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Cooperação nas políticas públicas de educação e cultura


Um dos grandes problemas na execução de políticas públicas setoriais – como a cultura – é exatamente o de serem… setoriais. As coisas no governo funcionam às vezes como se fossem “feudos”, e o que um ministério faz rarissimamente é coordenado com outros que tratam às vezes da mesma coisa.

Tome-se o exemplo da Cultura, onde isso é muito claro. O livro, como “objeto simbólico” e de lazer, é da alçada do MinC. O livro escolar, do MEC. Além desses dois, o Itamaraty cuida (em tese), da difusão da cultura – e do livro – brasileiro no exterior; o Ministério do Desenvolvimento Agrário tem o programa “Arca das Letras”, que implanta minibibliotecas em assentamentos de Reforma Agrária; o Ministério da Agricultura tem na EMBRAPA um departamento de difusão da informação e do conhecimento da área importantíssimo, e a maior parte desse material está em livros; Continue lendo Cooperação nas políticas públicas de educação e cultura

O UNIVERSAL E O PARTICULAR NA NOSSA LITERATURA

Há algumas semanas a jornalista Eliane Blum escreveu um artigo na Revista Época sobre as dificuldades que os agentes literários que trabalham com autores brasileiros têm para vender seus títulos. Dizia Eliane, citando agentes literários, que “os escritores americanos conquistaram o direito de ser universais para a velha Europa e seu ranço colonizador – já dos brasileiros exige-se uma espécie de selo de autenticidade que seria dado pela “temática brasileira”.”

O texto da Eliane é muito interessante e levanta questões bem pertinentes, mais além do que trato aqui. E faz pensar sobre o assunto (o que, para mim, é realmente sua maior virtude), e disso resultaram algumas reflexões que desejo compartilhar.

Primeiro fato: o escritor brasileiro mais traduzido na atualidade é o Paulo Coelho. Independentemente de quaisquer considerações sobre suas virtudes (ou não) literárias, uma coisa é certa: Paul Rabitt não tem “temática brasileira”, definitivamente. Aliás, uma – dentre as tantas – “acusações” que lhe são feitas é precisamente a de nem ser conhecido como brasileiro. Talvez ele seja “o estrangeiro domesticado que mora dentro deles”, como diz Eliane. Seus romances-receituários de peregrino, etc. etc., abordam precisamente os famosos temas universais: solidão, busca espiritual, redenção, etc. etc.
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TEREMOS MAIS E MELHORES DADOS SOBRE AS VENDAS EM 2012?

A anunciada possibilidade de que o BookScan, da Nielsen ou outra solução da BfK possam vir a ser empregadas no Brasil para rastrear o consumo de livros no país permite fazer algumas observações sobre a questão dos dados do mercado editorial brasileiro.

Tanto a Nielsen quando a BfK já estão presentes no Brasil há anos, fazendo vários tipos de pesquisa para diferentes segmentos da indústria nacional. Inclusive pesquisas online sobre o consumo de bens. A Nielsen, por exemplo, oferece Serviços de Mensuração de Varejo, linha de produtos da qual a BookScan faz parte. A BfK tem a Shopper Inteligence, produto do mesmo tipo do oferecido pela concorrente. Todas trabalham com informações recolhidas diretamente nos PDVs – pontos de venda – através do registro de códigos de barra.
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Ano Novo: Vida Nova?

Ano novo, vida nova, diz o senso comum. Na verdade, essa marca canônica do tempo serve mesmo como marco arbitrário para marcar processos continuados e que às vezes têm ritmos bem diferenciados. Um exemplo bem claro disso, desconhecido para o público geral mas seguido atentamente pelas editoras, é o dos calendários para pré-inscrição, seleção, contratação e entrega dos livros dos diferentes programas de livros para as escolas, gerenciados pelo FNDE, órgão do Ministério da Educação. Nestes dias está terminando a entrega, pelos correios, dos livros didáticos que serão usados em 2012 e, ao mesmo tempo, a pré-inscrição para o PNLD para 2014.

O Edital para o PNLD 2014 vinha sendo discutido entre o FNDE e as editoras, principalmente através da Abrelivro, desde meados do ano passado, por incluir uma inovação importante: serão consideradas coleções com materiais multimídia, que deverão estar em CD-ROMs e, ao mesmo tempo, abrigados em portais das editoras acessados através do portal do livro didático do MEC. Até maio essas coleções deverão ser entregues para avaliação, com conteúdo e formatação física tal como serão eventualmente adquiridas pelo MEC mais adiante. Ou seja, as editoras didáticas têm que fazer edições completas do material que será vendido em 2013 e usado pelos alunos em 2014, e esse processo já vem sendo executado há pelo menos um ano.
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São Paulo – A Babel começa a fazer sentido


A Biblioteca de Babel borgiana, onde todo conhecimento se acumula e nada acontece porque tudo já está lá, só pode ser decifrada quando se consegue recuperar a informação, para assim lhe dar sentido. Esta semana o Sistema de Bibliotecas Públicas de S. Paulo (que está muitíssimo longe de ter esse alcance borgiano, mas que já é um sistema considerável), deu um passo importante para que se possa explorar seu conteúdo.

A Secretaria Municipal de Cultura de S. Paulo completou a catalogação retrospectiva do acervo circulante de todo seu sistema de bibliotecas públicas: 52 bibliotecas de bairro, a Biblioteca Mário de Andrade – segunda maior do país em acervo – Biblioteca Monteiro Lobato, as quatro Bibliotecas do Centro Cultural S. Paulo (Vergueiro), dez ônibus-biblioteca, Biblioteca do Centro Cultural da Juventude e treze pontos de cultura. O sistema abriga também as bibliotecas dos CEUs (45), cujos acervos são adquiridos pela Secretaria Municipal de Educação.
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Preço fixo, agenciamento e direitos autorais. E as livrarias no meio

Recentemente foi publicada a notícia de que a Comissão Europeia estaria iniciando um procedimento investigativo para verificar se o modelo de “agenciamento” na venda de e-books estaria ou não infringindo a legislação comunitária que protege a livre concorrência. A investigação da CE abrangeria inclusive a possibilidade de um “conluio” entre a Apple a as grandes editoras americanas (algumas das quais, hoje, pertencem a conglomerados europeus) para controlar o preço dos livros. Em resumo, a acusação era de cartelização.

Já tratei algumas vezes de certos aspectos da comercialização de livros físicos, notando como os descontos cada vez maiores (além de vantagens adicionais) exigidos pelas grandes cadeias tende a puxar o preço dos livros para cima, disfarçando esse fenômeno com os descontos oferecidos no varejo – pelas grandes cadeias – e efetivamente jogando para fora da competição as livrarias independentes, incapazes de competir nesse jogo, particularmente no caso dos livros que entram na lista dos best-sellers (ou que já são “desenhados” para a lista).
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Os computadores podem ajudar você a achar o livro que deseja ler?

A proliferação de títulos é um dos fenômenos mais marcantes do mundo editorial. Já comentei, em diversas ocasiões, o livro Livros Demais, do Gabriel Zaid, filósofo mexicano. Zaid defende que o “encontro feliz” entre o livro e seus leitores é o grande problema, e que esse encontro é extremamente difícil. O leitor “acha” o livro quase que por acaso, ao frequentar livrarias, ler jornais, conversar com outros leitores, etc.

Em um momento em que milhões e milhões de títulos são publicados no mundo inteiro, todos os anos, a ansiedade em promover esse “encontro feliz” tem motivado algumas iniciativas destinadas a resolver isso. Ajudar o leitor a encontrar o livro que – ainda não lido – se enquadre nas suas expectativas.
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Publicar clássicos, exóticos e modernos no exterior

No dia treze de novembro passado, em Ouro Preto, fiz a mediação de uma mesa no Fórum das Letras, iniciativa de Universidade Federal de Ouro Preto que já está na sétima edição, e que é um dos mais interessantes festivais de literatura entre os que acontecem por aqui. A mesa foi sobre “Propostas para a Internacionalização da literatura Brasileira”, com a participação de Affonso Romano de Sant’Anna, ex-presidente da Fundação Biblioteca Nacional, dos agentes Nicole Witt e Jonah Strauss, da Alemanha e dos Estados Unidos, respectivamente, e do professor e tradutor Berthold Zilly, que já verteu pera o alemão Os Sertões de Euclides da Cunha e romances de Raduan Nassar.

Um dos pontos levantados na mesa foi a expectativa de editores estrangeiros de receber livros “exóticos”, quando se falava em literatura brasileira. Os agentes diziam que havia um trabalho adicional para mostrar a qualidade e os temas universais tratados por autores brasileiros.

Segundo o Index Translationum da UNESCO, entre os dez autores de língua portuguesa mais traduzidos, seis são brasileiros (os quatro portugueses são Saramago, Fernando Pessoa, António Lobo Antunes e Eça de Queiroz):

Paulo Coelho
Jorge Amado
Leonardo Boff
José Mauro de Vasconcelos
Clarice Lispector
Machado de Assis

Vejamos, por outro lado, a lista dos autores que tiveram livros solicitados para receber a bolsa de estímulo à tradução da Biblioteca Nacional, cujo primeiro resultado foi recentemente divulgado:

Poesia CompletaCarlos Drummond de Andrade
Gabriela, Cravo e CanelaJorge Amado
A Guerra no Bom Fim (por duas editoras) e Os Deuses de RaquelMoacyr Scliar
Sinfonia em Branco e Azul-CorvoAdriana Lisboa
Sombra SeveraRaimundo Carrero
O Movimento PendularAlberto Mussa
O Opositor e Os EspiõesLuís Fernando Verissimo
Black MusicArthur Dapieve
Elite da Tropa 2 Luiz Eduardo Soares, Claudio Ferraz, André Batista e Rodrigo Pimentel
Cidade LivreJoão Almino
Leite DerramadoChico Buarque
O Cemitério dos VivosLima Barreto
Mastigando HumanosSantiago Nazarian
O Livreiro do AlemãoOtávio Júnior
Método Prático de GuerrilhaMarcelo Ferroni
A Batalha do ApocalipseEduardo Spohr
Ravenalas (Poemas 2004-2008)Horácio Costa
Eles e ElasJulia Lopes de Almeida
Perto do Coração Selvagem e Laços de FamíliaClarice Lispector
Litro Magazine Brazil Issue 2012 – Vários autores
Mensagem Para VocêAna Maria Machado
Várias HistóriasMachado de Assis
Se eu fechar meus olhos agoraEdney Silvestre

Ou seja, vinte e dois autores e uma antologia. Dos quais, apenas dois estão na lista dos mais traduzidos: Machado e Clarice Lispector.

Se examinarmos esses títulos a partir da rubrica “exotismo” começamos a nos complicar. Jorge Amado já foi acusado (o verbo é proposital) de exótico. Hoje sua posição na literatura brasileira está mais próxima da de um “clássico”, ainda que, para um olhar estrangeiro, seus personagens tenham um sabor único. Mas, sabor por sabor, e exotismo, recentemente Benjamin Moser, o biógrafo e coordenador das traduções ao inglês de Clarice Lispector chamava atenção para o caráter exótico das construções da nossa estimada escritora… A “batalha do Apocalipse”, do Eduardo Spohr? Eu poderia até dizer que é um romance exótico, mas o exotismo ali está longe de ser “brasileiro”. “O livreiro do Alemão” e “Elite da Tropa 2” são “exóticos”? Tanto quanto o “Livreiro de Cabul” ou qualquer relato sobre violência policial, seja nos Estados Unidos ou na Uganda. O “exótico”, definitivamente, é um conceito difícil de trabalhar.

Se voltarmos aos autores da lista da UNESCO, a coisa também não é fácil. Paulo Coelho é tão exótico que nem brasileiro é considerado pela maioria dos seus leitores. Afinal, peregrinos, mensageiros das luz e similares pertencem mais à esfera do extraordinário do que do “exótico”. Já falei do Jorge Amado e da Clarice Lispector. O que dizer do frade? Francamente, não sei em que escaninho de exotismo coloca-lo. José Mauro Vasconcelos? A crítica o execrou, na época, não por exótico, mas por água-com-açúcar, sentimentalismo. Continua sem reconhecimento crítico, mas para muitos leitores no exterior ele mostra “uma comovente visão da realidade brasileira” (Ouvi isso há um mês, na Galiza… e da boca de uma autora experimental!). Sobra o Machado de Assis. Definitivamente, um exótico. Só um dessa espécie produziria a literatura que ele escreveu no Brasil do Século XIX.

Ou seja, basta nos aproximarmos com mais cuidado do assunto e verificamos uma percepção bem mais complexa e diversa da literatura brasileira.

Mas existe outra abordagem possível. Considerar que a lista da UNESCO reflete, de alguma maneira, uma consagração internacional. Ou seja, mais traduzidos, mais consagrado.

Examinemos o Index da UNESCO para ver o que acontece com outros idiomas.

Os dez autores mais traduzidos do inglês: Agatha Christie, Shakespeare, Enid Blyton (vocês já ouviram falar? Eu, não), Barbara Cartland, Danielle Steel, Stephen King, Mark Twain, Conan Doyle, Nora Roberts e Jack London.

Os dez autores mais traduzidos do francês: Jules Verne, Alexandre Dumas, Geoges Simenon, René Goscinny, Balzac, Charles Perrault, Saint-Exupéry, Albert Camus, Hergé e Victor Hugo>.

Do espanhol: Gabriel Garcia Márquez, Isabel Allende, Mário Vargas Llosa, Cervantes, Jorge Luis Borges, José Maria Parramón Vilasaló (é autor de manuais de desenho artístico!), Federico Garcia Lorca, Pablo Neruda, Júlio Cortázar, Manuel Vasquez Montalbán.

O resultado é mesmo uma salada. Provavelmente indigesta para muita gente. E que reflete determinados momentos do gosto da população.

Diante dessa salada, dessa geleia geral, o que pode orientar um gestor de políticas públicas, seja para a aquisição de acervos para bibliotecas públicas, seja para conceder bolsas de auxílio para a tradução?

É uma pergunta que aparece sempre. Há os que defendem, por exemplo, um “critério de qualidade” para seja lá o que se faça – aquisição de livros ou outorga de bolsas para a tradução. Critério, é claro, que corresponda ao seu. Quem defende “qualidade” está sempre defendendo o seu conceito de qualidade, assim como seu conceito de exotismo. E existe até mesmo quem diga que, no caso de bolsas para a tradução, que se adote o critério exatamente inverso ao da popularidade. Por exemplo, não dar bolsas para a tradução do Jorge Amado, ou para o Carlos Drummond de Andrade. O primeiro tá na cara: além de exótico, é popular. O segundo? No lo sé. Só quem pode dizer é quem defende essa proposta.

O fio da navalha sobre o qual caminha o gestor de políticas públicas é afiado. Manter a postura de que é democrático garantir que sejam atendidas as demandas do público pagante de impostos e ao mesmo tempo desenvolver ações proativas de inclusão é difícil. Caminhar na linha entre os que defendem interesses específicos e a atenção às demandas que surgem traz o risco de levar pancada de quem quer que se ache dono de verdades. De qualquer verdade. Verdades pessoais, mas que sempre são apresentadas como universais.

Autores e Leitores – a interação necessária

O que completa e dá sentido a um livro é sua leitura, como sabemos. Somente a absorção a fruição do conteúdo pelos leitores é que dá a este significado. Por isso mesmo, a busca pelos leitores é, de certa forma, um complemento da atividade do escritor. Busca que se perpetua mesmo depois da morte do autor, quando seu texto se incorpora ao imaginário social e continua sendo objeto de leitura. O escritor que diz que não precisa de leitores, que diz que “escreve para si mesmo”, não é mais que um autista da palavra.

Muitas vezes se confunde a busca do leitor com a busca do consumidor, do comprador de livros. Na sociedade capitalista, o sucesso se mede pela quantidade de livros vendidos, tomadas como sinônimo de livros lidos.

Essa é uma verdade parcial. Quantos livros são comprados e não lidos? E os lidos em bibliotecas, emprestados, furtados (esporte a que se dedicam estudantes pobres e loucos por leitura com pouco dinheiro, para lamento dos livreiros!) e que não há como computar nesse índice de leitores de um determinado título?
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Livrarias Independentes e preço do livro

John Le Carré, o conhecido romancista, recentemente fez um discurso como convidado de honra dos festejos do 50º. aniversário de sua editora alemã, a Ullstein. Além dos elogios de praxe para quem o publica, David Cornwell (seu nome real), fez uma declaração que surpreendeu a muitas pessoas:

“Há alguns anos impensadamente ofereci meu apoio à retirada de todas as restrições para a definição do preço de varejo dos livros [na Inglaterra]. Em retrospectiva vejo que isso foi um erro terrível. Em um só golpe a indústria editorial britânica se entregou nas mãos dos marqueteiros de massa – e um golpe mortal nos já ameaçados livreiros independentes”.

Le Carré faz menção ao abandono, na Inglaterra, do “Net Price Agreement”, o acordo que obrigava livreiros a manter o preço de capa nas livrarias, com descontos mínimos durante um certo período. Atualmente o “preço fixo” europeu está mantido somente na Alemanha e na França, acho.

Bem, vamos por partes.

Primeiro é preciso esclarecer o que se entendo por “preço fixo”.
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