A ASSOCIÇÃO NACIONAL DE LIVRARIAS – ANL, enviou à imprensa uma carta aberta sobre o livro digital, aqui transcrita, com comentários meus no final.
CARTA ABERTA DA ANL SOBRE O LIVRO DIGITAL NO BRASIL
Diante de novos desafios, assim como diante da chegada iminente do maior varejista mundial do comércio eletrônico, bem como da paulatina porém inexorável difusão da leitura sobre suportes digitais, a ANL – Associação Nacional de Livrarias apresenta sua posição, acompanhada de sugestões para todos os integrantes da cadeia produtiva do livro.
Diferentemente do que ocorre no campo dos meios de comunicação, em que existem leis que disciplinam o mercado, regulando e limitando a participação de empresas multinacionais, no mercado livreiro e editorial brasileiro predomina quase que exclusivamente a livre iniciativa, com um claro déficit de proteção para a produção nacional. Quem tem poder maior de compra dita as regras, sem levar em conta a necessidade de preservação da bibliodiversidade, nem a importância de manter o vigor dos distintos canais de comercialização. Enquanto se mantém há várias décadas a praxe de se cobrar o mesmo preço para jornais e revistas numa mesma região geográfica, independente do tipo de ponto de venda, o que torna viável a existência de uma vasta rede de distribuição para estes produtos, até hoje não se chegou a um acordo semelhante para a comercialização de livros.
Sofremos hoje com baixíssimos índices de leitura e pequena presença de livrarias espalhadas pelo país. Segundo dados do IBGE, menos de um terço dos municípios brasileiros possui ao menos uma livraria. Este número, que por si é preocupante, vem diminuindo ao longo dos anos, tendo havido aumento da concentração nas regiões Sul e Sudeste e maior peso de grandes empresas varejistas.
Preocupada com essas questões, e mirando-se na experiência acumulada pela indústria cinematográfica que soube preservar, apesar de todas as turbulências e transformações recentes, sua cadeia de distribuição, a ANL, principal entidade em defesa dos livreiros brasileiros, através de sua diretoria, se manifesta e compartilha as seguintes orientações:
Recomendamos estabelecer um intervalo de 120 dias entre
o lançamento dos livros impressos no formato de papel no mercado brasileiro e sua liberação nas plataformas digitais.
Solicitamos que o desconto para revenda do livro digital para todas as livrarias e para as demais plataformas seja uniforme, possibilitando igualdade de condições para todos os canais de comercialização nesse novo suporte de leitura.
Sugerimos que a diferença de preço a menor do livro digital para o formato impresso seja no máximo igual a 30%.
Na hipótese de a editora ou distribuidora vender diretamente ao consumidor final, o desconto nos livros digitais não poderá exceder 5%.
Ednilson Xavier
Presidente da Associação Nacional de Livrarias
Comentários:
A ANL procura reagir bravamente à situação provocada pela concentração que acontece também na rede de livrarias, e pela chegada da Amazon no Brasil.
Vejpo na iniciativa o mérito de fazer propostas. Mas aís e encerra o caso: são propostas que, para quem conhece o mercado editorial brasileiro, tem chances remotíssimas de prosperar.
As maiores editoras brasileiras do segmento obras gerais, reunidas em uma ditribuidora para produtos digitais, a DLD, se esforçam para tentar colocar limites no apetite monopolista da Amazon. Como não conheço os termos da negociação aparentemente terminada, só poderei opinar sobre isso depois que o assunto vier a público.
Os rumores de negociações entre a Amazon e a proprietária da Submarino/Americanas persistem e ressurgem volta e meia. A Saraiva voltou à baila também, com a possibilidade de venda somente do segmento de vendas digitais. Como tanto eu como o Carlo Carrenho já comentamos, não interessa à Amazon adquirrie e administrar uma rede de livrarias físicas. Aparentemente não interessava à Saraiva a venda da operação online, mas, ao que se diz, essa situação mudou.
O Kobo, que é a alternativa ao leitor Kindle da Amazon, fechou acordo com a Livraria Cultura para que esta seja o canal de venda dos e-readers. Não sabemos que movimentações possam estar acontecendo em relação a cadeias de livrarias regionais, menores que a Saraiva e sem tanta visibilidade mediática quanto a Cultura, mas que são importantes em regiões específicas, como é o caso das Livrarias Curitiba e da Leitura. Note-se que a Kobo fechou um agordo com a ABA – American Booksellers Association, para que o sistema Kobo seja adotado pelas livrarias independentes como seu canal para venda de produtos digitais.
Mas a grande questão é que, para as autoridades brasileiras de regulamentação da concorrência, amparadas pela legislação brasileira, que é muito calcada na dos Estados Unidos nesse aspecto, as possibilidades de regulamentação de descontos e da instituição do preço fixo são muito remotas aqui. A argumentação sobre o preço fixo dos jornais é absolutamente correta. Mas o PIG, como sabemos, manda muito no país, e mexer com seus interesses é muito difícil. Penso que, na perpectiva dos jornalões, eles não vão querer estender esse guarda-chuva do preço fixo para mais ninguém. É deles e pronto.
Amanhã viajo ao México, convidado pela Feira de Guadalajara para participar de uma mesa redonda que se propõe a discutir precisamente o tema de se as livrarias independentes podem resistir e sobreviver à pressão das grandes cadeias e dos mega-varejistas online.
Até acho que podem, sim. Mas, para isso, as livrarias independentes brasileiras têm que ir muito mais adiante, em termos de organização, modernização administrativa e tecnológica e estratégias bem definidas para uma resistência que vá mais além da “recomendação”, da “solicitação” e da “sugestão”.
É significativo que a Kobo tenha buscado um acordo com a ABA nos EUA. A ABA tem capacidade de organização e aglutinação que vêm se fortalecendo há anos, com a organização de canais cooperativos de vendas online entre seus associados. Situação muito diferente da nossa ANL.
Depois da mesa em Guadalajara conto para vocês o que apareceu lá e quais as análises feitas.
Olá, Felipe,
Desculpe minha ignorância, mas o que é PIG exatamente? Quanto a ir além de meras sugestões e recomendações, digo que a força das livrarias independentes depende apenas da postura dos próprios editores: caso os editores prefiram permanecer reféns de algumas poucas grandes empresas, isso só pode prejudicá-los, pois as independentes não têm como se defender. É óbvio que seria do interesse de todos, leitores, editores e livreiros, que uma vasta rede de comercialização, de pequenas, médias e GRANDES (mas não só de grandes) empresas cobrisse todo o território nacional. Acontece que os grandes editores, em sua maioria, não pensam assim. Como dito publicamente – em audiência pública na Cãmara dos Deputados, em 2009 – pelo representante do SNEL – ao comentar apresentação do então Presidente da ANL, Vitor Tavares, a respeito da escassez de livrarias no país – “por que não MENOS LIVRARIAS e MENOS EDITORAS” ? Ou seja, oligopólio é mais fácil de administrar. A apresentação foi gravada e deve estar no site da Cãmara, para quem tiver dúvidas.
Bibliodiversidade para que ?
Um abraço,
Milena
Milena,
PIG é o partido da imprensa golpista, vulgo jornalões. Quanto ao seu comentário é preciso dizer que se um segmento depende de outro para defender seus interesses, está ferrado. As livrarias tem que se articular para se defender e atuar junto ao governo e congresso , malgré SNEL, CBL e congêneres
Pois, é, Felipe, mas é assim que funciona. Nenhuma cadeia é mais forte que seu elo mais fraco; no caso da Cadeia Produtiva do Livro, as Livrarias ocupam este lugar. Na França, a Lei do Preço Único surgiu de um movimento em reação aos descontos praticados pela recém inaugurada FNAC, em fins dos anos 70, iniciado pelo Editor da Minuit. Como havia poucas adesões, ele fundou uma Associação pelo Preço único. Aos poucos, vários editores e livreiros aderiram, e Mitterand, ao ser eleito em 1980, cumpriu uma promessa de campanha, e promulgou a lei em poucos meses de mandato.
Aqui no Brasil, os editores são contrários à lei do Preço Fixo, e portanto, SNEL, ABRELIVROS e CBL boicotam qualquer possibilidade de regulamentação. O que poderiam fazer as livrarias ? Parar de vender os livros destas editoras (que são maioria). Defender-se como?
As livrarias estão sendo obrigadas a se transformar em lojas não exclusivamente dedicadas aos livros, mas que vendem também material de papelaria, confeitaria, informática, jogos eletrônicos, etc.. Livraria virou “Big Business”, o capital financeiro (não apenas nacional) está entrando pesado, várias redes se tornaram S/A. Para as livrarias independentes, não sobram muitas alternativas. Quem souber o que fazer, aceitamos sugestões.
Sugestão que venho dando desde o século passado: sempre haverá lugar para livrarias em que os livreiros e atendentes conheçam livros, sejam quase bibliotecários, na ajuda aos leitores.
Que possam não apenas lhes indicar bons títulos como discutir com eles os conteúdos.
Um lugar, inclusive, em que os leitores possam abastecer seus ebooks readers com conteúdo baixado localmente – de editores locais, internacionais e, principalmente, os livros livres legítimos/legais (free ebooks) disponíveis na web [esses representarão uma economia real para os leitores/consumidores, compensando as taxas a serem pagas)
Sim, taxas para todos os serviços que as livrarias possam oferecer aos leitores.
Há uma gama imensa de serviços que podem ser prestados a esse exército de novos leitores digitais de forma presencial.
Mas para isso é preciso um pouco mais do que boas intenções e vontade.
É preciso atualização, estudo, capacitação – estudo e mais estudo.
Com “vendedores/balconistas não apenas não-leitores mas semi-analfabetos vai ser difícil, muito difícil.
Minhas duas patacas – sem muita esperança de ser ouvido.
Esperança deixei lá nos anos 90 do século passado:((
Se alguém tiver a curiosidade, basta usar a máquina do tempo:
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teotonio
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