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A COLUNISTA, O SOCIÓLOGO E O CASAL DE LIVREIROS

Luciano Gonçalves e Mariângela Ribeiro, donos de sebo Gregas e Troianas

Na última semana, o abaixo-assinado que conseguiu impedir a ida de Míriam Leitão e Sérgio Abranches a uma feira de livros, uma das mais recentes entre as atitudes chocantes e antidemocráticas dos partidários do indivíduo que ocupa a Presidência da República, chamou atenção da mídia e de quem se importa com o livro e a leitura. Os curadores do evento explicaram detalhadamente como um sujeito que mora na cidade conseguiu assinaturas de mais de três mil pessoas “repudiando” a presença do casal de autores.

O acontecido teve sua repercussão amplificada por serem os dois autores quem são: a colunista do principal veículo porta-voz da orquestração do golpe de 2016 e seu marido, sociólogo, conhecido no âmbito acadêmico, e que, nesse episódio, foi rejeitado explicitamente por ser casado com quem é.

Miriam Leitão nem iria participar de eventos por conta de suas coletâneas de artigos econômicos, e sim por seus livros infantis. Sérgio Abranches, pelo livro que revisa o conceito de “presidencialismo de coalização”, aventado há vários anos.

Independentemente da qualidade dos livros (não os li), certamente pesou no convite a repercussão – que se esperava positiva – da presença da colunista d’O Globo. Deu o contrário.

A tentativa de perturbar o evento com a presença do jornalista Glen Greenwald, em programação paralela à Flip, em Parati, foi outro exemplo dessa intolerância. Felizmente, apesar da perturbação, não conseguiram impedir a mesa e o debate.

A indignação é justa. Qualquer tentativa de sufocar o debate, proibir livros e autores precisa ser veemente combatida.

Qualquer tentativa?

Infelizmente não tem sido assim.

Há pouco mais de um mês um casal de livreiros, vendedores de livros usados em Rezende, no Rio de Janeiro, sofreu uma brutal investida judiciária (como está na moda), do autonomeado bispo Edir Macedo. Luciano Gonçalves e Mariana Ribeiro, donos do sebo Gregos e Troianos estão sendo processados pelo autor-bispo, que pede vultosa indenização – pequena para a riqueza do dono da Record e pastor da Universal, mas potencialmente desastrosa para os livreiros.

A base do processo?

Os donos do sebo haviam colocado um banner na vitrina da loja, convidando racistas, machistas e homofóbicos a entrar, pois ali havia uma casa que prezava a cultura e a inteligência. Era, portanto, um espaço disposto a oferecer ajuda a quem estivesse disposto a se livrar dos preconceitos. O texto do banner também expandia o convite a “pessoas que não consideram a obra de Jair Bolsonaro, Silas Malafaia e Edir Macedo uma vergonha para a humanidade”, como diz o abaixo-assinado que circula em apoio ao casal.

O poster que provocou a ira do bispo…

Edir Macedo sabe muito bem da importância dos livros, e se deu ao trabalho de escrever vários, inclusive extensa autobiografia em três volumes, cada um dos quais entrou nas listas dos mais vendidos no ano do lançamento. Edir Macedo também personagem muito assíduo nas crônicas judiciais do país, como autor e como réu. Os processos em que Edir Macedo se envolve são variados: vão de injúria a charlatanismo e lavagem de dinheiro. Seus seguidores costumam replicar os processos em vários estados, obrigando quem se defende a despender vultosos recursos com advogados e a presença nos variados processos.

O que importa aqui é que esse processo em específico representa um atentado à liberdade de expressão tão grave quanto o veto a Míriam Leitão e Sérgio Abranches, ou as ameaças a Glen Greenwald.

Mas, ao contrário dos dois famosos, os livreiros sofrem com a ocultação do calvário judicial que ameaça seu ganha pão e, sobretudo, ameaça uma livraria.

Mesmo nas lutas contra ações atrabiliárias, o caso dos sebistas Luciano Gonçalves e Mariana Ribeiro mostra a terrível desigualdade que se esconde por trás de alguns combates pela democracia e pela liberdade de expressão.

O manifesto em defesa dos dois livreiros, encabeçado por Haroldo Ceravolo, Aldo Bocchini Neto, Daniel Louzada e outros (eu assinei logo no começo), está com 1.574 assinaturas. É pouco. Vamos mostrar que não apenas os autores famosos contam com a solidariedade do mundo do livro. Assine também aqui.

EM LOUVOR ÀS BIBLIOTECAS PÚBLICAS

Há alguns dias li, na New York Review of Books/ uma resenha escrita por Sue Halpern sobre um tema que me é muito caro, o das bibliotecas. Já havia visto o documentário Ex Libris, sobre a biblioteca pública de Nova York, dirigido por Frederick Wiseman em projeção no Instituto Moreira Salles, e depois encomendei o DVD. Só está disponível na loja da Amazon nos EUA ou na produtora ExLibris Films – One Richdale Av., Unit 4, Cambridge, MA 02140 – EUA.

O título do primeiro livro resenhado foi o que me enganchou: Palaces for the People: How Social Infraestructure Can Help Fight Inequality, Polarization and the Decline of Civic Life (Palácios para o Povo: Como a Infraestrutura Social pode Contribuir para a Luta contra a Desigualdade, Polarização e o Declínio da Vida Pública), por Eric Klinenberg. O título descreve sucintamente a minha percepção sobre o papel das bibliotecas públicas, centros culturais e outros locais nos quais o público tem acesso (na maioria das vezes gratuito) à informação, à cultura e ao divertimento. R$ 82,76 no formato Kindle na Amazon, em inglês.

O último título resenhado, The Library Book, por Susan Orlean, é uma história sucinta da Biblioteca Pública de Los Angeles que sofreu um enorme incêndio em 1976, o qual destruiu mais de 400.000 mil livros e danificou outros 600.000. A biblioteca foi reconstruída, boa parte dos livros danificados foi recuperada e as acomodações ampliadas, tornando-a novamente uma das maiores bibliotecas públicas dos EUA. Pode ser adquirido em inglês e em e-book na Amazon.

Escrevi para Sue Halpern, que gentilmente autorizou a tradução e a publicação da resenha.



EM LOUVOR ÀS BIBLIOTECAS PÚBLICAS – Sue Halpern

Anos atrás morei em uma remota cidade montanhosa que jamais havia tido uma biblioteca pública. O município tinha uma das maiores áreas do Estado de Nova York, mas a população era pequena, alguns milhares de habitantes espalhados em mais de quinhentos quilômetros quadrados. Na época em que eu e meu marido nos mudamos para lá, a cidade havia perdido boa parte de sua base econômica – no século XIX foi sede de vários curtumes e moinhos – e nossos vizinhos em sua maioria tinham empregos sazonais, se tivessem. Quando a biblioteca móvel do sistema regional foi descontinuada, a cidade não tinha acesso fácil a livros. O conselho municipal propôs um pequeno aumento de impostos para financiar uma biblioteca, algo em torno de dez dólares por família. A proposta foi rotundamente rejeitada. O sentimento dominante parecia ser “deixe as coisas como estão” e “quem precisa de livros?”. E um sujeito declarou que “bibliotecas são comunistas”.

Mas o conselho municipal armou algumas maquinações e conseguiu extrair quinze mil dólares do orçamento geral e nomeou a mim e dois professores aposentados – para, de alguma maneira – transformar esses recursos em uma biblioteca de empréstimo. Tínhamos cerca de três mil livros emprestadas pelo sistema regional de bibliotecas, que estavam enfiados em uma sala nos fundos da prefeitura. Fomos informados pelas bibliotecárias do sistema que, se conseguíssemos quinhentos associados em um ano, podíamos prosseguir. Levamos três semanas para conseguir isso. Nosso bibliotecário, cujo trabalho anterior era cuidar de um sebo, revelou-se um mestre em convencimentos, até mesmo junto aos lenhadores e trabalhadores de manutenção das estradas, que traziam seus filhos para a hora de contação de histórias e saiam com romances que ele escolhia para eles, que depois voltavam sozinhos para retirar outros. Os livros estavam sendo retirados aos montes e havia filas no balcão de atendimento. As crianças especialmente, mas também os adultos, não acreditavam que tudo era grátis.

A Biblioteca Central de os Angeles incendiou em 1986

No final do ano já tínhamos cerca de 1.500 inscritos, e havia um clube de livros, uma hora de contação de histórias para a pré-escola, filmes à noite e um grupo de leitura de peças teatrais. Alunos da escola pública, muitos dos quais não tinham Internet em casa, vinham à tarde para fazer as tarefas escolares. As pessoas entregavam livros nas mãos de estranhos, que não permaneciam estranhos por muito tempo. Um sábado, quando eu observava tecelãs de cobertores trocando padrões em uma mesa e crianças esvaziando as prateleiras dos livros da série Magic School Bus, e correndo para o balcão de empréstimos, me ocorreu que o sujeito que disse que as bibliotecas eram comunistas tinha razão. Uma biblioteca pública é dedicada aos ethos do compartilhamento e da igualdade. Não julga. E desse modo se contrapõe ao materialismo e individualismo que, por outro lado, define nossa cultura. Ela é desafiadora, orgulhosamente comunitária. Até mesmo nossa pequena sala com estantes e mobília desencontrada e tapete gasto era, como nos lembra o sociólogo Eric Klinenberg, palácios para o povo, como uma vez as bibliotecas foram chamadas.

Klinenberg está interessado nas maneiras como espaços comunitários podem corrigir nossa vida cívica turbulenta e polarizada. E ainda que argumente em seu novo livro, Palaces for the People, que playgrounds, clubes esportivos, botecos, parques, feiras de produtores e igrejas – qualquer coisa, na verdade, que coloque as pessoas em contato próximo umas com as outras – têm a capacidade de fortalecer aquilo que Tocqueville chamou de linhas cruzadas que nos ligam com aqueles que muitas vezes e de várias maneiras são diferentes de nós, ele sugere que as bibliotecas talvez sejam as mais eficientes. “Bibliotecas são lugares onde pessoas comuns, com formações, paixões e interesses distintos podem fazer parte de uma cultura democrática viva”, escreve. No entanto, como observa Susan Orlean em seu encômio às bibliotecas de todos os lugares, e que é adequadamente intitulado The Library Book, o “caráter público da biblioteca pública é uma característica cada vez mais rara. Cada vez é mais difícil pensar em lugares que dão boas vindas a todos e nada cobram por esse cálido abraço”.

Como assinala Klinenberg:

“Infraestrutura” não é um termo convencionalmente usado para descrever o que é subjacente na vida social…

[mas]

se os estados e as sociedades não reconhecerem a infraestrutura social e como esta funciona, fracassarão em perceber um modo poderoso de promover o engajamento cívico e a interação social, tanto dentro das comunidades como acima das afinidades grupais”.

Para vislumbrar o que ele quer dizer, só é preciso mergulhar nas três horas e dezessete minutos do documentário épico e inspirador de Frederick Wiseman, Ex Libris, um pitoresco percurso no maior de todos os palácios do povo: o sistema de Bibliotecas Públicas de Nova York, uma coleção de noventa e dois ramais com dezessete milhões de frequentadores por ano (e milhões a mais online).

Wiseman aponta suas lentes para o quotidiano (pessoas fazendo fila para entrar no edifício central ou folheando livros), o obscuro (a voz de um ator gravando um livro para cegos), e o singular (Khalil Muhammad[1] discutindo o Centro Schomburg de Pesquisa da Cultura Negra, um dos ramais do sistema), e sem dizer explicitamente (o filme não tem narração), mostra como a BPNY é um caso exemplar do que é uma biblioteca e o que esta pode fazer. Vemos bibliotecários ajudando estudantes com tarefas de matemática, apresentando feiras de empregos, ensinando braile, dando aulas de alfabetização e cidadania e patrocinando conferências. Vemos pessoas usando computadores, pontos de WiFi e, é claro, livros. São brancos, negros, morenos, asiáticos, jovens, sem teto, não tão jovens, surdos, mudos, cegos; eles são todos, o que simplesmente é a questão. Se você quiser entender a razão pela qual o governo Trump eliminou as verbas para bibliotecas nas propostas orçamentárias de 2018, 2019 e 2020, isso é mostrado nesse filme: as bibliotecas públicas derrubam os muros que existem entre nós.

E isso é de propósito. Uma declaração feita pela Associação de Bibliotecas Públicas em 1982, intitulada “A Biblioteca Pública: Um Recurso da Democracia”

A biblioteca pública é uma de nossas instituições singulares. Apenas a biblioteca pública proporciona um ambiente aberto e sem preconceitos no qual os indivíduos e seus interesses se encontram com o universo das ideias e da informação… O uso que se faz dessas ideias e informações é tão variado quanto os indivíduos que as procuram. As bibliotecas públicas oferecem acesso livre às suas coleções e serviços para todos os membros da comunidade sem distinção de raça, cidadania, idade, educação, situação econômica, ou qualquer outra qualificação ou condição.

Acesso livre às ideias e informações, um pré-requisito à existência de uma cidadania responsável, é tão fundamental para os Estados Unidos quanto os princípios de liberdade, igualdade e direitos individuais.

O público ama a biblioteca pública. Klinenberg cita um estudo de 2016 do Pew Research Center mostrando que mais de 90 por cento dos americanos considera a biblioteca ser “muito” ou “de algum modo” importante para suas comunidades. Os pesquisadores da Pew descobriram também que metade de todos os americanos com mais de dezesseis anos de idade usaram as bibliotecas no ano anterior. Mesmo assim, as bibliotecas são frequentemente alvos convenientes para os cortes orçamentários. Depois da crise financeira, nos anos 2008-2013 por exemplo, a cidade de Nova York eliminou 68 milhões de dólares do orçamento operacional da Biblioteca Pública de Nova York, o que resultou numa diminuição dramática das horas de trabalho dos funcionários e no orçamento de aquisições. (Uma boa parte do Ex Libris é dedicada à filmagem de intensas discussões sobre orçamentos). Mas não foi apenas a Biblioteca Pública de Nova York que sofreu. Um estudo da American Library Association (Associação dos Bibliotecários) por volta da mesma época, constatou que houve cortes no financiamento de bibliotecas em vinte e um estados.

Isso já aconteceu antes, e acontece agora: bibliotecas, que são sustentadas por recursos locais, estaduais e federais, assim como por doações particulares, são cronicamente subfinanciadas e sujeitas aos caprichos de políticos e filantropos. Em uma carta de 1972 publicada nesta revista, um grupo de acadêmicos e escritores que incluíam Hannah Arendt, William Buckley, Ralph Ellison e Betty Friedan, entre muitos outros, denunciou os cortes no orçamento que prejudicavam os serviços na sede da Biblioteca Pública de Nova York:

O Ramal Central da Biblioteca Pública de Nova York

Houve um momento em que as portas da biblioteca estavam abertas ao público durante treze horas por dia, nos 365 dias do ano; assim o trabalhador, os que não tinham capacitação os pesquisadores sem afiliação acadêmica podiam usar amplamente e de forma anônima, sem nenhum custo, as riquezas das coleções de obras de referência. Há um ano, entretanto, a crise financeira da Biblioteca forçou o fechamento da divisão de referência às seis da tarde, e o fechamento completo nos fins de semana e feriados.

Os signatários pediam aos leitores que contribuíssem para as coleções de pesquisa e referência. A carta saiu sob o título “Crise na Biblioteca Pública de NY”. (A sede atualmente abre durante quatro horas aos domingos; a maioria dos ramais menores é fechada nesse dia).

Em 2008, o bilionário de fundos de investimento Stephen Schwartzman doou 100 milhões de dólares para as estranguladas finanças da biblioteca. O edifício estilo Beaux Arts, o primeiro e principal da biblioteca, localizado na esquina da Quinta Avenida com a rua 42, que abriu em 1911 e levou dezesseis anos para ser terminado, a um custo de 9 milhões de dólares (mais 20 milhões pelo terreno), agora leva seu nome. Cem milhões de dólares é um monte de dinheiro, mas se apequena em comparação com a filantropia  de Andrew Carnegie, o santo padroeiro das bibliotecas (e um dos barões da industrialização dos EUA), cuja generosidade de 55 milhões de dólares – equivalentes a 1.6 bilhões de dólares de hoje – financiou 2.509 bibliotecas pelo mundo a fora, das quais 1.679 bibliotecas públicas nos Estados Unidos, entre 1886 e 1919. Sessenta e sete destas estavam na cidade de Nova York, dezesseis das quais ainda abertas.

Rose Reading Room, o principal salão de leitura da BPNY

A devoção de Carnegie pelas bibliotecas era antiga. Seu pai ajudou a fundar a Tradesmen`s Subscription Library em Dunfermline, Escócia, onde era tecelão e membro do derrotado movimento Cartista[1]. Quando a industrialização liquidou com seu emprego, a família emigrou para a área de Pittsburg e, aos treze anos, depois de apenas cinco anos de escolarização formal, Carnegie começou a trabalhar, inicialmente como carregador de bobinas em uma fábrica de algodão e depois como mensageiro para uma companhia de telégrafo. Os jovens trabalhadores tinham permissão para retirar um livro por semana da biblioteca particular do Coronel James Anderson, um bem-sucedido fabricante local de ferro e veterano da Guerra de 1812. Carnegie escreveu em sua autobiografia:

Foi a partir de minhas primeiras experiências que decidi que não havia dinheiro mais bem empregado e produtivo para moços e moças que tivessem o bem dentro de si, habilidade e ambição para desenvolvê-lo, que o financiamento de uma biblioteca pública em uma comunidade que estivesse disposta a mantê-la como instituição municipal. Tenho certeza que o futuro das bibliotecas que tive o privilégio de financiar provará a correção dessa opinião.

A primeira biblioteca de Carnegie em Braddock, Pennsylvania, foi construída cerca de cem anos depois da fundação da primeira biblioteca pública do que mais tarde seriam os Estados Unidos. Em 1790, os residentes de Franklin, Massachusetts, escolheram permitir a circulação gratuita entre seus residentes de uma coleção de livros doadas à cidade pelo seu xará, Benjamin Franklin. Ao fazer isso, escolheram não seguir o exemplo de Franklin: em 1731 ele fundou uma biblioteca de subscrições na Filadélfia. Massachusettes também foi o local do primeiro grande sistema de bibliotecas públicas, o de Boston, fundado em 1854. A biblioteca que Carnegie fundou em Braddock era diferente dessas, já que tinha um teatro de 964 poltronas, com cortina de veludo, uma quadra de basquete e uma piscina. Sua missão era exercitar tanto o corpo quanto a mente. Nos dias de hoje, a biblioteca de Braddock, um edifício imponente, com torreão, construída no alto de uma colina acima da siderúrgica fechada de Carnegie, está danificada, e um grupo está tentando levantar 10 milhões de dólares para reformá-la – não de uma pessoa de grande riqueza, mas com um bilhão de centavos doados pelo público. (Até agora conseguiram 40 mil dólares).

A primeira biblioteca construída por Carnegie – hoje deteriorada.

As bibliotecas de Carnegie se estendem por todo o país, e as 106 do Estado de Nova York são eclipsadas por 142 na Califórnia. Seis dessas estavam em Los Angeles, uma cidade com pouco mais de cem mil habitantes no começo do Século XX, quando Carnegie fez suas doações; três ainda estão funcionando. Nenhum dinheiro de Carnegie contribuiu para o que se tornou a Biblioteca Central da cidade. Fundada em 1872 como organização financiada pela anualidade de cinco dólares paga por seus membros, o que era inacessível para a maior parte dos cidadãos, mas que em 1933 já circulava mais livros que qualquer outra biblioteca do país.

Orlean documenta com agilidade esse crescimento fenomenal, voltando para trás desde o estrépito do incêndio da Biblioteca Central em 1986, enquanto percorre a biblioteca como ela é hoje, “uma máquina intrincada, uma engenhoca de rolamentos que zumbem”. Ao fazer isso, consegue no papel o que Wiseman faz no filme: familiarizar o leitor com a verdadeira infraestrutura da biblioteca – o departamento de circulação que envia 32.000 livros diariamente para todos os cantos da cidade; as coleções de fotografia e mapas; os bibliotecários da área de referências disponíveis para responder perguntas, por exemplo, sobre Pussy Riot, etiqueta de obituário e o tempo de vida dos papagaios; os membros da equipe que ensinam crianças a codificar e ligam usuários sem-teto com serviços muito necessários – e revela assim a extensão desse valioso recurso comunitário e um exemplo perfeito do que Klinenberg está falando quando louva os benefícios da infraestrutura social.

Quando a Biblioteca Central de Los Angeles incendiou, o prédio ardeu a mais de 1.000 0C durante sete horas. Mais de quatrocentos mil livros foram destruídos, entre os quais toda a coleção de peças americanas e inglesas da biblioteca, todos os livros sobre a Bíblia e a história da igreja; 45.000 obras de literatura, 18.000 livros de ciências sociais, 12.000 livros de culinária, todos os livros sobre pássaros, 5,5 milhões de patentes registradas que datavam desde 1799, e muito mais, nada disso coberto por seguro. Orlean busca, de modo ligeiro, revelar o mistério de quem – se foi alguém – começou o incêndio, e por que razão. Queimar livros, do seu ponto de vista, é um tipo de genocídio, um modo de apagar a memória coletiva de um povo: Mao (ele mesmo bibliotecário), os nazistas, os frequentadores dos festivais de queima de livros durante a Inquisição espanhola, e no ano passado um fanático religioso que queimou uma quantidade de livros LGBTQ infantis que havia retirado de uma biblioteca pública de Iowa – todos envolvidos em “libricídio” para incinerar ideias e apagar grandes trechos da história. Se o incêndio na Biblioteca Central foi deliberado, com que objetivo?

Como outros que investigaram o incêndio, Orlean mira principalmente em um ator desempregado e vagabundo chamado Harry Peak, que pode ou não ter estado no edifício na manhã do incêndio, deu um encontrão em uma pessoa correndo para fora do prédio, sendo o jovem colocado para fora da sala dos bibliotecários onde havia se servido de um copo de café, ou ser o mesmo jovem que foi mandado para fora de áreas restritas da biblioteca, e ser o jovem louro do desenho feito por um artista da polícia depois de ouvir descrições da pessoa que havia feito tais coisas. Incêndio proposital é algo difícil de determinar, especialmente em um edifício já antigo, conhecido por ter problemas de fiação, e Peak, que morreu em 1993, resultou ser um narrador definitivamente não confiável. Alegou mais de uma vez que esteve na biblioteca naquela manhã, e em outras ocasiões afirmou que nem chegou perto dali. Seus álibis mudavam e mudavam novamente, o que provocou pouca surpresa em quem o conhecia (sua irmã disse que ele era “o maior mentiroso do mundo”), mas desconcertaram os investigadores policiais, que fracassaram espetacularmente na acusação, prendendo-o, mas tendo que soltá-lo por falta de provas.

A despeito de seus melhores esforços, Orlean, também, foi incapaz de solucionar o caso. “O incêndio da Biblioteca Central me confundiu”, escreve. “Por mais que tentasse, não consegui me convencer totalmente de que Harry iniciou o incêndio”. Para os leitores entretidos com as peregrinações de Peak, isso tem pouca consequência. A história dele é apenas um adendo a um mistério maior e mais fascinante: como uma biblioteca cresceu a partir de quase nada para se tornar, como sugere seu nome, central para os residentes da segunda mais populosa cidade do país, emprestando mais de 900.000 livros por ano, respondendo a seis milhões de consultas de referência, e dando boas-vindas a 700.000 usuários. Essa noz é deliciosamente quebrada por Orlean.

Saguão central da Biblioteca Central de Los Angeles, reconstruída depois do incêndio.

O crescimento da Biblioteca Central espelha o crescimento de Los Angeles. Em 1873, quando a biblioteca por assinatura foi aberta, Califórnia tinha menos de vinte e cinco anos como estado e Los Angeles uma população de menos de 11.000 pessoas. Em 1904, a população havia se multiplicado por dez e a biblioteca circulava aproximadamente 800.000 livros por ano. Pouco mais de vinte anos depois, quando o número de residentes ultrapassou meio milhão, mil livros eram retirados a cada hora, cerca de três milhões por ano. Realmente, representadas em conjunto em um gráfico, os números do crescimento demográfico e os da circulação de livros são praticamente paralelos. Se isso parece óbvio, é apenas porque agora assumimos a importância das bibliotecas e seus serviços para todos os membros da comunidade.

O que torna única a Biblioteca Central e sua história tão interessante, são as pessoas que a conduziram através de sua metamorfose. Muitas foram mulheres, muito antes que a profissão de bibliotecária se tornasse predominantemente feminina. Orlean apresenta os leitores à Mary Foy que, em 1880, com dezoito anos de idade, assumiu a direção da antecessora da Biblioteca Central, a biblioteca por assinaturas que na época não permitia que mulheres tirassem livros emprestados e as relegava a uma separada “Sala de Senhoras”. Duas bibliotecárias a sucederam e depois uma terceira: uma repórter de Ohio chamada Tessa Kelson, uma mulher de cabelos curtos, fumante, que na época foi descrita como “fora dos padrões”.

Kelso teve a visão de antecipar a biblioteca tal como agora a conhecemos, imaginando-a não apenas como o repositório de livros, como também de material esportivo, jogos de mesa e “toda a parafernália para uma diversão saudável… que está fora do alcance da média dos rapazes ou moças”. Antes que ela pudesse tornar realidade sua visão, foi demiti por acrescentar à coleção o romance Le Cadet, do autor francês Jean Richepin, considerada maliciosa por alguns dos árbitros da moralidade da cidade. Ela processou um deles por calúnia, um ministro metodista chamado J. W. Campbell, e apesar de ter vencido (a igreja fez acordo), ainda assim perdeu o emprego.

Depois veio Mary Jones, que foi sumariamente demitida em 1905, quando o conselho da biblioteca subitamente decidiu que preferia um homem dirigindo a biblioteca. Jones contestou a decisão, mobilizando mais de mil mulheres para assinar uma petição de apoio a ela dirigida ao prefeito e ao conselho da biblioteca e, quando não obteve resposta a ir às ruas. No final ela desistiu, mudou-se para a costa leste, e foi bibliotecária chefe em Bryn Mawr.

Orlean se diverte muito descrevendo as desventuras e pecados do sucessor de Jones, um bon vivant chamado Charles Lummis. Este era um poeta cujo primeiro livro, Birch Bark Poems (Poemas na Casca de Bétula), foi realmente publicado em cascas de bétulas, que ele mesmo descascou e costurou, e que ganhou fama nacional quando ele fez o relato de sua caminhada desde a costa leste, onde renunciou a Harvard, para ir a Califórnia, onde iria assumir uma posição no Los Angeles Times. Sua propensão para desaparecer durante semanas para vagabundear ou presidir bacanais orgiásticos finalmente lhe custou o emprego no jornal, e não diminuiu quando ele assumiu a biblioteca. Ainda assim, Orlean lhe dá o crédito de transformar a biblioteca na “instituição que é hoje… [pressionando] para que se transformasse em um centro sério de pesquisas acadêmicas”, e estabelecendo a coleção de fotografias, assim como coleções de História da Espanha e da Califórnia. “Sua ambição era tornar a biblioteca completamente acessível – “uma oficina para acadêmicos, incluindo todos os aprendizes de pintores ou jovens trabalhadores ou condutores de bondes, tanto quanto inclua professores de grego ou o artista amador”, escreve Orlean, citando Lummis. “Sua atitude de inclusão era incomum na época. Fez campanhas para atrair usuários que antes não haviam considerado usar a biblioteca”. Essa é a essência e a missão da biblioteca pública de hoje.

Julho passado um professor da Universidade de Long Island publicou um artigo na Forbes argumentando que as bibliotecas públicas deviam ser fechadas, porque estavam ultrapassadas, agora que a Netflix faz streaming de filmes, Starbuks oferece wi-fi grátis e, o que seria mais conveniente, livros eletrônicos ficam instantaneamente disponíveis na Amazon. Fechar bibliotecas em favor da Amazon seria então algo proveitoso para todos, disse ele, porque os impostos diminuiriam, enquanto o preço das ações da Amazon subiria. O professor estava especialmente enamorado das lojas sem caixas de pagamento da Amazon, as quais, na sua avaliação, “basicamente combinam uma biblioteca com uma Starbucks”. A “biblioteca” a qual ele se refere é um empreendimento comercial que vende livros.

A reação ao artigo, quando os leitores se deram conta que ele não era uma sátira, foi de ultraje e ridículo, e Forbes removeu-o de seu website cerca de setenta e duas horas depois da publicação. Mas o engraçado foi que o autor, inadvertidamente, apresentou fortes argumentos em favor do valor e da existência continuada das bibliotecas públicas:

Houve épocas em que as bibliotecas ofereciam à comunidade local muitos serviços em troca do dinheiro dos impostos. Traziam livros, revistas e publicações acadêmicas para as massas através de um sistema de empréstimos… Também proporcionavam à população um local confortável no qual podiam desfrutar dos livros. Proporcionavam às pessoas um lugar onde podiam fazer suas pesquisas em paz com a ajuda de bibliotecários amigáveis…

As bibliotecas pouco a pouco começaram a prestar mais serviços à comunidade. As bibliotecas introduziram empréstimo de vídeos e acesso livre à Internet. A moderna biblioteca local ainda proporciona esses serviços, mas não são gratuitos. [Na verdade são] financiados pelos contribuintes [na] forma de um “imposto de livraria”.

As bibliotecas, na verdade, jamais foram “gratuitas”, não mais que as escolas públicas, estradas ou serviços públicos de saúde são “gratuitos”. Era de se esperar que um professor de economia soubesse disso. Ou pelo menos que soubesse fazer as contas: o “imposto per capita da biblioteca” (a parte alíquota do orçamento público que financia a biblioteca) do sistema de bibliotecas de Los Angeles, por exemplo, é de apenas US$ 32,77 – ou seja o valor de cerca de nove café-com-leite médios no Starbuck. Existem nove lojas Amazon Go nos Estados Unidos, e 16.568 bibliotecas públicas, muitas em lugares onde nem a Amazon ou Starbucks jamais se aventurarão, como os ramais no extremo do Bronx e Los Angeles, onde Wiseman e Orlean nos levam, ou nos lugarejos rurais como o da biblioteca que ajudei a fundar está localizado.

Essa biblioteca tem agora cerca de 40.000 itens em suas prateleiras, incluindo jogos, quebra-cabeças e equipamentos esportivos, tal como Tessa Kelson imaginou há mais de um século. Ainda que pequena e sem alguns dos confortos de uma comunidade com mais recursos, é uma sucessora valiosa das bibliotecas financiadas por Carnegie. Essas, isso deve ser assinalado, também não eram “gratuitas”: antes de fazer a doação, Carnegie exigia que cada cidade se comprometesse a alocar recursos que cobrissem pelo menos dez por cento do custo anual da biblioteca, assim como proporcionar o terreno para sua construção. E esses beneficiários se comprometiam também a fornecer os serviços sem custos para os frequentadores.

Talvez a refutação mais definitiva da ideia de trocar bibliotecas pela Amazon e por cafés seja a de um antigo empregado da Starbucks, que Klinenberg conheceu em um dos ramais da Biblioteca Pública de Nova York, onde ele é agora “especialista em informação”: “No Starbucks, e na maior parte dos negócios, realmente, a suposição é de que você, freguês, é melhor por ter comprado tal coisa, certo? – disse ele. – Na biblioteca, a suposição é de que você é melhor. Você já é isso… A biblioteca supõe sempre o melhor das pessoas”.



[1] Movimento operário inglês, particularmente ativo entre 1838 e 1848, que lutava por direitos políticos para os trabalhadores (o voto era censitário na época)



[1] Professor da Harvard Kennedy School e do Instituto Radcliffe, militante do movimento negro.

OS BRASILEIROS NO EXTERIOR E A BIBLIOTECA SUSANA VENTURA EM OSAKA

O Projeto Mapeamento Internacional da Literatura Brasileira busca levantar sistematicamente a expansão dos estudos e pesquisas sobre nossa literatura no exterior. Já temos 347 professores, pesquisadores e tradutores no banco de dados, espalhados por 42 países e vinculados a 166 instituições. Já deu para que se pense em várias questões a partir desses dados.

Alguns dos obstáculos para que a nossa literatura seja melhor difundida já foram constatados. A distribuição é um deles. O Brazilian Publishers, programa promovido pela APEX/CBL, tem focado mais na venda de direitos autorais, com apoio na participação em feiras internacionais. A exportação de livros é relegada a um segundo plano e as possibilidades de aproveitamento dos formatos digitais são pouco exploradas. O resultado é que as poucas livrarias que vendem livros em português no resto do mundo têm mais facilidades – principalmente na Europa – de conseguir livros importados de Portugal. O frete encarece demais o livro brasileiro.

Outra questão importante são as comunidades de brasileiros que vivem no exterior. O Itamaraty calcula que cerca de três milhões de brasileiros vivem fora do país, e as maiores colônias são nos EUA, no Paraguai e no Japão, onde aproximadamente moram 170.000 brasileiros.

Os dados são precários, já que não existe controle efetivo disso e, principalmente nos EUA, existem muitos clandestinos submergidos nos dados tanto dos EUA quanto dos consulados brasileiros.

Além dos brasileiros – nascidos aqui e emigrados – as colônias obviamente têm filhos nascidos no exterior. O estatuto dessas crianças depende de cada país (se a nacionalidade é outorgada pelo local de nascimento ou pela origem étnica, ou pelos dois casos). Os filhos de brasileiros que nascem no exterior, por exemplo, podem ser registrados nos consulados e considerados como brasileiros natos, mesmo que mantenham outra nacionalidade. Isso é possível desde que foi outorgada a Constituição de 1988.

De qualquer forma, esse mercado potencial é muito pouco explorado, principalmente no que diz respeito ao ensino do Português como língua de herança, seja com o apoio à formação bilingue ou com a disponibilização de livros para essa multidão de expatriados. O Itamaraty mantém um programa de certificação de livros para o ensino do português como língua estrangeira, e existe uma articulação das comunidades de brasileiros no exterior, embora seja débil.

Existem igualmente algumas articulações de escritores brasileiros no exterior, inclusive com a organização de encontros. São escritores emigrados, ou emigrados que se tornaram escritores quando no exílio, que publicam blogs e às vezes livros auto-publicados.

Por isso mesmo, quando se tem notícia da inauguração de uma biblioteca infanto-juvenil em Osaka, no Japão, há motivo para comemorar.

Luzia Tanaka é formada em Educação Artística e Pedagogia aqui no Brasil, pelo convênio firmado entre Brasil e Japão em 2008, com a Federal do Mato Grosso e a Universidade Tokai. Há dez anos, ela fundou a ARTEL – Oficina de Arte Educação e Letramento, para ensinar português como língua de herança, para crianças de cinco aos dezoito anos. Embora o Japão tenha o maior número de escolas brasileiras no exterior, segundo Luzia, não há nenhuma em Osaka.

Segundo ela, são duas as motivações que estimulam as ações de ensino do português como língua de herança. “Os pais têm esperança de um dia voltar ao Brasil. Já os educadores e intérpretes de língua japonesa em escolas japonesa entendem que trabalhar o português como língua de herança é fundamental na formação e fortalecimento das crianças e jovens para que possam se tornar pessoas capazes de serem o que desejam em qualquer lugar do mundo em que vivam.”

Além das aulas, a iniciativa da ARTEL mantém uma pequena biblioteca de livros infantis, e pretendia estabelecer um serviço de difusão, com o envio de livros pelo correio. Entretanto, o pequeno acervo de aproximadamente 400 títulos não permitia isso. Luzia, então, conheceu a professora e autora de livros infantis, Susana Ventura, através do IIEC – International Institute of Education and Culture, entidade japonesa que apoia as crianças estrangeiras que estudam em escolas japonesas e têm dificuldades no acompanhamento escolar. Apoia também o ensino do Português, e organiza Simpósios do Português como Língua de Herança em Hamamatsu, com apoio do Consulado Brasileiro. Hamamatsu, é a província com maior número de brasileiros no Japão. A duas se conheceram por ocasião do III Simpósio, que aconteceu em Nova Iorque em 2016. Luzia participou via teleconferência e Suzana estava presente.

De volta ao Brasil, Suzana Ventura usou seus contatos com escritores e editores da área, para ajudar no projeto de Luzia Tanaka: “Em 2017 e 2018 realizei curadoria para ampliação do acervo. Não tínhamos dinheiro e, portanto, o acervo atual, que conta com 1500 livros (há 600 viajando neste momento para Osaka) – foi montado com doações motivadas por cartas minhas a autores, ilustradores, editores. Também recebemos uma doação do Pró-Saber (Paraisópolis), que nos deu duplicatas, e outra do Colégio Hugo Sarmento (que contribuiu com livros mais antigos, já usados, mas importantes para documentar a literatura brasileira para crianças e jovens)”.

Luzia Tanaka resolveu homenagear Suzana pelo apoio, dando seu nome à biblioteca, que foi inaugurada recentemente, no dia 21 de março.

Os livros foram transportados ao Japão gratuitamente pela empresa Susan Mudanças, com apoio do Consulado do Brasil em Nagoya.

Portugal, através do Instituto Camões e de articulações com instituições como a Caritas e o Conselho Mundial de Igrejas, têm ações sistemáticas de ensino do português como língua de origem e apoio aos emigrados, principalmente na Europa.

Traduções pAra o inglês – ritmos diferentes nos EUA a na Grã-Bretanha

Existem amplas evidências do predomínio do inglês como idioma prevalente no mundo de hoje. Não apenas em negócios e diplomacia como também, no que nos interessa, como idioma de origem das traduções. Já tratei amplamente do assunto em um post de 2017, “AS DIFICULDADES PARA A INTERNACIONALIZAÇÃO DA LITERATURA BRASILEIRA” no qual apresentava os últimos dados compilados pelo Index Translationum, da UNESCO, a partir de informações das biblioteca nacionais dos países membros (o índice foi descontinuado).

Os dados apresentados mostravam o inglês disparado como o idioma de origem de 1.265.835 traduções para todos os idiomas (o português estava em 18º. lugar). Mesmo como idioma alvo para traduções de outros idiomas, o inglês ocupava um confortável 4º. Lugar, com 164.505 traduções (precedido pelo alemão, francês e espanhol). Note-se que se fala aí do conjunto de traduções para o conjunto de países que têm esses idiomas como língua corrente. Ou seja, traduções cujo conteúdo ia da literatura às ciências puras, incluindo negócios, autoajuda, livros de culinária, livros escolares e infantis, etc. Em se tratando do inglês, incluíam-se, além dos EUA, a Grã-Bretanha, Canadá, Austrália e vários outros países da África e da Ásia, ex-colônias britânicas.

No caso do inglês notei, com uma breve e não sistemática olhada nos títulos, que boa parte das traduções era de obras de caráter técnico-científico, com uma presença bem pequena de literatura.

Essa ausência das traduções de literatura no mercado de obras gerais nos EUA vem sendo acompanhada há muito por Chad Post, que criou o blog Three Percent a partir da Universidade de Rochester, onde ensina. Muito interessado na divulgação da literatura estrangeira nos EUA, Chad Post vem compilando estatísticas sobre as traduções ali publicadas. O índice de três por cento é o cálculo dele para o número de lançamentos de traduções publicadas anualmente nos EUA.

Alguns dos títulos
traduzidos nos EUA

Até 2016, Chad Post esteve mais otimista sobre o aumento do número de traduções. Este ano, alguns livros tiveram bastante sucesso, como o quarteto de Elena Ferrante. Surgiram também algumas novas editoras centradas na publicação de traduções, juntando-se às conhecidas Dalkey Archive Press e a Open Letters, como a Albertine Press (que tem apoio do governo francês). A última autora brasileira publicada pelo Open Letters foi a Maria José Silveira, com seu romance “A Mãe da Mãe de sua Mãe e suas Filhas” traduzido por Eric Becker, editor da Words Without Borders, o site que publica excertos de traduções.

Os números, entretanto, não corresponderam à expectativa. A série compilada por Chad Post (agora publicados também pela Publishers Weekly) mostra um aumento do número de traduções nos EUA (369 títulos in 2008 até 609 em 2018, com um pico de 666 em 2016). No entanto, os dois anos seguintes mostraram um declínio no número de traduções publicadas:

  2016 2017 2018 VARIAÇÃO 2016-18
FICÇÃO 551 509 495 -10.2%
NÃO FICÇÃO 115 141 114 – 0.08%
TOTAL 666 650 609 – 8.5%

Fonte: Publishers Weekly – Chad Post

O dado isolado mais interessante é que a editora que mais publicou traduções foi o selo da Amazon (AmazonCrossing), seguida por outras editoras independentes publicando a maior parte das traduções. Das grandes, a única significativa foi a Farrar, Straus and Giroux.

NA GRÃ-BRETANHA AS TRADUÇÕES AUMENTAM

A tendência contrária aconteceu na Grã-Bretanha nos últimos anos, incluindo 2018. A Booker Prize Foundation, que organiza o prêmio, encomendou à Nielsen uma pesquisa sobre a publicação de traduções e constatou um crescimento de 5,5% em volume e 4,2% em vendas, que totalizaram US $ 27,2 milhões de dólares. Isso representa um crescimento de mais de 20% nos títulos de ficção em tradução, enquanto a categoria permaneceu praticamente estável no período, configurando um aumento da importância das traduções no mercado britânico.

As dez traduções mais vendidas na Grã-Bretanha

Quando se verifica a porcentagem dos ISBN emitidos para traduções no total de ISBNs emitidos, ano a ano, isso fica evidente:

As informações enviadas pela Booker Prize Foundation apresentam alguns destaques interessantes. O idioma mais traduzido é o francês, mas o sueco e o norueguês aumentaram consideravelmente sua participação nos últimos cinco anos. O único autor cujo idioma de origem é o português e que aparece em destaque entre os mais vendidos continua sendo Paulo Coelho (“O Alquimista”).

Os segmentos que mostraram maior crescimento (dentro da categoria geral de ficção) foram os de autores premiados, crime e ficção científica/fantasia.

Como a Nielsen registra também os totais de vendas e seus sistemas permitem a identificação de categorias de modo mais preciso que a dos dados dos EUA, vale e pena verificar os valores, mais além das porcentagens:

Para além do fato das compilações seguirem metodologias bem distintas, o que percebo, é que a indústria editorial inglesa está mais atenta à diversidade da literatura internacional que a dos EUA, como mostram os gráficos sobre os idiomas de origem das traduções.

As razões? Só um estudo sociológico que está muito além de um pequeno artigo.

Agradeço as informações de Truda Spruyt, da assessoria de comunicações do Booker Prize International.

LER PARA OS FILHOS – PESQUISA NOS EUA MOSTRA SUA IMPORTÂNCIA

Ler em voz alta para os filhos é uma tradição notada principalmente em famílias de leitores. Em 2014, a Academia Americana de Pediatras publicou um guia encorajando os pais a lerem para seus filhos, começando no nascimento, afirmando que isso reforça a ligação entre pais e filhos e prepara o cérebro dos bebês para a linguagem e habilidades de leitura e escrita.

Essa percepção vem sendo cada vez mais incluída nas pesquisas sobre hábitos de leitura, geralmente sob a forma de pergunta sobre “quem influencia ou influenciou mais o gosto pela leitura”, com as mães aparecendo geralmente em primeiro lugar. A última edição da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, de 2015, apresenta os dados relacionados com a amostra brasileira nas paginas 76 e 78 do relatório divulgando pelo Instituto Pró-Livro (http://prolivro.org.br/home/confirme ). A Scholastic, editora dos EUA especializada e livros para crianças e jovens, divulgou o relatório de sua pesquisa anual (feita desde 2014), “KIDS & FAMILY READING REPORT – THE RISE OF READ-ALOUD” (Relatório da Leitura de Crianças e a Família – O Crescimento do Ler em Voz Alta). O relatório pode ser baixado aqui.  É a sétima pesquisa desse tipo feita pela editora, que publicou as séries Harry Potter e Capitão Cueca nos EUA, entre muitos outros títulos.

Como indica o título da pesquisa, constatou-se que a leitura em voz alta dos pais vem aumentando de forma consistente, particularmente em relação à precocidade do momento em que isso começa. A pesquisa é por amostragem, considerando a idade das crianças, característica socioculturais e o que aparece com frequência nos estudos desse gênero nos EUA, as características étnicas. Os dados não foram desglosados por níveis de renda, mas o relatório informa que os dados mostram disparidade entre os lares de renda mais alta e mais baixa, sendo que estas leem em voz alta para os filhos com menos frequência. Nas famílias com renda de menos de 35.000 dólares, o índice de leitura em voz alta é de 39%, contra 62% nas famílias com renda acima de 100.000 dólares. As famílias de renda mais baixa também recebem menos informações sobre a importância da leitura em voz alta.

Idade das crianças quando as famílias começam a ler em voz alta para elas.

O relatório considerou também o nível educacional dos pais, mas a versão divulgada (certamente mais sintética que a entregue à Scholastic) não menciona essas diferenças. É certo, porém, que lá como cá, as diferenças de renda e de educação têm seu peso nos hábitos de leitura em geral e, no caso, do número de pais que leem para os filhos.

Vejamos alguns dos dados mais interessantes do relatório.

– A idade do bebê quando os pais começam a ler em voz alta quando o bebê tem menos de três meses está aumentando. Considerando os pais de crianças entre 0 e 5 anos (77% dos pais), a porcentagem dos que começam a ler para os filhos com menos de três meses de idade aumentou de 30% em 2014 para 43% em 2018.

– O fato dos pais lerem em voz alta na família é vista como altamente positivo. 86% dos pais e 83% das crianças declararam que amaram ou gostaram muito da experiência.

– A experiência de ler em voz alta configura uma parceria interativa entre pais e filhos. As crianças escolhem livros, pais e filhos fazem perguntas entre si, viram as páginas e pontuam a experiência com efeitos sonoros. Apesar de não revelar uma causalidade, notou-se que as crianças na faixa de 6-11 anos são mais ativas nessa participação. Essa interação começa bem cedo, com as crianças tendo oportunidade de escolher os livros.

– A experiência de ler em voz alta não se restringe aos pais lerem para os filhos. Principalmente após a alfabetização, depois dos 6 anos de idade, é grande o número de crianças que leem em voz alta para a família.

– A frequência da leitura em voz alta cai abruptamente quando a criança aprende a ler. Nos primeiros cinco anos de vida das crianças, a maioria dos pais que leem para os filhos o faz diariamente, ou pelo menos de forma rotineira. Os momentos da leitura, entretanto, variam mais, embora a hora de dormir ou da sesta sejam as mais frequentes. Mas os pais leem também a pedido dos filhos, ou quando é necessário que fiquem quietos e até nas salas de espera (de médicos, etc.).

O relatório completo, que é propriedade da Scholastic, deve trazer informações muito mais detalhadas. Certamente são aproveitadas pela editora na definição de suas estratégias de publicação e marketing. O relatório publicado, entretanto, já é bastante estimulante.

A pesquisa, financiada pela Scholastic, foi feita pela YouGov, uma empresa internacional de pesquisas de opinião, fundada no Reino Unido, e que faz trabalhos baseados em entrevistas feitas pela Internet. A metodologia é melhor especificada no relatório.

Será que isso tudo tem a ver com o aumento dos audiobooks?

LEIS… ORA, AS LEIS

A aprovação definitiva no Congresso do projeto de Lei da senadora Fátima Bezerra (PT), criando a Política Nacional de Leitura e Escrita poderá provocar resultados, digamos, motivacionais, no panorama de incentivo à leitura e à escrita no país.

Entretanto, sem criar instrumentos e mecanismos explícitos para sua execução, coloca a lei – ou seja, para efetivamente aplicar uma política pública na área, – que certamente será promulgada (e com fanfarra) pelo presidente usurpador, na categoria

daquelas que são “para inglês ver”.
A proliferação de projetos de lei sobre livro, leitura, promoção de autores e concursos continua ativa. Já em 2012 publiquei aqui, comentário sobre várias leis inúteis ou perigosas em tramitação. Mais recentemente estamos com as parolagens da “Escola Sem Partido”, iniciativa originada de Instituto Millenium, que me abstenho de comentar para não ficar deprimido, e porque tantos já o fizeram, denunciando essa perigosíssima tentativa de censurar e impor limites à liberdade de cátedra e à liberdade de opinião.

A iniciativa da Senadora Fátima Bezerra, que encaminhou o anteprojeto preparado pelo professor José Castilho Neto (então secretário executivo do PNLL) e Volnei Canonica (então titular da Diretoria de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas, do MinC), mostra o compromisso da senadora e de todos os relatores que encaminharam a lei, tanto no Senado como na Câmara, com a questão do livro e da leitura em nosso país. Por isso, parabéns a todos esses parlamentares, e aos idealizadores da legislação.

Para ilustrar o tipo de questões que esses projetos representam, gostaria de lembrar que a Lei nº 12.244, de maio de 2010,  está em pleno vigor. Para quem não se lembra, ou reconhece, é uma lei que obriga a todas as escolas públicas do país ter biblioteca à disposição dos alunos e professores, com um acervo mínimo de um título por aluno matriculado. Sancionada pelo Presidente Lula (Fernando Haddad era o Ministro da Educação), é um egrégio exemplo de lei inútil. Estabelece um prazo de dez anos – que terminará em 2020 – para ser cumprida, mas nenhuma punição para os prefeitos ou governadores – respectivamente responsáveis pelo ensino básico e médio – que não a cumprirem. E muito menos indica que recursos poderiam ser usados para isso. Nem ao menos considera a possibilidade de uso das transferências constitucionais para a educação, com esse objetivo.

Seria educativo se o MEC se dispusesse a demonstrar quantas escolas abriram bibliotecas nestes já oito anos de vigência da lei. Pelo que sei, salvo alguns poucos municípios onde representantes do Ministério Público induziram os prefeitos a fazer um TAC – Termo de Ajuste de Conduta, – para implementar as bibliotecas nas escolas, e algumas escolas particulares, deram pelota para a tal lei, que em breve será sepultada na fossa da boa vontade inútil.

Outro exemplo, agora de lei ainda em tramitação, é o do PL do Senado 1321/2011, apresentado pelo então Senador (e Presidente do Senado), José Sarney. O projeto tentou um atalho, que foi o de complementar a Lei 10.753, de 30 de outubro de 2003, que institui a Política Nacional do Livro (que, aliás, é a mesma lei que foi emendada pelo projeto da Senadora Fátima Bezerra). A intenção é especificar melhor um crucial detalhe dessa importante legislação, que previa a instituição desse fundo para financiamento dos objetivos previstos na Lei do Livro, usando recursos do Fundo Nacional de Cultura (art. 17), a ser substituído por esse novo Fundo Nacional Pró-Leitura (FNPL).

Diga-se de passagem, e ilustrativamente, que na época da tramitação da Lei do Livro (10.753), eu era consultor do Cerlalc e acompanhei o processo. Adverti e insisti que a criação do mecanismo de financiamento das ações da Lei deveria ser concomitante. Caso contrário, como os fatos infelizmente provam, não sei quantos ministros da cultura depois, isso iria ficar no limbo. Tenho ou não razões para ser pessimista?

Tal como o projeto recém aprovado do PNLL, o do Sarney já passou pelo Senado e está na Câmara, podendo ser aprovado em caráter conclusivo após tramitação nas Comissões. Atualmente, depois de ser aprovado na Comissão de Educação, está na Comissão de Cultura, desde abril, com relatoria do Deputado Thiago Peixoto, que certamente dará parecer positivo. De lá passa para a Comissão de Constituição e Justiça e poderá ser aprovado sem passar pelo plenário, tal como foi o da Senadora Fátima Bezerra.

O FNPL seria um fundo de natureza contábil, com prazo indeterminado de duração, que funcionará sob as formas de apoio a fundo perdido ou de empréstimos reembolsáveis,  constituído por recursos: I – do Tesouro Nacional; II – doações, nos termos da legislação vigente; III – legados; IV – subvenções e auxílios de entidades de qualquer natureza, inclusive de organismos internacionais; V – reembolso das operações de empréstimo realizadas por meio do Fundo, a título de financiamento reembolsável, observados critérios de remuneração que, no mínimo, lhes preserve o valor real; VI – resultado das aplicações em títulos públicos federais, obedecida a legislação vigente sobre a matéria; VII – saldos de exercícios anteriores; VIII – recursos de outras fontes.

Curiosamente, o projeto prevê que o FNPL será gerido pelo órgão encarregado da Política Nacional do Livro, conforme regulamento. Ou seja, pela ex-diretoria ocupada pelo Volnei Canonica, que foi rebaixada na hierarquia do MinC.

Ou seja, trata de autorizações para que o executivo faça – sem obrigação de fazer – um monte de coisas ótimas, que continuam desamarradas do ponto de vista da execução.

Os parlamentares estão constitucionalmente impedidos de apresentar projetos que criem órgãos e estabeleçam compromissos financeiros do Executivo. Podem apresentar, na discussão da Lei Orçamentária, emendas destinando recursos para órgãos, instituições e programas existentes, mas não criar nenhum. Essa castração da prerrogativa legislativa é antiga, e até hoje não faz parte da pauta de ninguém eliminá-la.

O Presidente Lula já declarou, aliás em várias ocasiões, que o que fez realmente foi “colocar os pobres no orçamento”. Sem isso, as iniciativas permanecem sempre no campo das boas intenções. Que, ao contrário do que diz a sabedoria popular, nem sempre calçam o caminho do inferno, mas correm o risco de permanecer piedosamente bem-intencionadas para sempre.

De qualquer modo, mostra o crescimento, no parlamento, do interesse pelo assunto. Resta saber como aproveitar melhor isso, pois não há criatividade que resolva o fato básico: fora o livro didático, o Governo Federal não colocou o livro e a leitura no orçamento. O livro e a leitura, infelizmente, continuam sendo vistos apenas como um instrumento da educação, e não como parte integral dos direitos cidadãos de acesso à cultura, informação e lazer. E sem entrar no orçamento.

AS DIFICULDADES PARA A INTERNACIONALIZAÇÃO DA LITERATURA BASILEIRA

A internacionalização da literatura brasileira enfrenta uma série de dificuldades. Algumas dessas são estruturais, outras derivadas de problemas de políticas públicas (ou ausência delas) para que esse processo ocorra de modo mais eficaz.

Vejamos algumas dessas dificuldades.

IDIOMA DA ESCRITA E CENTRALIDADE DOS AUTORES

Existe um campo farto de discussões sobre a existência de uma literatura mundial, a chamada “República Mundial das Letras”. Na formulação original, que veio do Iluminismo, o diálogo entre escritores, através de suas obras, comporia esse mundo da inteligência, no qual a filosofia e a literatura teriam papel primordial. Hoje, essa “República Mundial das Letras” é um campo de disputas em torno do que se pode chamar de “capital literário”. O que se supunha ser uma circulação livre, internacional, das ideias, na verdade é uma disputa que parte de “posições de força”, que incluem o idioma original do trabalho de cada escritor.

Por isso mesmo, analisar a posição do idioma português nesse contexto é uma das condicionantes para que se compreenda como a literatura produzidas nesse idioma – principalmente de Portugal e do Brasil, e a partir dos anos 1970, das ex-colônias lusitanas em África, tem uma posição fraca no contexto da República Mundial das Letras.

Thomas Jefferson, um dos que acreditava que a circulação de ideias era essencial para a “República Mundial das Letras”.

Didretor, o da Enciclopédie, era outro que acreditava no diálogo internacional.

René Descartes, outro ilumininista.

Um dos poucos indicadores para verificar essa questão é o Index Translationum. Este é um banco de dados que compila informações sobre traduções de todos os países membros da UNESCO. Melhor, dizendo, compilava. O Index foi criado em 1932, ainda pela Liga das Nações. Herdado pela UNESCO, a compilação foi interrompida em 2012, a pretexto de dificuldades econômicas da organização internacional. O banco de dados era composto por informações enviadas pelas Bibliotecas Nacionais dos países membros, encarregados da compilação das respectivas bibliografias nacionais. Não era completíssimo, pois muitas vezes as respectivas bibliotecas deixavam de informar. A própria Biblioteca Nacional do Brasil atrasava sistematicamente o envio. Era, no entanto, a fonte de informações mais abrangente disponível. A partir de 1979 os dados foram computadorizados, e podem ser vistos aqui, compilados até 2012:

Um primeiro quadro extraído do Index mostra o idioma de origem das traduções compiladas:

Idiomas de Origem
1 Inglês 1.265.835
2 Francês 225.996
3 Alemão 208.178
4 Russo 103.618
5 Italiano 69.549
6 Espanhol 54.576
7 Sueco 39.980
8 Japonês 29.246
9 Dinamarquês 21.251
10 Latim 19.967
11 Holandês 19.667
12 Grego antigo (até 1453) 18.073
13 Tcheco 17.159
14 Polonês 14.661
15 Norueguês 14.276
16 Chinês 14.070
17 Árabe 12.410
18 Português 11.581
19 Húngaro 11.297
20 Hebreu 10.279

Pelo quadro já constatamos algumas evidências: a) Predominância esmagadora do inglês, seguido de longe pelo francês, alemão e russo, como o idioma de origem das traduções; 2) O português está na 18ª. Posição, logo abaixo do chinês e do árabe; 3) Idiomas com populações muito menores, como os nórdicos (sueco, dinamarquês e norueguês), os da Europa Oriental (húngaro, tcheco), etc., são idiomas originais de mais traduções que o português. Até línguas mortas (latim e grego antigo) são mais traduzidos que a última flor do Lácio.

E aqui estão os idiomas “alvo” (aqueles que recebem mais traduções). Coloco apenas os TOP 10, que inclui o português:


“TOP 50” Idiomas alvo
1 Alemão 301.934
2 Francês 240.044
3 Espanhol 228.558
4 Inglês 164.505
5 Japonês 130.649
6 Holandês 111.270
7 Russo 100.806
8 Português 78.905
9 Polonês 76.706
10 Sueco 7.120

Essa tabela revela, de certo modo, o nível de “internacionalização” na absorção da cultura mundial pelos falantes dos diferentes idiomas. Note-se, no caso, que o inglês vale para inúmeros países (EUA, GB, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul), além de ser, como atual “língua franca”, habitualmente lido pelas elites cultas de dezenas de outros países, principalmente as publicações técnico-científicas.
Mais interessante ainda é a tabela que mostra o número de traduções por países, onde fica ainda mais claro esse nível de internacionalização cultural:


“TOP 19” Países
1 Alemanha 269.724
2 Espanha 232.853
3 França 198.574
4 Japão 130.496
5 URSS (até 1991) 92.734
6 Holanda 90.560
7 Polônia 77.716
8 Suécia 73.230
9 Dinamarca 70.607
10 China, República popular 67.304
11 República Tcheca 62.480
12 Federação Russa 58.491
13 Hungria 56.868
14 Itália 54,072
15 EUA 52.515
16 Finlândia 51.710
17 Brasil 50.183
18 Noruega 46.314
19 Reino Unido 42.647

Estados Unidos e Reino Unido, os dois maiores fornecedores de traduções, somados (95.162), publicam juntos apenas pouco mais de traduções que a Holanda. Mas é importante notar que, se há uma concentração na origem, há uma grande dispersão no destino. Isso confirma a hipótese do predomínio da produção em inglês no mercado internacional.
A tabela inclui todos os tipos de traduções. Não apenas as de literatura. A circulação da literatura técnico-científica é importantíssima. E se é verdade que a maioria dos cientistas pelo menos lê em inglês, não se pode dizer que os dos EUA leem em outros idiomas. Por isso, o conhecimento produzido no resto do mundo tem que ser traduzido para ser acessado pelos monolíngues de lá.

Um último quadro para podermos chegar a conclusões, é o que mostra os dez autores que escrevem em português e o número de traduções dos mesmos:

Os autores brasileiros mais lidos

Os cinquenta autores mais traduzidos no mundo podem ser consultados no Index. Nenhum escreveu originalmente em português. Escrevendo originalmente em espanhol só o Garcia Marquez, que aparece em 48º. lugar.

Enquanto nosso Mago tem 1.077 traduções registradas, a autora mais traduzida de língua inglesa (Agatha Christie) marcou 7.216 traduções. Note-se que Paulo Coelho só começou a ser traduzido em meados da década de 1980

Machado tem poucas traduções.

Comparado com Agatha Christie, por exemplo, Paulo Coelho fica bem atrás.

Machado de Assis registra apenas 99 traduções de 1979 a 2012.

Dizer, portanto, que nossos escritores partem para a luta a partir de uma posição extremamente frágil é eufemismo. E cada país consegue resultados diferentes para conseguir os “créditos” para seus autores.

A importância dos autores, seu “crédito” no mercado internacional de traduções é extremamente desigual, no que diz respeito ao prestígio crítico que usufruem em seus países de origem. Como sabemos, há muita gente escandalizada com a posição do Paulo Coelho e do José Mauro Vasconcelos, e injuriada pela ausência de outros.

Certamente podemos ficar felizes pelos grandes clássicos do idioma português que estão na lista, e por Jorge Amado e pela Clarice Lispector. A presença de Leonardo Boff abre outra pista para que se entenda essa distribuição de “créditos”, ou seja, a valorização de escritores: depende também do segmento para o qual escrevem. Astrid Lindgren é autora de livros para jovens, assim como Enyd Blyton, (conhecida como Mary Pollock – não localizei traduções aqui) que é a quarta mais traduzida no mundo. E quem for examinar a lista dos 50 Mais encontrará autores como Barbara Cartland e Danielle Steel, mas também Lênin, Marx, Tolstoi, Dostoievski. Enfim, para todos os gostos, e prato cheio para qualquer tipo de análise.

Assim, se determinados autores são centrais nessa desigualíssima distribuição de créditos da República Mundial das Letras, é sempre bom lembrar que as forças que condicionam essa presença não são facilmente domáveis, ou detectáveis.

OS FATORES DA PRESENÇA DE AUTORES QUE ESCREVEM EM PORTUGUÊS NO MERCADO INTERNACIONAL

Um dos fatores que contribuem de modo decisivo para que autores que escrevem em idiomas que disputam com o inglês a presença na República Mundial das Letras é, sem dúvida, a existência de políticas públicas consistentes de apoio à tradução e difusão desses autores.

Como melhorar a presença da literatura brasileira no exterior?

O questionário do Mapeamento Internacional da Literatura Brasileira fornece algumas indicações.

A primeira pergunta sobre o assunto questiona se escrever em português é, ou não, um obstáculo para a difusão da literatura brasileira no exterior.

As respostas são, definitivamente, inconclusivas:

As MESMAS justificativas foram usadas por quem, na pergunta anterior, havia respondido sim, não ou em termos.
Ou seja, havia uma grande coincidência nas justificativas, por exemplo:

– as traduções eram a solução;

– outros idiomas, particularmente o espanhol, eram mais divulgados.

Os mapeados, portanto, entendiam que o idioma português sofria de um certo tipo de “subalternidade”, ou “falta de reconhecimento” vis-à-vis outros idiomas.

Ou, como poderia dizer Pascale Casanova, o português tinha “menos valor” no capital literário internacional. Esse “valor menor” do idioma é certamente um dos fatores que dificultam a difusão internacional da literatura brasileira.

Entretanto, a principal razão apresentada, sobre a importância da tradução, é amplamente reiterada nas respostas a outra questão, que pergunta “Como difundir a literatura brasileira no exterior?

As duas principais respostas são bem diretas:

  • Apoio para a tradução (178 respostas);
  • Criação de um Instituto para difusão da literatura e da língua portuguesa (O modelo do Camões e dos demais é evidente): 108 respostas.

 

De fato, quando se observa o que outros países fazem para oferecer às respectivas literaturas uma oportunidade de entrar no mercado internacional, os programas de tradução assumem sempre um papel de importância. Os programas de apoio às traduções desenvolvidas por instituições como o Institut de France, o Goethe Institut, a Fundación Cervantes e outras têm suas ações focadas tanto no ensino do idioma como no apoio às traduções. Portugal, cujo tamanho e importância econômica no cenário internacional é menor que a do Brasil, mantém de forma globalizada o Instituto Camões, com programas de apoio à tradução, além de doutorados e cursos de português em todos os continentes, Portugal chega à sofisticação de apoiar a publicação de autores portugueses no Brasil, além de manter extensos programas de publicações nos países africanos.

Os países escandinavos, e mesmo a Grã-Bretanha e vários outros, possuem tais programas de apoio à tradução.

Recentemente os países escandinavos tomaram a resolução de incentivar explicitamente um nicho onde seus autores começaram a ter maior destaque, o da literatura policial. Não tiveram pudor de incentivar esse tipo de tradução, que foge de outras mais antigas, como os romances de Lars Gustaffson ou Selma Lagerlöff (esta ganhou o Nobel).

A grande exceção são os EUA, que agem integralmente a partir da enorme força comercial da sua indústria editorial, ainda que esta seja hoje, em grande medida, controlada por capitais alemães.

O Brasil tem, desde 1993, um Programa de Apoio à Tradução, dentro da Biblioteca Nacional. No decorrer desse período, já ajudou na tradução de cerca de 900 títulos, em diferentes países. Em 2013 a sistemática de análise e liberação dos apoios foi simplificada e agilizada, mas o programa sempre sofre com as variações orçamentárias.

O programa é bem conhecido por agentes literários, mas a sua percepção entre os mapeados é muito baixa, como mostram os gráficos a seguir:

Solicitou apoio para os programas de apoio à tradução da FBN?

Se não solicitou, por que razão?

Se solicitou, recebeu o apoio solicitado?

O segundo ponto destacado pelos mapeados é o da criação de uma instituição similar ao Instituto Camões, ou Instituto Cervantes.

Nesse caso, a situação é bem pior. O Departamento Cultural do Itamaraty não tem uma política proativa de promoção da cultura brasileira. O número de CEBs foi muito reduzido no governo FHC. Voltou a crescer nos mandatos do Lula, principalmente na África. Entretanto, o Itamaraty responde principalmente às demandas dos chefes de missão. Se o embaixador gosta de música, pede concertos; se gosta de artes plásticas, pede exposições; se gosta de literatura, empreende ações na área.

Há alguns anos, a APEX- Agência Brasileira de Exportação, estabeleceu um convênio com a CBL para um programa, “Brazilian Publishers”, com o objetivo de estimular a exportação de livros e direitos autorais de autores brasileiros. O programa tem tido sucesso no aumento da participação em feiras internacionais, e também tem convidado agentes literários para visitar alguns dos festivais e Bienais brasileiros (FLIP e Bienais de São Paulo e do Rio). É um esforço continuado que já obteve algum sucesso, e é importante a manutenção da presença em feiras e festivais internacionais, o que aliás é outra das demandas dos mapeados.

O que se constata, entretanto, são iniciativas descontinuadas e sem a necessária profundidade e ação sistemática.

Ao constatar o ponto de partida extremamente difícil para promover a divulgação de nossos autores no exterior, parece claro que seria necessário ter uma ação internacional de promoção cultural integrada, consistente e continuada. E isso não apenas em relação à literatura, claro.

O diagnóstico existe, os problemas são conhecidos. Tudo depende, portanto, da decisão de efetivamente desenvolver uma política cultural consistente e continuada de promoção da cultura e, em especial, da literatura brasileira no exterior. Os esforços que são feitos têm produzido resultados, mas são muito pequenos diante da magnitude do problema – e de suas consequências, inclusive para o reconhecimento internacional do país.

Dito seja, como ponto final, que o Departamento Cultural do Itamaraty nem respondeu ao convite feito para participar do X Encontro Internacional do Conexões Itaú Cultural.
São lacunas que, como vimos, se expressam em todos os níveis.


Este post foi produzido para o X Encontro do Conexões Itaú Cultural, que aconteceu nos dias 8 a 10 de novembro em S. Paulo, com modificações.

FLICRISTINA, FESTIVAL DE LITERATURA NO SUL DE MINAS

O Estandarte da FLICRISTINA

Na gestão do Galeno Amorim na Biblioteca Nacional, foi feito um levantamento de quantas feiras e festivais literários existiam no país, de modo a dimensionar o programa de apoio a essas iniciativas, com recursos do Fundo Nacional de Cultura. Galeno deixou a presidência da BN em 2013, mas até 2014 foi lançado o edital convocando inscrições para o problema.

Tudo isso, desde então, foi desaparecendo, e se esvai na fumaça do tempo.

Infelizmente perdi a tabela com os dados levantados. Mas lembro que estavam na casa das centenas, espalhados por todo o Brasil, com o maior número delas no Rio Grande do Sul.
Felizmente, entretanto, apesar desse descaso para com essas importantíssimas atividades de apoio ao livro e à leitura, as pequenas feiras e festivais continuam florescendo no que é o Brasil (enquanto o Bananão assume tantos outros aspectos desse antigo país). Não apenas as grandes manifestações, como a FLIP, mas também as pequenas e médias. Infelizmente, algumas terminaram, como o Festival da Mantiqueira, exterminado pela própria entidade que o criou, a Secretaria de Estado da Cultura de S. Paulo.

A FLICRISTINA é uma dessas que nasceu e continua depois da extinção desse programa. Começa na noite desta quarta-feira e prossegue até domingo.

Sexta-feira à tarde estarei lá, conversando com o público sobre Leitura e Mercado Editorial. É um tema recorrente no que escrevo: a importância dos autores do mercado editorial (editores, distribuidores, vendedores do porta-a-porta e livreiros) na difusão do hábito da leitura em nosso país. A programação da FLICRISTINA está aqui:

Ninil Gonçalves, promove o Festival junto com sua irmã Rai Gonçalves. Ninil é fotógrafo, e eu e a maria José Silveira o conhecemos quando ele veio fotografá-la para um projeto que desenvolve, de retratar os autores em seu ambiente de trabalho. Produziu um livro sobre Cristina, sua cidade natal.

Sua irmã, Rai Gonçalves, tem uma cafeteria na cidade, e é uma batalhadora pelo fortalecimento da vida cultural em Cristina. A cidade está no Sul de Minas, na área que abrange Itajubá, Delfim Moreira, Santa Rita do Sapucaí e outras. É uma região produtora de cafés finos, alguns dos quais já foram classificados como entre os melhores do mundo.

A história da iniciativa de Ninil e Rai é contada pelo próprio Ninil, no texto abaixo:

“Pequena História da Flicristina
A Flicristina foi idealizada há 3 anos atrás pelos irmãos Ninil Gonçalves e Rai Gonçalves numa conversa sobre a falta de opção em Cristina para aqueles que gostam de literatura e precisam de um espaço para desenvolver tais diálogos. A ideia inicial era fazer algo como um pequeno “café com Letras” ou Café filosófico” na cafeteria que a Rai tinha acabado de abrir na praça Santo Antonio e num sábado fazer alguns diálogos com professores universitários que conhecemos. Essa necessidade também se deu por motivos relacionados ao passado. Somos de uma família de avós e pais trabalhadores rurais e todos analfabetos. Nunca tivemos livros em casa. Rompemos com o analfabetismo e começamos a encher a casa de livros. Hoje todos os irmãos são professores e essa relação com a Educação nos conduziu a rever essas questões do passado e tentar fazer algo que levasse a literatura a muitos que não têm contato com ela e a Educação se tornou a bandeira da feira. Não tínhamos ideia que aquele pequenino “café com letras” se tornaria uma feira. Talvez a forma artesanal e o projeto sem fins lucrativos tenham conquistado alguns corações que nos apoiaram. Essa parceria e o trabalho coletivo é que dá sentido à feira, tudo isso voltado para formação de leitores e disseminação da literatura como ferramenta transformadora do mundo, pelo menos ao redor de nós, se possível. A Flicristina continuará com essa intencionalidade de ter a Educação como carro-chefe da feira e também na divulgação de trabalhos de autores da região e obviamente trazer os grandes autores para legitimar a grandiosidade transformadora da literatura. A secretaria de Educação da gestão anterior apoiou e possibilitou o crescimento da Flicristina. O mesmo aconteceu com a secretaria de Educação atual, que não poupou esforços para que a feira se tornasse ainda melhor. A secretaria conseguiu reunir as professoras e todos os alunos da cidade para participarem da feira, inclusive da zona rural. Isso traz uma felicidade imensa aos organizadores porque esse é o espírito da feira: levar a literatura a todos. A prefeitura da cidade está nos apoiando de todas as formas possíveis. Essa participação do poder público mostra o quanto a gestão atual é responsável em relação à Educação e isso nos anima a ter um empenho ainda mais intenso. Realmente não é fácil organizar uma feira literária, pois os problemas são 10 vezes maiores que as soluções, mas criamos isso e somos responsáveis pelo que ela tem a oferecer a todos. Estamos empenhados em fazer o melhor para todos os participantes e visitantes. Pedimos desculpas por qualquer deslize ou erro. Os organizadores agradecem de coração a todos os envolvidos, direta e indiretamente na luta, que é de todos e para todos”.

Vou para Cristina e para a FLICRISTINA.

Aproveite o feriadão e vá também!

AMAZON CHARTS – UMA LISTA COM NOVO FORMATO

A loja dos EUA da Amazon lançou, nesta semana, uma lista dos “mais vendidos e mais lidos”, que será renovada semanalmente.

O lançamento foi geralmente bem recebido pelos editores (os livreiros, ao que eu saiba, não se manifestaram até o momento em que escrevia este post).

No dia em que a notícia foi divulgada (18 de maio) perguntei à Amazon.br se a iniciativa também seria adotada pela loja brasileira. A resposta foi não, como também não havia previsão disso acontecer aqui.

Listas de “mais vendidos” (nunca vi uma lista de “mais lidos” antes) são uma presença constante nos jornais, e uma disputa permanente nas editoras para aparecer nelas. Não é à toa. Aparecer em uma das listas aumenta imediatamente a procura dos livros nos pontos de venda. Os leitores de cada meio (como detesto vários desses meios, não dou o nome de nenhum) se guiam pelo que essas listas revelam. E, como qualquer um pode verificar, as listas nem sempre são coincidentes entre si, em todos os títulos.

A resposta para essa questão é decorrente do método como é elaborada cada lista.

Lá pelos anos setenta e oitenta, quando essa onda se espalhou por aqui, a mídia perguntava quais eram os mais vendidos a um número de livrarias selecionadas por ela mesma, geralmente concentradas no eixo Rio-São Paulo (com ênfase maior na cidade onde se situava o jornal ou revista), e as livrarias mandavam suas respostas.

A janela de manipulação era óbvia, não tardou muito a ser descoberta, e a mídia procurou meios de verificar isso com métodos de pesquisa na porta das lojas. Não havia nenhuma estatística metódica nisso tudo, e assim foram aparecendo listas para todos os gostos. O grande questionamento vinha exatamente da opacidade da formação dessas listas, sem critérios específicos para determinar quais lojas forneceriam a informação. Hoje, vários jornais e revistas deixaram de publicar qualquer lista.

Em alguns países, a informação é dada pelas editoras, diretamente. Aí a questão é de outra ordem. “Vendas” de editoras às livrarias e distribuidoras não significa que os livros terminem vendidos ao público. Em alguns casos (como o brasileiro), muitas saídas das editoras são em consignação. Em outros, como os EUA, praticamente todas as vendas são com direito a devolução, e há muito essa é uma preocupação do mercado editorial, pois há casos que os retornos são altos demais. A tentativa de remediar isso, às vezes, é fazer uma checagem com outras fontes, como as próprias livrarias e o BookScan ou o sistema similar que a GfK tem em outros países.

Quando a PublishNews começou a elaborar sua lista, aperfeiçoou o mecanismo de pesquisa, ainda com consulta às livrarias, embora ampliando.  A metodologia explicitada está aqui. Mais tarde, passaram a elaborar, desta vez junto com a Nielsen, Lista Nielsen PublishNews que apura só os autores nacionais.

Existe também listas e informações compiladas através da Nielsen BookScan, um mecanismo que registra a venda de cada exemplar na caixa do varejista. Isso foi explicitado desde o começo. O problema central dessa lista é o fato do BookScan não cobrir as livrarias independentes, o que vale também para as análises de exemplares vendidos e faturamento que são mensalmente divulgados em parceria com o SNEL. Entretanto, na questão “transparência”, a Nielsen BookScan não informa que livrarias ou redes estão fornecendo os dados.  Informação posterior da Nielsen à PublishNews diz que são coletados dados dos seguintes varejistas: Livraria Cultura, Livrarias Curitiba, Livraria Leitura, Saraiva, FNAC, Shoptime, Americanas, Cia dos Livros, Amazon, Submarino, Livraria da Vila, Nobel, Disal, CNova, Escariz, Grupo Pão de Açúcar, Walmart, Coop, Big, Supermercados Imperatriz, Nacional, Carrefour, Extrabom, Mercadorama, Angeloni e Bom Preço.

O argumento usado é que as livrarias (cadeias, supermercados e grandes varejistas online, exceto a própria Amazon) que usam o BookScan cobrem a maioria do mercado. É verdade. Mas o que deixa de fora é o registro da bibliodiversidade da produção editorial, que se concentra principalmente nas pequenas e médias editoras. Isso pode não prejudicar uma apreciação dos “mais vendidos”, mas não deixa de ser um buraco negro de interrogações.

O importante, sempre, é saber qual o escopo abrangido por listas, pesquisas, etc.

Dito isso, voltemos à Amazon Chart.

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