Há alguns dias li, n’O Globo, uma matéria sobre a instalação de uma biblioteca em uma estação de trens da Supervia, a antiga linha da Central do Brasil, em Madureira, subúrbio do Rio de Janeiro.
O projeto foi desenvolvido pelo Instituto Oldenburg, dirigido pela Cristina Oldenburg, que conheci há vários anos em função de outro projeto por eles desenvolvido, o das Salas de Leitura.
Esse projeto contou com a colaboração inicial do Sérgio Machado, presidente do Grupo Editorial Record. Sérgio Machado sempre foi muito atento para as questões relacionadas com o ciclo de vida dos livros. Depois de certo tempo, o circuito tradicional de vendas de livros se esgota, e sobram apenas vendas residuais, geralmente via Internet. Assim, esses exemplares ficam em depósito, provocando gastos adicionais de armazenamento e logística. O conhecimento desse problema é uma das raízes do Programa do Livro Popular, que busca estabelecer um novo ciclo de vida para essa imensa riqueza editorial não mais encontrável com facilidade nas livrarias, mas que pode ser recolocada no mercado em outras condições.
Bem, a Estação Leitura instalada na estação de Madureira foi depredada semana passada, assim como quase toda a estação ferroviária, pelos usuários revoltados com os atrasos e problemas dos trens. Aqueles mesmos trens que há décadas já motivavam sambistas a comporem os lamentos por sua ineficiência: “Patrão, o trem atrasou, por isso estou chegando agora…”
Acaba a Central do Brasil, privatizada (por que será que essa privatização fernandohenriqueana não é citada como modelo de eficiência?), transformada em Supervias. André Vallias, o poeta, comentou sarcasticamente o nome que, segundo ele, deveria ser “Supervias – crucis”, com a população dos subúrbios cariocas fazendo o papel de Cristo.
Mas, antes da depredação, eu havia enviado um e-mail para a Cristina pedindo que relatasse os resultados do primeiro programa, da Sala de Leitura, e a conformação dessa nova iniciaitiva.
Eis o que ela me enviou:
“Sala de leitura
De 2003 a 2010 foram implantadas 728 Salas de leitura em 23 Estados da Federação.
Em sete anos de trabalho, a base do projeto precisou evoluir, inclusive com relação à remuneração dos profissionais da área de gestão e produção cultural.
Apesar de várias tentativas na busca desse amadurecimento, os pareceristas do MinC desqualificaram o nosso trabalho, impondo uma remuneração menor que um salário mínimo aos produtores que trabalham no projeto.
Temos um PRONAC aprovado em 2010, onde o valor de remuneração para os nossos produtores é 40% menor que o valor aprovado em 2005.
Apesar de estarmos com problemas nas rubricas de remuneração de pessoal, dois patrocinadores tradicionais depositaram recursos na conta bloqueada do projeto.
Para a movimentação da conta bloqueada precisamos captar 20% do valor total do projeto e ainda não conseguimos bater a meta.
Além do recurso voltado para a remuneração dos profissionais, entramos com um novo pedido para reduzir o número de salas e, consequentemente, o valor do projeto para que possamos movimentar a conta bloqueada. Esse pedido está sendo justificado pelo fato de que já temos recursos suficientes para implantar 36 salas de leitura e não podemos iniciar os trabalhos sem autorização do MinC. Nossa ideia seria implantar essas 36 salas, cujos recursos já se encontram na conta, e fechar a conta desse Pronac, pois não podemos arcar com os prejuízos impostos pelos valores irrisórios para o pagamento de produtores.
Sala de leitura em 2012
Em 2012, implantaremos 10 salas de leitura por meio da lei do ISS, no Rio de Janeiro. Esse novo caminho deve-se aos problemas que estamos enfrentando com relação ao Pronac que esta em vigência no MinC.”
Não vou nem comentar aqui o pesadelo burocrático de manejar os projetos financiados com os mecanismos do Incentivo Fiscal (Lei Rouanet). Em outros momentos já falei sobre isso, sobre os defeitos e problemas da lei atual, assim como o estrupício que a gestão anterior do MinC elaborou dizendo que era para melhorar, e que na minha opinião não vai conseguir isso. Mas esse é outro assunto.
Volto à Cristina, na sua descrição (pré depredação), do que era o projeto da Estação leitura.
“Estação Leitura
O projeto é uma experiência nova e com recursos próprios da Nestlé.
Temos a intenção de incentivar o projeto, mas somente depois que o piloto estiver amadurecido.
Acreditamos que a somente depois do projeto testado e afinado poderemos partir para o incentivo fiscal, pois caso contrário corremos o risco de ficar engessados em um orçamento sem poder aprimorar o trabalho à medida que a demanda de adaptações possa ocorrer – e isto é fato nas vivências que temos com o MinC.
Os livros que foram selecionados para esta edição são fruto de uma parceria que fizemos com um projeto que já estava em andamento na SuperVia.”
Houve, então, o incidente provocado pelas péssimas condições de operação da ferrovia.
Recebi da Cristina Oldemburg um e-mail circular por ela enviado aos envolvidos no projeto:
“Prezados amigos, parceiros, colaboradores e incentivadores,
O Estação Leitura é como todos nós. Lutamos para crescer, vencemos desafios e obstáculos dia após dia, vislumbrando uma maturidade convicta da importância da prática da cidadania.
Mesmo recém-nascido e inaugurado, já conquistamos muitos amigos e espalhamos conhecimento, informação, fantasia e, principalmente, esperança – a esperança de que algo vai mudar, esperança de que estaremos cada dia mais unidos em torno das reais necessidades deste nosso tempo.
Em dez dias de vida útil, temos 53 leitores cadastrados, 59 livros emprestados, 29 livros já devolvidos, 30 livros em leitura e um livro recadastrado.
No espaço, não sobrou nada de material. Não importa, pois a força da iniciativa continua. O obstáculo que estamos enfrentando neste momento não é o primeiro e não será o último. Os obstáculos acontecem para nos fortalecer, para repensarmos algumas questões e, principalmente, para nos unir ainda mais em torno de uma causa importantíssima – a Educação.
A Educação do ensinar e aprender.
Educação é transposição.
Educar é reinventar.
O Estação Leitura com certeza surgiu para nos aproximar e para que juntos pudéssemos refletir sobre este importante momento de tantos conflitos e de tantos questionamentos.
O Estação Leitura é um convite à Reinvenção.
Vamos juntos?”
A Cristina enviou também o link para uma matéria do Globonews sobre a Estação Leitura, reproduzido aqui.
Os projetos do Instituto Oldemburg somam-se a dezenas de outros que buscam suplementar uma carência básica do país, que á a de dificuldade de acesso à leitura. São salas de leitura, bibliotecas comunitárias, bibliotecas em hospitais, presídios, centros de atendimento ao público, estações de ônibus, de metrô, todas criadas por iniciativas de instituições que compreendem perfeitamente a questão central do desmantelamento do mito de que brasileiro não lê: o que os brasileiros não têm é acesso ao livro.
São projetos de portes diferentes. Alguns são incentivados por mecanismos de incentivo fiscal, seja o federal, sejam os estaduais ou municipais. Muitos são o resultado do esforço de pessoas e grupos que simplesmente dedicam tempo, esforço e recursos para isso.
Esse é o tipo de esforço que deve ser apoiado e incentivado. Com menos burocracia. Com suplementação a esses esforços, procurando criar condições para que essas iniciativas se transformem em redes, se difundam cada vez mais, apoiem e sejam apoiadas interajam com as bibliotecas públicas.