamental unificada e coordenada. Cada secretaria estadual (como os ministérios) é um feudo que não sabe o que as demais fazem e muito menos como podem somar esforços. Uma coordenação que permitiria também não apenas a descentralização dos “Cantinhos de Leitura” liquidados, como também o aproveitamento da infraestrutura da universidade estadual para o desenvolvimento de ações sistemáticas de capacitação e atualização dos professores das redes públicas, tanto municipais quanto das escolas estaduais.

Essa falta de perspectiva do que seja efetivamente política pública certamente se repete aí em outros estados. E é uma amostra do tamanho do problema.

Estivemos também na Biblioteca Municipal.

É uma história curiosa.

A biblioteca foi fundada por uma associação de notáveis locais, há mais de cinquenta anos. Entre eles, o pai da Maria José, José Peixoto da Silveira, que foi prefeito e depois do golpe de 64 foi o candidato da oposição ao governo de Goiás, e o poeta Augusto Rios, o mais conhecido da cidade. A associação inclusive comprou um prédio, cedido em comodato para a prefeitura com esse fim específico de ser sede da biblioteca. De fato, ela ali funcionou durante alguns anos. Depois, o prédio foi sede da Câmara Municipal e hoje está fechado. E a biblioteca funciona em um quiosque (simpático, na verdade), na praça da Matriz. O vigário quer a posse do prédio, aparentemente para instalar ali uma lojinha paroquial. As bibliotecárias, com apoio dos frequentadores, resistem até agora.

Uma situação esdrúxula. O prédio adquirido pela cidadania, na forma dessa associação, e destinado para a biblioteca municipal está fechado. E precisa de reforma.

O acervo é o que já nos habituamos a ver. Cresce somente com doações. Não existe política de aquisição. Uma das bibliotecárias ia pedir ao filho de uma amiga que “fizesse um programinha” para controlar o acervo. Mencionei o programa já existente na Universidade Estadual, sugerindo que se mobilizasse junto à secretaria e ao prefeito para que fossem feitas as gestões para que a UEG cedesse uma cópia do programa, e que ela não perdesse tempo em tentar fazer alguma coisa em planilha, porque certamente não iria funcionar.

E isso em uma cidade que não é nem das menores nem das mais desprovidas de recursos. Nos últimos vinte anos cresceu no município o que chamam de “arranjo produtivo” que se revelou eficiente. Jaraguá é hoje um polo de confecções, que produz tanto para grifes quanto desenvolve marcas próprias, e fortalece a posição do município como centro da região do vale do rio S. Patrício, acrescentando empregos e riqueza a uma região tradicionalmente agropecuária.

Enfim, uma visita que foi sobretudo gratificante e esperançosa. Esperançosa porque, apesar de todas as dificuldades, constata-se a ação de professoras, bibliotecárias e funcionárias das áreas de educação e cultura animados, com uma dedicação comovente, arrostando as dificuldades para oferecer acesso de livros aos munícipes.

Nesse sentido, Jaraguá é um exemplo do esforço que vem sendo feito e do muito que, sempre, ainda precisa e pode ser feito.

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