A COLUNISTA, O SOCIÓLOGO E O CASAL DE LIVREIROS

Luciano Gonçalves e Mariângela Ribeiro, donos de sebo Gregas e Troianas

Na última semana, o abaixo-assinado que conseguiu impedir a ida de Míriam Leitão e Sérgio Abranches a uma feira de livros, uma das mais recentes entre as atitudes chocantes e antidemocráticas dos partidários do indivíduo que ocupa a Presidência da República, chamou atenção da mídia e de quem se importa com o livro e a leitura. Os curadores do evento explicaram detalhadamente como um sujeito que mora na cidade conseguiu assinaturas de mais de três mil pessoas “repudiando” a presença do casal de autores.

O acontecido teve sua repercussão amplificada por serem os dois autores quem são: a colunista do principal veículo porta-voz da orquestração do golpe de 2016 e seu marido, sociólogo, conhecido no âmbito acadêmico, e que, nesse episódio, foi rejeitado explicitamente por ser casado com quem é.

Miriam Leitão nem iria participar de eventos por conta de suas coletâneas de artigos econômicos, e sim por seus livros infantis. Sérgio Abranches, pelo livro que revisa o conceito de “presidencialismo de coalização”, aventado há vários anos.

Independentemente da qualidade dos livros (não os li), certamente pesou no convite a repercussão – que se esperava positiva – da presença da colunista d’O Globo. Deu o contrário.

A tentativa de perturbar o evento com a presença do jornalista Glen Greenwald, em programação paralela à Flip, em Parati, foi outro exemplo dessa intolerância. Felizmente, apesar da perturbação, não conseguiram impedir a mesa e o debate.

A indignação é justa. Qualquer tentativa de sufocar o debate, proibir livros e autores precisa ser veemente combatida.

Qualquer tentativa?

Infelizmente não tem sido assim.

Há pouco mais de um mês um casal de livreiros, vendedores de livros usados em Rezende, no Rio de Janeiro, sofreu uma brutal investida judiciária (como está na moda), do autonomeado bispo Edir Macedo. Luciano Gonçalves e Mariana Ribeiro, donos do sebo Gregos e Troianos estão sendo processados pelo autor-bispo, que pede vultosa indenização – pequena para a riqueza do dono da Record e pastor da Universal, mas potencialmente desastrosa para os livreiros.

A base do processo?

Os donos do sebo haviam colocado um banner na vitrina da loja, convidando racistas, machistas e homofóbicos a entrar, pois ali havia uma casa que prezava a cultura e a inteligência. Era, portanto, um espaço disposto a oferecer ajuda a quem estivesse disposto a se livrar dos preconceitos. O texto do banner também expandia o convite a “pessoas que não consideram a obra de Jair Bolsonaro, Silas Malafaia e Edir Macedo uma vergonha para a humanidade”, como diz o abaixo-assinado que circula em apoio ao casal.

O poster que provocou a ira do bispo…

Edir Macedo sabe muito bem da importância dos livros, e se deu ao trabalho de escrever vários, inclusive extensa autobiografia em três volumes, cada um dos quais entrou nas listas dos mais vendidos no ano do lançamento. Edir Macedo também personagem muito assíduo nas crônicas judiciais do país, como autor e como réu. Os processos em que Edir Macedo se envolve são variados: vão de injúria a charlatanismo e lavagem de dinheiro. Seus seguidores costumam replicar os processos em vários estados, obrigando quem se defende a despender vultosos recursos com advogados e a presença nos variados processos.

O que importa aqui é que esse processo em específico representa um atentado à liberdade de expressão tão grave quanto o veto a Míriam Leitão e Sérgio Abranches, ou as ameaças a Glen Greenwald.

Mas, ao contrário dos dois famosos, os livreiros sofrem com a ocultação do calvário judicial que ameaça seu ganha pão e, sobretudo, ameaça uma livraria.

Mesmo nas lutas contra ações atrabiliárias, o caso dos sebistas Luciano Gonçalves e Mariana Ribeiro mostra a terrível desigualdade que se esconde por trás de alguns combates pela democracia e pela liberdade de expressão.

O manifesto em defesa dos dois livreiros, encabeçado por Haroldo Ceravolo, Aldo Bocchini Neto, Daniel Louzada e outros (eu assinei logo no começo), está com 1.574 assinaturas. É pouco. Vamos mostrar que não apenas os autores famosos contam com a solidariedade do mundo do livro. Assine também aqui.

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