Qual a vantagem de ir para um Congresso do livro digital?

Nos dias 26 e 27 de julho passado aconteceu o 2º. Congresso Internacional CBL do Livro Digital. Foram doze eventos, entre palestras e mesas-redondas, além da apresentação de trabalhos científicos em uma sala anexa. Boa frequência, apesar do preço salgado. Poucas perguntas e ainda menos discussões. A plateia permaneceu passiva depois da maior parte das palestras/mesas redondas, e mesmo as perguntas feitas não provocaram grandes discussões.
Não pretendo comentar todas as palestras ou discussões. Quero apenas chamar atenção para alguns tópicos que me pareceram os mais interessantes.

O primeiro ponto a destacar é que esta segunda versão do Congresso do Livro Digital teve menos “vendedores de soluções” que o primeiro. Achei isso bem positivo. É um tanto abusivo pagar para ouvir um monte de gente querendo vender soluções desenhadas para outro ambiente de negócios e estágios tecnológicos muito diferentes dos que temos aqui.
Ainda assim, ausências se fizeram notar, principalmente a das empresas em desenvolvimento de distribuição e conversão de conteúdos digitais já presentes no Brasil. Não se teve notícias nem da empresa formada pelo consórcio que organizou a DLD – Distribuidora de Livros Digitais (Objetiva, Record, Sextante, Planeta, Rocco e L&PM), nem do “Minha Biblioteca”, a versão brasileira do programa iniciado pala Ingram nos EUA e que aqui inclui o GEN, Atlas e Grupo A e a Editora Saraiva. E também nada da Xeriph, distribuidora de conteúdo digital que não está vinculada a nenhum grupo editorial. Na minha opinião, faltou também outro tema relevante: o uso de conteúdo digital nas universidades públicas, já que há anos tanto a CAPES/CNPq quanto a FAPESP investem grandes somas na aquisição de revistas acadêmicas em formato digitalizado. Pode ser que em outro Congresso os organizadores se lembrem disso.
Como acontece em qualquer evento do gênero, houve momentos interessantes e outros que chegaram a ser patéticos. Um deles, que vou me poupar de mencionar, me fez lembrar o movimento de criação de um partido anti-powerpoint que andou aparecendo na Europa, e “brindou” a plateia com uma dessas apresentações que às vezes aparecem na Internet, cheia de lugares comuns, fotos comovedoras e mensagens de autoajuda. Quase saí para entrar online e pedir filiação nesse partido…
Outra apresentação que chegou perto do patético foi a do representante da Digisign, empresa conceituada na certificação digital mas que, aparentemente, não sacou a dos e-books. Quer garantir a inviolabilidade do conteúdo com DRMs que funcionam com tokens ou somente online. Acabam inventando um e-book acoplado com jaca ou melancia. Imaginem se para ler um conteúdo for preciso fazer uma operação similar à de acessar a conta corrente bancária…
A palestra mais instigante e sensata, sem dúvida, foi a do Ed Nawotka, editor do Publishing Perspectives. Ed fugiu totalmente da futurologia e colocou de modo muito simples: os editores só podem – ou melhor, devem – se preparar para as contingências do futuro da edição digital com os mecanismos mais abrangentes de coleta de informações sobre seu público, com o uso amplo de metadados. Já comentei no meu blog que os editores brasileiros estão uns dez anos atrasados nisso.
Algo que perpassou várias palestras e mesas redondas foi a confusão – que acredito não deliberada, mas nem por isso menos daninha – entre os diferentes tipos de conteúdo digital que podem ser acessados pelo público leitor. Quando sabemos que o leitor de e-books mais popular no mundo é o Kindle, com sua tela sem cores e que privilegia totalmente a leitura de textos; quando sabemos que a iBookstore acoplada nos aparelhos da Apple perde feio para o iTunes, e que a venda de livros no iPad e nos iPhones está sendo muito menor que o esperado; quando sabemos que o Nook e o Kobo seguem pelo mesmo rumo do Kindle, eu me pergunto: a que vem tantas apresentações sobre “enhanced e-books” e sobre conteúdos compartilhados em redes digitais? Acredito que o conteúdo de livros didáticos e de livros infantis vá exigir telas coloridas (e a Amazon já prometeu seu tablet com essas características até o final do ano) mas, no momento e como tendência dominante, o que predomina é a leitura de texto. O resto, por enquanto, é jogo interativo online, o fenômeno “transmídia”, que ainda veremos no que vai dar.
Bob Stein, na palestra de abertura, se declarou muito feliz por ter sido pago durante anos para “pensar o futuro do livro” e veio com a ideia de que – no futuro, é claro – o conteúdo seria distribuído gratuitamente e que as pessoas pagariam para participar da “rede de leitores”. Nessa rede todos os leitores fariam anotações, comentários, glosas e o que mais lhes apetecessem acrescentar ao conteúdo original. Quem faz parte do FaceBook (eu faço) sabe perfeitamente que a quantidade de comentários inanes que por ali circulam é enorme. Imaginem o sujeito ler um Balzac acompanhado de comentários mandando florzinhas ou sinaizinhos de “curti” a cada página? Se fosse um grupo fechado lendo um ensaio, vá lá. E mais, tanto o Kobo quando o próprio Kindle já permitem acesso – pelo menos parcial – a anotações de outros leitores. Se o Bob Stein ganhou para pensar isso, eu também quero me candidatar a pensador remunerado.
Uma palestra interessante foi a da Dominique Raccah – e mais como vice-presidente do BISG (Book Industry Study Group) que como CEO da Sourcebooks – por ter apresentado dados sobre a demografia comparada de leitores de livros em papel e e-books, mostrando que o fator preço é fundamental na adoção dos e-books. Os leitores do segmento trade – romances, ensaios, autoajuda, etc. – demandam sempre alguma espécie de conteúdo gratuito (download de capítulos, material adicional), além do preço substancialmente mais baixo. Esses leitores também são os que mais usam e-readers, enquanto os universitários acessam conteúdo digital principalmente através de laptops, notebooks e desktops.
A palestra de Joseph Craven (Sterling Publishing), sobre a construção de comunidades verticais desenvolvidas pelos editores em torno de livros ou coleções, também foi muito interessante. Tornou prática e consequente a conversa de uso das redes sociais no negócio de livros, chamando atenção para a interação entre o público leitor/consumidor e os editores, inclusive no que diz respeito ao conteúdo adicional aos livros.
Alguns dos palestrantes abordaram muito de leve uma questão que tem atraído bastante minha atenção. Atualmente, o segmento comercial/industrial que efetivamente está ganhando dinheiro com o conteúdo digital é o dos prestadores de serviço de acesso e as empresas de telecomunicação, que viabilizam esse acesso.
O fato é que uma parte dos custos de “logística” dos e-books, é transferido para os consumidores de conteúdo digital que pagam pelo acesso à Internet. Esse é um negócio específico das empresas de telecomunicação e dos provedores de acesso. Essas empresas pressionam todos os produtores de conteúdo para receber um fluxo constante de conteúdo barato ou gratuito. Por sua vez, esse conteúdo gera mais tráfego na rede e agrega receita a essas empresas. Na discussão do conteúdo gratuito não podemos nos esquecer de que, como não existe almoço grátis, estamos pagando pelo acesso e também, com nossas contribuições blogueiras, no FaceBook e no twitter, para proporcionar conteúdo gratuito para essas gigantes que inexoravelmente apresentam suas contas.

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