Todos os posts de Felipe Lindoso

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, Diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil Pode Ser um País de Leitores? Política para a Cultura, Política para o Livro, pela Summus Editorial.

A Biblioteca da Utopia

A revista do MIT – Massachusetts Institute of Technology publicou recentemente um artigo sobre o projeto da Harvard University de digitalizar os acervos das bibliotecas universitárias. Comentar sobre o assunto vem bem a calhar no contexto das discussões sobre cópias não autorizadas e digitalizadas para difusão pela Internet. Quem se dispõe a analisar o assunto com seriedade logo se vê diante da imensidade de problemas e soluções alternativas, que vão muito além da digitalização não autorizada de uns tantos livros de ciências sociais.

O projeto de Harvard descende diretamente do falecido Google Book Search, o projeto que Larry Page imaginou em 2002 e que pretendia digitalizar todos os livros impressos no mundo. Sim. Todos. Só assim, dizia o co-fundador do Google, a empresa poderia cumprir sua missão de tornar toda a informação mundial “universalmente acessível e útil”.

O Google desenvolveu uma tecnologia que permitia o escaneamento ultrarrápido das páginas de um livro, com lentes que compensavam a curvatura das páginas provocadas pela encadernação. Aperfeiçoou também seus programas de OCR – Optical Character Recognition, para os mais variados formatos de letras e idiomas, de modo a permitir o funcionamento dos mecanismos de busca.

Quando lançou publicamente o projeto, em 2004, Page conseguiu de imediato a adesão de cinco das maiores bibliotecas do mundo, incluindo as de Harvard e Oxford. E quase imediatamente começaram as reações contrárias ao projeto, geralmente focando no ponto de que este daria à empresa uma posição altamente favorável para a futura comercialização do conteúdo digitalizado, prejudicando outras empresas. Além disso, a concentração dessa informação pelo Google abriria o espaço para a censura e controle da difusão da informação. Note-se bem: comercialização do conteúdo, que passaria a ser acessível, mas não gratuito. O projeto do Google incluía a posterior comercialização – através de e-books – dos livros. E tudo com o devido pagamento de direitos autorais.
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Associação Internacional dos Editores faz seu Congresso na África do Sul

A Associação Internacional dos Editores (IPA) inaugura amanhã, dia 12, seu 29º. Congresso Internacional, em Cape Town, África do Sul. É a primeira vez, em 116 anos de história, que a organização que congrega internacionalmente os editores se reúne no continente africano. O Congresso se reúne sob o tema “Editar para uma nova era” para discutir as oportunidades e desafios da edição digital, as ameaças de representadas por editoras e programas estatais de edição e as mudanças em discussão nas leis de direito autoral e de propriedade intelectual.

Notamos no programa, que pode ser acessado aqui a presença oficial de dois brasileiros nas diferentes mesas: Karine Pansa, presidente da CBL, e Dalton Morato, Diretor da ABDR.

O Dr. Morato falará na mesa sobre as mudanças em discussão na lei de direitos autorais – e certamente aproveitará a oportunidade para salientar a posição da ABDR de adotar medidas judiciais para derrubada de sites e a recusa a permitir licenciamento para reprodução parcial de obras protegidas, com exceção da “Pasta do Professor” alimentada por algumas editoras.

A presidente da CBL, Karine Pansa, participa de uma mesa sobre o crescimento dos mercados nos países em desenvolvimento.

No dia 11, antes da abertura do Congresso, haverá um seminário sobre a edição do segmento técnico-científico-médico (STM), através de sua associação internacional, com a Publishers Association of South Africa (PASA), para debater a situação do segmento na África do Sul.

Leitores nas feiras profissionais de livros

A BookExpo America, que encerrou ontem em Nova York, é uma feira profissional, tal como a de Frankfurt. Mas, ao contrário da feira alemã, seu foco é nas vendas das editoras aos livreiros, e não em direitos autorais. A feira de Frankfurt permite o ingresso do público em geral (desde que adquira o ingresso, que é caro), mas as vendas só podem ser feitas no domingo, último dia do evento. A BookExpo America não permitia a entrada do público em geral.

Até este ano, quando instituiu um Consumer’s Day destinado especificamente a Power Readers. O ingresso custava US $ 45 e não era qualquer um que podia adquiri-lo. Isso só era possível se o interessado fosse selecionado em alguma das listas preparadas por livrarias independentes, por associações de escritores ou pela New York Public Library.

O resultado não agradou gregos e troianos, como relata a matéria do Publisher’s Weekly. Alguns Power Readers reclamaram do preço (reclamação elementar, é claro) e de que a informação de que o ingresso era possível ter sido escassa. Entre editores, houve os que gostaram da presença dos leitores em palestras de autores (na BEA estas são de temas profissionais, das relações entre os componentes da indústria editorial: autores, editores e livreiros) e que achavam que esses leitores iriam gerar o famoso boca-a-boca. Outros expositores reclamaram, dizendo que os não profissionais (ainda que Power Readers) distraíam sua atenção das reuniões com livreiros, consumiam o material de divulgação levado para os livreiros e até interromperam “rudemente” algumas reuniões.

É bom destacar que a BEA é o palco do lançamento das principais coleções do segundo semestre nos EUA. Lá a indústria editorial ainda mantém uma forte característica sazonal (aliás como é também a Rentrée Littéraire francesa), de modo que a BEA – antiga feira da ABA – American Booksellers Association parece muito mais uma convenção de vendas que um evento cultural.

Barnes & Noble quer que tribunal rejeite acordo de três editoras com o Departamento de Justiça

A cadeia de livrarias Barnes & Noble, que comercializa o Nook, leitor de e-books que concorre com o Kindle, da Amazon, peticionou ao juiz da ação do Departamento (ministério) da Justiça dos EUA para que o acordo proposto e aceito por três das editoras acionadas (HarperCollins, Hachette e Simon&Schuster) seja declarado inválido. A notícia foi publicada na newsletter da revista Publisher’s Weekly, que acompanha o mercado editorial americano.

A varejista alega que o acordo imposto pelo Departamento de Justiça e aceito pelas três editoras estabelece uma regulamentação do mercado – e não protege a “livre iniciativa” – em detrimento dos seus interesses e das livrarias independentes e dos autores. Seis empresas foram processadas pelo Departamento de Justiça americano, as três citadas e a Macmillam, a Penguin e a própria Apple, que contestaram a ação e não aceitaram a proposta de acordo.

A argumentação da Barnes & Noble, que entrou no processo como parte indiretamente interessada, reforça a argumentação das editoras que contestaram a ação e da Apple, no sentido de que, se aceita a argumentação do governo, isso favoreceria a criação de um monopólio no comércio de e-books nos EUA, beneficiando a Amazon.

Esse caso ainda vai render muito.

Por que não assinei o manifesto apoiando o “Livro de Humanas”

Como reação à determinação judicial conseguida pela ABDR – Associação Brasileira de Direitos Reprográficos que retirou do ar o site “Livro de Humanas” que disponibilizava obras protegidas pela Lei de Direitos Autorais, vários professores e acadêmicos lançaram um manifesto contra a medida e pedindo a manutenção do site. O manifesto teve boa repercussão na Internet e vem conseguindo muitas adesões.

Publiquei na coluna do Publishnews e neste blog vários posts sobre o assunto. Considero a iniciativa da ABDR equivocada, fundamentalmente danosa aos direitos autorais dos autores e das editoras e um desserviço tanto à difusão do conhecimento quanto à própria indústria editorial. O caminho, afirmei várias vezes, passa pela luta por melhores bibliotecas e pelo licenciamento de cópias – reprográficas ou digitais – para quem não está interessado em adquirir o livro inteiro.

Não assinei, entretanto, o manifesto que circula por considerar que parte de premissas também equivocadas, que vou tentar discutir aqui, com todo respeito pelo esforço dos redatores do manifesto em expressar sua indignação.
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Empresas pressionam governo dos EUA a seu favor na Internet

O Washington Post do dia 31 de maio, publica uma matéria muito interessante, modelo de como ideologia e economia se misturam (de modo nem tão sutil assim), nas questões da Internet e do “livre acesso ao conhecimento”. Dito seja de passagem que sou totalmente favorável ao livre acesso ao conhecimento e à liberdade de imprensa.

Vamos ver a matéria de perto.

O título: “Companhias tecnológicas americanas advertem sobre ameaças à Internet por governos estrangeiros”.

O texto, com comentários em itálico:

“Autoridades dos EUA e gigantes da alta tecnologia lançaram uma ofensiva contra o que percebem como um ataque maciço à Internet e à lucratividade das empresas do Vale do Silício: governos estrangeiros”. Sem disfarces: as autoridades e as empresas se unem contra a ameaça dupla, à Internet e à lucratividade das empresas. Depois que o Departamento de Justiça dos EUA agiu para beneficiar a Amazon, o que mais se poderia esperar?”
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Editoras contestam ação do Departamento de Justiça dos EUA: “O governo favorece a monopolista”

As editoras que não aceitaram fazer acordo depois que o Departamento de Justiça dos EUA processou cinco delas e mais a Apple de conspirar para controlar os preços dos e-books contestaram a ação. Algumas delas usaram termos bem candentes, acusando mesmo o Departamento de Justiça de favorecer o monopólio da Amazon. Leia aqui a matéria da Publisher’s Weekly com a contestação oferecida pela Macmillam e pela Penguin. Muito ilustrativa.

“NÃO EXISTE ALMOÇO GRÁTIS” OU COMO CARLOS SLIM GANHA DINHEIRO

Há muitos anos fico intrigado com esse dito americano. Alguém sempre tem que pagar pelo almoço, de alguma maneira. Só para lembrar, a frase é proveniente do costume que havia nos saloons de montar um bufê no qual os fregueses que pagassem pelo menos um drinque podiam se servir “gratuitamente”. Rudyard Kipling, escrevendo em 1891, descreveu a instituição. Pouco mais de dez anos depois a prática foi liquidada, e hoje até o amendoim é cobrado em muitos bares. A frase foi popularizada por Robert Heinlein, escritor de ficção científica no romance “The Moon is a Harsh Mistress”, de 1966, e depois usada por Milton Friedman em um livro de economia. Como detesto o liberalismo da Escola de Chicago, da qual Friedman é um dos epígonos, a frase me despertou ao mesmo tempo curiosidade e antipatia. Mas não evitou que às vezes pensasse nela, como agora, em função do meu profundo interesse em que os produtos culturais – especialmente os livros, no caso – sejam acessíveis para o conjunto da população. Certamente não vou discutir aqui a teoria dos custos de oportunidade, mas somente usar a frase como um aforismo para discutir algumas coisas.

A questão sempre me vem à mente quando voltam à tona as conversas sobre conteúdo grátis, particularmente na Internet.
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Feiras de livro em crise

Desde há muito tempo tento chamar atenção para os problemas do modelo “bienais de livros” em grandes cidades. É uma discussão que precisa ser feita com profundidade e seriedade.
Pelo visto esse ponto anda sendo discutido também na Espanha. A Feira do Livro de Madri, que é uma feira de rua e anual, teve seu formato e conteúdo criticados este ano, segundo se depreende de matéria publicana no El País.

Reprografia, direito autoral e licenciamento – voltando ao assunto

Em março passado publiquei aqui no blog um post sobre a questão da pirataria e dos meios internacionalmente usados para defender os direitos dos autores e das editoras sem prejudicar estudantes e pesquisadores.

Esta semana o assunto voltou a entrar em pauta quando a ABDR – Associação Brasileira de Direitos Autorais conseguiu derrubar um site de compartilhamento de livros da área de ciências humanas. A ação provocou reações várias de protesto. E também algumas, infelizmente poucas, de análise mais racional do problema. Uma delas foi feita por Eduardo Melo no site Revolução Ebook.

Bem, fui dar uma olhada no site da ABDR para ver se havia alguma mudança na atitude deles quanto ao licenciamento. Não. Mencionam a “Pasta do professor”, iniciativa muito interessante de algumas editoras, mas apresentam um tortuoso raciocínio para dizer que o que vale “nos países desenvolvidos” não vale aqui. Quem quiser ir lá conferir, o link está aí acima.

Por enquanto só coloquei o link para o meu post de março, ao qual não tenho nada a acrescentar no momento.